Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 334/2016-T
Data da decisão: 2016-11-29  Selo  
Valor do pedido: € 23.002,62
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS; terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

 

1. Relatório

Em 21-06-2016, A…, contribuinte n.º…, residente na Rua …, n.º …,  …, …, …-… Loures, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, com o número de identificação fiscal …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à anulação do indeferimento de requerimento de revisão de ato tributário de liquidação da verba 28.1 da TGIS, e de forma mediata, à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo relativos ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, concelho de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de 1.533.508,00 €.

O Requerente alega que a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, não abrange os lotes de terreno para construção com valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros.

Alega ainda que, reportando-se as liquidações ao ano de 2012 e não existindo, ao tempo, norma que sustentasse a legalidade das mesmas, não pode haver dúvidas de que feridas de ilegalidade e, por isso, deverão ser anuladas, por vício de violação de lei e por ofensivas ao princípio da legalidade.

O Requerente refere também que no terreno em questão não estava, não está e não estará autorizada ou permitida qualquer construção, quer seja para habitação ou para outros fins.  

Por fim, o Requerente refere que é entendimento da abundante jurisprudência proferida nos tribunais da primeira instância, dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo, que os lotes de terreno para construção urbana, com valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, pelo menos até à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2014, não estavam nem nunca estiveram abrangidos pela citada verba 28 da TGIS, segundo a sua redação inicial.

Foi designada como árbitro único, em 25-08-2016, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 13-09-2016.

A A.T.A. apresentou resposta, em 17-10-2016 (dentro do prazo legal para o efeito).

A A.T.A. defende que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida deveria ser julgado improcedente, uma vez que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido prédio tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional.

A A.T.A. requereu ainda, na mesma data, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária, bem como a dispensa da apresentação de alegações.

Em 17-10-2016 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para, em 10 dias, se pronunciar sobre o pedido da A.T.A. de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e de dispensa da apresentação de alegações. No mesmo despacho ordenou-se ainda a notificação da Requerente para juntar aos autos as liquidações objeto do pedido arbitral.

A Requerente veio, em 20-10-2016, juntar ao processo as liquidações de Imposto de Selo em causa.

Em 15-11-2016, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e a designar ainda como data para a prolação da decisão o dia 29-11-2016, e advertiu-se a Requerente para até essa data proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. O Requerente A… é cabeça de casal da herança deixada por óbito de B…, herança indivisa com o número de identificação fiscal … .
  2. A herança indivisa acima identificada era, em 2011 e 2012, proprietária do prédio urbano sito na … frente ao n.º…, letras…, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de…, concelho de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de 1.533.508,00 €.
  3. A…, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, foi notificado da liquidação de Imposto de Selo n.º 2012 …, emitida ao abrigo da Lei n.º 55-A/2012, no valor de 7.667,54 € a pagar até 20-12-2012, conforme liquidação junta aos autos.
  4. A…, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, foi ainda notificado da liquidação de Imposto de Selo n.º 2013…, referente ao ano de 2012, no valor de 15.335,08 €, a pagar em três prestações (30-04-2013, 31-07-2013 e 30-09-2013), conforme liquidação junta aos autos.
  5. A…, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, apresentou Pedido de Revisão de ambas as liquidações de Imposto de Selo em causa nos presentes autos.
  6. A…, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, foi notificado, em 03-06-2016, das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão das liquidações objeto do pedido arbitral, conforme consta do processo administrativo junto pela A.T.A.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto da liquidação de Imposto de Selo, sendo um terreno para construção, tem afetação habitacional e se lhe é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro.

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 284/2013-T, 288/2013-T, 310/2013-T, 12/2014-T, 151/2014-T, 202/2014-T, 210/2014-T, 276/2014-T, 514/2014-T, 516/2014-T, 523/2014-T, 599/2014-T e 663/2014-T.

O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre esta questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 048/14 de 09-04-2014, 07/14 de 02-07-2014, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014, n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014, n.º 046/14 de 14-05-2014, 01481/14 de 15-04-2015, 0764/14 de 15-04-2015, n.º 0279/15 de 22-04-2015, n.º 021/15 de 29-04-2015 e n.º 01479/14 de 17-06-2015. Como se lê no acórdão proferido no processo n.º 0676/14 de 09-07-2014: “Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba n.º 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afetação habitacional.”

 

3.2. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência daquele n.º 28.1 da TGIS

3.2.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Vejamos:

 

3.2.2. Conceito de prédios utilizados no CIMI

No CIMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º.

Não se vislumbra em qualquer destes artigos o conceito de “prédio com afetação habitacional”.

A noção mais aproximada do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito. Também não se encontra este conceito em qualquer outro diploma.

 

3.2.3. Conceito de «prédio com afetação habitacional»

A verba 28.1 da TGIS referia-se em 2013 “prédio com afetação habitacional”.

A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso».

Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T, em que foram árbitros o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira:

“é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

São classificados como terrenos para construção, e atento o disposto no artigo 6º n.º 3 do Código do IMI, aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito. Neste sentido veja-se JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES in Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, página 97.

Note-se que na classificação como terreno para construção é irrelevante a afetação que as futuras construções venham a ter, designadamente habitacional, comercial, industrial ou para serviços.

Por sua vez, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-07-2014, do processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“

Da mesma forma, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relator Ascenção Lopes, refere-se que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”

Podemos assim concluir que os “terrenos para construção”, não podem ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

 

Proibição da analogia e da interpretação da extensiva

Poder-se-á, por outro lado, colocar a questão da possibilidade de aplicação da analogia à verba prevista na verba 28.1 da TGIS. Ora, sobre esta matéria dispõe o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual:

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”

Quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.

Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.

Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil. Entendemos que não é possível uma interpretação extensiva da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.

Relativamente ao elemento histórico, o facto de a verba 28.1 TGIS ter sido entretanto expressamente alterada, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, permite também concluir que esses prédios não eram tributados na redação vigente até 31.12.2013.

 

Aplicação do regime à situação do Requerente

O prédio em questão nestes autos é um terreno para construção. À situação concreta aplica-se a redação da TGIS dada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro.

Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Por este facto, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida de forma mediata, enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se julgar procedente o pedido formulado pelo Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º 2012 … no valor de 7.667,54 € e n.º 2013 … no valor de 15.335,08 €.

 

 

5. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 23.002,62 €.

 

6. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 € devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 29 de novembro de 2016.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa