Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 802/2014-T
Data da decisão: 2015-08-05   
Valor do pedido: € 35.885,06
Tema: IRS – Mais-valias na alienação de imóveis; procuração irrevogável; inexistência de facto tributário
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DECISÃO ARBITRAL

REQUERENTE: A…, NIF …, residente na Rua …, …, …-… ….

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada AT) representada pelo Dr. B…e pelo Dr. C…, conforme despacho de designação do Director Geral da AT, de 30/12/2015.

I – RELATÓRIO

1.      A REQUERENTE, ao abrigo do art.º 2.º n.º 1 alínea a) do RJAT, apresentou pedido de pronúncia arbitral, para apreciação da legalidade do acto de liquidação adicional de IRS referente ao período de 2010, no valor de € 35.885,06, vindo, a final, a peticionar que este Tribunal Arbitral se pronuncie no sentido:

(i)              Da anulação do acto de liquidação de IRS e juros compensatórios liquidados adicionalmente para o período de tributação de 2010;

(ii)            Da condenação da AT ao pagamento da quantia de € 35.885,06, já paga pela REQUERENTE, acrescida de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento [28/10/2014].

2.      A REQUERENTE apresentou Pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a 04-12-2014, o qual aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 09-12-2014, levou à notificação da AT, em cumprimento do nº 3 do art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT).

3.      Tendo a REQUERENTE optado por não designar árbitro, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi o signatário designado árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nomeação tempestivamente aceite, foi notificada às partes a 28-01-2015 que não se opuseram à referida designação.

4.      Notificada a REQUERIDA, a mesma não procedeu nos termos previsto no nº 1 do art.º 13º do RJAT à revogação da liquidação objecto de litígio, assim mantendo o acto controvertido.

5.      O Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 13-02-2015, conjugado o disposto na alínea c), do nº 1, com o nº 8 do artigo 11º, do RJAT, pelo que a 16-02-2015 foi notificada a AT para, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 artigo 17º do RJAT, apresentar Resposta e o correspondente processo administrativo;

6.      Em Reposta a REQUERIDA, a 19-03-2015, vem apresentar defesa por impugnação;

7.      Tendo a 20-05-2015 sido dispensada a reunião prevista no art.º 18º do RJAT;

8.      Foi inquirida a testemunha indicada pela REQUERENTE a 28-05-2015 – Dr. D… - na sede do CAAD, conforme consta da respectiva acta de inquirição e gravação áudio;

9.      Não tendo a REQUERIDA feito comparecer a testemunha por si indicada – E… - no dia da respectiva inquirição, foi definido o dia 15-06-2015, pelas 14.30 horas, para efeitos de realização da inquirição, a apresentar pela REQUERIDA, de que ficaram as partes então notificadas, sem prejuízo de mediante despacho se dar sem efeito o referido acto de inquirição;

10.   Atenta a junção aos autos de distintos documentos pelas partes, e ao seu teor, foi proferido despacho, a 09/06/2015, no sentido da necessidade de se aferir da utilidade da inquirição da testemunha indicada pela Requerida (cfr. 130º [1]CPC e 99º, nº 1 da LGT), dando sem efeito a inquirição no dia 15-06-2015, pelas 14.30; a ser reagendada, após pronúncia das partes, se se afigurar entretanto necessário.

11.   Atento o teor dos documentos que ambas as partes juntaram aos autos, e sobre os quais ambas foram chamadas a pronunciar-se, releva:

11.1.                Uma decisão arbitral, que, embora não transitada em julgado, a ser junta pela REQUERIDA se depreende a concordância com o seu teor, de que se destaca, que o facto jurídico que originou a mais-valia, ocorreu no ano 2000, porém não na esfera da REQUERENTE, conforme se exporá;

11.2.                Pela REQUERENTE, que o seu pai adquirira os imóveis que estão a ser sujeitos a tributação antes da entrada em vigor do CIRS, assim se afirmando excluídos de tributação em sede de mais-valias, conforme também se exporá,

11.3.                Fica comprovada a inutilidade da inquirição da testemunha indicada pela REQUERIDA (cfr. 130º CPC e 99º, nº 1 da LGT), pelo que, nos termos da alínea e) do artº 16º do RJAT, dela se prescinde.

II – SANEAMENTO

1.     O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º, nº 2 e 6º, nº 1 do RJAT.

2.     As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

3.     O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

III - POSIÇÃO DAS PARTES

III.A – POSIÇÃO DA REQUERENTE

A REQUERENTE veio requerer a constituição do tribunal arbitral para apreciação da legalidade do acto de liquidação adicional de IRS referente a 2010, no valor de € 35.885,06, que decorre de mais-valias apuradas em virtude da alienação em 31 de Março de 2010, de dois prédios rústicos - freguesia … - artigos … e …, no valor total de € 299.278,74, pelo procurador F… (doravante F…) em representação de G… (doravante G…) à sociedade comercial H…, LDA., alegando que:

1.     A AT dirigiu ao contribuinte o ofício …/…, de 06/02/2014, onde consta da base de dados da AT, na Declaração Mod. 11 a alienação dos prédios rústicos (...) em nome dos sujeitos passivos I… (...) e G... (...), tendo estes falecido em 2003.01.05 e 2006.03.12 respectivamente.

2.     Declarou a AT que não se verifica declarado aquele rendimento, pelo que foi a REQUERENTE notificada para no prazo de 15 dias apresentar declaração modelo 3 de substituição a incluir a sua quota-parte daquele rendimento no anexo G, e comunicar aos outros herdeiros para procederem da mesma forma’.

3.     Em cumprimento do art.º 60º da LGT, a AT notificou, a REQUERENTE de que, em 15 dias, poderia exercer o direito de audição, mas nada mais foi comunicado ou notificado à REQUERENTE.

4.     Em face da notificação a REQUERENTE não comunicou aos outros herdeiros para procederem da mesma forma por entender que não ter responsabilidade sobre a notificação a terceiros que compete exclusivamente a AT, mas exerceu o direito de audição em 12-02-2014 por correio electrónico que dirigiu para o endereço:…, onde consignou que:

4.1.  Quem vendeu os prédios em causa foi o pai da REQUERENTE;

4.2.  A venda tinha sido antecedida da celebração de um contrato promessa, que juntou em anexo;

4.3.  Tinha sido celebrada uma procuração, que igualmente anexou;

4.4.  Os imóveis em causa tinham sido herdados pelo vendedor G…, e juntou documento;

5.     À junção dos documentos e elementos novos a AT não se pronunciou, e constituindo um projecto de decisão [dado que ao contribuinte foi dada a possibilidade de sobre ele se pronunciar nos termos do art.º 60 da LGT], a AT não proferiu decisão final, ou se o fez, não comunicou à REQUERENTE;

6.     Significa que a AT não só não notificou o contribuinte da decisão final, como não se pronunciou sobre os elementos e documentos que em sede de D.A. foram trazidos para o processo.

7.     Desde Fev/2014 a REQUERENTE não recebeu qualquer comunicação ou notificação, sendo surpreendida a 22.10.2014 com a nota de compensação, que identifica a liquidação de IRS de 2010, sem explicação sobre factos e documentos trazidos para o procedimento, o que revela que o acto ”impugnado” está ferido de ilegalidade por preterição de formalidade essencial, por:

7.1.  Ausência de notificação da decisão final e,

7.2.  Vício de fundamentação, dado que a AT, em violação do artigo 60º nº 7 da LGT não se pronunciou sobre os novos elementos.

8.     O princípio da audiência prescrito nos artigos 100º e ss do CPA, assume-se como dimensão do princípio da participação do artigo 8º do mesmo Código, em cumprimento do nº 4 do artigo 267º da CRP, e que obriga o órgão administrativo competente a associar o contribuinte à preparação da decisão final.

9.     A LGT, adequando o procedimento tributário ao CPA e à CRP, consagra no artigo 60º: A participação dos contribuintes na formação das decisões que Ihes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de Audição antes da liquidação, pelo que deve a AT, remeter ao contribuinte a proposta de decisão final (60º n.º 5), e a sua fundamentação, considerando os elementos novos carreados pelo contribuinte.

10.  Citando doutrina (Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Procedimento Tributário, pág. 574) refere que o exercício do direito de audição faz nascer na esfera jurídica da administração o dever de considerar todos os novos elementos quer de facto quer de direito trazidos ao procedimento, pelo que se tal não for feito, pode-se considerar que a decisão final, além de estar deficientemente fundamentada incorpora uma preterição de formalidades e será, como tal, susceptível de anulação (cfr. artigo 99. al. d) do CPPT) e jurisprudência do STA (Ac. de 7-12-2005, Proc. 01245/03) sustenta que o artigo 60º nº 6 da LGT deve ser interpretado no sentido de que a AT está obrigada a pronunciar-se sobre os elementos novos, quer de facto, quer de Direito, trazidos ao procedimento pelo contribuinte em sede de direito de audição, sob pena de anulação daquela decisão administrativa, por vício de forma pela deficiência de fundamentação, pois estamos perante uma manifestação do princípio do contraditório que, enquanto Principio Geral do Direito, não carece de consagração expressa na lei, sendo um momento essencial do procedimento administrativo, um princípio de ”ética jurídica” e uma norma de ”direito natural administrativo”, sendo também uma das manifestações do princípio da transparência do procedimento,

11.  A AT notificou o contribuinte para em 15 dias se pronunciar sobre o conteúdo do projecto de decisão, direito exercido pela REQUERENTE, com junção de documentos, mas que não foi objecto de qualquer apreciação, ponderação ou decisão, pelo que o acto de liquidação é ilegal por violação grosseira do disposto no artigo 60 nº 7 da LGT, vício de procedimento traduzido na circunstância de não ter sido dada sequência ao princípio da participação, e assim, uma ilegalidade de vício de fundamentação, dado que a AT ao fundamentar a decisão não incorporou os novos elementos trazidos ao processo.

12.  Em qualquer uma das circunstâncias enunciadas - incumprimento do dever de Audição [completo] ou violação do dever de fundamentação, estamos na presença de uma ilegalidade tipo, prevista no artigo 99, alíneas c) e d) do CPPT, pelo que o acto objecto de pronúncia arbitral é ilegal.

13.  Resulta do artigo 62 do RCPIT, que a AT tem a obrigação de comunicar ao contribuinte o sentido da decisão final do procedimento tributário, relativamente à intenção de tributar, antes da liquidação, o que se impunha em face da apresentação no direito de Audição de documentos pelo contribuinte, que assim ficou na expectativa relativamente ao desfecho do procedimento que estava em curso, pelo que a AT violou uma norma que por ter uma especial relação com as garantias do contribuinte se assume como uma formalidade essencial, pelo que, também por esta [terceira] razão, o acto que constitui o objecto desta pronúncia é ilegal, conforme resulta do artigo 99º d) do CPPT.

14.  A REQUERENTE pronuncia-se ainda sobre a INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO, pois inexiste facto gerador da obrigação de imposto e como tal falta o elemento típico que faz desencadear a sujeição às regras de incidência e o nascimento da relação tributaria, ao que explica que,

15.  Do que se pode intuir do ofício …, a liquidação de IRS radica na alienação dos imóveis rústicos pelo valor de € 299.278,74, que segundo a AT deveria determinar o pagamento de IRS, na modalidade de mais-valias, decorrente da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, mas que a REQUERENTE não alienou qualquer bem imóvel, não outorgou qualquer acto notarial nem incorporou na sua esfera patrimonial a contrapartida económica da alienação de qualquer imóvel, ou seja, não estabeleceu com terceiros qualquer vínculo jurídico susceptível de fazer nascer a obrigação tributária em sede de IRS, nos termos que resultam do enquadramento da AT.

16.  Todos os actos, contractos e documentos foram outorgados pelo Pai da REQUERENTE, G...o qual recebeu nos idos anos de 2000 a totalidade do preço inerente à venda, como explica:

16.1.                A 28 de Margo de 2000, foi outorgado por G...e F… um contrato promessa de compra e venda dos referidos imóveis, pelo qual, na qualidade de promitente vendedor, G...declarou prometer alienar os referidos imóveis pelo montante de 60.000.000$00 [contravalor em Euros 299.278,07] e o promitente-comprador, F…, declarou que prometia pagar 15.000$00, a título de sinal por meio de cheque, bem como o remanescente, 45.000.000.$00, seria pago no momento da outorga da procuração irrevogável do alienante a favor do adquirente pela qual, aquele, de forma irrevogável, concedeu a este os necessários poderes para em seu nome dar cumprimento ao contrato promessa.

16.2.                A 14 de Junho de 2000, os progenitores da REQUERENTE, G...e mulher I…, constituíram seu bastante procurador F..., a quem conferiram os poderes supra referidos, relativamente aos aludidos imóveis.

16.3.                A procuração por ser celebrada no interesse comum dos outorgantes é irrevogável, nos termos do artigo 265º e nº 2 do 1170º do Código Civil, e os poderes conferidos não caducam com a morte.

16.4.                Em 12 de Margo de 2006 ocorreu o óbito de G…, sendo certo que nessa data ainda não tinha ocorrido a transmissão da propriedade [o que a REQUERENTE desconhece].

16.5.                Em 31 de Margo de 2010 o titular da procuração irrevogável e promitente-comprador dos imóveis celebrou com a sociedade H…, LDA., da qual era sócio e gerente, a escritura de compra dos prédios identificados, os quais se encontram registados, ainda, a favor dos seus proprietários G...e I….

16.6.                No uso da procuração irrevogável, o promitente-comprador F... promoveu a transferência da propriedade cujo pagamento ocorrera integralmente com a outorga da procuração e contrato promessa celebrado em 2000, acto em que a REQUERENTE não teve qualquer intervenção.

17.  Não a outorgou, não estavam registados os imóveis a seu favor, não recebeu o preço ou qualquer outra vantagem, pelo que o efeito jurídico da compra e venda se produziu sem a sua intervenção, sendo o produto de uma relação jurídica entre F... e o pai da REQUERENTE, G…, como efeito decorrente da outorga da procuração irrevogável a que a doutrina e a jurisprudência reconhecem validade após a morte do mandante por ter sido conferida no interesse do mandatário.

18.  Tece a REQUERENTE considerações sobre a outorga da procuração irrevogável, citando excertos jurisprudenciais (Acórdão do STJ, de 13 de Fevereiro de 1996) e doutrinais (Pedro Pais de Vasconcelos, in ”Teoria Geral do Direito”, 2005, 3a Edição, página 189) para sustentar que sendo reconhecida a relevância jurídica das procurações irrevogáveis, a morte de G…, ocorrida em 12/03/2006, não teve qualquer influência na validade do respectivo mandato, pelo que o efeito jurídico da venda repercutiu-se na esfera jurídica do mandante e não da aqui REQUERENTE.

19.  Com a celebração do contrato promessa em 2000, G...transmitiu para F… a posse e detenção material dos imóveis e recebeu a totalidade do preço inerente à transmissão, pelo que a relação jurídica nasceu, desenvolveu-se e extinguiu-se no quadro da esfera patrimonial de F... e G…, à qual a REQUERENTE é alheia, não sendo parte integrante da relação jurídica da transmissão de bens imóveis, não é sujeito passivo da relação fiscal, pelo que não se lhe aplica a regra da incidência fiscal que decorre do art.º 13 nº 1 do CIRS;

20.  Não se repercutindo na esfera jurídica da REQUERENTE os efeitos da venda, não estão criadas as condições para desencadear a normatividade daquele mesmo incidente, por não se ter - quanto à REQUERENTE - verificado o facto gerador de imposto, pelo que, não há obrigação de pagamento.

21.  Solução em linha com o próprio regime da categoria G, na modalidade de mais-valia, de acordo com o art.º 9 nº 1 a) do CIRS; e com o nº. 3 do art.º 10º que estabelece que os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sendo que nos casos de contrato de promessa de compra e venda (...) presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse de bens ou direitos objecto do contrato (alínea a).

22.  Dos citados artigos resulta que tendo ocorrido a tradição em 2000 e tendo o identificado G...recebido a totalidade do preço apesar da propriedade se encontrar registada a favor do vendedor, o facto gerador da obrigação do imposto ocorreu em 2000 e não em 2010, pelo que os ganhos teriam sido recebidos em 2000 e não em 2010, reforçando a conclusão de que a REQUERENTE é estranha à relação jurídica fiscal e, quanto a ela, não ocorreu o facto gerador da obrigação tributaria.

23.  Provando-se a existência de determinado contrato promessa seguido de tradição ou posse, será a data em que esta se verificar que releva para efeitos de apuramento de mais-valias, independentemente de se ter operado ou não a transmissão civil com a realização da escritura pública, pois para efeitos de IRS, o legislador ficcionou a existência de transmissão fiscal logo que provada a existência de contrato promessa seguida de tradição ou posse, independentemente da natureza ou afectação do imóvel.

24.  Esta circunstância releva, ainda, para efeitos de apuramento da qualidade do sujeito passivo, cuja definição decorre do artigo 18º nº 3 da LGT: O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributaria, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

25.  Não sendo a REQUERENTE parte outorgante do contrato promessa, da procuração, e tendo sido consumada a relação jurídica em 2000 com a outorga do contrato promessa e recebido o preço, deverá concluir-se que a REQUERENTE não é sujeito passivo da relação tributária, dado que está fora do perímetro da incidência pessoal prevista no art.º 13º nº 1 do CIRS, pelo que não integra a noção de contribuinte enquanto entidade relativamente a qual se verificam os pressupostos de facto de tributação, estando fora do âmbito da aplicação do artigo 18º nº 3 da LGT, sendo assim o acto ilegal por ausência de facto tributário e violação do disposto no artigo 13º nº 1 do CIRS e art.º 18º nº 3 da LGT.

26.  Pronuncia-se ainda a REQUERENTE sobre a CADUCIDADE, no sentido de que dispõe o artigo 45º da LGT que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos quando a lei não fixar outro, sendo requisitos para que o acto tributário seja válido, que este seja praticado dentro do prazo legal e que seja dado conhecimento (ou deva considerar-se que foi dado) ao destinatário dentro do mesmo prazo.

27.  Vem a REQUERENTE a concluir que como o facto gerador da obrigação de imposto, à luz do disposto no artigo 10º nº 3 a) do CIRS, ocorreu em 2000, à luz do art.º 45º, a AT dispunha de 4 anos para promover a liquidação do IRS devido pela transmissão - sempre e só na esfera jurídica de G...- que terminou em 31/12/2004, pelo que a liquidação ocorrida em 2010 é extemporânea, sendo, além do mais o acto impugnado ilegal por caducidade do direito a liquidação.

28.  Após a liquidação do IRS a REQUERENTE procedeu em 28 de Outubro de 2014 ao pagamento do imposto que lhe foi debitado, sendo que a razão da liquidação do imposto pago radica na errónea aplicação do artigo 10º nº 1 e 3 do CIRS, pelo que, ocorreu erro imputável aos serviços, sendo que em tal caso o artigo 43º da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios a favor do contribuinte, sendo certo que, conforme resulta do artigo 100º da LGT, a AT está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de (…) de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

29.  Conclui que o acto tributário objecto de pronúncia arbitral se encontra ferido de ilegalidade devido a um erro jurídico emergente da errónea aplicação do artigo 10º nº 1 e 3 do CIRS, por não existir facto tributário, por caducidade, por preterição de formalidades essenciais o que, nos termos do art.º 99º do CPPT gera a sua anulabilidade, que peticiona, bem como dos juros compensatórios liquidados adicionalmente para o período de tributação de 2010, requerendo seja a REQUERIDA condenada ao pagamento da quantia de € 35.885,06 já paga pela REQUERENTE, acrescida de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento [28/10/2014], nos termos do art.º 43º da LGT.

30.  Mediante requerimento de 09-06-2015, a REQUERENTE solicitou junção de documentos que procuram expor que quando a AT invoca o art.º 29º nº 2 da LGT no sentido de que estando a obrigação tributária na esfera jurídica de G…, tal obrigação se teria transmitido para os herdeiros, no caso a REQUERENTE, tal não pode verificar-se pois G...era proprietário de pleno direito dos imóveis constitutivos do …, desde 1976, beneficiando assim do regime de exclusão de tributação previsto no regime transitório do art.º 5º nº 1 do decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro.

III.A – POSIÇÃO DA REQUERIDA

A REQUERIDA na RESPOSTA apresenta defesa por impugnação, sustentando em substância e com interesse para a apreciação da causa:

Quanto aos FACTOS, que:

1.     A 5 de Janeiro de 2003 e 12 de Março de 2006 faleceram I… – NIF … e G...– NIF ….

2.     A 31 de Março de 2010, foram alienados dois prédios rústicos – freguesia … – artigo … e …, no valor total de € 299.278,74, pelo procurador F… em representação de G...à sociedade H…, LDA.

3.     Na declaração Modelo 3 da REQUERENTE do ano de 2010, não foi incluído o rendimento resultante da mais-valia gerado no anexo G.

4.     Foi solicitado pela Direcção de Finanças do Porto – Divisão de Liquidação dos Impostos, ao procurador F... através do ofício n.º …/… datado de 30 de Julho de 2014, para apresentar declaração de substituição da modelo 3 com o respectivo anexo G.

5.     E…, filho de F..., informou que o pai faleceu a 12 de Agosto de 2011 e que conforme escritura de compra e venda o preço foi recebido em nome do mandante G…, nada tendo comprado ou vendido.

6.     Tendo em conta o referido na escritura, junta pelo filho do procurador e na medida em que o preço foi recebido em nome do mandante, face à ausência de declaração, os serviços de inspecção procederam à liquidação de imposto nos termos do artigo 65.º do CIRS, na esfera dos herdeiros de G….

7.     A 6 de Fevereiro de 2014 através do ofício n.º …/… foi dado direito de audição aos herdeiros do sujeito passivo do procedimento supra referenciado.

8.     Sendo o sujeito passivo cabeça de casal e herdeiro de G...– NIF …, falecido em 2006-03-12, deveria ter sido declarado no anexo G da declaração mo. 3 de IRS/2010 o valor de € 149.639,36, correspondente à quota parte de 50% pela alienação de dois prédios rústicos – freguesia … – artigos … e … no valor total de € 299.278,74, sendo de cada um € 128.282,27 e € 170.995,47 respectivamente, apresentada na declaração modelo 11.

9.     Foi então liquidado o imposto conforme notificação enviada à REQUERENTE datada de 10-10-2014 com o acto de fixação e respectiva fundamentação de acordo com a informação n.º …/2014 da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa da Direcção de Finanças de Porto.

Em matéria de DIREITO

10.  Procura contrariar o alegado pela REQUERENTE quanto à:

10.1.  AT não se ter pronunciado em sede do direito de audição exercido pelo sujeito passivo e dos supostos elementos novos trazidos ao processo, nem ter notificado o sujeito passivo da decisão final;

10.2.  Inexistência de facto tributário; e

10.3.  Caducidade.

Quanto ao direito de audição e dever de fundamentação, sustenta:

11.  Conforme oficio n.º …/…, de 06 de Fevereiro de 2014, foi dada oportunidade à REQUERENTE para se pronunciar e exercer o direito de audição, tendo exercido tal faculdade.

12.  É entendimento jurisprudencial que as exigências de fundamentação variam em função do tipo legal de acto, tendo em vista responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário para que este possa apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo que lhe está subjacente, permitindo-lhe conhecer as razões de facto e de direito que conduziram à liquidação, como forma de documentação do percurso decisório no sentido de tornar possível verificar se a Administração respeitou os pressupostos definidos na lei para justificar a sua forma de actuação e se agiu para a realização dos fins que justificaram que lhe fosse atribuídos determinados poderes, dando-lhe assim meios para impugnar a decisão no caso de considerar que esta viola um seu interesse legalmente protegido.

13.  A fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a desencadear mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação (cita Ac. do Pleno n° 1126/02 de 6/12/05).

14.  Foi dado a conhecer à Requerente, de uma forma clara, congruente e suficiente, as razões de facto e de direito que sustentam as correcções efectuadas, de cujo teor foi notificada, e por outro lado, se a notificação em questão não continha a fundamentação que a Requerente entendia suficiente deveria ter usado a faculdade do art.º 37º do CPPT, citando Ac. do STA, de 30/11/2011, no processo nº 0881/11.

15.  Quando a fundamentação permite ao seu destinatário optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos mecanismos legais que permitem reagir contra ele, a fundamentação em causa cumpriu inteiramente a finalidade, sendo o caso pois a REQUERENTE impugna de facto e de direito a liquidação; sustenta que deverá improceder o alegado pela REQUERENTE.

Quanto à inexistência do facto tributário.

16.  Atendendo à declaração de Imposto do Selo efectuada pela REQUERENTE, os dois prédios rústicos alienados na freguesia … – artigos … e … no valor total de € 299.278,74, sendo de cada um € 128.283,27 e € 170.995,47 apresentados na declaração modelo 11, foram declarados como pertencendo à massa da herança de G…, devendo, nos termos do artigo 75.º n.º 1 da LGT presumir-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei;

17.  Foi a REQUERENTE que declarou ser a legítima proprietária e adquirente dos imóveis supra referenciados, já posterior à suposta transmissão que arroga com a outorga da procuração irrevogável, datada de 14 de Junho de 2000, pelo que lhe caberia apresentar uma declaração de substituição onde constasse o anexo G o referido valor da sua quota-parte pela alienação dos dois prédios rústicos.

18.  Na escritura de compra e venda, junta aos autos o procurador F... afirma e declara ter recebido a respectiva quantia por conta e em nome do pai da REQUERENTE;

19.  O que é por si só demonstrativo através de documento autêntico que o preço efectivo pela suposta transmissão dos imóveis sub judice, ainda não tinha ocorrido, não existindo qualquer contrato definitivo demonstrativo da transmissão, conforme determina o artigo 408º n.º 1 e 874.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) do Código Civil, para a esfera do procurador F....

20.  Por outro lado, não prova a REQUERENTE, conforme determina o artigo 74.º n.º 1 da LGT, nem sequer junta aos autos qualquer documento probatório que corrobore o facto de ter existido a suposta transmissão para a esfera do procurador.

21.  Tal como a REQUERENTE afirma no ponto 71.º da p.i a transmissão do imóvel não se deu com a suposta outorga da procuração irrevogável, nem tão pouco se encontra provado nos autos o pagamento do preço do imóvel com a outorga da dita procuração irrevogável, pelo que não ocorreu a suposta transmissão almejada pela REQUERENTE.

22.  Quanto à irrevogabilidade da procuração, tal não releva para efeitos de mais-valias, nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do CIRS, pois o acto tributário tem na sua base uma situação de facto concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei como geradora do direito ao imposto, que se define como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos.

23.  Citando doutrina (Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269) sustenta que as normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, que definem os seus elementos objectivos, pelo que só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto, condição sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.

24.  Sucede que, in casu, o RECORRENTE defende que a factualidade constante dos presentes autos se deve enquadrar como mais-valia nos termos do artº.10, nº.1, al. d), do C.I.R.S., para efeitos de incidência e tributação em sede de I.R.S, o mesmo sucede relativamente a outros impostos, nomeadamente para efeitos de I.M.I. não envolvendo a outorga de procuração irrevogável a mudança de sujeito passivo.

25.  Não existiu liquidação de imposto na outorga da procuração nem com o pagamento do preço.

26.  Cita ainda o Oficio-Circulado n.º 3505, de 22-11-95, da DSISTP como esclarecedor da sua tese, bem como doutrina a propósito do disposto no nº.5 do preâmbulo do CIRS (Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora,2007,pág.379) para sustentar a tributação em mais-valias com base no conceito de rendimento tributário do CIRS, o qual adopta a concepção de rendimento-acréscimo, para concluir que, o facto tributário só se deu com a realização da escritura ou seja a 31 de Março de 2010.

A REQUERIDA acrescenta ainda À CAUTELA E SEM CONCEDER que,

27.  A REQUERENTE não demonstra o recebimento do preço na data da realização do contrato promessa e da outorga da procuração irrevogável, não fazendo a mesma menção a qualquer recebimento.

28.  Ocorrendo a transmissão posteriormente à morte do pai da REQUERENTE, terá invariavelmente que recair o pagamento do imposto sobre os herdeiros, nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a) e do artigo 13.º n.º 1 ambos do CIRS, porquanto os respectivos imóveis foram recebidos por morte do pai.

29.  A REQUERENTE não demonstra através de elementos probatórios o alegado, que em 2000 se deu a transmissão da posse e detenção material dos imóveise que o contrato promessa vem demonstrar que a mesma não poderia ter ocorrido porque existia um contrato de arrendamento rural em nome de J…, outorgado a 22 de Setembro de 1993, assim improcedendo a presunção respeitante à transmissão pela verificação da tradição ou da posse/detenção material a que alude a REQUERENTE, improcedendo a caducidade invocada pois o facto tributário ocorreu a 31-03-2010.

30.  Vindo a peticionar seja o presente pedido de pronúncia arbitral julgado improcedente, absolvendo-se a REQUERIDA do pedido, mantendo-se as liquidações nos termos em que foram efectuadas.

31.  A 08-06-2015 veio a REQUERIDA solicitar a junção duma outra decisão arbitral, favorável à AT, proferida no Proc. 850/2014-T em que era requerente o irmão da agora REQUERENTE em cujo requerimento sustenta: “e cujo segmento decisório é semelhante seja de facto seja de direito aos presentes autos”.

 

IV - MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto relevante, dada como provada para a apreciação e decisão subsequente, é a seguinte:

1.     A 28 de Margo de 2000, foi celebrado, entre G…, na qualidade de promitente vendedor e F..., na qualidade de promitente-comprador, um contrato promessa de compra e venda dum prédio rústico designado “…" sito no lugar do … ou …, freguesia de …, concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número …, a fls. … do livro …-… e aí registado, à data, a favor do promitente vendedor pela inscrição …, fls. …, v° e … do Livro …-…, inscrito na respectiva matriz sob os artigos … e … (que correspondem aos anteriores artigos rústicos …, … e … da mesma freguesia);

2.     Na qualidade de promitente vendedor, G...declarou prometer alienar o referido Prédio pelo montante de [então 60.000.000$00, ao que corresponde o valor actual de] €299.278,74;

3.     F... entregou ao promitente vendedor, aquando da celebração do contrato promessa, o montante de [então 15.000.000$00, ao que corresponde o valor actual de] €74.819, 68, a título de sinal por meio de cheque; facto também comprovado por prova testemunhal (cfr. gravação áudio, a minutos 09:00-30: foi a testemunha que depositou o cheque na conta de G…);

4.     O remanescente do preço, no montante de [então 45.000.000$000, ao que corresponde o valor actual de] €224,460,00 ficou assente no referido contrato que seria pago no momento da outorga da procuração irrevogável de G...a favor do adquirente F...;

5.     Em 14 de Junho de 2000, G…, por instrumento notarial, constituiu como seu Procurador F..., a quem conferiu os necessários poderes para vender e outorgar a escritura de compra e venda referente ao prédio rustico …, aí se dizendo que o referido instrumento (…) visava dar cumprimento ao contrato-promessa entre ambos celebrado em 28 de Margo de 2000, outorgando a respectiva escritura de venda, recebendo o preço e dar quitação bem como proceder aos correspondentes registos provisórios ou definitivos na conservatória respectiva.

6.     Da procuração consta ainda que a mesma por ser passada no interesse dos mandatários e de terceiros, é irrevogável, (...) e os poderes nela conferidos não caducarão por morte, interdição, inabilitação ou falência dos outorgantes, podendo ser exercidos na celebração de negócios consigo mesmos (...) e não está sujeita à prestação de contas por já terem sido prestadas.

7.     Resulta, dos termos conjugados do contrato promessa de compra e venda celebrado, do instrumento notarial com a outorga da procuração, e da prova testemunhal, que:

7.1.  O remanescente do preço, de €224,460,00 que seria pago no momento da outorga da procuração irrevogável do alienante a favor do adquirente foi entregue em 14-06-2000, pois quem o haveria de receber, G…, tal declarou: não está sujeita à prestação de contas por já terem sido prestadas, resultando ainda este facto provado por testemunhal (cfr. gravação áudio a minutos: 10:15; 11:32-36 referindo que F... entregou o cheque de “45.000 contos”; 11:48 referindo que acompanhou G...e esposa ao Banco Espírito Santo, para realização do depósito deste cheque; questionada pelo Tribunal a minutos 20:05 a testemunha referiu que a expressão aposta na procuração irrevogável [que antes referira fora por si minutada] não está sujeita à prestação de contas por já terem sido prestadas, significou que houve nessa data o pagamento do remanescente preço e que o procurador nada mais tinha a pagar ao mandante);

7.2.  O prédio foi entregue em 2000, sendo da responsabilidade de F... todos os encargos que sobre o mesmo; de notar que este facto é também tido como assente pela REQUERIDA, porquanto solicitou na sua última intervenção nestes autos, a 08-06-2015, com o fundamento de que “cujo segmento decisório é semelhante seja de facto seja de direito aos presentes autos” -, a junção da Decisão Arbitral no Processo nº 850/2015-T, que tem por assente o mesmo facto (cfr. p.12):

§2. Verificação do Facto Tributário

(…)

Apesar da AT ter contestado que a tradição do prédio tenha ocorrido com a celebração da Procuração irrevogável, atendendo aos documentos nº 2 e 3 juntos pelo Requerente, o Tribunal está convencido que a tradição ou posse do prédio ocorreu a 14 de Junho de 2000 com a outorga da Procuração.

Em consequência, considera-se à luz do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 10º do Código do IRS que a mais-valia decorrente da alienação do prédio em questão foi obtida no ano de 2000 pelo pai do Requerente, sendo, assim, a este imputável na qualidade de herdeiro.

8.     Ora, não podendo este Tribunal Arbitral retirar outra ilação do que a adesão integral da REQUERIDA ao documento por si junto, embora concordando, quase na íntegra, com os parágrafos transcritos daquela decisão arbitral, sobre a parte final já a mesma não se segue porquanto foi também dado a conhecer a este Tribunal Arbitral que a referida mais valia estava excluída de tributação, dado que o pai da ora REQUERENTE adquirira os imóveis em questão antes da entrada em vigor do CIRS.

9.     A 05-01-2003 faleceu I…. e a 12 de Margo de 2006 faleceu G…;

10.  A 31 de Margo de 2010, F..., titular da procuração irrevogável e promitente-comprador do prédio … celebrou com a sociedade H…, LDA., da qual era sócio e gerente, a escritura de compra e venda dos prédios já identificados;

11.  A 31 de Março de 2010 o prédio ainda se encontrava registado a favor de G...e I…; e pelo Procurador F... na respectiva escritura de compra e venda foi dito que para o seu representado G…, declara já ter recebido, em nome deste, o valor antes descrito de €299.278,74;

12.  F... faleceu a 12-08-2011;

13.  A 30-07-2014 a AT notificou F..., para apresentar declaração de substituição, vindo o seu filho – E… - a declarar que no que respeita à escritura o preço foi recebido em nome do mandante G…;

14.  Não foi declarada qualquer mais-valia resultante da venda do prédio rústico em declaração Modelo 3/IRS (Anexo G), referente ao ano de 2010, pela REQUERENTE ou qualquer herdeiro;

15.  A 06-02-2014, pelo ofício nº …, foi a REQUERENTE notificada como cabeça de casal pela herança de G…, de que deveria apresentar modelo 3 de substituição a fazer constar no anexo G, o valor da sua quota-parte, pela alienação dos dois prédios rústicos e que deveria comunicar aos outros herdeiros para procederem da mesma forma;

16.  Pelo mesmo ofício a REQUERIDA notificou a REQUERENTE nos termos do artigo 60º da LGT para exercer o direito de audição no prazo de 15 dias;

17.  A REQUERENTE não comunicou aos outros herdeiros para procederem da mesma forma;

18.  A 12-02-2014 a REQUERENTE exerceu o direito de audição por correio electrónico;

19.  Ao exercer o direito de audição comunicou factos novos e juntou documentos comprovativos de que:

19.1.                Quem vendeu os prédios em causa foi o pai da REQUERENTE;

19.2.                A venda tinha sido antecedida da celebração de um contrato promessa;

19.3.                Tinha sido celebrada uma procuração irrevogável a favor de F...;

19.4.                Os imóveis em causa tinham sido herdados pelo vendedor G…;

20.  À junção dos documentos e elementos novos trazidos para o procedimento a AT não se pronunciou;

21.  A REQUERIDA não comunicou à REQUERENTE a decisão final daquele procedimento;

22.  A 10-10-2014, a REQUERIDA enviou à REQUERENTE, com base na Informação …/2014, o acto de fixação da liquidação adicional de IRS do ano de 2010;

23.  A 22-10-2014 a REQUERENTE recebeu a nota de compensação, que identifica a liquidação, referente ao IRS de 2010, com o montante a pagar de 35.885,06€;

24.  A AT apenas tomou conhecimento da transmissão dos imóveis com a celebração da escritura pública de compra e venda, no ano 2010.

25.  Atendendo à declaração de Imposto do Selo efectuada pela REQUERENTE, os dois prédios rústicos alienados na freguesia … – artigos … e … no valor total de € 299.278,74, apresentados na declaração modelo 11, no Serviço de Finanças Porto 3, foram declarados como pertencendo à massa da herança de G…,

26.  Todavia esta declaração resultou de erro do Advogado de G…, testemunha inquirida nestes autos (cfr. gravação áudio a minutos: 13:15; 17:30-37 aqui referindo a testemunha que, a pedido da REQUERENTE participou os imóveis para fins de Imposto do Selo, pelo óbito de G…, como se comprova pelo número de quem fez a participação, que é o seu, tendo participado os imóveis aqui controvertidos por erro, dado que havia nove imóveis e pelo números dos mesmos não poderia saber que também destes se tratava);

27.  A 28-10-2014 a REQUERENTE procedeu ao pagamento do imposto liquidado adicionalmente;

28.  G...era proprietário de pleno direito dos imóveis desde 1976, beneficiando assim do regime de exclusão de tributação previsto no regime transitório do art.º 5º nº 1 do decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro.

A matéria de facto dada como provada resulta dos documentos juntos aos autos, quer da P.I., quer da RESPOSTA e respectivo processo administrativo e não contestada pelas partes, bem como dos demais requerimentos e documentos trazidos pelas partes, aos quais as mesmas foram chamadas a pronunciar-se, assim como da prova testemunhal - Dr. D…, Advogado do pai da REQUERENTE à data dos factos e com participação nos mesmos.

Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

V – APRECIAÇÃO DA QUESTÃO

V.A – SOBRE O MÉRITO DO PEDIDO

1.     Resulta provado, ex. vi, artº 74º da LGT, de forma inequívoca, dos termos conjugados do contrato promessa de compra e venda e do instrumento notarial da outorga da procuração, corroborado pela prova testemunhal, que o remanescente de €224,460,00 que seria pago no momento da outorga da procuração irrevogável do alienante a favor do adquirente foi entregue em 14-06-2000, pois quem o haveria de receber, G…, declarou não está sujeita à prestação de contas por já terem sido prestadas; nem se compreenderia que tal declarasse sem ter recebido a referida quantia, pelo que não logra a REQUERIDA fazer prova do contrário, como lhe cabia por força do mesmo preceito;

2.     Obviamente que quando o procurador vem referir que recebeu por conta do mandante, não vem dizer que recebeu e entregou aos herdeiros do mandante, ou à massa da herança, sob pena de se depauperar, porquanto à data da outorga da procuração irrevogável já G...havia recebido de F... a totalidade do valor (60.000 cts, € 299. 278,74), pelo que só pode este Tribunal Arbitral entender que F... quando vem referir que recebeu por conta do mandante, o fez, por conta de igual valor que G...já de si recebera a 28-03-2000 (€74.819, 68, a título de sinal, com a celebração do contrato promessa) e a 14-06-2000 (€224,460,00, com a outorga da procuração);

3.     O prédio foi entregue em 2000, conforme resulta da matéria assente;

4.     Tendo a REQUERIDA por pacífico que o valor descrito de €299.278,74, na escritura de 31 de Março de 2010 fora recebido em nome do representado G…, e sendo assente que este já declarara ter recebido de F... a quantia remanescente de €224,460,00, no momento da outorga da procuração irrevogável, e que com a celebração do contrato promessa entre G...e F... este lhe entregara, então, 15.000.000$00, ou, no valor actual, €74.819, 68;

5.     É na esfera jurídica de G...que é gerada a mais-valia;

6.     Constando dos autos que G...era proprietário de pleno direito dos imóveis desde 1976, beneficiando do regime de exclusão de tributação do regime transitório do art.º 5º nº 1 do decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, logo se infere que a transacção ocorrida na esfera jurídica de G…, se encontrava fora do âmbito de tributação em sede de IRS nos termos invocados pela REQUERIDA, devendo, consequentemente ser anulada a liquidação por esta efectuada.

7.     Quando do exercício do direito de audição a REQUERENTE comunicou factos novos e juntou documentos, fez a REQUERIDA saber de que a venda a) não fora por si realizada; b) fora antecedida da celebração do contrato promessa que consta nos autos; c) tinha sido celebrada uma procuração irrevogável a favor de F...; d) os imóveis em causa tinham sido herdados pelo vendedor G…, sendo documentos bastantes para comprovar que a REQUERENTE não alienou os imóveis, não outorgou qualquer acto notarial nem incorporou na sua esfera patrimonial a contrapartida económica da alienação, pois consta dos referidos documentos que o seu pai recebera a totalidade do preço, então, 60.000.000$00;

8.     Assim, sabendo-se que G...recebera a totalidade do valor em 2000, e sabendo a REQUERIDA que G...era proprietário de pleno direito dos imóveis desde 1976, beneficiando assim do regime de exclusão de tributação previsto no regime transitório do art.º 5º nº 1 do Decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, poderia ter alterado o sentido da sua proposta de decisão, porquanto ainda não tinha havido acto tributário, sendo que se este tivesse ocorrido sempre poderia ter promovido a sua revisão nos termos do art.º 78º da LGT, como o podia ter realizado até à presente data.

9.     Alega a REQUERIDA em seu favor:

9.1.  Que apenas tomou conhecimento da transmissão dos imóveis com a celebração da escritura pública de compra e venda, no ano 2010; todavia, não é por esse facto que se a mais valia estava excluída de tributação deixe de o estar;

9.2.  Os prédios alienados foram declarados na declaração modelo 11, de Imposto do Selo efectuada no Serviço de Finanças Porto 3, como pertencendo à massa da herança de G…; em rigor, deste facto não resulta qualquer acto constitutivo do direito de propriedade da REQUERENTE sobre os imóveis em questão, pois comprovado ficou que ela se transmitiu, independentemente da sua vontade, de G...para a sociedade H…, LDA, por escritura em que outorgou F..., titular da procuração irrevogável e promitente-comprador do prédio…, e ademais sócio e gerente da adquirente; ademais, é comprovado por prova testemunhal que a referida declaração foi efectuada por erro;

9.3.  Que o valor ao ser recebido em nome e por conta do mandante, G…, os seus herdeiros, por via do artigo 29º/2 da LGT serão os devedores do imposto; todavia teríamos de, para analisar da sua razão, previamente apreciar se estamos perante um facto tributário, que já vimos não existir.

10.  Trata-se duma mais-valia excluída do âmbito de tributação pelo regime transitório do CIRS, do art.º 5º nº 1 do Decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, pelo que o facto jurídico não constitui um facto tributário, para efeitos do artigo 36º da LGT não havendo consequentemente obrigação jurídica tributária;

11.  Assim, porque a 22-10-2014 a REQUERENTE recebeu a nota de compensação, que identifica a liquidação adicional, referente ao IRS de 2010, com o montante a pagar de 35.885,06€, e a 28-10-2014 procedeu ao seu pagamento, impõe-se a anulação da liquidação adicional a devolução integral daquele valor; igualmente se impõe que os juros compensatórios, liquidados adicionalmente, sejam anulados, como peticionado pela REQUERENTE e se determine que, porque por erro imputável aos serviços, são pela AT devidos juros indemnizatórios nos termos do art.º 43º da LGT, como também peticionado, contados desde 28-10-2014.

V.B - VÍCIOS DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

Pelo que se disse, o acto impugnado enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a sua anulação (163.º do CPA), pelo que o pedido deve ser julgado procedente por falta de facto tributário e consequentemente falta de direito à liquidação. Assim, tendo a anulação como fundamento um vício que atribui à REQUERENTE estável e eficaz tutela dos seus interesses, porquanto dela decorre a inviabilidade da renovação dos actos cuja declaração de ilegalidade pediu, em face do disposto no artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aqui aplicável pelo artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios imputados aos actos que são objecto do presente processo[2].

V.C. – VÍCIO DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

Na vigência do anterior CPA, anulada a liquidação de IRS, a liquidação de juros compensatórios passava a enfermar supervenientemente de nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea i), aplicável por força do disposto no artigo 2.º alínea c), da LGT. A aplicação do Novo CPA aos procedimentos administrativos em curso à data da sua entrada em vigor, e atento o regime de nulidade dos actos administrativos (art.º 161º) não conter igual norma, não deixa todavia de retirar força ao dever da AT proceder, juntamente à devolução da quantia indevidamente recebida, à devolução dos juros compensatórios liquidados adicionalmente, com base nos princípios da justiça e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade, por força dos artigos 266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT, pelo que, ainda por força do art.º 100º da LGT, se determina também a anulação dos referidos juros, como peticionado.

V.D. – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A REQUERENTE pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, relativamente à quantia de € € 35.885,06. Determinando o referido preceito que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, são devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais, os quais são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos (nº 5 do art.º 61º do CPPT).

VI - DECISÃO

Em face do que antecede, decide-se:

1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação adicional em causa, procedendo-se à sua anulação, bem como à anulação dos juros compensatórios liquidados adicionalmente;

2.     Determinar a condenação da REQUERIDA ao pagamento à REQUERENTE, da quantia por esta paga, de 35.885,06, bem como dos juros indemnizatórios peticionados, contados desde a data do pagamento efectuado pela REQUERENTE.

VII - VALOR DO PROCESSO

€ 35.885,06 (Trinta e cinco mil oitocentos e oitenta e cinco euros e seis cêntimos).

VIII – CUSTAS

Conforme o disposto Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se as custas em € 1.836,00, a suportar pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 05 de Agosto de 2015

O Árbitro[3]

Henrique Curado



[1] Então referido, por lapso, artigo 137º do CPC., pela sua correspondência anterior, parcial, a esse artigo.

[2] Pois o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pelo entendimento legislativo de que, procedendo a impugnação com fundamento num vício que proporcione eficaz e estável tutela dos interesses do impugnante, deixa de se conhecer dos restantes. Na verdade, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento. Adere-se na íntegra a igual decisão, no Processo n.º: 379/2014-T.

[3] Texto elaborado em computador, nos termos do art.º 131º, nº 5 do CPC, ex vi, artº. 29º nº 1 alínea e) do RJAT, com verso em branco de cada folha, sendo a ortografia anterior ao último acordo ortográfico.