Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 328/2022-T
Data da decisão: 2023-02-03  IRC  
Valor do pedido: € 30.678,29
Tema: IRC – Liquidação Oficiosa – al. b) do artigo 89.º e al. b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC
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SUMÁRIO:

  1. A falta de apresentação no prazo legal da declaração de rendimentos modelo 22-IRC determina que a AT proceda, nos termos da alínea b) do artigo 89.º e da alínea b) do n. 1 do artigo 90.º do CIRC, à realização da liquidação oficiosa de IRC.
  2. Atenta a natureza provisória da liquidação oficiosa, a qual visa evitar a caducidade do direito à liquidação do tributo, perante a apresentação da declaração de rendimentos em falta no decurso do prazo de caducidade e em tempo útil, a Administração Tributária fica vinculada a realizar as diligências instrutórias e inspetivas necessárias à prossecução do interesse público e à descoberta da verdade material, com o inerente apuramento da matéria coletável do período de tributação em causa e a proceder às correções que se mostrem necessárias, isto é, à consequente liquidação adicional ou à anulação da liquidação oficiosa.
  3. Apresentando o sujeito passivo, em data posterior à apresentação da declaração de rendimentos em falta, mas dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pedido de revisão do ato tributário, a Administração Tributária não pode abster-se de considerar os elementos declarados e de apreciar o pedido do contribuinte, realizando para o efeito as diligências necessárias para confirmar ou infirmar os valores declarados, em vista à fixação do lucro tributável, pelo que não o tendo feito é-lhe imputável o erro na quantificação.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

I.1 Enquadramento

  1. A sociedade A..., UNIPESSOAL, LD.ª, com o número de identificação fiscal ..., com sede social em Rua ..., n.º ..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
  2. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 20.05.2022, a Requerente peticiona que seja declarada ilegal a decisão de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa apresentado contra a liquidação oficiosa de IRC n.º 2020..., de 23.12.2020, (Demonstração de acerto de contas n.º 2020...), no valor de € 30.498,72, acrescido de juros compensatórios, no valor de € 392,15, (Demonstração de liquidação n.º 2020...), o que perfaz o valor total de € 30.890,87, referentes ao período de tributação do ano de 2019, e que seja determinada a anulação dos referidos atos de liquidação oficiosa de IRC – Impostos sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, ed de juros compensatórios.
  3. Em 25. 03.2021, a Requerente procedeu ao pagamento do valor de € 30.678,29 (cf. Doc. 4 anexo ao ppa), valor este que teve por finalidade realizar o pagamento das liquidações oficiosas de IRC e de juros compensatórios supra identificadas, referentes o período de tributação de 2019, razão pela qual a Requerente pretende que, nos termos da lei, lhe seja reconhecido o direito ao reembolso do valor de IRC e de juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios devidos até ao reembolso integral do valor indevidamente pago.
  4. Em síntese, no presente ppa, a Requerente pede a apreciação da ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa, apresentado em 21.10.2021 e, bem assim, do ato de liquidação oficiosa de IRC e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao período de tributação de 2019, a que se referem as notas de demonstração de liquidação supra identificadas, com fundamento em ilegalidade e em erro imutável aos serviços.
  5. Em 23.05.2022 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 14.07.2022 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
  6. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 02.08.2022, verificou-se a constituição do Tribunal arbitral, sendo que para o cômputo do prazo prescrito no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, em face do normativo do n.º 2 do artigo 3.º-A do RJAT, devem ser levadas em consideração as férias judiciais previstas no artigo 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
  8. Em 02.08.2022 foi proferido despacho arbitral para a Exm.ª Diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
  9. Em 30.09.2022, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. A Requerida defende-se por impugnação e pugna que, atentas as razões invocadas, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente. Com a sua resposta a Requerida juntou o processo administrativo (PA).
  10. Em face do conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, por despacho de 03.10.2022, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), visto que não foi suscitada qualquer exceção, atenta a natureza das questões a decidir, o Tribunal decidiu: i) Dispensar a produção de prova testemunhal; ii) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; iii) Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, por aplicação conjunta do previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, e no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do RJAT; iv) Determinar que a decisão arbitral será proferida no prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.
  11. Em 25.10.2022, a Requerente apresentou as suas alegações, as quais, no essencial, reafirmam as razões invocadas no pedido de pronuncia arbitral, e a Requerida apresentou-as em 26.10.2022, nas quais, através de remissão, reafirmou as razões e os fundamentos invocados na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

 

I.2   Da posição da Requerente

12.  A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, tem por objeto a compra e venda de bens imobiliários, a remodelação e restauração de bens imobiliários, a prestação de serviços nas áreas do design, arquitetura e imagem e a consultoria e formação profissional e, desde a sua constituição, sempre tem sido diligente no cumprimento das suas obrigações tributárias.

13.  A Requerente reconhece que não procedeu ao cumprimento atempado da obrigação declarativa relativa ao período de tributação do ano de 2019, em relação ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, não tendo apresentado a declaração de rendimentos modelo 22-IRC.

14.  Em 20.04.2021, a Requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos modelo 22-IRC para o período de tributação do ano de 2019, em virtude de não concordar com os valores da liquidação oficiosa de IRC efetuada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.

15.  Para evitar a instauração de processo de execução fiscal para efeitos de cobrança coerciva, em 25.03.2021, a Requerente procedeu ao pagamento do valor de € 30.678,29, referente à liquidação oficiosa de IRC e de juros compensatórios, ambos referentes ao período de tributação do ano de 2019.

16.  A requerente considera que tinha legitimidade para apresentar, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, o pedido de revisão oficiosa das liquidações oficiosas de IRC e de juros compensatórios (Liquidação n.º 2020..., de 23.12.2020, Demostração de Liquidação de IRC n.º 2020..., e Demostração de liquidação de juros n.º 2020..., de 30.12.2020 – cf. Docs. 2 e 3 Anexos ao ppa).

17.  A Requerente considerou ser indispensável a correção da liquidação oficiosa de IRC, do período de 2019, porquanto, nesta Autoridade Tributária e Aduaneira apurou o rendimento coletável de € 163.008,39, e tendo por base a contabilidade e os prejuízos fiscais a deduzir, no valor de € 20.422,46, a Requerente apurou na declaração de rendimentos modelo 22-IRC, a matéria coletável de € 3.918,87.

18.  A requerente destaca a circunstância da declaração modelo 22-IRC, por si apresentada em 20.04.2021, surgir no Portal das Finanças em situação de “certa”.

19.  Nesta medida, e com o intuito de dotar a Autoridade Tributária e Aduaneira com os elementos necessários à validação da declaração de rendimentos modelo 22-IRC e que, consequentemente, permitisse a anulação da liquidação oficiosa, em 21.10.2021, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT (cf. Doc. 1 anexo ao ppa).

20.  No pedido de revisão oficiosa, a Requerente invocou que a matéria coletável apurada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para o exercício fiscal de 2019, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, se mostrava muito díspar da matéria tributável por si apurada com base nos elementos contabilísticos.

21.  A Requerente invocando, quer posições doutrinais, quer a posição da jurisprudência, citando acórdãos judiciais e decisões arbitrais, considera que a Autoridade Tributária e Aduaneira estava vinculada à obrigação de rever os atos de liquidação, quando instada pelo contribuinte ao abrigo de um pedido de revisão oficiosa, porquanto, tal revisão insere-se no âmbito das garantias dos contribuintes como mecanismo criado pela ordem jurídica com o objetivo ou finalidade direta de evitar a violação de direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes.

22.  A Requerente considera que estavam reunidos os pressupostos para a interposição do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT, pelo que a Autoridade Tributária tinha o dever, e não o mero poder discricionário, de proceder à revisão do ato tributário materializado na liquidação oficiosa de IRC, relativo ao período de tributação do ano de 2019, na medida em que tal mecanismo de revisão consubstancia um meio procedimental complementar e não de cariz excecional.

23.  A requerente acresce que só este entendimento é consonante com os princípios da igualdade fiscal, da legalidade, da justiça e da verdade material, princípios ordenadores do ordenamento jurídico tributário.

24.  A Requerente considera que, não obstante lhe ser imputável a realização da liquidação oficiosa de IRC e juros compensatórios, a circunstância da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao arrepio da lei e da jurisprudência, ter optado por manter na ordem jurídica a liquidação oficiosa e ter rejeitado apreciar e decidir o pedido de revisão oficiosa com base nos elementos constantes da declaração de rendimentos modelo 22-IRC apresentada, motiva que o erro quanto à quantificação da matéria tributável lhe passe a ser imputável, consubstanciando, assim, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa um ato ilegal.

25.  A Requerente considera que, o pedido arbitral, que tem como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e como objeto mediato o ato de liquidação oficiosa de IRC e a liquidação de juros compensatórios, ambos do ano de 2019, deve ser considerado procedente, com a consequente anulação dos atos de liquidação oficiosa e o subsequente reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros compensatórios à taxa de 4%, nos termos do n.º 10 do artigo 35.º e n.º 4 do artigo 43.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril.

 

I.3   Da posição da Requerida

26.  A requerida considera que a liquidação oficiosa de IRC impugnada se deve manter na ordem jurídica, na medida em que consubstancia a correta aplicação do direito aos factos.

27.  A Requerida refere que, quando verificou qua a Requerida não tinha cumprido a obrigação declarativa relativa ao IRC do ano de 2019, em 06.11.2020, procedeu à sua notificação com vista a que a contribuinte, no prazo de 15 dias, procedesse à regularização da situação, sob pena de ser realizada a liquidação oficiosa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC (cópia da notificação n.º ... integra o PA).

28.       Uma vez que a contribuinte não apresentou a declaração de rendimentos modelo 22-IRC em falta, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à realização da liquidação oficiosa, nos termos prescritos na alínea b) do artigo 89.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC.

29.       A Requerida alega que a declaração de rendimentos modelo 22-IRC não foi validada pela Administração Tributária (cf. Ponto 10 da resposta).

30.       A Requerida invoca que, na falta de apresentação da declaração periódica de rendimentos, o legislador impõe que a Administração Tributária efetue a liquidação oficiosa até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita (alínea b) do artigo 89.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC), isto é, tal omissão por pate do sujeito passivo (artigo 120.º do CIRC) não pode deixar de ter consequências legais, e a Administração Tributária está vinculada a agir nos termos prescritos na lei.

31.       A Requerida defende que, in casu, se verificou uma situação de incumprimento, motivada por ação negligente da contribuinte, apenas a esta imputável, que abriu caminho, ex lege, a que a Administração Tributária, ao abrigo dos seus poderes vinculados, tivesse de proceder à liquidação oficiosa do imposto e dos juros compensatórios (esta, pelo retardamento da liquidação), ou seja, foi a omissão declarativa da Requerente que levou à determinação da matéria coletável ex lege.

32.       E que, quando por incumprimento da obrigação de apresentação da declaração de rendimentos, a Administração Tributária lança mão do mecanismo da alínea b), do n.º 1, do art.º 90.º do CIRC, para efeitos de emissão de liquidação oficiosa, o procedimento encontra-se suficientemente fundamentado nos termos legais e cujos pressupostos não foram postos em causa pela Requerente, não podendo ser imputada à atuação da AT qualquer erro ou vício de lei.

33.       Pelo que, tendo sido emitida a liquidação oficiosa, passou, nos termos do n.º 3 do artigo 74.º da LGT, a impender sobre a Requerente o ónus da prova da existência de excesso na respetiva quantificação, o que não aconteceu, porquanto, a Recorrente solicitou a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em erro imputável aos serviços, abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT e em injustiça grave e notória.

34. A Requerida alega que, não cumprida a obrigação declarativa pelo sujeito passivo e estando a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade (artigo 8.º da LGT), não poderia a AT ter atuado de modo diverso na determinação do lucro tributável e na realização da liquidação oficiosa de IRC do ano de 2019.

35. A Requerida defende que não existe erro imputável aos serviços da Administração Tributária, nem injustiça grave ou notória, que seja enquadrável no artigo 78.º da LGT, sendo que a realização da liquidação oficiosa de IRC apenas materializa a estrita vinculação da AT à lei, sendo que, em suma, o pedido de revisão apresentado pela Requerente não imputa ao procedimento, nem ao ato de liquidação oficiosa, nenhum vício que permita a sua anulação.

36.       E que estando a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, não pode a AT deixar de dar integral cumprimento aos normativos vigentes no ordenamento jurídico tributário, conforme se verificou no caso em apreço, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente.

 

  1. SANEAMENTO

37.  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

38.  O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

39.  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

40.  O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

41.  Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:

41.1 A Requerente é um sujeito passivo de IRC (artigo 2.º do CIRC), sujeito ao regime geral e com contabilidade organizada, com período de tributação correspondente ao ano civil (n.º 1 do artigo 8.º do CIRC);

41.2 A Requerente não cumpriu a obrigação declarativa – Declaração de rendimentos modelo 22-IRC – até ao último dia do mês de maio de 2020, conforme previsto na alínea b) do artigo 117.º e no artigo 120.º do CIRC;

41.3 A Requerente apresentou em 20.04.2021 a declaração de rendimentos modelo 22-IRC, referente ao período de tributação de 2019;

41.4 Em face da omissão declarativa da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, em 06.11.2022, emitiu notificação (Aviso n.º ...) no sentido da Requerente entregar a declaração em falta, com vista à regularização da sua situação tributária;

41.5 Perante a ausência de resposta da Requerente e da persistência da omissão declarativa, a Autoridade Tributária e Aduaneira, em 23.12.2020, procedeu oficiosamente à determinação da matéria coletável e à liquidação do IRC, referente ao período de tributação do ano de 2019, no estrito cumprimento dos normativos da alínea b) do artigo 89.º e alínea b) do n.º 1 do Código do IRC, a que corresponderam a liquidação de IRC n.º 2020..., de 23.12.2020, (Demonstração de acerto de contas n.º 2020...), no valor de € 30.498,72, acrescido de juros compensatórios, no valor de € 392,15, (Demonstração de liquidação n.º 2020...);

41.6 Em 25.03.2021, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 30.678,29;

41.7 Em 20.04.2021, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 22-IRC, identificada com o n.º..., e com o código de validação ..., que está integrada no processo administrativo apresentado pela Requerida conjuntamente com a sua Resposta;

41.8 Em 21.10.2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, a solicitar a revisão da liquidação oficiosa de IRC, fundamentando o seu pedido com base nos elementos e dados constantes da declaração de rendimentos apresentada em 20.04.2021;

41.9 Em face do decurso do prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, em 21.02.2022 constituiu-se o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do pedido de revisão apresentado pela Requerente, nos termos do artigo 78.º da LGT.

41.10 O pedido de revisão oficiosa não foi alvo de decisão expressa por parte dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira;

41.11 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 20.05.2022.

 

III.1.2. Factos não provados

42.  Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

43.  Os sujeitos passivos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) estão sujeitos às obrigações declarativas previstas no n.º 1 do artigo 117.º do Código do IRC, de entre as quais se destaca a declaração periódica de rendimentos modelo 22-IRC (cf. al. b) do n.º 1 do art.º 117.º do CIRC.

44.  Sem prejuízo das exceções previstas no artigo 8.º do CIRC, o IRC é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil. Os sujeitos passivos de IRC que adotem este período de tributação estão obrigados a apresentar a declaração anual de rendimentos até ao último dia do mês de maio, independentemente de esse dia ser útil ou não (cf. n.º 1 do art.º 120.º do CIRC).

45.  De acordo com os normativos do artigo 59.º (n.ºs 1 e 2) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), o procedimento de liquidação é instaurado com base nas declarações apresentadas pelos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha ou venha a obter no âmbito no exercício das suas competências.

46.  Assim, desde que os contribuintes cumpram as obrigações declarativas e apresentem as declarações de rendimentos nos termos previstos na lei, o apuramento da matéria tributável é feito com base nas declarações apresentadas, desde que estas forneçam à Administração Tributária os elementos indispensáveis à verificação da situação tributária do respetivo contribuinte.

47.  Por sua vez, o normativo do n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, prescreve que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos, sendo que o n.º 2 do mesmo artigo estabelece algumas situações em que se verifica a quebra desta presunção de verdade da declaração apresentada pelo sujeito passivo, de que se destacam as situações seguintes: i) as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; ii) o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações.

48 . Sem prejuízo de outro tipo de controlo tributário, em regra, as situações previstas nos normativos das alíneas a) e b) do n.º e 2 do artigo 75.º da LGT, só serão detetáveis através do exercício do poder inspetivo (artigo 63.º da LGT), o qual a Autoridade Tributária pode exercer até ao termo do prazo de caducidade dos tributos emergentes da relação jurídica tributária, constituída na respetiva cédula de tributação em determinado período de tributação (n.º 1 do artigo 36.º do RCPITA).

49. Considerando que o n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), estabelece que “[a]tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, sendo que este rendimento real é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, deste que esta esteja organizada em função das normas e regras do sistema de normalização contabilística e da legislação comercial e fiscal.

50.  Daí que, sem prejuízo de outas funções ou finalidades, em ordem ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, por via da observação das realidades tributárias e da verificação do cumprimento ou não das obrigações tributárias, de acordo com critérios genéricos e objetivos previamente estabelecidos no plano nacional da atividade da inspeção tributária e aduaneira (art.ºs 23.º, 26.º e 27.º do RCPITA) ou de análise de risco relevante, a Administração Tributária tem o poder/dever de realizar procedimentos de inspeção tributária, com vista a confirmar os elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, bem como a indagar de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.

51. Sendo que, se no âmbito de um procedimento inspetivo forem identificadas situações de omissão, erros ou inexatidão, serão feitas as necessárias correções meramente aritméticas e a matéria coletável do sujeito passivo é corrigida, em ordem a que a tributação seja feita em função da sua real capacidade contributiva (artigo 4.º da LGT).

52. De igual modo, se o sujeito passivo não respeitar os seus deveres de colaboração, prestando os esclarecimentos solicitados e/ou apresentando os documentos pedidos, e existam indícios fundados de que a declaração e/ou contabilidade não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, pode a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder à tributação do sujeito passivo através de avaliação indireta.

53. Verifica-se, assim, que o exercício do poder inspetivo é essencial para garantir a observância dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça material e, ainda, a prossecução do interesse público traduzido na arrecadação das receitas tributárias efetivas e compatíveis com o real exercício da atividade económica do sujeito passivo, isto é, as receitas que, de acordo com a lei, sejam devidas atenta a sua capacidade contributiva.

54.  De acordo com a lei, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de recorrer à tributação através de avaliação indireta, a responsabilidade de tal metodologia de tributação é imputável ao sujeito passivo, porquanto se deve à circunstância deste não ter cumprido de forma correta e idónea as suas obrigações tributárias.

55. In casu, estamos perante uma dessas situações, em concreto, a Requerente não apresentou, nos termos em que estava obrigada, isto é, até ao último dia do mês de maio de 2020, a declaração de rendimentos modelo 22-IRC relativa ao período de tributação de 2019, não efetivou a autoliquidação e não entregou o imposto devido nos cofres do Estado (al. a) do art.º 89.º, al. a) do n.º 1 do art.º 90.º, al. b) do n.º 1 do art.º 117.º e n.º 1 do art.º 129’0.º do CIRC).

56.  A liquidação oficiosa prevista na alínea b) do artigo 89.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC é uma consequência direta da ação de incumprimento do sujeito passivo, a qual visa acautelar o interesse público, evitando a caducidade do direito à liquidação do respetivo tributo.

57. A liquidação oficiosa consubstancia um tipo de tributação indireta e é conformada por regras específicas que, em sede de IRC constam dos normativos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, as quais, à data dos factos, prescreviam que “[n]a falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita (…) e tem por base o maior dos seguintes montantes:

1. A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75;

2. A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada;

3. O valor anual da retribuição mínima mensal.”

58. A liquidação oficiosa, independentemente da cédula de tributação em que ocorra, exige que o sujeito passivo seja chamado a participar na sua efetivação, salvo se o contribuinte for previamente notificado para apresentar a declaração em falta e persistir na situação de incumprimento. Este entendimento é o que decorre do normativo da alínea b) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT que prescreve que é dispensada a audição do contribuinte quando “(…) a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.”.

59. A liquidação oficiosa impugnada pela Requerente não enferma de qualquer irregularidade ou vício de lei, porquanto, foi realizada com base em valores objetivos previstos na lei e foi realizada na sequência de notificação efetuada à contribuinte (ora Requerente) a fixar-lhe o prazo de 15 dias para apresentar a declaração em falta. A notificação da AT foi emitida em 06.11.2020 e foi dirigida à interessada através da modalidade de notificação eletrónica, via CTT.

60. Com efeito, a Requerente não apresentou a declaração de rendimentos modelo 22-IRC, referente ao período de tributação de 2019, no prazo de 15 dias que lhe foi fixado, só o tendo efeito em 20.04.2021 (Identificação da DR –...), pelo que a liquidação oficiosa de IRC efetuada pela AT, por si só, não seria objeto de qualquer censura ou de decisão anulatória.

61. Há que sublinhar que a não apresentação no prazo legal da declaração de rendimentos modelo 22-IRC consubstancia a prática de um ilícito de natureza contraordenacional previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 116.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), bem como, no plano da tributação, o retardamento da liquidação determina a liquidação de juros compensatórios (art.º 35.º da LGT), mas no ordenamento jurídico tributário não existe qualquer disposição legal que impeça o sujeito passivo de entregar a declaração de rendimentos em falta em momento posterior à realização e notificação da liquidação oficiosa, desde que o faça no decurso do prazo de caducidade do respetivo tributo.

62.  Por exemplo, o Professor Rui Duarte Morais em “Apontamentos ao IRC”, Almedina, pags. 208 e 209, diz que “O art.º 83.º n.º 1, al b) e c) dispõe que, na falta de entrega da declaração periódica de rendimentos (grosso modo), a declaração em que se procede ao apuramento do resultado fiscal do exercício anterior), a administração fiscal procederá, oficiosamente, à liquidação, a qual terá por base a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada (e da qual não poderá resultar imposto em dívida de valor inferior ao “imposto mínimo” a que estão sujeitos os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado) ou, na falta de tais dados, os elementos de que disponha. Temos dúvidas quanto ao sentido desta liquidação oficiosa. Pensamos que o seu objetivo mais não é que prevenir uma eventual caducidade do direito à (a qualquer) liquidação. O montante assim fixado será, necessariamente, provisório (como, de resto, é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correção posterior pela administração fiscal). Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível do contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado de um exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio, significa abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo. A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação “provisória”, o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efetuar uma ação inspetiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação atual”.

63.  Das palavras do Professor Rui Morais ressalta a ideia de que a liquidação oficiosa não é necessariamente prejudicial ao sujeito passivo, como se verifica in casu, ao invés, poderão existir situações em que a liquidação oficiosa se apresente vantajosa para os sujeitos passivos, pelo que a recusa da Administração Tributária de considerar e liquidar as declarações apresentadas fora do prazo legal se presenta desadequada, desproporcionada e potencialmente violadora dos princípios da legalidade, da igualdade e da justiça material, para além de poder encerrar um “convite” para os contribuintes não apresentarem a declaração de rendimentos sempre que projetarem que a liquidação oficiosa lhes é vantajosa comparativamente com a liquidação emergente da declaração de rendimentos que espelhe o rendimento real do respetivo período de tributação. Esta opção e resultado não é aceitável e a sua legitimação consubstanciaria a violação dos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, na medida em que prejudicaria as receitas tributárias e estaria a premiar os contribuintes faltosos e infratores.

64.  Porém, não será de igual modo aceitável que a Administração Tributária decida validar e liquidar as declarações apresentadas fora do prazo legal pelos sujeitos passivos, quando estas representarem a oportunidade de arrecadar mais receitas tributárias e recuse adotar o mesmo procedimento quando das declarações do sujeito passivo resultar imposto de valor inferior ao liquidado na liquidação oficiosa.

65. Os princípios da legalidade, da imparcialidade, da igualdade, da verdade material, da justiça e da boa administração impõem para situações iguais, procedimento igual e uniforme, pelo que, desde que a declaração fiscal em falta seja apresentada pelo sujeito passivo no decurso do prazo de caducidade e em tempo útil ao exercício do poder inspetivo, não pode a Administração Tributária deixar de considerar a declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte, bem como não poderá deixar de atender e apreciar os pedidos de revisão apresentados ao abrigo do artigo 78.º da LGT, com vista à revisão de atos de liquidação oficiosa, in casu, a liquidação impugnada e alvo de apreciação no presente pedido de pronúncia arbitral.

66. É verdade que a liquidação oficiosa se integra na metodologia de avaliação indireta da matéria tributável, mas não se pode acolher o argumento de que, consequentemente, é à Requerente que incumbe o ónus da prova do erro na quantificação, mas não se permitir a esta fazer tal prova, porquanto, a declaração de rendimentos apresentada em 20.04.2021 não foi liquidada, o pedido de revisão do ato de tributário não foi apreciado e a Administração Tributária não exerceu o seu poder inspetivo. In casu, é caso para questionar em que procedimento é que a Requerente podia/devia fazer tal ónus da prova.

67.    Sem prejuízo do ónus da prova que a Requerente tivesse de fazer, a Administração Tributária não pode escamotear que está vinculada ao princípio da legalidade, bem como ao princípio da colaboração (artigo 59.º da LGT), o qual é recíproco entre os sujeitos da relação jurídica tributária, ao princípio do inquisitório ou da verdade material e, ainda, ao princípio da prossecução do interesse público, o qual também encerra um escopo de justiça material.

68.  O Tribunal arbitral teve em consideração as decisões arbitrais já proferidas sobre liquidações oficiosas de tributos, de que se destacam as proferidas nos processos de arbitragem tributária n.ºs 65/2016-T,364/2019, 8/2020-T, 78/2022-T e 152/2022-T.

69.  De igual modo, o Tribunal arbitral analisou e teve em consideração a jurisprudência firmada no Tribunais Tributários judiciais, de que se destaca a jurisprudência fixada nos sumários dos Acórdãos do TCA e do STA, infra enunciados:

  • Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2072/07.8BELSB, de 04.06.2020, em cujo sumário consta que “I. A apresentação de declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, fora do prazo legal mas dentro do prazo de caducidade não implica, per se, a anulação da liquidação oficiosa, desde logo, porque a aludida declaração não goza da presunção de verdade declarativa. II. Essa falta de presunção de verdade declarativa não se estende à contabilidade, desde que devidamente organizada; III. Tendo sido apresentada declaração de rendimentos após a emissão de liquidação oficiosa, mas dentro do prazo de caducidade e mediante a faculdade consignada no artigo 83.º, n.º 10 do CIRC, o princípio da tributação do lucro real impõe outras diligências por parte da Administração Tributária, designadamente, a realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos que foram supervenientemente apresentados pelo contribuinte e na sequência de pronúncia da Administração Tributária. Inexistindo tal procedimento ocorre excesso de quantificação de rendimentos”.
  • Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1381/07.0BELSB, de 09.06.2021, em cujo sumário se escreve que “I. A falta de cumprimento das obrigações declarativas por parte do contribuinte impõe assim à Administração Tributária o dever funcional de proceder a uma liquidação oficiosa, cujo objetivo será também prevenir a caducidade do direito à liquidação. II. A declaração de rendimentos porque tardiamente apresentada não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da LGT.”;
  • Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2399/15.5BELSB, de 15.12.2021, em cujo sumário consta que “1. Constitui erro imputável aos serviços, determinante da anulação do ato tributário, aquele em que incorre a Administração Tributária ao indeferir o pedido de revisão na presença de elementos da contabilidade que põem em causa o acerto dos pressupostos de facto do ato questionado. 2. A condenação no pagamento de juros indemnizatórios segue o regime do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.”;
  • Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 339/13.5BESNT, de 24.02.2022, em cujo sumário se diz que “1. Na falta de apresentação tempestiva da declaração periódica de rendimentos, a AT pode proceder a liquidação oficiosa, nos termos do artigo 90.º, n.º 1 alíneas b) e c) do CIRC. 2. Essa liquidação tem natureza provisória, só se tornando definitiva se o contribuinte não vier a apresentar supervenientemente e no prazo de caducidade, a declaração (art.º 101.º do CIRC). 3. Se o fizer, a AT está funcionalmente obrigada a corrigir a liquidação oficiosa de acordo com a declaração e na medida em que a documentação contabilística de suporte e de relato financeiro permitam confirmar os elementos declarados. 4. Se a decisão de recurso hierárquico interposto para a anulação da liquidação oficiosa e a sua substituição por outra concordante com a declaração superveniente apresentada, se limita a manter a liquidação oficiosa com fundamento em que os elementos que acompanham a declaração contêm omissões, erros ou inexatidões, enferma de vício invalidante por erro nos pressupostos. 5. Com efeito, impunha-se outra decisão, que averiguasse ou mandasse averiguar, se necessário em procedimento de inspeção, em que medida a declaração podia ser validada embora corrigida das omissões, erros e inexatidões constatados e não supridos pelo sujeito passivo. 6. Se em procedimento de 2.º grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) a AT procede à análise da declaração superveniente apresentada, opera-se a revogação tácita da liquidação oficiosa, passando os pressupostos da liquidação reportada ao exercício em causa a assentar na matéria coletável declarada, ainda que depois não venha a ser, em procedimento de averiguação ou inspeção, totalmente confirmada por não adequadamente suportada nos elementos da contabilidade ou escrita do sujeito passivo.”;
  • Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2550/04.0BELSB, de 25.02.2021, em cujo sumário consta que “I. No caso como dos autos em que a A.T.A. procedeu a uma liquidação oficiosa de IRC, por ausência de apresentação, dentro do prazo legal, da respetiva D.P. Modelo 22, a sua posterior entrega não obsta à sua consideração, caso a mesma permita o apuramento do lucro tributável do s.p. II. Tal será o caso quando a sua determinação se baseie na contabilidade que cumpra o disposto no n.º 3, do art.º 17.º, do CIRC, e que se encontrem apoiadas em documentos de suporte que satisfaçam as condições apostas no n.º 3, do art.º 98.º, do mesmo Código. III. Cabe à Adm. Fiscal, no âmbito dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material (art.º 58.º, da LGT), proceder ao apuramento da situação tributária do s.p.- cfr art.º 63.º da mesma Lei.”;
  • Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0499/11.0BELRS, de 13.07.2022, em cujo sumário se diz que “Nos casos em que o sujeito passivo não apresenta a declaração de rendimentos, a AT tem o poder-dever de promover a liquidação oficiosa provisória do imposto à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS, para evitar que dessa falta (independentemente das sanções aplicáveis pela violação dos deveres acessórios declarativos a que possa dar lugar) resulte uma vantagem futura para o sujeito passivo inadimplente. Porém, é dever da AT inteirar-se, por via do exercício dos seus poderes inspetivos, da real situação económica do sujeito passivo, sobretudo quando este apresenta, mesmo que através de reclamação graciosa, elementos comprovativos da sua concreta situação tributária.”;
  • Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo: n.º 1814/14.0BELRS, de 15.09.2022, em cujo sumário se estabelece que “I. Apresentada a declaração, a AT tinha o poder-dever de a analisar e agir em conformidade, corrigindo a liquidação oficiosa emitida, mas sem que sejam de aplicar quaisquer das limitações previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 76.º, limitações essas apenas consagradas para definir os critérios a seguir ao nível das liquidações oficiosas – liquidações que são provisórias por natureza, devendo as mesmas ceder perante a declaração efetiva e correta dos rendimentos. II. Não é possível proceder-se à anulação parcial do ato se ela implicar uma nova liquidação.”;
  • Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 252/08.8 BELRS, de 29.09.2022, em cujo sumário se diz que “Tendo sido fornecidos elementos pelo contribuinte que põem em causa a matéria coletável da liquidação oficiosa de IRC, a Administração Fiscal, desde que em tempo, deve realizar as diligências necessárias ao apuramento da mesma, de forma a garantir a tributação do rendimento real.”.

70.  Em face da apresentação, em 20.04.2021, da declaração de rendimentos modelo 22-IRC, referente ao período de tributação de 2019, e atenta a natureza provisória da liquidação oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira devia ter procedido à apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 21.10.2021, e se os elementos probatórios apresentados não fossem suficientes para concluir pela veracidade do declarado, a AT devia ter pedido à Requerente a prestação de esclarecimentos complementares ou a apresentação de mais elementos probatórios ou, então, devia ter realizado as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, designadamente, podia, nos termos do normativo da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do RCPITA, ter solicitado à inspeção tributária informação oficial sobre a matéria de facto relevante para decisão do pedido de revisão oficiosa.

71.  Em alternativa, considerando que está em causa o período de tributação do ano de 2019, cujo prazo de caducidade só ocorre em 31.12.2023, a AT devia ter promovido a realização de um procedimento de inspeção tributária com vista ao apuramento da situação tributária da contribuinte, ora Requerente. Não o tendo feito é lhe imputável o erro na quantificação da matéria coletável, não podendo o ato tributário de liquidação oficiosa subsistir na ordem jurídica por violação do princípio da tributação do rendimento real, constitucionalmente consagrado (n.º 2 do art.º 102.º da CRP).

72.  Em face de todas as razões enunciadas, deve o pedido de pronúncia arbitral ser considerado procedente, com os subsequentes efeitos legais, quanto à anulação do ato de liquidação oficiosa de IRC e de juros compensatórios supra identificados, referentes ao período de tributação do ano de 2019.

 

IV. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

73.  Conjuntamente com a anulação do ato de liquidação oficiosa de IRC e de juros compensatórios do ano de 2019, e o consequente reembolso do montante de € 30.678,29, pago indevidamente, a Requerente pede, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

74.  Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

75.  Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

76.  O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

77.  A opção da Autoridade Tributária e Aduaneira de não ter apreciado, no prazo previsto no n.º 1do artigo 57.º da LGT, o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente para revisão da liquidação oficiosa de IRC do ano de 2019, e ao ter deixado constituir-se as decisão de indeferimento tácito, bem como não ter procedido no referido prazo ou em momento posterior à realização de procedimento inspetivo para apuramento da situação tributária da contribuinte motiva que lhe seja imputável o erro na quantificação da matéria coletável e que o ato de liquidação oficiosa não possa subsistir na ordem jurídica por violação do princípio da legalidade e do princípio da tributação do rendimento real.

78.  Em face das razões enunciadas, e porque a Requerente efetuou um pagamento de IRC e juros, referente a período de tributação de 2019, de valor superior ao que legalmente devido, é inequívoco que estamos perante um pagamento de imposto indevido. Assim, em face das normas do n.º 1 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal sobre o montante indevidamente pago, desde a data de 22.10.2022, isto é, um ano posterior à apresentação do pedido de revisão oficiosa (21.10.2021) (cfr. Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0560/05, de 06.07.2005), e até ao momento do processamento da nota de crédito.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido da Requerente;
  2. Determinar a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos no artigo 78.º da LGT;
  3. Determinar a anulação do ato de liquidação oficiosa de IRC n.º 2020..., de 23.12.2020, (Demonstração de acerto de contas n.º 2020...), no valor de € 30.498,72, acrescido de juros compensatórios, no valor de € 392,15, (Demonstração de liquidação n.º 2020...), ambos referentes ao período de tributação do ano de 2019;
  4. Determinar a restituição à Requerente do valor de € 30.678,29, acrescido de juros indemnizatórios, desde 22.10.2022 até à emissão da nota de crédito, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT;
  5.  Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC), fixa-se o valor do processo em € 30.678,29 (Trinta mil seiscentos e setenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), valor que corresponde ao valor de IRC e juros compensatórios pago pela Requerente.

  1. CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de fevereiro de 2023

 

 

O Árbitro

 

 

Jesuíno Alcântara Martins