Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 336/2015-T
Data da decisão: 2016-02-18  IVA  
Valor do pedido: € 2.196,40
Tema: IVA - Subvenções.
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Decisão Arbitral

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

 

  1. Objeto do pedido

 

A..., LDA, NIF..., com sede na Rua..., Edifício..., n.º..., ... andar, Escritório..., em …, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária aprovado pelo Decreto Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), tendo por objeto obter a declaração de ilegalidade da liquidação de IVA (liquidação adicional n.º...), referente ao período de Março de 2010, no montante de € 1.862,13, bem como dos respetivos juros compensatórios (liquidação n.º...), no montante de € 334,27.

Face ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Exmo Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário, Joaquim Silvério Dias Mateus, que aceitou o encargo dentro do prazo legalmente previsto sem que qualquer das partes tivesse manifestado recusa pela sua designação.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 07-09-2015.

Foi proferido despacho dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sem que qualquer das partes se tivesse oposto, e foi também considerado pelo tribunal que a prova testemunhal seria dispensada. Notificadas para alegar nenhuma das partes exerceu esse direito.

 

  1. Fundamentos do pedido

 

 

A requerente fundamentou o seu pedido de ver anuladas as liquidações impugnadas com a argumentação que, em resumo, passa a apresentar-se:

 

No âmbito da sua atividade de formação profissional, a requerente organizou e executou diversas ações de formação profissional inseridas no programa Operacional Potencial Humano (POPH) que teve por objeto a aplicação da política comunitária de coesão económica e social em Portugal, no período de 2007 a 2013, conforme pode ler-se no respetivo documento programático e decorre da resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2007 que aprovou o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN).

 

Entretanto, a requerente dá conta que em 2014 foi destinatária de uma ação de inspeção tributária em que foi considerado que deveria ter liquidado imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pelo recebimento dos subsídios que lhe foram atribuídos pelo Fundo Social Europeu, no âmbito do referido Programa, que a Autoridade Tributária (AT) considerou como subsídios ao preço dado que, segundo o relatório de inspeção, os financiamentos aprovados são determinados com referencia às ações de formação que a entidade beneficiária vai efetuar, tendo em conta o número de participantes e horas de formação, ou seja, os subsídios são atribuídos, de forma inequívoca, com referencia ao volume de serviços prestados, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do CIVA, mais acrescentando o dito relatório que se deveria considerar que o IVA em falta estava incluído nos montantes recebidos.

 

A requerente discorda do enquadramento tributário defendido pela AT, que considera ilegal, para o que apresenta a argumentação a seguir resumida.

Em primeiro lugar a requerente invoca os objetivos de interesse público atribuídos ao citado programa POPH, a saber, a superação do défice estrutural de qualificação da população, a promoção do conhecimento científico, a inovação, a modernização do tecido produtivo, a criação de emprego, entre outros, os quais foram prosseguidos pela requerente no desenvolvimento da sua atividade profissional.

Mais informa a requerente que para custear os projetos de formação profissional por si desenvolvidos eram considerados elegíveis os seguintes encargos:

·         Encargos com os formandos, nomeadamente, com bolsas, alimentação, transportes, alojamento, seguros e até despesas com o acolhimento dos dependentes a cargo dos formandos;

·         Encargos com os formadores, incluindo também despesas de alojamento, alimentação e transporte;

·         Encargos com pessoal dirigente, pessoal administrativo, consultores, mediadores e outro pessoal envolvido na preparação, execução e avaliação dos projetos, e bem assim com as despesas em alojamento, alimentação e transporte com este pessoal;

·          Despesas com rendas, alugueres e amortização de equipamentos diretamente relacionados com o projeto, as despesas com a renda ou a amortização das instalações onde o projeto decorria;

·         Despesas com os alugueres ou amortizações de viaturas para o transporte dos formandos e outros participantes;

·         Encargos com a preparação, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação dos projetos; os encargos gerais do projeto; os encargos com a promoção de encontros e seminários temáticos; e ainda os encargos com a promoção e coordenação da candidatura integrada de formação.

E, acrescente a requerente, os subsídios recebidos são assim destinados às despesas com a sua atividade formativa, depois de apresentadas as competentes provas, sendo que os formandos não tinham qualquer custo com a formação, independentemente da tipologia da mesma, e nem eles nem tao pouco o FSE ou qualquer outra entidade pagaram qualquer quantia que possa ser considerada como preço.

Por outro lado, continua ainda a requerente, “as ações de formação não constituíam a prestação de nenhum serviço a terceiros por parte de entidades privadas mas antes a prossecução das políticas sociais e de emprego pretendidas pelo Estado e pela União Europeia que para o efeito, se socorre dos privados”.

Depois da argumentação inicial, rebatendo a tese de que os subsídios recebidos sejam subsídios ao preço, a requerente defende que estão em causa “subsídios à produção e à estrutura de custos”.

Baseia esta afirmação dizendo que as acções de formação que presta não são serviços a terceiros por parte de uma entidade privada mas visam antes a prossecução das políticas sociais e de emprego pretendidas pelo Estado e pela União Europeia que, para o efeito, se socorre de privados.

Aliás, acrescenta, é a própria legislação específica do POPH, mormente o despacho normativo n.º 4-A/2006, de 24 de Janeiro, bem como o Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro, que estabelece o regime geral de aplicação do Fundo Social Europeu (FSE), que distinguem o que é “financiamento público” do que são as “receitas dos projectos”, sendo que o primeiro é a soma da contribuição comunitária com a receita publica nacional o qual é calculado em função do custo total elegível aprovado, deduzido da contribuição privada e das receitas próprias dos projectos quando existam”; e as “receitas dos projectos” são os recursos gerados no âmbito do projecto resultantes nomeadamente de vendas, prestações de serviços, alugueres, matriculas e inscrições, juros credores ou outras receitas equivalentes.

Em qualquer caso, a requerente informa que os projectos em causa não geraram receitas e que, aliás, “estava absolutamente proibida de cobrar aos formandos o que quer que fosse” nem com a frequência dos cursos de formação nem com os materiais pedagógicos e que, embora os subsídios fossem calculados tendo em conta o número de participantes e as horas de formação efectivamente prestadas, o que era necessário dado haver lugar a pagamento de bolsas e despesas aos formandos, tal não significa que os subsídios atribuídos fossem subsídios ao preço.

Ao contrário, os subsídios visavam custear a concreta realização dos projectos, fazendo com que os particulares – como a aqui requerente – substituíssem integralmente o Estado e a União Europeia na execução de politicas sociais e de emprego.

Acrescendo, por outro lado, que só eram elegíveis os custos devidamente documentados e que era o POPH que definia o valor máximo que poderia ser pago pela requerente aos formandos e que se a requerente pagasse um valor inferior ao máximo estabelecido então o subsídio seria apenas o correspondente ao valor efectivamente pago, de onde resulta à evidência, no dizer da requerente, que efectivamente os subsídios em causa consubstanciam subsídios à produção e à estrutura de custos.

A requerente também informa que “não obtém qualquer lucro com as acções de formação”, que o que é subsidiado não é o preço mas sim os custos e que os subsídios são calculados exclusivamente com base nas despesas efectivamente incorridas, seja com a execução do projecto seja com os pagamentos aos formandos.

A seguir a requerente dá conta que em 2011 foi objecto de uma inspecção do POPH sobre os projectos executados em 2010, designadamente sobre o projecto ...-POPH .../2010, cujo relatório anexou em anexo e de onde resultam as áreas verificadas nesse tipo de inspecções, nomeadamente o processo técnico, os contratos celebrados, a publicidade, os meios utilizados na formação, o perfil dos destinatários e dos formadores, a contabilidade, as bolsas, os custos com pessoal e mesmo o cumprimento das obrigações fiscais, ficando consignado no relatório de inspecção do POPH que o custo total do projecto é exactamente igual ao financiamento público obtido” verificando-se uma vez mais que o projecto foi 100% suportado com financiamentos públicos e a inexistência de receitas emergentes daqueles projectos.

No tocante a obrigações fiscais diz a requerente que a inspecção do POPH considerou que cumpriu as suas obrigações fiscais e assegurou o correto tratamento do IVA.

A requerente também dá conta que uma parte considerável dos subsídios por si recebidos foram directamente entregues aos formandos, o que prova “o absurdo do relatório de inspecção considerar como subsídio ao preço os montantes atribuídos à requerente e que esta entregou aos formandos por serem quantias a que os mesmos, nos termos da lei, tinham direitos a título de subsídios, bolsas e/ou despesas”

A requerente insurge-se também contra o facto do relatório de inspeção considerar que “no apuramento dos valores de IVA em falta será considerado que estes estão incluídos nos montantes recebidos”, dizendo que nesse relatório não se dá conta dos factos em que se baseia tal consideração, uma vez que a requerente não liquidou qualquer IVA sobre os valores recebidos e que seria a AT a ter o ónus de alegar e provar a liquidação desse imposto.

A requerente passa a seguir (itens 78 e seguintes da p.i) a apresentar a sua argumentação quanto à matéria de direito, começando por invocar a falta de fundamentação da liquidação impugnada dizendo que é “impossível a qualquer destinatário conhecer quais os factos em que a mesma se fundamenta” dado que, observa a requerente, a única fundamentação que consta do acto de liquidação é: “liquidação adicional feita com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária”, sendo que não é feita referência a que correção é que aquela fundamentação se refere e que, por isso, a própria requerente se limita a fazer uma mera presunção sobre a fundamentação da liquidação, acrescentando que “mais não sobra do que extrapolar, sem qualquer certeza, que tal liquidação poderá decorrer do relatório de inspecção junto como Doc 7”.

Conclui por isso a requerente que foi violado o disposto no artigo 77.º da LGT.

De seguida a requerente, continuando a referir-se ao relatório de inspeção, afirma que, mesmo que se considerasse que a liquidação resultou desse relatório, este apresenta fundamentação insuficiente (item 96 da p.i.) (observa-se que nos itens 97 e 98 da p.i. se faz uma referência descontextualizada a um processo de execução) uma vez que o dito relatório não fundamenta as suas próprias conclusões sobre afirmações que produz, dando como exemplo de uma afirmação não fundamentada a de que “os financiamentos aprovados são determinados com referencia às acções de formação que a entidade beneficiária vai efectuar, tendo em conta o número de participantes e horas de formação” sendo que, acrescenta a requerente, estes “factos não constam no relatório de inspecção”, onde também não consta o número de participantes e horas de formação a que respeitam os subsídios em causa, nem qual o preço respeitante a cada ação de formação, nem identifica os factos tributários.

A requerente prossegue, voltando novamente à falta de fundamentação (tens 116 e seguintes da p.i) para invocar a violação do artigo 153, n.º 2 do CPA (item 131), para apresentar doutrina e jurisprudência diversa sobre a relevância da fundamentação, terminando esta parte pedindo que a liquidação seja anulada por falta de fundamentação.

Sem prescindir das invocações anteriores, a requerente passa depois a analisar o conteúdo do artigo 16, n.º 5, alínea c) do CIVA (itens 142 e seguintes) começando por afirmar que em função desta norma, bem como do acórdão do tribunal de justiça (acórdão de 22 de Novembro de 2001, processo C-184/00) resulta que para que as subvenções possam ser incluídas no preço das prestações tem que haver necessariamente um preço e que, no caso em apreço, “não só a requerente não cobra qualquer preço, como está impedida de o cobrar e, para além disso, ainda efectua pagamentos aos formandos, em nome da autoridade que lhe concede a subvenção”.

A requerente aborda a seguir o que considera que devem ser os subsídios ao preço (itens 156 e seguintes da p.i.) invocando novamente o argumento que não cobrou qualquer preço pelas ações de formação realizadas no âmbito do POPH e que está legalmente impedida de o fazer ao abrigo do Decreto Regulamentar 84-A/2007, razão pela qual as ações desenvolvidas nos projetos em apreço nem sequer se podem enquadrar no âmbito do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, retomando ainda vários argumentos na mesma linha de que é a lei que define o acesso à sua atividade, as condições do financiamento, que os subsídios são atribuídos a projetos e não a prestações individualizáveis, que não disponibiliza os seus serviços ao público nem a terceiros mas apenas prossegue politicas sociais e de emprego pretendidas pelo Estado e pela União Europeia, resultando tudo isto da resolução do conselho de Ministros n.º 25/2006, de 10 de Março e do Regulamento CE n.º 1081/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de Julho.

A requerente invoca também o acórdão de 22 de Novembro de 2001 (Itens 172 e seguintes) segundo o qual “as operações previstas no artigo 11.º-A da sexta directiva não são as realizadas em benefício da autoridade que concede a subvenção”, concluindo daqui que devem considerar-se excluídas da tributação as atividades realizadas em benefício da entidade que concede o subsídio, “como é claramente o caso aqui em apreço”.

A p.i. continua, na mesma linha, repetindo a sua argumentação, de que na execução dos projetos do POPH “o que é subsidiado não é o preço pelos serviços prestados mas sim as despesas que, em concreto, sejam consideradas elegíveis” (item 174 da p.i), invocando também a diferença de regimes entre esta situação, em que é subsidiado o projeto, e os subsídios aos transportes em que o Estado subsidia efetivamente uma parte do preço em função de “cada serviço individualmente considerado”, transcrevendo ou fazendo novamente referências (itens 180 e seguintes) a componentes do despacho normativo 4-A/2008, do Decreto Regulamentar 84-A/2007 e do Regulamento comunitário 1081/2006, para demonstrar os custos que são elegíveis nos projetos de formação e o apoio que é prestado a estes custos, salientando novamente que os subsídios atribuídos pelo POPH se decompõem em duas parcelas, uma destinada aos formandos (bolsas de formação, alimentação, acolhimento e transporte) e outra para custear os encargos com a execução dos projetos suportados pela própria requerente.

Daqui conclui e reforça mais uma vez a requerente que os subsídios que recebe são atribuídos aos custos elegíveis com a execução dos projetos e não à contrapartida abstratamente a receber pelas ações deformação, não se enquadrando no artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do CIVA.

No caso da parte dos subsídios que são destinados e entregues aos formandos este afastamento do conceito de preço e do enquadramento no citado preceito do CIVA seria ainda maior, já que a requerente é “mera intermediária das quantias entre o POPH e os formandos”.

Repetindo afirmações anteriores a requerente acusa o relatório de inspeção de não ponderar que as suas ações de formação “não consubstanciam nenhuma prestação de serviços realizada pela Requerente mas o desenvolvimento de políticas sociais e de emprego que o Estado entendeu atribuir aos privados” e de também não levar em conta “que as quantias destinadas a encargos com os formandos, designadamente com bolsas, remunerações, subsídios de refeição e alojamento são concedidas pelo FSE diretamente aos formandos, servindo a Requerente de mera intermediária” e que as mesmas não têm natureza comercial.

Salienta que as bolsas aos formandos estão fixadas normativamente e que no caso dos projetos de “Formações Modulares Certificadas” receberam uma quantia de € 4,11 “por cada sessão de formação assistida”, e que a requerente até está legalmente obrigada a “garantir que os destinatários dos projectos sejam informados de que o FSE intervém no seu financiamento”.

Em resumo e conclusão, segundo a requerente (em 206 da p.i) as quantias recebidas pela requerente no âmbito do POPH não correspondem a qualquer preço pelas ações de formação, não são determinadas tendo exclusivamente em conta o número de participantes e horas de formação e incluem valores referentes a bolsas, retribuições e subsídios que devem ser entregues na sua integralidade aos formandos.

E a requerente passa agora a dizer (item 207 e seguintes) que, pelo menos alguns custos, a saber, os relacionados com o aluguer ou amortização de equipamentos, renda ou amortização de instalações, alugueres ou amortização de viaturas, aquisição de livros e material didático também não são subsídios ao preço e são antes subsídios ao investimento não tributados em sede de IVA.

A seguir a p.i. aproximando-se do seu final mais uma vez reforça a argumentação anterior de que os projetos que executou foram 100% financiados com financiamento público (itens 212 e seguintes), passando a analisar o Código do IVA e a legislação comunitária para concluir que a liquidação é ilegal e mais uma vez informa que não liquidou IVA sobre os subsídios que recebeu cujo valor total é exatamente igual ao custo total do projeto.

Em matéria de IVA a requerente informa que face ao regulamento comunitário 1081/2006 “o IVA recuperável não é elegível para a participação do FSE”, sendo incorreto o relatório dizer que a requerente poderia liquidar/exigir o IVA ao FSE e que, ao contrário, a própria legislação comunitária impede que o IVA possa ser liquidado no âmbito da execução do POPH.

A p.i. termina com a afirmação de que, ao abrigo do artigo 79.º do CIVA, a AT deveria era liquidar o IVA ao FSE, que tem responsabilidade solidária para pagar o imposto, pelo que, não o tendo feito a AT violou os princípios da igualdade e da legalidade com base nos quais a liquidação em causa não se poderá manter.

 

  1. Resposta da requerida

A autoridade requerida responde à requerente dizendo, em resumo:

Desde logo que discorda da invocação do vício da falta de fundamentação apresentada pela requerente uma vez que, segundo alega, face ao número 3 do artigo 268.º da Constituição da República e do artigo 77.º, n.º 2, da LGT, a fundamentação não obedece a formalismos rígidos, pode ser sucinta, pode ser de mera concordância com pareceres, informações ou propostas, desde que seja suficiente, clara e congruente, invocando que a liquidação foi efetuada com base no relatório de inspeção oportunamente notificado à requerente, como ela própria assume.

Mais alega a requerida que a requerente poderia solicitar dados complementares para clarificar a notificação, conforme previsto no artigo 37.º do CPPT, o que não fez, concluindo assim que, no seu entender, este primeiro fundamento apresentado pela requerente é improcedente.

Quanto ao mérito do pedido, a requerida, fazendo apelo ao que foi apurado no relatório de inspeção, dá conta que a requerente recebeu do Fundo Social Europeu, no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), diversos subsídios de apoio a diversas ações de formação, entre os quais se indicam, reportados ao mês de Março de 2010 (2010.03), os subsídios identificados como “MOD ...-POPH .../2008“ e “EFA ...-POPH .../2008”, em relação aos quais se informa que a requerente recebeu no mês em causa a quantia de € 11.172,77.

Toda a resposta da autoridade requerida assenta no pressuposto que os subsídios auferidos pela requerente devem ser considerados como subsídios ao preço e que, enquadrando-se por isso nos limites conceptuais estabelecidos no artigo 16.º, n.º 5, alínea c), do CIVA, deveria a requerente ter procedido à liquidação do IVA aquando do seu recebimento.

Esta conclusão, acrescenta a requerida, decorre do facto de ter sido constatado pela acção de inspecção que os ditos subsídios são determinados com referência às acções de formação executadas pela requerente com base no número de participantes e nas horas de formação, devendo assim considerar-se que são atribuídos em função do volume de serviços prestados.  

Assim, a requerida discorda da qualificação pretendida pela requerente de que os referidos subsídios devem ser qualificados como subsídios à produção e à estrutura de custos e não subsídios ao preço (vd. artigos 42.º e seguintes da resposta).

A requerida invoca desde logo o próprio site oficial do POPH onde está referido que os subsídios em causa são assimilados a contraprestações de operação isenta, sem direito à dedução, e que por tal facto o IVA é considerado como despesa elegível para o Fundo Social Europeu, nos termos do Regulamento CE 1081/2006, publicado no JOL166, de 28.06.2007, só não acontecendo essa elegibilidade quando o beneficiário renunciar à isenção nos termos do artigo 12.º do CIVA.

Seguidamente a requerida afirma que os pressupostos para a aplicabilidade da citada alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º do CIVA (vd. artigos 50.º e seguintes da resposta) estão preenchidos no caso dos subsídios auferidos pela requerente.

Em apoio dessa conclusão a requerida invoca o recente acórdão arbitral proferido no processo n.º 111/2014-T e a jurisprudência comunitária nele mencionada, mormente o acórdão proferido no processo C-180/00, no qual estão sintetizados os requisitos necessários para estarmos perante uma subvenção.

Assim, resumindo os termos da resposta, o primeiro pressuposto passa pela existência de uma relação triangular com uma autoridade que concede a subvenção, por um sujeito passivo a quem a mesma é paga e por terceiros que são destinatários dos bens ou serviços fornecidos pelo beneficiário imediato da subvenção, tudo conforme previsto no Decreto Regulamentar 84-A/2007, Portaria 230/2008 e Despachos 18227/2008 e 18223/2008 citados na resposta.

Na situação em apreço encontra-se uma autoridade pública que é o Fundo Social Europeu que paga as subvenções compostas por uma componente comunitária e por uma componente nacional, temos a requerente que é destinatária delas como contrapartida das acções de formação que previamente se comprometeu a executar e temos os terceiros que são os formandos destinatários e beneficiários das referidas acções de formação.

O segundo elemento da citada relação triangular é que a subvenção esteja directamente relacionada com o preço das operações no sentido em que deve ser paga ao operador para que este forneça um bem ou preste um serviço determinado.

O terceiro elemento é a existência dos destinatários dos serviços da formação que são os adultos detentores de baixas qualificações escolares e ou profissionais.

Quanto ao segundo pressuposto decorre igualmente da legislação invocada verificando-se que as subvenções em causa estão directamente relacionadas com o preço das operações a realizar pelo operador subvencionado, conforme resulta dos próprios documentos juntos pela requerente, sendo irrelevante que o montante da subvenção seja calculado com base no custo da formação e que os formandos nada paguem.

Quanto ao terceiro pressuposto, diz a requerida que está igualmente verificado e que passa pela exigência do preço do serviço ter sido fixado antes da sua própria prestação.

O quarto pressuposto tem a ver com o pagamento da subvenção por parte do concedente a quem realizou a prestação acordada. No caso em apreço a concessão do financiamento implica o integral cumprimento do projecto de formação aprovado.

Daqui se conclui, continua a requerida, que não se está perante um subsídio ao funcionamento e aos custos de produção, que visaram melhorar a sua posição económica no mercado (…), constituindo antes “uma contrapartida de serviços prestados a certas categorias de beneficiários, ou seja, verifica-se um nexo directo entre a subvenção recebida e a prestação de serviços de formação prestada a terceiros, pelo que os subsídios recebidos devem ser tributados em sede de IVA”.

Ou seja, conclui a requerida que, tal como consignado no relatório de inspecção, “verifica-se que os financiamentos aprovados são determinados com referência às acções de formação que a entidade beneficiária vai efectuar, tendo em conta o número de participantes e horas de formação, ou seja, os subsídios são atribuídos, de forma inequívoca, com referência ao volume dos serviços prestados nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 5 alínea c) do CIVA”.

A resposta termina requerendo que a acção seja julgada improcedente absolvendo-se a entidade demandada dos pedidos apresentados pela requerente.

 

  1. Saneamento

 

 

O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e foram legalmente representadas.

Uma vez que o processo não enferma de nulidades e não foram levantadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa estão reunidas as condições para ser proferida a decisão arbitral.

 

II.                FUNDAMENTAÇÃO

 

Matéria de facto:

Em face dos documentos juntos por requerente e requerida e consultando os instrumentos normativos aplicáveis que complementam a referida documentação tendo em vista estabelecer os contornos da situação tributária em apreço, dá-se por provado:

1.      Que a requerente foi destinatária de uma ação de inspeção externa pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de..., tendo em vista a recolha de elementos referentes aos subsídios recebidos no âmbito do programa POPH no exercício de 2010;

2.      Que a requerente está inscrita nos registos fiscais como sujeito passivo de IVA e IRC pela atividade principal de “outras actividades de consultoria para os negócios e a gestão” tendo como atividade secundária a “Formação Profissional”;

3.      Que a requerente é uma entidade acreditada no domínio da formação profissional pela Direção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho desde 06/08/2008 (vd. documentos 3 a 6 juntos em anexo à p.i);

4.      Que a requerente, estando isenta de IVA ao abrigo do artigo 9.º, n.º 10, do CIVA, em relação às suas prestações conexas com o exercício da formação profissional, renunciou à isenção de IVA nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, situação que se mantinha no período coberto pela ação de inspeção e a que diz respeito a liquidação impugnada;

5.      Que a liquidação impugnada teve por base o relatório da inspeção referida, notificado à requerente através de ofício datado de 10-11-2014, da Direção de Finanças de..., e incidiu sobre subsídios auferidos pela requerente no mês de Março de 2010, no montante de € 11.172,77, no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), como contrapartida parcial pela execução das ações identificadas como “MOD ...-POPH .../2008“ e “EFA ...-POPH .../2008”, sendo que no ano de 2010 estas acções de formação renderam à requerente as quantias, respectivamente, de € 52125,50 e 82144,06;

6.      Que o IVA considerado em falta pela inspeção tributária, em relação a todos os meses do ano de 2010, ascendeu a €144.242,56, sendo que a requerente impugnou apenas a parte da liquidação referente aos subsídios auferidos no mês de Março de 2010;

7.      A afirmação/informação da requerente, sem contestação da requerida, que os formandos não pagaram qualquer contrapartida pelas ações de formação de que beneficiaram e, além disso, ainda auferiram bolsas, subsídios de alimentação e transporte;

8.      Dá-se por provado que os subsídios auferidos pela requerente foram concedidos pelo Fundo Social Europeu, sendo compostos por dinheiros públicos de origem nacional e comunitária, e que eram atribuídos à requerente para que esta prestasse a terceiros, os formandos, as acções de formação que foram previamente aprovadas pela entidade concedente; 

9.      Que o relatório de inspeção se pronunciou no sentido de considerar que os financiamentos são fixados tendo em conta o número de participantes e horas de formação, o que não é contraditório com a p.i. e documentos anexos, mas sem informar qual o número de participantes e quais as horas despendidas em cada uma das ações de formação;

10.  Fica igualmente provado que o total do IVA em falta apurado pela acção de inspecção, em relação ao ano de 2010, ascendeu a € 144.242,56, tendo o relatório de inspecção apresentado um mapa com os subsídios auferidos por conta de cada uma das acções de formação em cada um dos meses de 2010;

11.   Dá-se por provado que a requerente não debitou IVA às entidades financiadoras sobre os subsídios que auferiu nem procedeu à sua autoliquidação e entrega nos cofres do Estado e que a liquidação impugnada foi lançada com base no relatório de inspeção, nada constando que previamente à liquidação tenha sido levada a cabo qualquer recolha de informação complementar por parte da requerida nem que tenha havido a iniciativa de entregar qualquer documento ou pedido de indagação por parte da requerente;

12.  Dão-se por provados, com base nos documentos e demais fontes de informação apresentados pela requerente com a petição inicial, conjugados com os instrumentos normativos que regem as acções em causa, quais os objectivos prosseguidos pelo Programa Operacional Potencial Humano (POPH) (vd. DOC 8 junto à p.i.), as características essências e requisitos para aprovação das acções de formação subsidiadas, desde a apresentação das candidaturas à aprovação dos projectos, critérios quanto à fixação dos custos elegíveis, estrutura dos cursos, controlo de execução (vd. Doc 9 junto à p.i), montantes dos subsídios, mormente os referentes aos projectos .../2008 e .../2008 (que são os relacionados com os subsídios auferidos em Março de 2010), confirmando-se igualmente que uma parte desses subsídios se destina ao pagamento de bolsas e outras despesas dos formandos (vd. documentos 10 a 18 da p.i).

 

 

Matéria de direito

 

 

A questão central que se coloca no presente processo é a de saber se os subsídios auferidos pela requerente, como contrapartida pela execução de acções de formação financiadas pelo Fundo Social Europeu, no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), estão ou não sujeitos a IVA ao abrigo da alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º do CIVA.

A requerente defende que tais subsídios não preenchem os pressupostos dos subsídios ao preço e, consequentemente, não são enquadráveis no referido preceito legal, devendo a liquidação adicional impugnada ser anulada, ao passo que a autoridade requerida entende o contrário e, com base na referida norma, pronuncia-se no sentido da improcedência da impugnação.

 

  1. Do invocado vício de falta e insuficiência de fundamentação da liquidação

 

A petição inicial invoca o vício da falta de fundamentação da liquidação adicional impugnada considerando que é “impossível a qualquer destinatário conhecer quais os factos em que a mesma se fundamenta” dado que, observa a requerente, a única fundamentação que consta do acto de liquidação é: “liquidação adicional feita com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária”, sendo que não é aí feita referência a que correção é que aquela fundamentação se refere e que, por isso, a própria requerente se limita a fazer uma mera presunção sobre a fundamentação da liquidação, acrescentando que “mais não sobra do que extrapolar, sem qualquer certeza, que tal liquidação poderá decorrer do relatório de inspecção junto como Doc 7” (o Doc 7 é cópia do relatório de inspeção sobre o qual assentou a liquidação impugnada), concluindo por isso que foi violado o disposto no artigo 77.º da LGT.

Mais argumentou a requerente que mesmo que se considerasse que a liquidação ora impugnada resultou desse relatório, este apresenta fundamentação insuficiente uma vez que não fundamentou afirmações que produz, dando como exemplo de uma afirmação não fundamentada a de que “os financiamentos aprovados são determinados com referencia às acções de formação que a entidade beneficiária vai efectuar, tendo em conta o número de participantes e horas de formação” sendo que, diz a requerente, estes “factos não constam no relatório de inspecção” nem consta qual o preço respeitante a cada ação de formação.

O tribunal não adere à invocada falta ou mesmo insuficiência de fundamentação da liquidação impugnada dado que, quanto ao primeiro argumento, é a própria requerente a demonstrar que não teve dúvidas que a liquidação impugnada teve por base o relatório de inspecção que lhe foi oportunamente notificado, quer na versão do projecto quer na versão definitiva, como se dá por provado.

Quanto à invocação da fundamentação insuficiente constata-se que o relatório de inspecção, ainda que não apresente o número de formandos envolvidos em cada acção de formação nem o número de horas de cada uma delas, nisso se concordando com a requerente, a verdade é que não se vê que esse seria um elemento decisivo em termos de fundamentação da liquidação, mormente quando o relatório dá conta que na ação de inspeção tributária foram examinados os processos de candidatura aos subsídios e, dando prova desse exame, indica os tipos de acções de formação, fazendo referência aos dados essenciais de cada uma delas, apresenta um mapa com a identificação de cada uma das acções de formação desenvolvidas pela requerente em 2010 e com os montantes recebidos pela sua execução, confirmando esse recebimento com indicação da conta onde foi contabilizado o recebimento dos subsídios e apresenta outro mapa com indicação dos montantes recebidos em cada mês de 2010 por cada uma das acções de formação e o cálculo do IVA correspondente.

Sobre as objeções da requerente em relação à falta de indicação do número de formandos e das horas de formação, o tribunal constata que a requerente também reconhece expressamente que “os subsídios atribuídos têm em consideração o número de participantes e as horas de formação efetivamente prestadas na medida em que a execução dos projetos depende imediatamente da existência de formandos” (vd. por exemplo, artigos 39.º e seguintes da p.i) e que, também não indicando esses números, nem por isso deixou de expor longamente que os subsídios não podem qualificar-se como subsídios ao preço, defendendo antes que deveriam ser qualificados como subsídios à produção e à estrutura de custos.

A requerente decidiu impugnar apenas os subsídios referentes ao mês de Março de 2010, no montante de € 11.172,77, quando o relatório de inspeção procedeu ao apuramento total de centenas de milhares de euros de subsídios.

Ora, para discordar da AT e para defender a sua tese sobre a qualificação dos subsídios, a requerente também não teve necessidade de apresentar os dados constantes na sua própria contabilidade com o número de formandos e com o número de horas das ações de formação, nem quanto à globalidade dos fundos que auferiu nem, sobretudo, em relação ao referido montante de € 11.172,77 que recebeu em Março de 2010 cujo IVA impugnou, tendo-se limitado apresentar as características dos subsídios, qual o tipo de despesas ilegíveis, e a sua afetação às várias despesas incorridas com as ações de formação, sem discriminação e sem quantificação.

Aliás, em matéria de quantificação a requerente informa longamente que parte dos subsídios que recebeu foram para utilizar no pagamento de bolsas, subsídios, alimentação, seguros, transportes e outras despesas dos formandos, mas não apresenta mais do que um quadro, extraído de documentos oficiais, em que indica quais as percentagens dos subsídios que foram afetos a tais despesas no seu conjunto (vd. artigo 67 da p.i.).

Por outro lado, para sustentar as referidas percentagens, além de informação sobre os   projetos números .../2008/22 e .../... /2008/23, no âmbito dos quais foram recebidos os € 11.172,77 que deram origem ao IVA impugnado, a requerente junta também cópia de relatórios de verificação e outros quadros com informação sobre outros que nada têm a ver com a base da liquidação impugnada, a saber,  com os projetos números .../2010/22, .../2008/22, .../2008/23, .../2010/22, .../2010/23, .../2010/23 e .../2010/22, cujos relatórios de verificação foram elaborados pelo Núcleo Regional do Alentejo do POPH.

E, repete-se, a requerente não procede à apresentação de números extraídos da sua própria contabilidade que permitam demonstrar a distribuição e afetação dos € 11.172,77 recebidos em Março de 2010 sobre o qual incidiu a liquidação impugnada.

Assim, uma vez que o recebimento dos referidos € 11.172,77 não foi objeto de contestação pela requerente e que o pedido de pronúncia arbitral não apresenta dados da sua contabilidade que permitam demonstrar que tal montante em concreto foi afeto a despesas específicas e quantificadas da responsabilidade da entidade concedente, o tribunal considera que a informação disponibilizada pelas partes é suficiente para tomar posição sobre a qualificação e enquadramento tributário dos subsídios em causa.

Em conclusão, na parte que agora interessa, considera-se que a liquidação impugnada está suficientemente sustentada do ponto de vista factual, tendo assim sido cumpridos os requisitos de fundamentação previstos nos números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT, em conjugação com as disposições especiais previstas nos artigos 60.º e seguintes do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 403/98, de 31 de Dezembro, mormente no artigo 63.º quanto à fundamentação da decisão, tendo a ora requerente sido validamente notificada através de ofício datado de 10-11-2014, com carta registada e aviso de receção com a mesma data, improcedendo assim o invocado vício de falta ou insuficiência de fundamentação.

 

  1. Do enquadramento tributário em sede IVA das subvenções auferidas pela requerente no âmbito da sua atividade de formação profissional

O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitos a IVA, diz o n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, “é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro”.

Por sua vez, determina a alínea c) do n.º 5 do mesmo artigo 16.º que “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:

“c) As subvenções diretamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações”.

 

O conceito de subvenção está geralmente associado a uma atribuição proveniente de um organismo público que é paga a um sujeito passivo de IVA para que este cumpra uma  determinada tarefa ou prossiga um objetivo de interesse público contratualmente assumido. 

As subvenções serão tributáveis se estiverem diretamente associadas ao preço de uma operação tributável em IVA, ou seja, se constituírem a contrapartida obtida pela transmissão de bens ou pela prestação de serviços, seja constituindo um complemento ou reforço da referida contrapartida, seja no caso de elas próprias constituírem a totalidade da contrapartida obtida pelo transmitente ou prestador.

Na vertente do direito comunitário, o artigo 73.º da Diretiva IVA, que veio substituir o artigo 11.º - A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva e que, no essencial, mantém a redação deste preceito, determina que “Nas entregas de bens e nas prestações de serviços (…), o valor tributável compreende tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações”.

O Tribunal de Justiça da UE tem-se pronunciado sobre a interpretação dos preceitos em causa, mormente sobre a matéria das subvenções e sobre quando é que se deve considerar que as mesmas estão ou não diretamente relacionadas com o preço das operações sujeitas a IVA.

Para esse efeito, segundo o tribunal de Justiça, devem verificar-se cumulativamente algumas condições, a saber, que a autoridade concedente da subvenção não seja o destinatário das operações tributáveis realizadas pelo sujeito passivo subvencionado; que a subvenção fixa ou variável seja paga à entidade subvencionada para que esta transmita determinados bens ou preste determinados serviços; que a subvenção permita à entidade subvencionada praticar preços inferiores aos que exigiria na sua falta, podendo equivaler à totalidade ou a parte do preço subsidiado; e que a prestação esteja previamente determinada ou seja determinável (este requisito nem sempre é exigido).

Há vários acórdãos do tribunal de justiça a versar a matéria das subvenções e a considerar que o artigo 11°, A, n° 1, alínea a), da Sexta Diretiva, tem por função assegurar que a matéria colectável englobe a totalidade da contrapartida paga pela entrega de bens ou pela prestação de serviços, seja a referida contrapartida paga pelo beneficiário ou por um terceiro, que pode ser um organismo público (vd., por exemplo, acórdão de 13 de Junho de 2002, Proc. C-353/00) e que, no caso das subvenções, somente as que constituírem a contrapartida ou parte da contrapartida de operações tributáveis podem ser objeto de tributação em IVA (vd. Acórdão de 22 de novembro de 2001, Proc. C-184/00).

Um dos acórdãos mais recentes sobre esta matéria foi proferido em 27 de Março de 2014, no Processo C-151/13, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pela “cour administrative d`appel de Verssailles” sobre a interpretação do artigo 11.º-A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva (D.77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977) a que corresponde o artigo 73.º da Diretiva IVA atualmente em vigor (D.2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006).

Nesse processo estava em causa um litígio que opunha a administração fiscal francesa e uma sociedade comercial, denominada Rayon d´Or, que explorava um lar (LTIPD) que prestava cuidados de saúde a idosos para o que, conforme legislação aplicável da segurança social francesa, era financiada pela caixa nacional de seguros de doença através de um montante fixo anual global calculado, em relação a cada idoso acolhido, com base numa tarifa diária relativa ao alojamento, numa tarifa diária relativa à dependência e numa tarifa diária relativa aos cuidados de saúde.

De acordo com o texto do acórdão informava-se que a tarifa relativa aos cuidados de saúde abrangia as prestações médicas e paramédicas necessárias ao tratamento de patologias físicas e psíquicas das pessoas que residiam no estabelecimento assim como as prestações paramédicas que correspondam a cuidados de saúde relacionados com o estado de dependência das pessoas acolhidas.

Por sua vez, de acordo com o mesmo texto, “as modalidades de cálculo do montante fixo para cuidados de saúde têm em conta o número de residentes acolhidos em cada lar e o seu nível de dependência, avaliados segundo critérios definidos na lei, e também de coeficientes históricos determinados a nível nacional atualizados anualmente com base nas despesas médias do conjunto dos lares”.

A situação fiscal que estava em causa e que opunha a sociedade comercial e o fisco francês tinha a ver com a questão de saber se os subsídios recebidos deviam ou não ser tomados em conta para a determinação do pro rata de dedução, uma vez que, no sistema fiscal francês, as prestações de saúde estão isentas de IVA.

Segundo a sociedade comercial os subsídios para cuidados de saúde não poderiam ser qualificados como “subvenções diretamente ligadas ao preço” das prestações de cuidados fornecidos aos residentes do lar e por isso estavam fora do âmbito de aplicação do IVA.

Os seus argumentos passavam pelo facto das prestações fornecidas aos residentes do lar não serem definidas antecipadamente nem individualizadas, acrescendo que os cuidados de saúde eram gratuitos e que os residentes nada pagariam fosse qual fosse o montante do subsídio concedido ao lar.

A administração fiscal francesa por seu lado sustentava que havia um nexo direto e imediato entre o pagamento do “montante fixo para cuidados de saúde” e as prestações dos cuidados de saúde fornecidos aos beneficiários.

Assim, o tribunal administrativo francês colocou o litígio ao Tribunal de Justiça para que este se pronunciasse no sentido de “saber se o artigo 11.º A, alínea a), da Sexta Diretiva e o artigo 73.º da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que o pagamento de um montante como o montante fixo para cuidados de saúde em causa no processo principal constitui a contrapartida das prestações de cuidados de saúde efetuadas a título oneroso por um LTIPD em benefício dos seus residentes e, por isso, se é abrangido pelo âmbito de aplicação do IVA”?

Para responder à questão, o tribunal de Justiça começa por referir que, em conformidade com o artigo 2.º da Sexta Diretiva, que define o âmbito de aplicação do IVA, estão sujeitos ao imposto as “prestações de serviços efetuadas a título oneroso” e que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma prestação de serviços só é efetuada a titulo oneroso, na aceção do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva, e só é portanto tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço prestado ao beneficiário.

Por outro lado, continua a ler-se no acórdão, o TJ já declarou que as subvenções diretamente ligadas ao preço de uma operação tributável mais não constituem do que uma situação entre outras previstas no artigo 11.ºA, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva, e no artigo 73.º da Diretiva IVA que o substituiu e que, independentemente da situação particular em questão, o valor tributável de uma prestação se serviços é, de qualquer forma, constituído por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado.

Por outro lado, o tribunal considera que “o montante fixo para cuidados de saúde” pago pela caixa de seguro de doença aos lares é recebido por estes últimos em contrapartida dos serviços de saúde que prestam, segundo diferentes modalidades, aos seus residentes. Ora,  para que se possa considerar que uma prestação de serviços é efectuada a título oneroso na aceção da Diretiva, não é necessário que a contrapartida desta prestação seja obtida diretamente do destinatário desta, podendo ser obtida de um terceiro (neste sentido acórdãos Loyalty Management UK, proc. 53/09 e acórdão Baxi Group, proc. 55/09).

Mais adianta o Tribunal que “o facto de no processo principal o beneficiário direto das prestações de serviços em causa não ser a caixa nacional de seguro de doença que paga o referido montante fixo mas o segurado, não é, ao contrário do que alega a Rayon d´Or, suscetível de romper o nexo direto existente entre a prestação de serviços efetuada e a contrapartida recebida” e que também não é necessário demonstrar que o pagamento se refere a uma prestação de cuidados de saúde individualizada e pontual efetuada a pedido de um residente.

Assim, conclui o TJ, que a circunstância de as prestações de cuidados de saúde fornecidas aos residentes não serem definidas antecipadamente nem individualizadas e de a remuneração ser paga sob a forma de um montante fixo também não é suscetível de afetar o nexo direto existente entre a prestação de serviços efetuada e a contraprestação recebida, cujo montante é determinado antecipadamente e segundo critérios bem determinados.

A decisão final do Tribunal de Justiça determinou expressamente que “o artigo 11.º A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva e o artigo 73.º da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que o pagamento de um montante como o montante fixo para cuidados de saúde em causa no processo principal constitui a contrapartida das prestações de cuidados de saúde efetuadas a título oneroso por um lar de terceira idade em benefício dos seus residentes e, por isso, é abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA”.

Não obstante as especificidades próprias de cada uma delas, a verdade é que a situação tributária apresentada pela requerente a este tribunal arbitral tem contornos semelhantes aos da situação versada no acórdão acabado de transcrever nas suas partes mais relevantes.

Com efeito, desde logo, tal como longamente alegado e demonstrado pela requerente, facto que a requerida não contraditou, as ações de formação têm como única contrapartida as subvenções pagas pelo Fundo Social Europeu, não cobrando a requerente qualquer preço adicional aos formandos.

Porém, a verdade é que estas subvenções, pagas pelo referido organismo público e previamente fixadas em função de critérios legais em que o número de beneficiários formandos e as horas de formação têm um peso assumidamente muito relevante, ainda que não seja o único, não deixam de constituir a contrapartida de prestações de serviços de ensino efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo de IVA e, por isso, não podem tais subvenções deixar de ser consideradas como preço para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º do CIVA.

E não é o facto de a requerente prestar o seu serviço de formação prosseguindo objectivos de interesse público que lhe foram delegados pelos organismos competentes e a que voluntariamente se candidatou e se comprometeu, nem o facto de estar obrigada a utilizar parte das subvenções em despesas concretas igualmente pré-determinadas, nem de não cobrar qualquer complemento aos formandos, que altera o núcleo essencial dos pressupostos da tributação para efeitos de IVA.

Também não procede o argumento de que os subsídios não constituíam o preço das ações de formação constituindo antes o financiamento das despesas com tais ações. Este tipo de argumentação é, com o devido respeito, um mero jogo de palavras que nada retira à verdadeira natureza das prestações em causa.

Quanto às alegações da requerente e contra-alegações da requerida sobre se o IVA estava ou não incluído nos montantes recebidos, como deveria ser calculado, a quem poderia ser exigido e quem era o responsável, acrescendo o que a inspeção do POPH considerou sobre o cumprimento das obrigações fiscais da requerente, tudo isso são considerações irrelevantes quanto ao que está em apreço e que tem a ver com o enquadramento tributário das subvenções em causa.

O que não deve deixar de se anotar é que a requerente apresentou um pedido de renúncia à isenção do IVA declarando que optava por tributar as suas operações de formação profissional a jusante como condição de lhe ser reconhecido o direito a deduzir o IVA que suportava nos seus inputs.

Este pedido foi aceite dentro das referidas condições e, com o devido respeito, observa-se que tal pedido seria totalmente subvertido se tivesse como resultado apenas a componente favorável da renúncia, ou seja, a de deduzir o imposto suportado a montante, falhando o outro requisito, que era o de liquidar o imposto a jusante, com a invocação de que a contrapartida auferida não poderia ser qualificada como preço para sobre ele fazer incidir a liquidação.

Muito mal estruturado estaria um sistema fiscal que por razões meramente nominais permitisse este tipo de expedientes.

Alega também a requerente que os subsídios não se destinavam exclusivamente a pagar as prestações de ensino e que parte deles eram subsídios à produção e à estrutura de custos e que, nalgumas situações, eram também subsídios ao investimento utilizados em equipamento afecto à sua actividade da formação, e consequentemente não tributados.

É certo que as subvenções que não tenham influência direta nos preços dos bens transmitidos ou dos serviços prestados pela entidade beneficiária, mas se destinem antes a melhorar a sua estrutura de funcionamento, a melhorar a sua capacidade económica, a expandir os seus mercados, entre outras finalidades, estão excluídas da tributação embora, no caso de sujeitos passivos mistos, entrem no denominador da fracção para determinar o pro-rata de dedução (vd. n.º 4 do artigo 23.º do CIVA). O que, nos termos do mesmo preceito, não acontece com os subsídios ao equipamento que também estão excluídos da tributação mas não entram no denominador da fração.

Porém, nos presentes autos, não pode proceder a invocada qualificação das subvenções como subsídios à exploração ou ao investimento dado que, tal como é normal e acontece na generalidade das situações, a requerente utilizou parte das suas receitas para fazer face às despesas com o funcionamento da empresa e para custear a aquisição dos equipamentos, sem que seja possível desconsiderar esses montantes como contrapartida das suas prestações de serviços e, como tal, sujeita a IVA pela sua totalidade.

Por outro lado, observa-se que a lei fiscal prevê que, em determinadas condições, os pagamentos que os contribuintes façam a terceiros, em nome e por conta dos clientes, podem não constituir matéria tributável para efeitos de IVA.

Em qualquer caso, a requerente não demonstrou que a sua contabilidade estava organizada em termos de poder evidenciar qual a parcela dos € 11.172,77 recebidos em Março de 2010, sobre a qual incidiu a liquidação impugnada, que foi afeta a cada um dos referidos destinos, nem demonstrou, que a referida contabilidade cumpriu o que está previsto na lei relativamente aos pagamentos a terceiros.

 

Decisão

 

Nestes termos julga-se totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IVA, referente ao período tributário de Março de 2010, no montante de € 1.862,13, bem como dos respetivos juros compensatórios, no montante de € 334,27 e, em consequência, absolver a requerida do mesmo e condenar a requerente nas custas.

 

 

Valor do processo

 

Face ao determinado no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.196,40.

 

Custas

 

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, bem como no n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa a este Regulamento, fixam-se as custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a suportar integralmente pela requerente.

Notifique-se

 

 

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2016.

 

O árbitro,

 

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)