Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 803/2021-T
Data da decisão: 2022-08-31  IRS  
Valor do pedido: € 5.863,68
Tema: IRS – Residência fiscal, Prova da residência, Competência exclusiva do Estado da Residência
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SUMÁRIO:

A residência fiscal constitui um conceito basilar em termos de determinação da sujeição pessoal ao IRS.

Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art.º 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

O dever de comunicação da alteração da residência fiscal previsto no art.º 19.º, n.º 3, da LGT não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.

Tendo o sujeito passivo reunido elementos probatórios que demonstram a residência fiscal no Reino Unido durante o ano de 2017, e aí declarado os seus impostos, tendo ainda apresentado uma declaração de substituição da Modelo 3 do IRS, com efeitos a 2017, informando o Estado português da sua qualidade de não residente em Portugal, ficou cabalmente provada a residência fiscal naquele país.

Em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais seguindo o artigo 15.º do Modelo OCDE – reconhecem, em princípio, a competência exclusiva do Estado da residência, cuja regra geral sofre derrogações caso o trabalho dependente seja executado no outro Estado contratante, passando assim a ocorrer a competência cumulativa de tributação.

Sendo o Requerente no período de 2017 residente no Reino Unido, local onde exclusivamente prestou e auferiu rendimentos de trabalho dependente, ter-se-á de concluir que a competência de tributação é exclusiva do Estado da residência, não sendo esse Estado Portugal, ao contrário do que defende a AT.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitro Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído a 08 de fevereiro de 2022, acorda no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 30 de novembro de 2021, A..., com domicílio na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, titular do NIF ... adiante designado como “Requerente”, vem requerer a anulação do ato de demonstração de liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao IRS de 2017, (cfr. Doc. n.º 1 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA)), e solicitar a constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º n.º 1 al. a) e artigo 10º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  2. A liquidação de IRS em referência ascende a um montante total de € 5.863,68.
  3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
  4. O presente Tribunal foi constituído no dia 08 de fevereiro de 2022, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
  5. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 16 de março de 2022, defendendo-se por impugnação.
  6. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre a qual as partes carecessem de se pronunciar antecipadamente, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
  7. Por despacho de 21 de março de 2022, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas de facto e de direito, a apresentar pelas partes no prazo sucessivo de dez dias.
  8. Adicionalmente, o Tribunal indicou o dia 29 de julho de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data o Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
  9. Nesta sequência, no dia 1 de abril de 2022, a Requerente apresentou alegações escritas de facto e de direito.
  10. A Requerida optou por não apresentar contra-alegações.
  11.  Por despacho de 31 de maio de 2022, o Tribunal notificou a Requerida para juntar aos autos o processo administrativo, no prazo de dez dias.
  12. No dia 17 de junho de 2022, o Tribunal notificou a Requerida para juntar aos autos o processo administrativo, no prazo de 5 dias, sob pena de cominação do artigo 84.º n.º 5 do CPTA, aplicável ex vi, artigo 29.º do RJAT. 
  13. No dia 30 de junho de 2022 a Requerida informou o Tribunal que os serviços centrais não procederam ao envio do respetivo PA, tendo solicitado o mesmo aos serviços regionais, e requerendo um prazo adicional não inferior a dez dias, para a obtenção do PA junto da referida unidade orgânica da AT.
  14. No dia 15 de julho de 2022, estando o processo pendente da junção do processo administrativo, o Tribunal notificou as partes da prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral para o dia 21 de setembro de 2022, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.
  15. No dia 22 de julho de 2022 a Requerida juntou o processo administrativo aos autos.

 

II. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

  1. O Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de demonstração da liquidação de IRS, referente ao ano de 2017, no montante de € 5.863,68 (cinco mil oitocentos e sessenta e três euros e sessenta e oito cêntimos) no seguinte:

 

  1. O Requerente decidiu ir viver e trabalhar para o Reino Unido desde o ano de 2012 até 2019, período em que trabalhou ininterruptamente numa empresa de Faraham.
  2. O Requerente arrendou casa nesse país, e aí pagou os impostos e contribuições que lhe foram solicitados como residente.
  3. Relativamente ao cumprimento das obrigações fiscais em Portugal, o Requerente contratou um contabilista que por lapso terá preenchido erradamente a Modelo 3 do IRS, não tendo assinalado a situação de não residente fiscal em Portugal. Contudo, a situação foi oportunamente corrigida não podendo o Requerente ser duplamente tributado na qualidade de residente fiscal em Portugal, assim como de residente fiscal no Reino Unido.
  4. Ademais, invoca o Requerente que de acordo com o n.º 2 artigo 15.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda no Norte para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, o local da tributação dos rendimentos de trabalho dependente será o da prestação do serviço e da sede da entidade empregadora.
  5. Ora, no caso, o Requerente residia, vivia e trabalhava no Reino Unido ao serviço de uma empresa com sede nesse país, pelo que não lhe incumbia incluir no Anexo J da modelo 3 do IRS, os rendimentos de trabalho obtidos naquele país. 
  6. Assim, defende que a alteração dos elementos declarados impetrada pela Direção de Finanças é ilegal, e que caso assim não fosse, sempre os impostos pagos no Reino Unido deveriam ser considerados e descontados ao valor a pagar em Portugal, sob pena de ser verificar um quadro de dupla tributação, violador da Convenção celebrada entre Portugal e o Reino Unido, assim como o disposto no n.º 1 do artigo 81.º do CIRS.
  7. Em apoio da sua tese o Requerente cita exemplos da jurisprudência proferida pelo CAAD, concluindo com um pedido de revogação da demonstração da liquidação de IRS.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Rebate a Requerida os argumentos do Requerente, começando por aduzir que à data dos factos o Requerente constava como residente em território português, tendo a AT sido informada através do mecanismo de troca de informação internacional (Sistema Integrado de Troca de Informação) pelas autoridades fiscais do Reino Unido que o Requerente auferiu rendimentos naquele país na qualidade de residente fiscal em território português.
  2. Com efeito, refere a Requerida que «a invocação da condição de residente no Reino Unido no ano em causa (2017) (...) ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação (CDT) celebrada entre Portugal e o Reino Unido implica a não tributação em território português sobre os rendimentos auferidos em território inglês», é uma alegação que não colhe. 
  3. Segundo a Requerida, o Requerente possuía a sua residência em território português, sendo que qualquer alteração é de comunicação obrigatória à AT sob pena de ineficácia, conforme decorre dos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT). Um entendimento contrário a este facto é violador dos princípios da certeza e da segurança jurídica, em virtude de se tratar de uma situação que se mantém estável e inalterada há mais de 5 anos.
  4. Acresce que entende a AT que a prova apresentada para o efeito pelo Requerente, - Letter of Confirmation of Residence - não configura um certificado de residência em termos que permita a solicitação de benefícios ao abrigo de quaisquer os acordos de dupla tributação com o Reino Unido, não podendo ser utilizada para esse efeito.  
  5. Por conseguinte, tratando-se de um residente em território português, «o mesmo está aqui sujeito à tributação pela universalidade dos seus rendimentos, de acordo com o n.º1 do artigo 15.º    do Código do IRS, e os rendimentos em causa (de trabalho dependente) estão sujeitos a tributação ao abrigo do n.º 1 do art.º 1.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º também do Código do IRS.»
  6.  Sucede que sendo os rendimentos de fonte estrangeira, a AT reconhece que ocorre uma situação de dupla tributação internacional, resultante da competência tributária entre o local do domicílio fiscal (Portugal) e o local do exercício do emprego (Reino Unido).
  7. Ora, cabe ao estado da residência a eliminação da dupla tributação internacional, através da concessão de um crédito de imposto, nos termos do n.º 3 do artigo 23.º da CDT. No caso concreto, tal crédito ascendeu a € 6.848,42, valor este que foi inscrito na declaração oficiosa recolhida pela AT, que também coincide com o comunicado pelas autoridades fiscais inglesas, através do sistema de trocas de Informação.
  8. Por conseguinte a AT entende que a dupla tributação foi eliminada, encontrando-se regularizada a situação tributária em causa, não havendo lugar a qualquer correção. 
  9. Conclui, pedindo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo manter-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação de IRS.

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações do Requerente, e Resposta da Requerida), e a prova documental junta aos autos pelo Requerente, e ao Processo Administrativo instrutor consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente, titular do NIF..., motivado pela crise generalizada que ocorreu em Portugal, foi residir para o Reino Unido entre o período de 1 de setembro de 2012 até 31 de março de 2019 conforme carta de confirmação de residência emitida pelas Autoridades Fiscais do Reino Unido – HM Revenue & Customs; cfr. Doc. n.º 5, junto com o PPA;
  2. O Requerente celebrou um contrato de trabalho com a empresa B... PLC no dia 03 de julho de 2013, tendo auferido rendimentos do trabalho dependente pagos por esta empresa, de forma ininterrupta, durante todo o período de permanência no Reino Unido; cfr. Docs. n.º 2, 6, e docs. 7 a 12 juntos com o PPA;
  3. No Reino Unido o Requerente auferiu em 2017 a título de Rendimento de pensões o valor de € 349,92 Imposto suportado; cfr. Processo Administrativo;
  4. No Reino Unido, o Requerente celebrou um contrato de arrendamento para habitação no dia 10 de Março de 2013; cfr. Doc. n.º 4, junto com o PPA;
  5. O Requerente celebrou novo contrato de arrendamento para habitação naquele país em 1 de abril de 2017; cfr. Doc. n.º 11, junto com o PPA;
  6. O Requerente esteve sujeito a imposto no Reino Unido pelos rendimentos de trabalho auferidos, tendo aí submetido as correspondentes declarações fiscais, designadamente entre os anos de 2014 e 2017; cfr. Docs. n.º 7 a 10, juntos com o PPA;
  7. Relativamente ao ano de 2017 e de 2018, o Requerente pagou o imposto municipal junto das autoridades fiscais do Reino Unido, incidente sobre prédios urbanos, e liquidado aos arrendatários residentes na respetiva área de localização do imóvel; cfr. Doc. n.º 12, junto com o PPA;
  8. Estando ausente de Portugal, o Requerente contratou os serviços de um contabilista que cumprisse as suas obrigações fiscais, considerando que pelos usos da profissão e especificidades da matéria estaria melhor posicionado para assegurar a finalidade pretendida; cfr. PPA, facto não controvertido;
  9. Por lapso, na Modelo 3 do IRS foi inscrito no quadro #8, campo A, a situação de residência fiscal do Requerente em Portugal continental, tendo tal lapso resultado numa liquidação de imposto a pagar no ano de 2017, no valor de € 5.863,68; Cfr. Doc. n.º 13, junto com o PPA;
  10.   A 15 de junho de 2021, o Requerente, apercebendo-se do lapso, submeteu nova declaração de IRS, Modelo 3, em correção da anterior, reportando os efeitos da mesma ao ano de 2017.
  11. Na declaração corretiva referida no ponto J, o Requerente declarou-se como residente fiscal no Reino Unido e nomeou um representante fiscal em Portugal; - (Cfr. Doc. n.º 14, junto com o PPA);
  12. Em 29 de abril de 2021 o Requerente foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 60.º da LGT tendo exercido o seu Direito de Audição a 24 de maio de 2021, conforme Requerimento apresentado junto da Direção de Finanças do Porto; - (cfr. Processo Administrativo);
  13. No âmbito do exercício do Direito de Audição o Requerente informou à AT que no ano de 2017 foi residente fiscal no Reino Unido e que apresentaria Declaração de Substituição da Modelo 3 para o ano em referência; - (cfr. Processo Administrativo);
  14. Em 28 de Maio de 2021, o Requerente foi notificado por Despacho da Direção de Finanças do Porto da Informação que instruiu a fundamentação da decisão de indeferimento nos seguintes termos “2. AUDIÇÃO PRÉVIA – Artigo 60.º da LGT/ALTERAÇÃO DOS RENDIMENTOS DECLARADOS

- Foi notificado por estes serviços, para o exercício do direito de audição prévia por força do disposto no artigo 60.º da LGT – Lei Geral Tributária -, através do n/ofício de SAÍDA n.º 2021..., de 29.4.2021, tendo no exercício do direito de audição, vindo dizer que no ano de 2017 foi residente no Reino Unido e declarou os seus rendimentos às entidade oficiais daqueles país tendo pago os imposto devidos motivo pela qual não foram declarados os rendimentos da categoria A e H, pelo facto de ser não residente em Portugal.

Da análise do exposto pelo contribuinte verifica-se que o contribuinte tem o cadastro fiscal como residente em Portugal. O IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, assim sendo, o contribuinte tem a obrigação de declarar os rendimentos em Portugal os rendimentos obtidos no Reino Unido.

O contribuinte não apresentou documento comprovativo de residência no estrangeiro, emitido pela administração fiscal, onde conste expressamente o(s) ano(s), em que o contribuinte foi residente no estrangeiro.

Assim, não tendo procedido à entrega de declaração de substituição Modelo 3 IRS/2017 para declarar em anexo J os rendimentos de fonte estrangeira a que estava obrigado conforme o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS (CIRS).

Não tendo sido regularizada a sua situação tributária em IRS/2017, a AT vai proceder à alteração dos rendimentos declarados, nos termos do n.º 4 do art.º 65º do CIRS, através da elaboração de documento oficioso com anexo J para sujeitar a tributação os rendimentos de fonte estrangeira mencionados no ponto 1, e consequente liquidação adicional de imposto – Mapa de Alteração em anexo -.

3. AUTO DE NOTÍCIA

Pelas infrações incorridas na falta de entrega da declaração de substituição Mod.3 IRS/2017 e consequente omissão de rendimentos de fonte estrangeira, vão estes serviços proceder ao levantamento de auto de notícia por contraordenação, incorrendo na penalização prevista no artigo 119.º do RGIT – Regime Geral das Infrações Tributarias.

À consideração superior”. – (cfr. Processo Administrativo);

 

  1. Em 29 de julho de 2021, o Requerente foi notificado da fundamentação da decisão de indeferimento do direito de audição nos termos do qual se entendeu “(...) que o contribuinte tem cadastro fiscal como residente em Portugal, não tendo apresentado documento comprovativo da residência no Reino Unido”; (cfr, Processo Administrativo);
  2.  Em agosto de 2021, o Requerente foi notificado da declaração de IRS de acerto de contas respeitante ao período entre 01/01/2017 a 31/12/2017, no valor de € 5.863,68; - (cfr. Doc. n.º 1, junto com o PPA);
  3.      No dia 30 de novembro de 2021, o Requerente apresentou o pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral; - (cfr. requerimento eletrónico submetido no CAAD).

 

  1. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

VI- Do Direito

 

  1. Da questão a decidir

A questão que se discute nos presentes autos passa por determinar em que país foi residente fiscal o Requerente durante o ano de 2017, tendo em vista determinar qual o Estado onde deve ocorrer a tributação dos rendimentos do trabalho dependente auferidos no Reino Unido.

Para o efeito da sobredita análise, importará convocar os normativos constantes do Código do IRS atinentes à determinação da residência das pessoas singulares em território português, bem como o disposto na Convenção celebrada entre Portugal e o Reino Unido, visto que conforme previsto no artigo 8.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), as normas constantes de Convenções Internacionais vigoram na ordem jurídica logo que publicadas, daí decorrendo que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os destinatários segundo o princípio da eficácia direta e imediata, prevalecendo o direito convencional sobre o direito interno.

Em confronto está o entendimento do Requerente, segundo o qual no ano em referência era residente no Reino Unido, local onde exercia a sua atividade profissional auferindo rendimentos do trabalho dependente suportados por uma empresa que se localiza igualmente no Reino Unido.

Invoca o Requerente, que o facto de se encontrar registado no sistema informático da AT, como residente fiscal em Portugal, resultou de um mero lapso no preenchimento da Declaração Modelo 3 do IRS, não podendo tal lapso, a seu tempo corrigido, produzir os efeitos almejados pela AT, quanto à consideração da residência fiscal em Portugal, e a consequente tributação desses rendimentos em Portugal. Ademais, o Requerente entende que se encontra documentalmente comprovada a residência fiscal no Reino Unido entre o período de 2012 até 2019 através de elementos factuais relevantes, como o arrendamento da casa onde residia, o certificado de residência emitido pelas autoridades locais, o pagamento de impostos naquele país, entre outros, porquanto nunca um erro no preenchimento da Modelo 3 do IRS poderia determinar os efeitos pretendidos pela AT.

A Requerida, por seu turno, defende que a comunicação da alteração da residência fiscal é obrigatória, sob pena de ineficácia, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º da LGT, e que no tocante aos rendimentos auferidos pelo Requerente no Reino Unido, a informação enviada através do Sistema Integrado de Trocas de Informação, pressupõe a consideração deste como residente em território nacional.

Na perspetiva da AT cabia ao Requerente o ónus da prova de que não era residente fiscal em território português durante o ano de 2017, ónus que não cumpriu, pois, a prova junta aos autos não configura um certificado de residência no Reino unido, para efeitos da solicitação dos benefícios ao abrigo da Convenção para evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino Unido.   

A Requerida entende que ao abrigo do artigo 15.º da referida Convenção, tendo o Requerente domicílio fiscal em Portugal, e exercendo a sua atividade profissional no Reino Unido, a competência tributária é cumulativa, cabendo a eliminação da dupla tributação assim gerada ao Estado da Residência, através da concessão de um crédito de imposto, nos termos constantes no n.º 3 do artigo 23.º da CDT.

Nestes termos, os rendimentos auferidos pelo Requerente no Reino Unido deverão ser inscritos no Anexo J da Declaração de Rendimentos Modelo 3 e, por conseguinte, declarados e tributados em Portugal, podendo não obstante ser objeto da eliminação da dupla tributação através da concessão de um crédito de imposto inscrito na demonstração da liquidação de IRS, encontrando-se regularizada a situação tributária em causa, não havendo lugar a qualquer outra correção.

 

Vejamos.

 

In casu estamos perante um sujeito passivo que no ano de 2017, obteve rendimentos do trabalho dependente no Reino Unido, ao serviço de uma empresa sediada naquele país.

Conforme resulta provado, o Requerente mudou-se para o Reino Unido a 1 de setembro de 2012 tendo aí permanecido até 31 de março de 2019 (ponto A do probatório). Durante todo o período de permanência naquele país trabalhou para a mesma empresa (ponto B do probatório), a qual por seu turno realizou as correspondentes retenções na fonte dos impostos devidos pelo Requerente (ponto F do probatório).

Ficou ainda provado que o Requerente arrendou casa no Reino durante todo o período de permanência, tendo ficado sujeito aos impostos (locais) municipais liquidados sobre os arrendatários de imóveis (pontos E, F e G do probatório).

Encontra-se demonstrado que no período em referência, o Requerente entregou uma declaração de IRS Modelo 3, indicando a sua residência fiscal em Portugal, (ponto I do probatório), situação que serviu de fundamento à decisão da AT para a tributação dos rendimentos do trabalho em Portugal.  Subsequentemente, tal declaração foi objeto de substituição, com efeitos reportados ao ano de 2017, tendo o Requerente indicado a residência fiscal no Reino Unido durante o ano de 2017 e nomeado um representante fiscal em Portugal (pontos I e J do probatório);

Por outro lado, não se poderá olvidar que os rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2017 foram decorrentes de atividades exercidas por conta de outrem exclusivamente no Reino Unido (facto não contestado pela AT e ponto B do probatório).

  

Subsumindo.

Importa desde já convocar os normativos que relevam para o caso dos autos.

De harmonia com o disposto no artigo 16.º do Código do IRS, na parte que releva para o caso, “  1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

 

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

 

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

 

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

 

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

 

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

 

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

 

4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

 

5 - A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.

 (...) ”.

 

Por seu turno, e quanto ao âmbito de sujeição a IRS, estabelece o artigo 15.º do Código do mesmo imposto o seguinte:

Artigo 15.º

Âmbito da sujeição

1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial previstos nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte, relativamente a cada um dos estatutos de residência.

 

Resulta, assim, dos normativos legais citados que são os sujeitos passivos de IRS, por um lado, as pessoas singulares residentes e, por outro lado, as pessoas singulares não residentes.

Sendo que, relativamente aos residentes a tributação pauta-se pelo princípio da universalidade ou do rendimento mundial e quanto aos não residentes a tributação rege-se pelo princípio da territorialidade, ou seja, são tributados apenas pelos rendimentos obtidos em Portugal.

Porquanto, a residência apresenta-se como o elemento de conexão mais importante, sendo com referência a ela que se define a própria extensão de imposto. A lei criou no artigo 16.º do CIRS, critérios específicos para qualificar as pessoas e outras entidades como residentes ou não residentes em território português.

Como visto, no caso de pessoas singulares tais critérios reportam-se, no essencial, à permanência em território português por determinado período mínimo de tempo (183 dias) ou à permanência nesse território por menos tempo, mas acompanhada pela disponibilidade em certa data (31 de dezembro) de uma habitação própria em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.

 

Ora, conforme referido supra, o Requerente, apesar de constar do sistema informático da AT como residente fiscal em Portugal, situação que ocorreu devido a um lapso de preenchimento da declaração Modelo 3 do IRS, o acervo fáctico constante no probatório permite alicerçar a não residência em Portugal no período em análise, ou seja, no ano de 2017. Com efeito, atendendo aos critérios de residência previstos no artigo 16.º n.º 1 do CIRS, ter-se-á de concluir pela não residência do Requerente em Portugal. Note-se, aliás, que o Requerente procedeu à alteração da declaração Modelo 3 do IRS com efeitos reportados a 2017, quanto à sua condição de “residente” para “não residente em território nacional”, nomeando um representante fiscal em Portugal, e passando a estar inscrito no cadastro de contribuintes como um sujeito passivo “residente no estrangeiro”, concretamente residente no Reino Unido, onde prestou e auferiu rendimentos do trabalho, e um rendimento marginal a título de pensões.

Acresce referir, que a Lei Geral Tributária (LGT) consagra um conceito de domicílio fiscal, no seu art.º 19.º, que, na sua redação em vigor em 2017, prescrevia o seguinte:

 

Artigo 19.º

Domicílio fiscal

 

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica.

(Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária. (Anterior n.º 2 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária. (Anterior n.º 3 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

5 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional. (Anterior n.º 4 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

6 - Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação. (Anterior n.º 5 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

7 - O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

8 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor. (Anterior n.º 6 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

(...)”

Tem vindo a ser entendimento da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores, que os conceitos de domicílio fiscal e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

 

Apelando às palavras de Alberto Xavier[1] a “noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de actos relativos à situação fiscal do contribuinte”.

Assim, de um lado, podemos discernir o conceito de domicílio fiscal previsto no art.º 19.º da LGT, cuja relevância mais evidente se situa ao nível dos contactos entre o contribuinte e a AT (aliás, cabe atualmente no conceito de domicílio fiscal o domicílio fiscal eletrónico).

Daí a previsão constante do art.º 43.º, n.º 2, do CPPT, no sentido de que a “falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1 [comunicação da alteração do domicílio], não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas”.

Refira-se ainda que este dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art.º 43.º do CPPT quer no então art.º 19.º, n.º 3, da LGT, não se trata de formalidade ad substanciam, o que significa que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.[2]

 

Já o conceito de residência fiscal tem subjacente outros pressupostos, como decorre do art.º 16.º do CIRS, a saber, designadamente:

 

a) Permanência em território português mais de 183 dias seguidos ou interpolados;

b) Permanência por menos tempo, se aí se dispuser, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.

 

Destarte, e face à realidade fáctica supra expendida, ter-se-á de concluir que o Requerente era efetivamente, em 2017, não residente em território português.

Ora, aqui chegados, cumprirá aferir da competência do Estado português para a tributação dos rendimentos auferidos no Reino Unido pelo Requerente, conforme entende a AT, sendo certo que o Estado da Residência é o Reino Unido.

Para este efeito, importará convocar a Convenção Celebrada entre Portugal e o Reino Unido, pois conforme previsto no artigo 8.º n.º 2 da CRP, o Direito Convencional prevalece sobre o Direito interno, significando isso que sendo a situação regulada por uma norma interna e por uma norma de Direito Internacional, esta última é-lhe aplicada.

Dispõe o artigo 15.º da CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido o seguinte:

ARTIGO 15.º

Empregos

1) Com ressalva do disposto no artigo 17.º, os salários, ordenados e remunerações similares, que não sejam aquelas a que se aplica o artigo 18.º, obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.

2) Não obstante o disposto no parágrafo 1), as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se:

a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que, no ano fiscal em causa, não excedam, no total, 183 dias;

b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado;

c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.

3) Não obstante as disposições anteriores deste artigo, as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave no tráfego internacional, podem ser tributadas no Estado Contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa.

Ora, da letra do artigo 15.º da CDT, resulta a atribuição com exclusividade da competência de tributação ao Estado da residência do sujeito passivo.

Esta é, por conseguinte, a regra geral a qual sofre derrogações caso o trabalho dependente seja executado no outro Estado contratante, passando, assim, a ocorrer competência cumulativa de tributação. Em determinadas circunstâncias o Estado da fonte passa a ter também competência de tributação ainda que não incondicionalmente, na medida que a verificarem-se determinadas circunstâncias coadunadas, na prática, com uma forte ligação ao Estado da residência, regressa-se e legitima-se a regra geral, ou seja, a da competência exclusiva do Estado da residência.

Relativamente à tributação de rendimentos do trabalho dependente, atente-se no expedido por Alberto Xavier, que se transcreve na parte que para os autos releva:

Em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais-seguindo o artigo 15.º do Modelo OCDE-reconhecem, em princípio, a competência exclusiva do Estado da Residência.

 

Se o emprego é exercido no Estado da residência do empregado, nenhum problema se suscita; se, porém, é exercido noutro Estado, importa proceder à repartição dos poderes de tributar potencialmente interessados na situação.[3]

   

Ora, face a todo o expedido anteriormente, subsumindo-se, como visto, a realidade fática no artigo 15.º da CDT, do qual resulta, inexoravelmente, que o Estado da residência tem quanto a rendimentos do trabalho dependente competência exclusiva, a qual só é afastada caso o trabalho seja desenvolvido no outro Estado contratante, e não se verificando, no caso vertente, tal circunstância, ter-se-á de concluir que a competência para a tributação é exclusivamente, o Reino Unido, ficando assim excluída a competência de tributação do Estado Português. Por conseguinte, e ao abrigo da legislação supra citada do Estado português não dispõe de competência para tributar os rendimentos do trabalho auferidos pelo Requerente no Reino Unido. De igual modo, nos termos do artigo 17.º n.º 1, o Estado Português não dispõe de competência para tributar os rendimentos auferidos pelo Requerente a título de pensões, cabendo ao Estado da residência competência exclusiva nesta matéria.

Destarte, inquina o ato de liquidação de vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, cominando com a anulabilidade da demonstração de liquidação de IRS relativa ao ano de 2017.  

Em face do exposto, não assiste razão à AT na correção efetuada ao rendimento obtido pelo Requerente, no valor de €5.863,68, concluindo-se pela procedência da pretensão do Requerente.

 

VII- Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de IRS, relativa ao ano de 2017 e, nesta sequência,
  2. Anular a liquidação de IRS de acerto de contas n.º 2021..., perfazendo um montante total de €5.863,68;

 

***     

 

VIII- Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em €5.863,68 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IX. Custas

 

Custas no montante de €612,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Lisboa, 31 de agosto de 2022

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

Filipa Barros

 

 

 

 

 



[1] (Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 281).

 

[2] Vide, neste sentido, Acórdão do TCAN, processo n.º 00546/10.2BEVIS, de 17/09/2015, Acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 2369/09.7, de 11/11/2021, Acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 986/11, de 04/07/2022,

[3] In ob. cit, pp. 619 e 620.