Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 326/2022-T
Data da decisão: 2022-11-25  IRS  
Valor do pedido: € 38.463,35
Tema: IRS – Não Residente; Mais Valias, Valor de Aquisição, Despesas e Encargos;
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Sumário

  1. Determinar se o sujeito passivo é ou não residente em Portugal não está dependente do seu domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência. Tendo o sujeito passivo comunicado a alteração do seu domicílio fiscal para uma morada no Reino Unido, compete-lhe demonstrar, uma vez que é quem o invoca, se preenche os critérios da alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, para ser considerado residente fiscal em Portugal.
  2. É uma condição essencial para efeitos do direito à exclusão de tributação prevista no art.º 10º nº 5 do CIRS, que o imóvel na data da alienação seja destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, quando essa condição não é cumprida pelo sujeito passivo, não beneficia do direito à exclusão de tributação.
  3. A alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos doze anos, às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente. E inclui igualmente as despesas necessárias e inerentes à aquisição/alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é entendimento consolidado que são dedutíveis, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, o IMT suportado aquando da aquisição do imóvel alienado e, ainda, os encargos notariais e de registo predial incorridos.
  4. O legislador não impõe, a respeito da demonstração a efetuar relativamente à demonstração probatória das despesas e encargos de valorização a que se reporta o artigo 51º do CIRS, qualquer regime de limitação ou de prova vinculada.

Decisão Arbitral

Relatório

  1. Identificação Das Partes

Requerente: A..., residente em ..., em Londres, portador do número de identificação fiscal..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 20-05-2022.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 07-07-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 26-07-2022, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho proferido em 07-10-2022, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e apresentação de alegações foi dispensada.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

  1. Pedido          
  1. A Requerente, deduziu o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, 2022..., relativo ao ano de 2020, que fixou um imposto a pagar de  38.463,35€ (trinta e oito mil quatrocentos e sessenta e três e trinta e cinco cêntimos).
  1. Causa De Pedir
  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
  2. Foi notificada de uma liquidação de IRS, relativa ao ano de 2020, com o valor de 75.260.48€ (setenta e cinco mil duzentos e sessenta euros e quarenta e oito cêntimos) com a qual não podia conformar-se uma vez que, no período de tempo a que respeita a referida nota de liquidação, a Requerente possuía residência alternada entre Portugal e o Reino Unido, preenchendo assim os critérios para ser considerada residente nos termos do art.º al. b) do n.1 do art.º 16.º do CIRS.
  3. No que respeita à residência em território nacional, aplicava-se o disposto na al. b) do n.2 do art.º 16.º do CIRS pois a Requerente possuía, até Novembro de 2020, uma habitação, em perfeitas condições permanentes de habitabilidade, sita no Concelho do Porto, da qual pagava em seu nome, água, eletricidade e outros serviços e a qual ocupava durante os períodos nos quais se encontrava em Portugal.
  4. Do mesmo modo, a Requerente possuía igualmente, nas mesmas condições, residência na cidade de Londres, no Reino Unido, a qual ocupava durante o período maioritário do ano.
  5. Em 20.11.2020, a Requerente procedeu à venda do imóvel que era sua habitação própria e permanente em território português tendo sido o valor respeitante à mais-valia resultante desse negócio, completamente reinvestida na totalidade na compra de outro imóvel com o mesmo propósito, sito num país que à data possuía ainda estatuto idêntico ao de um Estado- Membro da EU e dentro do prazo previsto na al. b) do n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS.
  6. Apesar de ser residente em ambos os Estados durante o ano de 2020, a Requerente optou pela tributação como não residente devido à possibilidade de não englobamento dos respetivos rendimentos.
  7. Ao optar pela tributação como não residente a requerente viu ser lhe tributada a totalidade da mais-valia, o que representa uma violação da aplicação do princípio da igualdade vertido no artigo 13.º da CRP.
  8. Caso a requerente tivesse optado pela tributação como residente, tal rendimento seria objeto de englobamento, e a tributação ser-lhe-ia manifestamente desfavorável.
  9. Contudo, se a requerente tivesse optado pela tributação como residente, e claro se torna que teria podido fazê-lo, nos termos do art. 43 n.º1 do CIRS, teria sido considerado, para efeitos de tributação apenas 50% do valor total do incremento patrimonial.
  10. O que traduz uma situação de manifesta injustiça e discriminação perante os contribuintes não residentes em território nacional.
  11. Defende que o imóvel sito em território português foi alienado, com o objetivo e sob declaração de que o valor proveniente do negócio se destinava ao reinvestimento na compra de uma habitação própria e permanente para a Requerente, sita num outro, com condições idênticas às de Estado Membro da UE.
  12. Pelo que, teria a mesma podido beneficiar do disposto na al. a) do n.º 5 do art.º 10 do CIRS uma vez que a compra da habitação no Reino Unido teve lugar a 30.11.2020 quanto este ainda era equiparado a membro da UE.
  13. Benefício este que lhe foi negado com fundamento em que tendo optado pela tributação como não residente e não tendo domicílio fiscal no imóvel alienado sito em território português não teria direito a beneficiar do reinvestimento.
  14. O que é falso em primeiro lugar e, conforme supra já se demonstrou, a Requerente foi, no ano fiscal em causa residente simultaneamente em dois estados-membros.
  15. Em segundo lugar, porque os conceitos de “domicílio fiscal” e de “habitação própria e permanente” não se confundem e em nenhum momento qualquer norma da legislação tributária ou outra estabelece qualquer correspondência entre ambos.
  16. Defende que em 06.01.2020, comunicou uma alteração de domicílio fiscal, de Portugal para o Reino Unido fê-lo apenas para dar cumprimento ao disposto nos artigos 43.º n.º 1 do CPPT e 19.º da LGT.
  17. Sem que tal possa de modo algum significar que tenha deixado de manter, a expensas suas, habitação própria e permanente em Portugal na qual permanecia durante os dilatados períodos em que se encontrava em território nacional.
  18. E tendo em conta que o imóvel que constituía a sua habitação própria e permanente em Portugal foi alienado em 20.11.2020, ou seja, na vigência do referido acordo, com o objetivo e sob declaração de que o valor proveniente do negócio se destinou ao reinvestimento na compra de uma habitação própria e permanente para a reclamante, sita num outro Estado Membro
  19. Trata-se de uma discriminação operada contra cidadãos residentes noutro Estado da União europeia a qual é igualmente proibida à luz do Direito da União Europeia
  20. De facto, enquanto os cidadãos residentes em Portugal que procedam à alienação de imóvel destinado a habitação própria e permanente cujo proveito se destine à aquisição de outro imóvel com o mesmo fim, em Portugal noutro país do território da União Europeia, têm direito à isenção de IRS em virtude do referido reinvestimento.
  21. Sobre os Critérios utilizados para cálculo do valor de aquisição do imóvel a ter em conta para efeitos do cálculo do valor a pagar a título de mais valias, sustenta a Requerente, que o imóvel sito no Porto, vendido pela Requerente no ano de 2020, havia sido adquirido por esta, em partes iguais, com o seu marido, por compra a em 09.01.2013.
  22. O marido da Requerente, de nacionalidade britânica, faleceu a 01.05.2013, tendo a respetiva partilha de bens por herança sido regulada segundo a Lei de Inglaterra e País de Gales, quer por ser esta a sua lei pessoal nos termos do art.º 62.º do Código Civil.
  23. Quer por ser esta a lei do estado onde tinha os seus bens e obtinha os seus rendimentos, nos termos do art. º 21.º do Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de julho de 2012.
  24. Tendo inclusivamente levado ao pagamento de impostos sucessórios naquele país, conforme se comprova pelo doc. n.º 10 (Calculation Inheritance Tax).
  25. Tendo o marido da Requerente falecido sem deixar testamento, a respetiva sucessão foi regulada pelo Intestate’s Estates Act for England na Wales, o qual prevê que, para além dos objetos pessoais do falecido, o cônjuge sobrevivo é automaticamente dono de todos os bens deste até ao valor de £270.000,00 ( aproximadamente €320.000,00).
  26. Só sendo objeto de partilha por sucessão o valor remanescente, do qual novamente metade pertence ao cônjuge, só sendo a restante metade, por sua vez dividida pelos filhos.
  27. Isto significa que, tendo a metade do imóvel pertencente ao marido da Requerente o valor de € 200.000,00, como resulta do preço de compra, a mesma passou, em virtude do falecimento deste, a pertencer automaticamente à requerente por direito próprio e não em função de qualquer operação de partilha.
  28. Mais do que uma meação de bens como existe entre nós, o instituto jurídico britânico procede a uma verdadeira sub-rogação no direito de propriedade dos bens, a favor do cônjuge sobrevivo.
  29. Devendo assim, segundo a Requerente, ser considerado para efeitos do apuramento da mais-valia o valor de aquisição do bem contabilizado pelo valor da aquisição onerosa, em relação às duas metades, fixando-se este num total de € 400.000,00.
  30. Sobre a não inclusão das verbas pagas, pelo marido da reclamante, a título de Imposto de selo e IMT aquando da aquisição da metade do imóvel, sustenta a Requerente que em virtude do regime de casamento entre ambos ser, por imposição legal, a separação de bens, a aquisição foi registada como comum e partes iguais por ambos os cônjuges o que levou a que, em sede fiscal, cada um dos contribuintes individualmente considerados, fosse tributado na sua metade do valor a pagar em sede de IMT e Imposto de Selo devidos pela aquisição.
  31. E o mesmo sucedeu com o pagamento dos tributos devidos pela alienação sendo que o marido da requerente contribuiu para o pagamento da metade do IMT e IS em que esta foi tributada, da mesma forma que esta contribuiu para o pagamento dos impostos liquidados em nome daquele.
  32. Assim, porque tais valores ainda que formalmente correspondentes a pagamentos feitos por dois sujeitos passivos diferentes, foram pagos com valores provenientes de rendimentos de ambos os sujeitos passivos.
  33. Não podendo por isso deixar de ser considerado, no valor das deduções específicas da Categoria G, para efeitos do cálculo do valor de mais-valia a pagar, o valor pago pelo marido de requerente a título de IMT e IS durante o ano de 2020.
  34. Mais sustenta a Requerente sobre a desconsideração diversas faturas relativas a despesas a incluir em sede de deduções específicas com a mais-valia que não foram consideradas pela AT por alegadamente não incluírem os elementos essenciais para serem consideradas em sede de IRS
  35. Aquando do preenchimento da declaração de IRS relativa ao ano de 2020, a requerente incluiu na mesma diversas faturas relacionadas com a Manutenção do imóvel alienado, a deduzir em sede de mais valias, nos termos do art.51.º do CIRS.
  36. Todavia, no caso da fatura no valor de 1.122,39 euros (mil cento e vinte e dois euros e trinta e nove cêntimos) relativa a fornecimento e colocação de soalho e junta a diante como doc. n.º 12 , a mesma não foi considerada pela AT por alegadamente não incluir os elementos essenciais para serem consideradas em sede de IRS.
  37. Sucede, porém, que, a falta de requisitos das faturas não é culpa da contribuinte adquirente dos bens ou serviços, não estando esta onerada com nenhum dever de verificação, pelo que não poderá a mesma ser prejudicada pela omissão. Até porque,
  38. Apesar de a referida fatura não incluir o NIF da reclamante identifica-a claramente pelo nome, identificando igualmente o imóvel objeto das mais valias pela morada.
  39. Termina a Requerente sustentando que deve ser anulada a liquidação de IRS da Requerente relativa ao ano de 2020, cuja importância já foi paga voluntariamente pela requerente, por forma a ser considerada a isenção de tributação em sede de mais valias pela alienação do imóvel localizado no Porto, uma vez que o referido imóvel constituía habitação própria e permanente da requerente e o produto da alienação se destinou à aquisição de outro imóvel destinado ao mesmo fim localizado em país da União Europeia. Devendo ser assim devolvido integralmente à requerente o valor de 38 463.35, acrescidos de juros de mora até integral pagamento.
  40. Mais peticiona, que deverá pois: ser alterado o valor de aquisição do imóvel que serviu de base ao cálculo do valor do incremento patrimonial, de € 80.265,00 (oitenta mil duzentos e sessenta e cinco euros) para € 200.000,00 (duzentos mil euros) e ser tido em consideração como dedução específica em sede de mais valias os valores de €10.020,34 e €1.600, 00 de IS pagos do marido da Requerente, respetivamente a título de IMT e IS pela aquisição do imóvel, e ser considerado também como despesa ou encargo com o imóvel a fatura com o valor de 1.122,39 euros (mil cento e vinte e dois euros e trinta e nove cêntimos) com o n.º 2015/36 emitida em nome da requerente e com a sua residência. E Deve igualmente ser restituído à requerente o valor de € 125,29 (cento e vinte cinco euros e vinte e nove cêntimos), cobrado a título de juros de mora, despesas e taxas de justiça no âmbito do processo de execução n.º ...2022... .
  1. Da Resposta da Requerida
  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
  2. Por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que a Requerente em 2020/01/06 alterou o seu domicílio para o Reino Unido, passando a ser não residente para efeitos fiscais em Portugal, tendo alterado a sua situação para residente em território nacional em 2021/02/24.
  3. Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 19º da LGT, domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual, pelo que tendo a Requerente alterado o seu domicílio para o Reino Unido, e sendo não residente em território nacional, o imóvel alienado não pode ser considerado habitação própria e permanente daquela, não se verificando, portanto, os requisitos para a exclusão de tributação prevista no nº 5 do artigo 10º do CIRS.
  4. Efetivamente, como bem refere a Requerente, o domicílio fiscal constante na base de dados da administração fiscal constitui uma presunção ilidível, isto é, pode ser apresentada prova em contrário.
  5. Porém, caso a Requerente demonstre que o imóvel alienado era efetivamente a sua habitação própria e permanente, preenchendo assim o requisito previsto na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, deverá então ser considerada residente em território nacional e, consequentemente, ser tributada pela universalidade dos rendimentos auferidos, conforme prevê o nº 1 do artigo 15º do CIRS, o que, como refere a Requerente na sua petição, no artº 1, alínea g), o não fez, por ser fiscalmente mais desvantajoso.
  6. Pelo que, resulta à evidência de que não pode a Requerente invocar que, por um lado o imóvel alienado era a sua residência própria e permanente para efeitos de beneficiar de exclusão de tributação relativamente às mais-valias prevista para os sujeitos passivos residentes em território nacional, e por outro, querer ser considerada como não residente, para efeitos de não englobamento das mais valias e não tributação dos rendimentos universalmente auferidos.
  7. Acresce referir que os sujeitos passivos não podem ser simultaneamente residentes, para efeitos fiscais, em dois países diferentes, motivo pelo qual, em caso de conflito entre duas legislações nacionais, se aplica a Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre os dois Estados Contratantes, por forma a determinar qual o Estado de Residência, nomeadamente, no seu artigo 4º da CDT.
  8. Assim, verificando-se que não está previsto o requisito da habitação própria e permanente pelo facto de a Requerente ser considerada, no ano de 2020, como não residente em Portugal, conforme declaração por si entregue e informação constante do cadastro, não se encontram preenchidos os pressupostos de exclusão de tributação nos termos do nº 5 do artigo 10º do CIRS.
  9. Vem ainda a Requerente contestar os critérios utilizados para cálculo do valor de aquisição do imóvel para efeitos de cálculo das mais-valias, a não inclusão das verbas pagas, pelo seu marido, a título de Imposto do Selo e IMT aquando da aquisição de metade do imóvel, a desconsideração de diversas faturas relativas a despesas a incluir em sede de deduções específicas e a restituição do montante de € 125,29, cobrado a título de juros de mora.
  10. Relativamente ao cálculo das mais-valias, nomeadamente ao valor de aquisição do imóvel e despesas consideradas na declaração oficiosa/DC, cumpre referir que, conforme explanado em sede de análise e procedimento de reclamação graciosa, a aquisição do imóvel ocorreu em dois momentos distintos:
    1. Em 2013/01/10, a Requerente adquiriu 50% do imóvel, pelo valor de € 200 000,00, conforme previsto no nº 1 do artigo 46º do CIRS, tendo sido aceites a título de despesas/encargos, o valor de € 11 620,34, correspondentes ao IMT e IS suportados no momento da aquisição, metade do valor da comissão de intermediação da venda, na importância de € 22 509,00, metade do valor do custo da escritura no Cartório Notarial de B..., no valor de € 164,16, os custos do registo na Conservatória do registo predial, na importância de € 270,00 e metade dos custos de preparos com a escritura efetuada no Cartório Notarial, no valor de € 112,20, totalizando a importância de € 34 676,00.
    2. Em 2013/05/01, a Requerente adquiriu os outros 50% do imóvel enquanto única herdeira do seu falecido marido, a título gratuito, sendo neste caso o valor de aquisição determinado conforme previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRS, isto é, metade do valor patrimonial do imóvel à data do óbito, que corresponde ao montante de € 80 265,00, sem lugar a despesas ou encargos.
  11. Assim, uma vez que a Requerente adquiriu a totalidade do imóvel em dois momentos distintos, a títulos diferentes (oneroso e gratuito), esse facto tem de ficar refletido na liquidação, com os respetivos efeitos no cálculo das mais-valias, o que foi corretamente efetuado.
  12. Quanto às diversas faturas relativas a despesas, nomeadamente da NOS, EDP e Águas do Porto, que a Requerente considera que devem ser incluídas em sede de deduções específicas, apenas se dirá que as mesmas não são encargos com a valorização do bem, nem despesas inerentes à aquisição e alienação do imóvel, nos termos do nº 1 do artigo 51º do CIRS, pelo que não aceites para efeitos de consideração na liquidação.
  13. Por último, relativamente à solicitada restituição do montante de € 125,29, cobrado a título de juros de mora, verificando-se que os mesmos se mostraram devidos pelo atraso no pagamento voluntário em falta, conforme o nº1 do artigo 44º da LGT, não há lugar à sua restituição.
  1. Fundamentação De Facto
  1. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
  2. Em 10/01/2013, a Requerente adquiriu em conjunto com o seu Marido o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., da União de Freguesias de ..., ... e ... pelo valor de 400.000,00€, cf. documentos 8 e 9 juntos pela Requerente.
  3. A Requerente apresentou como despesas e encargos referente à aquisição, os seguintes valores:
  1. IMT e Imposto de Selo no valor de € 11 620,34 da Requerente e o mesmo valor para o Marido da Requerente, no total de 23.240,68. cf. Processo Administrativo (“PA”).
  1. O Marido da Requerente faleceu em 01/05/2013, tendo a respetiva partilha de bens por herança sido regulada segundo a Lei de Inglaterra e País de Gales, quer por ser esta a sua lei pessoal nos termos do art.º 62.º do Código Civil, cf. documentos 10 juntos PPA.
  2. A Requerente e o seu Marido estavam casados no regime de separação de bens no momento da aquisição do imóvel e do seu falecimento, cf. Processo Administrativo (“PA”).
  3. A Requerente comunicou à AT em 2020/01/06 a alteração do seu domicílio fiscal para o Reino Unido, cf. Processo Administrativo (“PA”)
  4. A Requerente procedeu à aquisição de uma habitação no Reino Unido em 30.11.2020, cf. documentos 5 e 6 juntos PPA.
  5. Em 2021/02/08 a Requerente apresentou a declaração de substituição, referente ao IRS do ano de 2020,  declarando o seguinte:

Quadro 8B “Não residente” em Portugal;

Anexo F os rendimentos prediais auferidos em Portugal;

Anexo G a alienação do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo..., da União de Freguesias de ..., ... e ..., com os seguintes valores:

Quadro 4 (Alienação Onerosa de Direitos Reias sobre Bens Imóveis), respetivamente Ano/valor de realização: 2020/ € 610 000,00; Ano/valor de aquisição: 2013/ € 400 000,00; Despesas e encargos: € 73 813,73;

Quadro 5A (Reinvestimento do Valor de Realização de Imóvel Destinado a Habitação Própria e Permanente), respetivamente Campo 5006 - Valor de realização que pretende investir, sem recurso ao crédito: € 604 650,00; Campo 5008 - valor de realização reinvestido no ano da declaração após alienação: € 600 000,00. (cf. Processo Administrativo (“PA”).

  1. Da declaração de substituição resultou a liquidação nº 2021..., de 2021/08/03, no valor de € 36 263,35. cf. Processo Administrativo (“PA”)
  2. A AT procedeu à elaboração de um procedimento de divergências, corrigindo o valor das despesas e encargos para o montante total de € 59.777, 20, bem como os valores de aquisição, mais concretamente, na parte adquirida pela Requerente em Janeiro de 2013, no montante de € 200 000,000 e na parte adquirida em Maio de 2013 no montante de € 80 265,00. cf. Processo Administrativo (“PA”)
  3. Em 02/08/2013, a Requerente na qualidade de cabeça-de-casal e herdeira efetuou a participação de imposto de selo nº ..., relativo ao autor da transmissão NIF. ... -C... . Foi declarado ½ do artigo matricial n.º..., da freguesia ...,  respetivamente 80.265,00€, valor que serviria de base à liquidação, contudo ficou isenta do mesmo. cf. Processo Administrativo (“PA”)
  4. Do procedimento de divergências resultou a liquidação nº 2022..., de 14/01/2022, com o valor de € 75 260,48, cf. Processo Administrativo (“PA”)
  5. Por não concordar com a liquidação, a Requerente, em 10/09/2021, apresentou reclamação graciosa, solicitando a sua anulação, à qual foi atribuída o n.º de processo ...2021..., cf. Processo Administrativo (“PA”).
  6. A 30/12/2020, a Requerente recebeu uma notificação dos serviços financeiros de Gondomar, contendo o projeto de decisão da Reclamação Graciosa que a deferia parcialmente aceitando a tributação da mais-valia em 50%. cf. Processo Administrativo (“PA”)
  7. Pelo ofício n.º 2022..., datado de 23/03/2022, pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, foi o pedido deferido parcialmente, por aplicação do n.2 do art.º 43 do CIRS ao saldo das mais valias, refletindo-se na exclusão de 50% do mesmo,  e indeferida quanto aos valores de aquisição da parte do imóvel adquirido por herança bem como quanto às despesas referentes ao mesmo,  quanto à questão do reinvestimento do valor recebido a título de mais valias, e ainda indeferida a inclusão de algumas faturas de despesas com a manutenção do imóvel. cf. Processo Administrativo (“PA”)
  8. Nessa sequência, foi elaborada declaração oficiosa, em 02/05/2022, da qual resultou a liquidação nº 2022..., de 07/05/2022, com o valor a pagar no montante de €38 463.35, alvo do presente PPA. cf. Processo Administrativo (“PA”)
  9. A Requerente apresentou despesas com o fornecimento e colocação de soalho no imóvel supra descrito, no valor de 1.221,39€, conforme documento datado de 15/06/2015, cf. Processo Administrativo (“PA”).
  1. Factos Não Provados
  1. Com relevância para a decisão da causa, não foram identificados factos que que devam ser considerados como não provados.
  1. Fundamentação Da Matéria De Facto
  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos junto aos autos.
  1. Questões Decidendas
  1. Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumprem, pois, apreciar e decidir:
  1. A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, 2022..., relativo ao ano de 2020, que fixou um imposto a pagar de 38.463.35€, e do despacho de indeferimento parcial proferido na reclamação graciosa nº ...2021... .
  2. Devolução dos montantes pagos e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
  3. Da questão prévia da exceção de incompetência do tribunal arbitral, quanto ao pedido de cobrança indevida no âmbito do processo de execução fiscal n.º...2022... .
  1. Da Exceção Dilatória: Exceção de Incompetência do Tribunal Arbitral
  1. A Requerente peticiona a apreciação da ilegalidade da cobrança de € 125,29, a título de juros de mora, despesas e taxas de justiça, no âmbito do processo de execução nº ...2022... .
  2. As questões de determinação da competência dos tribunais são de conhecimento prioritário e de conhecimento oficioso, nos termos dos arts.º 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do art.º 578º do Código de Processo Civil (CPC) por aplicação subsidiária do art.º 29º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria (RJAT), importa assim face ao exposto apreciar o presente pedido face à competencia dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.
  3. Numa primeira linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, encontra-se limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Assim, em concreto do n.º 1, alínea a) decorre a competencia dos tribunais arbitrais para a preciação da pretensão da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos,  de autoliquidação de tributos.
  4. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, é limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos», em cujo se postula a vinculação à jurisdição arbitral dos serviços - DGCI e DGAIEC - entidades fundidas na atual Autoridade Tributária e Aduaneira, com efeitos a 1.º de Janeiro de 2012».
  5. Deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).
  6. A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub júdice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art. 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.
  7. Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial(cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).
  8. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação da AT, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
  9. Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
  10. A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete.
  11. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de liquidação em sede), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada.".
  12. Retomando os autos, a Requerente submete à preciação do Tribunal dois pedidos: o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2022 ..., relativo ao ano de 2020, e respetivo reembolso, e o pedido de ilegalidade da cobrança indevida de € 125,29, a título de juros de mora, despesas e taxas de justiça, no âmbito do processo de execução nº ...2022... .
  13. Quanto ao primeiro pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, 2022..., relativo ao ano de 2020, não merece  dúvida que a sua apreciação se encontra dentro do âmbito da competência do tribunal arbitral.
  14. Quanto ao segundo pedido, de ilegalidade da cobrança a título de juros e mora, referente ao processo de execução fiscal, subsumindo os citados normativos ao caso em apreço, resulta, pois, manifesto, que não cabe dentro da competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam sobre a égide do CAAD arbitrar quaisquer atos em matéria tributária proferidos em sede de processo de execução fiscal.
  15. Com efeito e como afirma Jorge Lopes de Sousa, a competência dos tribunais tributários “restringe-se à actividade conexionada com atos de liquidação de tributos ficando de fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial oi de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais quanto dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT".
  16. De onde resulta que “ficam, assim, de fora da competência destes tribunais arbitrais, a apreciação de litígios gerados em processos de execução fiscal (…)”.
  17. Face ao anteriormente exposto, verifica-se a incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral em razão da matéria 1para julgar sobre a questão peticionada pela Requerente, quanto à ilegalidade da cobrança indevida de € 125,29, cobrado a título de juros de mora, despesas e taxas de justiça, no âmbito do processo de execução nº ...2022..., o que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância da Requerida quanto a este pedido, nos termos do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
  1. Matéria De Direito
  1. Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir sobre a ilegalidade do ato tributário objeto do presente PPA, são as seguintes:
    1. A Requerente cumpre com os requisitos legais para ser considerada como residente em território português, no ano de 2020;
    2. A Requerente, em sede de mais-valias, preenche os critérios que lhe permitem beneficiar da exclusão dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo, prevista no n.º 5 do art.º 10.º CIRS.
    3. Para efeitos de calculo de mais-valias, determinar o valor de aquisição do imóvel alienado, atendendo ao facto de parte (50%) do imóvel ser proveniente da herança do cônjuge falecido da Requerente, casados em regime de separação de bens, e considerando que imóvel em questão foi adquirido em conjunto na pendencia do matrimonio;
    4. A validade das despesas e encargos nos termos do artigo 51.º do CIRS, apresentadas pela Requerente para efeitos de determinação do valor de aquisição.
  2. A matéria de facto está fixada, importa proceder à subsunção jurídica, e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões decidendas anteriormente enunciadas.

Apreciando,

  1. Sobre a primeira questão suprarreferida, se a Requerente cumpre com os requisitos legais para ser considerada como residente em território português no ano de 2020, a Requerente, alegou, que no período a que respeita a referida nota de liquidação, possuía residência alternada entre Portugal e o Reino Unido, preenchendo assim os critérios para ser considerada residente nos termos do art.º al. b) do n.1 do art.º 16.º do CIRS.
  2. A Requerida, por sua vez contra-alegou, que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 19º da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual, pelo que tendo a Requerente alterado o seu domicílio para o Reino Unido, não é considerada como residente em território nacional.
  3. Atendendo à factualidade exposta, resulta que a Requerente no ano de 2020, alterou o seu domicílio em 06/01/2020 para uma morada no Reino Unido e optou pela tributação como não residente na sua declaração de IRS do ano de 2020 entregue em 08/02/2021.
  4. A análise da matéria em discussão compreende assim o respetivo enquadramento do conceito de residência fiscal, o qual já foi várias vezes objeto de pronúncia por parte da jurisprudência.
  5. Iniciaremos pelo quadro legal relevante no que respeita à determinação da residência fiscal das pessoas singulares.
  6. O art.º 19.º, n.º 1 da LGT estabelece as regras de determinação do domicílio fiscal, definindo que “1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual; (…)”.
  7. A verdade é que a norma não desenvolve a noção de residência habitual, contudo  concretiza as regras de determinação do domicilio fiscal, ie, associadas ao domicílio fiscal. Neste sentido, estabelece ainda que “O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica”. (n.º 2).
  8. Por razões atendíveis de organização administrativa necessárias ao exercício de direitos processuais, prevê-se ainda que “3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (…)” sendo “(…) ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”
  9. Deste modo, “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional”. (n.º 6).
  10. A distinção fundamental entre os dois conceitos reside no facto de, enquanto o conceito de residência fiscal integra as normas fiscais materiais ou substantivas, as quais determinam a existência e a extensão do poder de tributar, o domicílio fiscal determina, como regra geral, a competência com fins processuais (em razão do território dos órgãos da administração fiscal e dos tribunais tributários). É nesse local que o sujeito passivo pode ser contactável pela administração fiscal.
  11. O conceito de residência fiscal para as pessoas singulares encontra a sua previsão no art.º 16.º do Código do IRS, estabelecendo-se no seu n.º 1 o seguinte:

“São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.”

  1. Aprofundando a jurisprudência sobre esta temática, veja-se a decisão arbitral Processo n.º 846/2021-T do CAAD:

O conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento, uma particular importância. Desde logo, (a) agora restringindo a análise ao CIRS, a residência é o critério adoptado para estabelecer o âmbito de aplicação do IRS, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal (cf. art. 15.º do CIRS). Se o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes os indivíduos que “permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, já a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, uma permanência inferior, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva relevante com o território português. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, isto é, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.”

  1. Em igual sentido, veja-se o Acórdão do TCAS, de 11.11.2021, proferido no processo n.º 2369/09.7BELRS, designadamente o seu sumario:

“(…)II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art. 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art. 43.º do CPPT quer no então art. 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.

(…)

V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante.”

  1. Realçamos similarmente o Acórdão do TCAS, de 08.07.2021, proferido no processo n.º 803/05.0BESNT, que parcialmente se transcreve:

“(…) III. Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.”

  1. Por conseguinte do anteriormente exposto, é, assim, à luz dos normativos indicados e da jurisprudência, que a questão há de ser apreciada.
  2. Deste modo, enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais.
  3. Destarte, a questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal.
  4. Aquele que efetivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração).
  5. Reportando-nos ao artigo 13.º, n.º 1 do CIRS, a tributação em Portugal dos rendimentos obtidos por pessoas singulares que residam em território português reflete o elemento de conexão “residência”, ao passo que a tributação dos não residentes quanto aos rendimentos considerados como obtidos em território português concretiza a aplicação do elemento de conexão “fonte”.
  6. Para além de corresponder, como vimos, a um dos elementos de conexão para a aplicação da lei fiscal no espaço, a residência é também um conceito essencial para determinar o âmbito de sujeição pessoal ao IRS, uma vez que este tende a ser bastante distinto para residentes e não residentes.
  7. Relativamente aos residentes, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora de território português (artigo 15.º, n.º 1 do CIRS). Os residentes encontram-se, portanto, sujeitos a um princípio da universalidade ou da tributação universal ou ilimitada pelo Estado da residência. Assim, podem ser tributados em Portugal todos os rendimentos obtidos por um residente, independentemente do local onde tais rendimentos sejam obtidos.
  8. Em contrapartida, um não residente – pessoa singular que não preencha nenhum dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do CIRS – encontra-se sujeito a IRS unicamente quanto aos rendimentos obtidos em território português (artigo 15.º, n.º 2 do CIRS).
  9. Os não residentes são tributados ao abrigo do elemento de conexão fonte do rendimento. O artigo 18.º elenca os rendimentos que se consideram obtidos em território português e que, como tal, podem ser tributados em sede de IRS mesmo quando auferidos por um não residente.
  10. Em primeiro lugar, deverá tratar-se de uma residência habitual, o que significa que não basta a existência de um imóvel em Portugal que é ocupado ocasionalmente (e.g. em período de férias ou fins-de-semana) para que o mesmo o qualifique para este efeito.
  11. Por outro lado, veio a nova redação desta norma esclarecer que temos de estar perante uma intenção “atual”, o que significa que o imóvel em questão até pode ter sido adquirido para que no futuro venha a ser utilizado como residência habitual do sujeito passivo – contudo, se no momento em questão o mesmo não estiver a ser ocupado com esse propósito, não poderá ser considerado uma residência habitual para este efeito.
  12. Por último, no que respeita às “condições que [fazem] supor” a intenção de manter e ocupar uma habitação, como residência habitual, verificamos que o legislador decidiu não concretizar que condições são essas, deixando-as ao critério do intérprete.
  13. Uma vez que a ocupação da habitação como residência habitual não é objeto de prova direta, a mesma resulta das condições objetivas e subjetivas que a façam supor.
  14. O conceito de não residência fiscal resulta a contrário do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal.
  15. Neste sentido, façamos uma análise casuística ao presente caso, para a verificação do preenchimento dos critérios da alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.
  16. Apuramos que a Requerente declarou como não residente em território português, que passou maioritariamente do seu tempo no Reino Unido, não alegou ou demonstrou efetivamente os dias ou períodos que permaneceu eu Portugal em 2020.
  17. A Requerente, tendo alterado o seu domicílio fiscal em Janeiro de 2020, não demonstrou que tenha permanecido em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano de 2020, por consequência, não se mostra verificado o critério de residência estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.
  18. Não procedeu ao englobamento de todos os seus rendimentos obtidos, de acordo com o princípio de tributação de base mundial, apenas declarou os obtidos em Portugal, como impõem o artigo 15.º, n.º 1 do CIRS para os residentes.
  19. Bem como não demonstrou a sua intenção de ser residente em Portugal, e não demonstrou a sua conexão efetiva relevante com o território português, critério exigido pela aliena b) do n.º1 do artigo 16.º do CRIS.
  20. Questão diferente debatida em diversas situações na jurisprudência, que a Requerente se tivesse esquecido de alterar o seu domicílio fiscal no decurso do ano de 2020 novamente para Portugal, e consequentemente pretendesse em 2020 ser considerada como residente, podendo para o efeito afastar essa presunção e fazer prova da sua residência em Portugal.
  21. Ora a Requerente não só não alegou dessa forma como, fez o oposto, alegou que  intencionalmente mudou o seu domicílio, como submeteu a sua declaração de rendimentos como não residente.
  22. Deste modo, o Tribunal conclui que a Requerente não preenche os critérios previstos na alínea a) ou na aliena b) do n.1 do art.º 16.º do CIRS, para ser considerada como residente no território português no ano de 2020, e consequentemente a Requerente para o ano de 2020 deve ser considerada como não residente em território português.
  23. Passamos assim à análise da segunda questão elencada, se a Requerente, em sede de mais-valias, preenche os critérios para beneficiar da exclusão dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo, prevista no n.º 5 do art.º 10.º CIRS.
  24. Atendendo à factualidade descrita, vejamos primeiro o que estabelece o regime legal das mais-valias, designadamente o que resulta do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”

  1. Do normativo legal exposto resulta que para beneficiar da exclusão da tributação de mais-valias, deverá o sujeito passivo preencher vários requisitos cumulativos, dos quais relevamos para o presente caso os seguintes:
    1. Quer o imóvel alienado (imóvel de partida), quer o imóvel adquirido (imóvel de chegada) destinar-se à habitação própria e permanente “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”;
    2. Que o reinvestimento do valor de realização do imóvel de partida, para os fins indicados, ocorra dentro do prazo máximo de 36 meses, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino exclusivo, e,
    3. Que o novo imóvel (imóvel de chegada) seja afeto à habitação própria do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
  2. Face à factualidade assente nos presentes autos, e ao anteriormente decidido, resulta que no momento da alienação a Requerente não dispunha o seu domicílio fiscal no imóvel alienado, bem como era não residente em território nacional no ano de 2020.
  3. Deste modo, coloca-se a seguinte questão, não tendo a Requerente o domicílio fiscal no imóvel alienado, deve ser considerado como não sendo a sua habitação própria e permanente?
  4. A resposta a essa questão é negativa, o sujeito passivo pode comprovar qual é a sua habitação própria e permanente, afastando essa presunção, se não vejamos.
  5. Sobre a questão do domicílio fiscal e da habitação própria e permanente, a Lei n.º 82-E/2014 de 31 de Janeiro, veio clarificar a questão com o aditamento ao artigo 13.º do CIRS, do qual se transcrevem o disposto nos números 10 a 13:

“10 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

11 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo

a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou

b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.

12 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.

13 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.”

  1. Com efeito, com o aditamento ao art.º. 13º, a questão ficou resolvida de forma clara, permitindo ao sujeito passivo ilidir a presunção, através de qualquer meio de prova.
  2. Entendimento que é defendido pela jurisprudência, designadamente dos processos TCAS de 8/10/2015, proc. 6685/13, bem como, entre outras, as seguintes decisões Arbitrais proferidas no CAAD a saber: n.º 721/2015-T; 92/2016-T; 21/2017-T.
  3. Decorre sucintamente da jurisprudência anteriormente indicada, que a não comunicação dos sujeitos passivos da mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a exclusão para reinvestimento, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio, a morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o sujeito passivo fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.
  4. Decorre do exposto, a presunção de que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente, contudo o sujeito passivo pode a todo o tempo, apresentar prova em contrário, e a AT pode demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes.
  5. É assim entendido, que o sujeito passivo pode demonstrar mediante prova documental e testemunhal que a sua habitação própria e permanente era no imóvel em questão, quer do imóvel alienado ou o imóvel adquirido.
  6. Retornando aos presentes autos temos que a Requerente não dispunha o seu domicílio fiscal no imóvel alienado que gerou a mais-valia, e não produziu prova em como a sua habitação própria e permanente corresponde ao imóvel alienado.
  7. Perante o exposto, sendo uma condição essencial para efeitos do direito à exclusão de tributação prevista no art.º 10º nº 5 do CIRS, que o imóvel alienado seja destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não foi cumprida pela Requerente essa condição, não beneficiando dessa exclusão.
  8. Ora, a Requerente ao não preencher essa condição, mostra-se prejudicada a análise das restantes condições enumeradas.
  9. Nestes termos, o Tribunal decide pela improcedência do pedido da Requerente,  em sede de mais-valias, porquanto não preenche os critérios que lhe permitem beneficiar da exclusão dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo, prevista no n.º 5 do art.º 10.º CIRS.
  10. Prosseguindo a análise das questões elencadas, vamos apreciar a terceira questão, em concreto, determinar o valor de aquisição do imóvel para efeitos de calculo de mais-valias, atendendo ao facto que parte (50%) do imóvel ser proveniente de herança do cônjuge falecido da Requerente, casados em regime de separação de bens, considerando que o imóvel em questão foi adquirido em conjunto na pendencia do matrimonio.
  11. A Requerente alega que o valor de aquisição deve ser o valor de compra no montante  de 200.000,00€, valor pelo qual o falecido marido adquiriu a sua quota-parte do imóvel em 09.01.2013.
  12. A Requeria contra-argumentou, dizendo que a Requerente adquiriu os outros 50% do imóvel enquanto única herdeira do seu falecido marido, a título gratuito, sendo neste caso o valor de aquisição determinado conforme previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRS, isto é, metade do valor patrimonial do imóvel à data do óbito, que corresponde ao montante de € 80.265,00, vejamos o que dispõe a lei sobre esta matéria.
  13. Estabelece o artigo 45.º do CIRS:

“Valor de aquisição a título gratuito

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.

(…)”

  1. Estabelece o artigo 6.º e 13 do CIS:

Artigo 6.º

“Isenções subjetivas

1- São isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo:

(…)

e) O cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários.”

Artigo 13.º

Valor tributável dos bens imóveis

1 - O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

 

  1. Mais resulta da verba 1.2. da Tabela Geral do Imposto de Selo:

1.2 Aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor 10%

  1. Conforme à factualidade assente, a Requerente e o seu falecido marido, adquiriram o imóvel em questão durante a pendencia do matrimonio, pelo valor de 400.000,00€, e o respetivo imóvel foi-lhe atribuído por força da herança recebida, mediante a sucessão efetuada no Reino Unido, e a Requerente adquiriu a titulo gratuito 50% do imóvel mediante a  sucessão tendo sido o valor de 80.265,00€ sido utilizado para efeito de comunicação de imposto de selo, feito alias, pela Requerente como cabeça de casal.
  2. Assim, para o apuramento do valor de aquisição para efeitos de mais-valias, aplica-se a moldura jurídico-fiscal suprarreferida, vejamos.
  3. A herança constitui uma transmissão gratuita, estando assim abrangida pela isenção de Imposto de Selo, conforme consagra a aliena e) do n.º1 do artigo 6 do CIS.
  4. Nesse sentido, para calculo do valor de aquisição, aplica-se o disposto na alínea b) do n.1 artigo 45.º do CIRS, do qual resulta “valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.”, o que para os presente caso, é o Valor Patrimonial Tributário (VPT) no momento do óbito.
  5. No momento do óbito em 01/05/2013, o VPT do imóvel correspondia a 160.530,00€ pelo que a parte adquirida pela Requerente por meio da sucessão de 50% do imóvel, corresponde assim a 50% desse valor, respetivamente 80.265,00€.
  6. Perante o exposto, a liquidação em apreço, não enferma de vicio de direito ou de facto, porquanto o valor atribuído e a correção efetuada pela Requerida ao valor para 80.265,00€ decorre da correta aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, para efeitos de calculo da mais-valia, improcedendo o pedido da requerente quanto a este pedido.
  7. Passemos agora à análise da quarta e última questão elencada, concretamente a validade das despesas e encargos nos termos do artigo 51.º do CIRS, apresentadas pela Requerente para efeitos de determinação do valor de aquisição.
  8. Sobre esta questão, a Requerente alega, que tais valores ainda que formalmente correspondentes a pagamentos feitos por dois sujeitos passivos diferentes, foram pagos com valores provenientes de rendimentos de ambos os sujeitos passivos.
  9. A Requerida, contra-alegou, no sentido de que tendo a Requerente adquirido 50% a título gratuito não tem assim direito a despesas ou encargos. Quanto às diversas faturas relativas a despesas, nomeadamente da NOS, EDP e Águas do Porto, que a Requerente considera que devem ser incluídas em sede de deduções específicas, apenas se dirá que as mesmas não são encargos com a valorização do bem, nem despesas inerentes à aquisição e alienação do imóvel, nos termos do nº 1 do artigo 51º do CIRS, pelo que não aceites para efeitos de consideração na liquidação.
  10. Ora, sobre o enquadramento legislativo o artigo 10.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, dispunha nos seguintes termos:

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;(…)

4 -O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;(…)”.

  1. Por seu turno, o n.º1 o n.º 2 e artigo 43º do Código do IRS determina que:

“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

(…)

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 10º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

 

  1. Nos termos do disposto nos artigos 44.º a 51.º do CIRS estatuem-se as regras de cálculo das mais-valias, dos quais são de relevo para a presente questão:

Artigo 51.º

Despesas e encargos

1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;”

 

  1. Reverendo ao caso concreto, no âmbito da referida alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, o legislador previu três diferentes realidades suscetíveis de originar acréscimo ao valor de aquisição dos bens imobiliários que estão na base da mais-valia a apurar.
  2. Em termos gerais – uma vez que o cálculo da mais-valia tributável assenta na diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (cfr. artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS) –, o acréscimo, ao valor de aquisição do imóvel, dos encargos e das despesas suportados pelo sujeito passivo para obter o rendimento em causa, tem como efeito uma redução do valor da mais-valia sujeita a IRS.
  3. Dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação do rendimento líquido objetivo – princípios estruturantes do CIRS.
  4. Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados prende-se com a realização de obras pelo proprietário do imóvel, nos últimos 12 anos, relativamente às quais se encontre devidamente comprovado o encargo.
  5. Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.
  6. Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.
  7. Outra questão frequentemente discutida prende-se com o conceito de valorização do imóvel a adotar, o qual condiciona a dedutibilidade fiscal ou não dos encargos que lhe estão subjacentes. A este propósito, a jurisprudência já sustentou que “a alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, doze], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente” [In Acórdão do STA, de 21 de março de 2012, proferido no Processo n.º 0587/11.].
  8. Quanto às despesas necessárias e inerentes à aquisição/alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é entendimento consolidado que são dedutíveis, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, o IMT suportado aquando da aquisição do imóvel ora alienado e, ainda, os encargos notariais e de registo predial incorridos.
  9. Também são tidas como despesas necessárias à alienação e, portanto, contribuem para a redução do valor da mais-valia, as despesas com a mediação imobiliária eventualmente incorridas para efeitos da alienação do imóvel, desde que devidamente comprovadas. A comprovação requerida deve abarcar o efetivo pagamento das despesas pelo proprietário do imóvel e, ainda, a conexão destas com o imóvel alienado / intervenção do mediador imobiliário na alienação em causa.
  10. Em similar sentido, o Prof.º José Guilherme Xavier Basto (in IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 460 a 462), segundo o qual:

«(…) a lei consagra também a dedução de despesas e encargos, para a determinação de algumas das mais-valias sujeitas a imposto. A solução decorre, como é evidente, de um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando assim à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido.

O artigo 51.º manda, com efeito, acrescer ao valor de aquisição: (…)

Na alínea a), consideram-se os “encargos com a valorização dos bens imóveis, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos” [atualmente, doze anos] e também as “despesas necessárias e efectivamente realizadas” com a alienação do imóvel.

Ambas as fórmulas usadas na lei podem suscitar dúvidas de interpretação, particularmente a segunda, atendendo à grande margem de indeterminação do que sejam “despesas necessárias”.

(…) Há-de tratar-se, pois, de despesas que contribuem e são dirigidas, não meramente a conservar o valor do bem, mas a aumentar o seu valor. Não são as simples despesas de manutenção e conservação que são elegíveis para este efeito. Só as que “valorizam” o bem estão em causa. De entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. (…)

Por outro lado, a dedução de encargos – através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo. (…) Com a redacção actual do artigo 51.º, abrangem-se os encargos que, nos últimos 5 anos [atualmente, 12 anos], tenham contribuído para a valorização do imóvel – todos eles e não só as beneficiações materiais.»

  1. Sobre o conceito “Encargos com a valorização dos bens”, é um conceito indeterminado que deverá ser preenchido pelo intérprete.
  2. A jurisprudência dos tribunais superiores tem densificado tal conceito, vejamos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, processo 0245/17.4BELRA ao remetemos, e realçamos o seu sumario:

I - Para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 5 anos e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas no art. 10º nº 1 al. a) do CIRS - art. 51º al. a) do mesmo diploma legal

II - Despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.

(…)IV - O caso das comissões imobiliárias é diferente das despesas em causa, pois que, se o interessado opta pela venda do imóvel através da mediação imobiliária, como pode fazer, estas despesas estão, inequivocamente, conexas com a transacção concreta na origem das mais-valias, são-lhe inerentes, o que já não acontece, como vimos, com os encargos com a desoneração do imóvel alienado.

  1. Nesta medida, deverão ser considerados como abrangidos pela previsão da norma os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar economicamente o bem imóvel alienado.
  2. Incluem-se neste normativo as despesas incorridas a título de imposto de Selo, imposto sobre as Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e as comissões de comissão de intermediação imobiliária e as demais despesas com os registos prediais e custos com o a celebração da aquisição, Cartório ou similares.
  3. O legislador não afastou expressamente a exclusão das despesas e encargos incorridos para a aquisição do imóvel por ambos os cônjuges quando realizados na pendencia do matrimonio e, não há motivo para não aceitar os mesmos, inclusive após a sua aquisição da quota-parte, por via de sucessão.
  4. Nesse sentido, são aceites na sua integralidade as despesas incorridas na pendencia do matrimonio, quanto ao imóvel alienado, respetivamente aos encargos incorridos para a aquisição do imóvel.
  5. Quanto as despesas de manutenção, como água, eletricidade, gás e telecomunicação, não estão abrangidas pelo conceito de encargos com a valorização dos bens previsto na aliena a) do artigo 51ª CIRS, como tal não são aceites para integrar o valor de aquisição.
  6. Por último, quanto a despesa relativa a fornecimento e colocação de soalho no valor de 1.122,39€, incluem-se no conceito de encargos com a valorização dos bens previsto na aliena a) do artigo 51ª CIRS
  7. Sobre esta questão, o legislador não impõe, a respeito da demonstração a efetuar relativamente à demonstração probatória das despesas e encargos de valorização a que se reporta o artigo 51º do CIRS, qualquer regime de limitação ou de prova vinculada.
  8. Neste sentido, estabelece o artigo 128º do CIRS:

Obrigação de comprovar os elementos das declarações

1 – As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.

2 – O prazo previsto no número anterior é alargado para 25 dias quando o sujeito passivo invoque dificuldade na obtenção da documentação exigida.

3 – A obrigação estabelecida no n.º 1 mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.

4 – O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.

  1. Da leitura da versada norma legal, é possível estabelecer e assentar que o legislador exige aos sujeitos passivos de IRS a obrigação de apresentar junto da AT da documentação comprovativa dos elementos por aqueles declarados nas suas declarações de IRS.
  2. Sendo que, da referido normativo, não se colhe qualquer limitação quanto à natureza do ou dos documentos comprovativos dos valores declarativamente expressos.
  3. De resto, o legislador, no seu n.º 4, prevê igualmente a possibilidade dos contribuintes, ante a impossibilidade de apresentação dos documentos a que se reporta o n.º 1, não impedir que estes possam efetuar essa mesma prova por outros elementos probatórios, o que deixa bem evidenciado o propósito legislativo em não limitar do ponto de vista probatório o leque de prova a apresentar em ordem a suportar o teor do declarado em sede de Modelo 3 e respetivos anexos.
  4. Se da referida norma vinda de citar, não se vislumbra qualquer indício sobre a versada limitação legislativa quanto aos meios de prova suscetíveis de confirmar os elementos declarados e tendo presente que no caso em apreço se está sempre perante prova documental, idêntica conclusão não poderá deixar de se efetuar da leitura do artigo 51º do CIRS, o qual igualmente se já deixou citado e no âmbito do qual o legislador não procede a qualquer densificação sobre qual ou quais os meios ou os elementos de prova suscetíveis de comprovar as despesas e os encargos de valorização, como aquele que se encontra em apreciação nestes autos.
  5. Neste mesmo sentido, anote-se o acordado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01254/04, de 20.04.2005, segundo o qual a “lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n.º 3 do art.º 128º, do CIRS aponta até em sentido diverso”
  6. Com efeito, é possível estabelecer uma relação direta entre as mencionadas faturas e as obras efetuadas no Imóvel, pelas seguintes ordens de razão: a documentação coligida aos autos pelos Requerentes e os respetivos bens e serviços que dela se extraem, é consentânea com o tipo de obras realizadas no imóvel em apreço, sendo certo que não existe nada nos autos que indicie que, à época dos factos, os Requerentes estivessem a executar, a seu cargo, obras de remodelação em qualquer outro ativo imobiliário que não no Imóvel.
  7. E tal conclusão quanto à demonstração probatória, em sede de encargos de valorização, radica não só do facto de nos documentos aí mais bem descritos se mencionar o local do Imóvel ou, quando tal não sucede, se encontrar documentalmente declarado pelo respetivo fornecedor/prestador o local da descarga e ou aplicação desses mesmos bens e serviços ser o da morada do Imóvel, permitindo, insofismavelmente, descortinar o destino dos materiais e serviços a que respeitam.
  8. Atendendo à factualidade descrita, resulta que as despesas e encargos apresentados pela Requerente devem ser aceites, respetivamente os seguintes: o valor de €11.620,34, correspondentes ao IMT e IS suportados no momento da aquisição, e as despesas com o fornecimento e colocação de soalho no valor de 1.122,39€, procedendo o pedido da Requerente quanto a esta parte.
  9. E quanto as despesas com os prestadores de serviços NOS, EDP e Águas do Porto, referentes respetivamente, servições de televisão e internet, eletricidade e água, não são aceites para efeitos do artigo 51.º do CIRS pelo que improcede o pedido da requerente quanto a esta parte.
  10. Nestes termos, procede parcialmente o pedido da requerente, sendo aceite parcialmente os encargos e despesas apresentados pela Requerente para efeitos de calculo do valor de aquisição do imóvel aqui alienado.
  1. Dos Juros Indemnizatórios
  1. Peticiona ainda a Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Perante o exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, a Requerente  cumpriu o seu dever de declaração.
  3. Na verdade, ficou demonstrado que a Requerente  pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido. Desta forma e por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente  direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses que devem ser contabilizados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
  4. Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido da Requerente  quanto à parte procedente do pedido.
  1. Decisão

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

  1. Julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral  quanto ao pedido de pronuncia sobre de cobrança indevida no âmbito do processo de execução fiscal n.º...2022... e consequentemente absolver a Requerente da instancia.
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, 2022..., relativo ao ano de 2020, que fixou um imposto a pagar de 38.463,35€;
  1. Condenar a Requerida, a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada de 3 567,96 € e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos, relativo ao período que mediou entre a data de pagamento do imposto até a sua devolução, bem como, no pagamento dos juros indemnizatórios vincendos a contar da data da notificação da decisão, até, efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral reembolso.

 

  1. Valor do Processo

De acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 3.º n.º 2 do RCPAT e da alínea a) do n.º1 artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o valor da causa quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.

Fixa-se o valor do processo em 38.463,35€ (trinta e oito mil quatrocentos e sessenta e três e trinta e cinco cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1 836.00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerente e Requerida de acordo com o respetivo decaimento, respetivamente 91% a cargo da Requerente (1.670,76€) e 9% a cargo da Requerida (165,24€), de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique.

Lisboa, 25 de Novembro de 2022

A Árbitra

Rita Guerra Alves