Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 338/2022-T
Data da decisão: 2022-12-02  IMI  
Valor do pedido: € 14.669,08
Tema: IMI – Revisão do acto tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Efeitos da intempestividade da impugnação de actos de fixação do valor patrimonial
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Sumário:

  1. Os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo, assim, objecto de impugnação autónoma, pelo que os alegados vícios de tais actos de avaliação não poderão ser invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.
  2. A não impugnação tempestiva dos actos de avaliação de valores patrimoniais conduz à formação de caso decidido ou resolvido sobre a avaliação do prédio em causa.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A… – Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., com o número de identificação fiscal … e sede na Rua …, Quarteira (doravante, “Requerente”), na sequência da formação de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto da AT, com vista à anulação (parcial) dos actos tributários de liquidação de IMI n.os …, … e …, com referência ao ano de 2019, no montante global de €14.669,08, veio, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, requerer, em 25/5/2022, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral requerendo que “seja declarada a legalidade do Pedido de Revisão Oficiosa [...] e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido)”, que “se anulem os actos tributários que constituem o seu objecto, relativo às liquidações de IMI” em causa “por padecerem de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito”, e que “a AT seja condenada a reembolsar a Requerente do valor de IMI pago em excesso, no montante de €14.669,08 [...] e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.”    

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 2/8/2022.

 

3. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a ora Requerente, alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. «[...] a AT, enquanto entidade responsável pela determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios através dos métodos de avaliação disponíveis, deverá sempre cingir-se às regras legalmente estabelecidas que regulam os diferentes métodos de avaliação, não devendo utilizar métodos de avaliação/determinação do valor patrimonial tributário que não tenham base legal e/ou que não sejam aplicáveis aos concretos prédios urbanos em avaliação.

 

  1. O referido [Código do IMI] estabelece as regras para a determinação do valor patrimonial tributário deste tipo de prédios [classificados de “terrenos para construção”], no seu artigo 45.º, sob a epígrafe “Valor Patrimonial dos terrenos para construção”, à redacção vigente à data dos factos tributários que deram origem às liquidações de IMI sub judice – i.e., 31 de Dezembro de 2019.

 

  1. Com efeito, a Lei do Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) veio alterar este artigo 45.º do Código do IMI, modificando a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “Terrenos para construção”. Porém, tal modificação legislativa à redacção do artigo 45.º do Código do IMI só produziu efeitos (e consequentemente, a nova fórmula só é aplicável) a partir de 1 de Janeiro de 2021 – i.e., para efeitos de liquidações de IMI referentes a anos anteriores a 1 de Janeiro de 2021 dever-se-á aplicar a redacção deste artigo 45.º e respectiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efectuada pelo legislador.

 

  1. Assim, nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º, na redacção vigente à data dos factos tributários em apreço, “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”. À luz do n.º 2 do referido preceito legal na redacção vigente à data destes factos tributários, “[o] valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”. Refere-se, ainda, no n.º 3 do art. 45.º, igualmente na redacção vigente à data dos factos tributários relevantes in casu, que “[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º”.    

 

  1. Deste modo, é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º), não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice.

 

  1. Com efeito, e conforme o disposto na redacção conferida ao n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI que se encontrava em vigor em 2019, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários de “terrenos para construção” – tem em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deve ter-se em consideração certas características, tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transportes públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

 

  1. Atentas as referidas disposições normativas, bem se pode ver que o factor de localização do “terreno para construção” era, pois, já considerado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI na redacção relevante para a determinação dos valores patrimoniais dos imóveis objecto das liquidações de IMI em causa.

 

  1. Constatação esta que, reflectindo, criticamente, sobre a mesma nos conduz à ilação de que estaríamos perante uma espécie de dupla tributação em que as mesmas variáveis concorriam para a determinação de uma base tributável (i.e., valor patrimonial tributário) desfasada da realidade de facto, porque superior e, inevitavelmente, para um infundado incremento do montante de IMI a pagar anualmente pelo sujeito passivo, neste caso a Requerente.

 

  1. Face ao supra exposto, na sequência da flagrante violação das regras de determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” demonstrada pela jurisprudência reiterada do STA nesta matéria, a própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação (e avaliação) destes valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.

 

  1. Daqui se extrai, inequivocamente, que fica demonstrado que o erro de consideração dos coeficientes acima mencionados para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” resulta única e exclusivamente de uma errónea aplicação das normas legais por parte da AT.

 

  1. Neste contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos no ano 2019, ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado, dos coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para o Requerente quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço.

 

  • Para efeitos de liquidação de IMI, os valores patrimoniais tributários dos prédios, nomeadamente dos prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, constitui a matéria tributável deste imposto. Consequentemente, qualquer erro nos pressupostos de facto e/ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais tributários dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI aplicáveis, constitui um vício que impõe a anulabilidade desse mesmo acto tributário. Assim, nos casos em que sejam determinados valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da aplicação correcta das normas de determinação daqueles valores, e, consequentemente, seja liquidado IMI num montante superior àquele que seria legalmente devido, tal liquidação de IMI deverá ser anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado directo de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido verificado.

 

  1. Resulta expressa e directamente da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando “tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”. Ora, do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de IMI – i.e., erro na determinação do(s) valor(es) patrimonial(is) tributário(s) do(s) prédio(s) – resulta, inquestionavelmente, numa colecta de imposto diferente ao legalmente devido, estando assim preenchido o requisito para a revisão oficiosa (e respectiva rectificação/anulação) das liquidações de IMI incorrectamente emitidas. Acresce que, considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de Pedidos de Revisão Oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

  • [...] os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontram-se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de IMI para cada um destes terrenos foi apurada em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores da matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários (i.e., no dia 31 de Dezembro de 2019), e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela AT no ano de tributação em discussão. Por conseguinte, não deveria a Requerente ter sido adstrita ao pagamento do montante de IMI liquidado em excesso, enfermando, assim, os actos tributários de liquidação deste imposto em crise, numa manifesta ilegalidade, por resultarem da evidente interpretação e aplicação erróneas do Direito aplicável, devendo os mesmos serem parcialmente anulados.

 

  • Em face do exposto, devem os actos tributários de liquidação de IMI em apreço serem declarados parcialmente ilegais, impondo-se, em consequência, a devolução do montante de imposto indevidamente pago, que ascende a €14.669,08, com todos os efeitos legais daí decorrentes.

 

  1. [...] a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou por outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP. Nestes termos, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

 

  1. [...] pese embora a Requerente não possa concordar com a posição perfilhada pela AT, procedeu ao pagamento integral dos actos tributários que consubstanciaram as liquidações de IMI ora controvertidas. Pelo que, afigurando-se estas liquidações como manifestamente ilegais nos termos acima expendidos, deve a Requerente ser integralmente ressarcida do respectivo valor do IMI liquidado, porquanto não devido, no montante de €14.669,08.

 

  1. Por seu turno, e sendo procedente o presente pedido, a Requerente requere, igualmente, que sejam pagos os respectivos juros indemnizatórios.»

 

3.1. A Requerente termina pedindo que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado procedente e, em consequência: «a) seja declarada a legalidade do Pedido de Revisão Oficiosa acima identificado e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido); b) se anulem os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito; c) seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor de IMI pago em excesso, no montante de €14.669,08, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido. A título subsidiário, e sem prescindir, requer [que] a) seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.»

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

 

  1. «No presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) vem requerida a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) de 2019, bem como o reembolso do imposto pago acrescido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Subsidiariamente vem ainda peticionada a desaplicação, no caso concreto, da norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal e consequentemente seja declarada a legalidade dos atos tributários sub judice.

 

  1. A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios, não dos atos de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT). Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento ou da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

  1. O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação. Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

  1. A origem do diferendo que opõe a Requerente à Autoridade Tributária diz respeito à fórmula de cálculo do valor patrimonial dos terrenos para construção.

 

  1. Os atos de avaliação patrimonial não são atos tributários (n.º 1 do artigo 78.º da LGT). Nem são atos de apuramento da matéria tributável (n.º 3 do artigo 78.º da LGT). Bem vista a letra da lei, é claro e notório que o artigo 78.º da LGT, não dá acolhimento à revisão oficiosa deste tipo de atos, tendo em conta nomeadamente os meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte para defesa da sua posição.

 

  1. Por outro lado, não estamos na presença de qualquer erro no ato de liquidação. Na verdade, os atos de liquidação foram determinados com base no VPT constante na matriz predial [...]. A consideração da existência de erro consubstanciar-se-ia na fixação, à data, de um qualquer VPT diferente do que, à data, constava na matriz predial, o que poria em causa a validade dos efeitos jurídicos de diferentes e variados atos que para diferentes efeitos assumem como referencial o valor patrimonial tributário de um imóvel constante da matriz predial. Este entendimento levaria a que coexistissem no mesmo período dois ou mais VPT’s em clara violação dos critérios legais de fixação do valor de um determinado bem e criando uma situação caótica e de indefinição de uma realidade objetiva com base na qual se desenvolve a atividade económica e o poder tributário do Estado e com isso ficaria em risco o princípio da certeza e segurança jurídica, princípio basilar de um estado de direito.
  2. Mas, mesmo que assim não se entendesse, o fundamento da injustiça grave ou notória do n.º 4 do art.º 78.º da LGT, não é invocável quando a liquidação do IMI tenha sido efetuada de acordo com o nº 1 do artigo 113.º do CIMI [...].

 

  1. Face ao exposto conclui-se que não está legalmente prevista a revisão oficiosa de atos de fixação do valor patrimonial tributário. E não sendo possível a impugnação de vícios de fixação do Valor Patrimonial Tributário, a presente ação não pode proceder.

 

  1. Mas, [...] [m]esmo que se admitisse a possibilidade de apresentação de revisão oficiosa, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

 

  1. Por isso, tendo em conta as datas dos atos de avaliação sub judice, que, como se vê das Cadernetas prediais juntas com o ppa no Doc. n.º 4, as avaliações foram concretizadas há mais de cinco anos, pelo que se conclui que o pedido de revisão oficiosa apresentado em 26-10-2021 sempre seria intempestivo.

 

  • O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação, não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

 

  1. Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente. [...]. Em face de todo o exposto, fácil é de concluir, que por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.

 

  • O Tribunal Arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide n.º 1 do art.º 609º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT. [...]. Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável. Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis. [...]. Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.

 

  • Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão. [...]. De tudo o que se aduziu conclui-se que já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.

 

  1. [...] cumpre referir que a atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38.º ou do 45.º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção.

 

  1. Pede a Requerente que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária. O que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da legalidade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada. Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo.

 

  1. Face ao exposto conclui-se não só, por um lado, que não se verifica qualquer violação de princípios constitucionais, mas também que a prevalecer a argumentação da Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente.

 

  1. [...] no caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente. Aliás, de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 55.º da LGT). [...]. Destarte impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.»

 

4.1. A Requerida conclui pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente “por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.»

 

5. Atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente, e com a concordância desta, o Tribunal Arbitral admitiu a dispensa de junção do PA solicitada pela Requerida na sua resposta. Por despacho datado de 25/11/2022, o Tribunal Arbitral prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Através do referido despacho de 25/11/2022, foi, ainda, fixado o dia 2/12/2022 para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

8. Pelo exposto, e não havendo nulidades, impõe-se proceder ao conhecimento do mérito dos pedidos.

 

III. Questões a decidir

 

9. Na petição arbitral, a Requerente alega, em síntese, que: i) houve “flagrante violação das regras de determinação do valor patrimonial tributário dos «terrenos para construção»”; ii) “o erro de consideração dos coeficientes [...] mencionados para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos «terrenos para construção» resulta única e exclusivamente de uma errónea aplicação das normas legais por parte da AT”; iii) “qualquer erro nos pressupostos de facto e/ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais tributários dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI aplicáveis, constitui um vício que impõe a anulabilidade desse mesmo acto tributário”; iv) “[p]or conseguinte, não deveria a Requerente ter sido adstrita ao pagamento do montante de IMI liquidado em excesso, enfermando, assim, os actos tributários de liquidação deste imposto em crise, numa manifesta ilegalidade, por resultarem da evidente interpretação e aplicação erróneas do Direito aplicável, devendo os mesmos serem parcialmente anulados”. Em face do acima referido, a Requerente considera que “devem os actos tributários de liquidação de IMI em apreço serem declarados parcialmente ilegais, impondo-se, em consequência, a devolução do montante de imposto indevidamente pago, que ascende a €14.669,08, com todos os efeitos legais daí decorrentes”, e requer, “igualmente, que sejam pagos os respectivos juros indemnizatórios.” A Requerente invoca, ainda, a desaplicação, no caso concreto, da “norma pretensamente extraída do artigo 45.º” do CIMI, por alegada “violação do princípio da legalidade tributária”.

 

10. Por seu lado, a Requerida alega, em síntese, na sua resposta, que: i) “A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios, não dos atos de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT) [e que] [a]os atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento ou da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa”; ii) “o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação [e que] os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo”; iii) “é claro e notório que o artigo 78.º da LGT não dá acolhimento à revisão oficiosa deste tipo de atos, tendo em conta nomeadamente os meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte para defesa da sua posição”, iv) “as avaliações foram concretizadas há mais de cinco anos, pelo que se conclui que o pedido de revisão oficiosa apresentado em 26-10-2021 sempre seria intempestivo”; v) “Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo [...] [pelo que] não se verifica qualquer violação de princípios constitucionais”; vi) “no caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei”. Em face do acima referido, a Requerida conclui pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja “julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.”

11. Pelo exposto, conclui-se que as questões essenciais a decidir nos presentes autos dizem respeito: i) ao apuramento da tempestividade (ou da intempestividade) do pedido de revisão oficiosa; ii) à avaliação da legalidade das liquidações de IMI em causa, no montante global de €14.669,08, que a Requerente alega padecerem de ilegalidade por “a colecta de IMI para cada um [dos] terrenos [para construção ter sido] apurada em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores da matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários», o que, em seu entender, configura uma «espécie de dupla tributação”; iii) à análise da alegação, feita pela Requerida, segundo a qual “as avaliações foram concretizadas há mais de cinco anos”, “já se encontra[ndo] precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI”.

 

IV. Fundamentação

 

IV.1. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

A. No âmbito da sua actividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção. Neste contexto, foi a Requerente notificada dos actos tributários de liquidação de IMI com os n.os …, … e …, todos referentes ao ano 2019, no montante global, ora impugnado, de €14.669,08.

B. A Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado das respectivas liquidações de IMI acima referidas.

C. Em parte, as referidas liquidações de IMI tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores esses que foram fixados em 2016 e 2017, conforme se pode ler nas cadernetas prediais que foram juntas aos presentes autos como Doc. n.º 4.

D. Não concordando com as referidas liquidações, a Requerente apresentou, a 26/10/2021 (vd. Docs. 1 e 3 apensos aos autos), um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT.

E. Presumindo a formação de indeferimento tácito desse pedido de revisão oficiosa, por transcurso do prazo previsto no art. 57.º, n.º 1, da LGT, a Requerente apresentou, em 25/5/2022, o presente pedido de pronúncia arbitral.

F. Ainda que a Requerente alegue, na sua p.i., que o presente pedido de pronúncia arbitral incide sobre a “legalidade dos supra referidos actos [de liquidação de IMI]”, justifica a sua discordância com os mesmos na alegada existência de “errónea determinação do valor patrimonial tributário dos «terrenos para construção»” e, nomeadamente, no facto de entender que “os valores patrimoniais tributários d[os] [referidos] terrenos para construção encontram-se «sobrevalorizados» e, nesta sequência, a colecta de IMI para cada um des[s]es terrenos foi apurada em montante superior ao que seria legalmente devido [em razão da aplicação da] fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela AT no ano de tributação em discussão” (vd. §103.º da p.i.). A Requerente não alega quaisquer vícios específicos ou próprios das liquidações de IMI que aqui estão em causa.

G. Não obstante o motivo da referida discordância dizer respeito, como acima se assinalou, a actos de fixação de valores patrimoniais, a Requerente não promoveu ou requereu uma segunda avaliação dos terrenos em causa, “no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro [sujeito passivo] tenha sido notificado” (vd. art. 76.º, n.º 1, do CIMI). Tal facto releva porque apenas do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) é que cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (vd. art. 77.º, n.º 1, do CIMI). Não tendo sido esgotados os referidos meios graciosos, a ora Requerente ficou impossibilitada de proceder à impugnação autónoma de tais actos destacáveis no prazo de 3 meses após “a notificação [dos actos de fixação dos valores patrimoniais] ao contribuinte” (vd. art. 134.º, n.os 1 e 7, do CPPT). E a não impugnação tempestiva dos referidos actos pela ora Requerente permite concluir que se formou caso decidido ou resolvido sobre a avaliação dos terrenos em causa.               

 

IV.2. Factos não provados

 

13. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação da causa.

 

IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

14. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

15. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

16. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados.

 

IV.4. Matéria de Direito

 

IV.4.1. Questões de fundo

 

17. A Requerente vem, nos presentes autos, impugnar os actos de liquidação de IMI com os n.os …, … e …, todos referentes ao ano 2019 (no montante global, ora impugnado, de €14.669,08), com fundamento na existência de erros dos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre os quais incidiu o imposto, razão pela qual é necessário averiguar – tal como foi feito na recente Decisão arbitral n.º 510/2022-T, de 5/1/2022 (que se acompanhará de perto por se concordar com a mesma) – os seguintes pontos:

 

  1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento em vícios de actos de fixação de valores patrimoniais;
  2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa quanto a actos de avaliação de valores patrimoniais.

 

IV.4.1.1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento em vícios de actos de fixação de valores patrimoniais

 

18.1. Antes de mais, é necessário esclarecer se eventuais vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que tenham aqueles actos como pressupostos.

 

18.2. A este respeito, a Requerida defende, na sua resposta, que “é claro e notório que o artigo 78.º da LGT não dá acolhimento à revisão oficiosa deste tipo de atos, tendo em conta nomeadamente os meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte para defesa da sua posição. [...]. [...] não sendo possível a impugnação de vícios de fixação do Valor Patrimonial Tributário, a presente ação não pode proceder.”

 

18.3. Com efeito, afigura-se correcto este entendimento da Requerida. Na verdade, podemos aqui acrescentar – seguindo, de perto, a Decisão arbitral (colectiva) de 30/4/2021, proferida no Processo n.º 540/2020-T – que, “por força do preceituado no art. 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).”

 

18.4. E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, “a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”.

18.5. Relativamente aos termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais, estes constam do art. 134.º do CPPT, artigo no qual se estabelece, nomeadamente, que:

 

“os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade” (n.º 1); e

“a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7).

 

18.6. Ora, como decorre do n.º 1 do referido art. 134.º (ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais) e do n.º 7 do mesmo artigo (ao exigir o esgotamento prévio dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação), está afastada a possibilidade de essa impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que tenham essa avaliação como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI, sem observância do prazo de impugnação supra referido e sem o prévio esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

 

18.7. No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 76.º do CIMI.

 

18.8. Pelo que só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) é que cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (vd. art. 77.º, n.º 1, do CIMI).

 

18.9. Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo, consequentemente, objecto de impugnação autónoma – não podendo, na impugnação dos actos de liquidação que com base naqueles actos de avaliação sejam efectuados discutir-se a legalidade dos mesmos.

18.10. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, visto que os mesmos se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliação e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos acima referidos n.os 1 e 7 do art. 134.º do CPPT.

 

18.11. Na verdade, e tendo em conta que, no caso dos presentes autos, não foi tempestivamente impugnado o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (vd. art. 113.º do CIMI).

 

18.12. Acrescente-se, ainda, que a natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, desde há muito, reconhecida pela jurisprudência do STA[1], nomeadamente desde o tempo em que vigorava regime idêntico ao do art. 134.º, n.os 1 e 7, do CPPT, previsto nos n.os 1 e 6 do art. 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, em sede de Sisa, contribuição autárquica, IMI e IMT.

 

18.13. Citando aqui, a este respeito, e uma vez mais, a Decisão arbitral proferida no Processo n.º 540/2020-T: “Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS, IRC e Imposto do Selo, o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento. Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária. O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT). Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, actos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT). Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam [com] qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.”

 

18.14. Pelo exposto, conclui-se que os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela ora Requerente, não tendo sido objecto de impugnação tempestiva autónoma (vd. ponto G da factualidade provada), não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI – pelo que improcede, necessariamente, o pedido de pronúncia arbitral. Assim sendo, as liquidações de IMI em causa não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos «terrenos para construção».

 

18.15. Em resumo: i) usar, como fundamento para a anulação de liquidações em sede arbitral (ou judicial), eventuais vícios de antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais que já se firmaram na ordem jurídica, por falta de prévio esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses (vd. art. 134.º, n.os 1 e 7, do CPPT), não é admissível; ii) tal sucede porque os actos de fixação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma – pelo que não poderá discutir-se, na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuados, a legalidade desses actos destacáveis; iii) sendo os actos de fixação de valores patrimoniais previstos no CIMI destacáveis, tal implica o cumprimento das condições que são exigidas por lei para a impugnação contenciosa directa dos mesmos – dado que, nos termos do acima referido n.º 2 do art. 86.º da LGT, se determina que “a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”; iv) no presente caso, essas condições não foram cumpridas, uma vez que a Requerente não esgotou os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (vd. n.º 7 do art. 134.º do CIMI) que lhe permitiriam seguir para a impugnação autónoma de tal acto destacável no prazo legalmente estabelecido.

 

18.16. Com efeito, no âmbito do IMI, se a Requerente discordava do resultado da avaliação directa, podia e devia ter requerido ou promovido uma segunda avaliação, “no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro [sujeito passivo] tenha sido notificado” (vd. art. 76.º, n.º 1, do CIMI) – isto porque, como já supra referido, apenas do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) é que cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (vd. art. 77.º, n.º 1, do CIMI). E o mesmo se aplica aos processos colocados em sede arbitral. Só após o esgotamento dos meios graciosos podia a Requerente seguir para a impugnação autónoma de tal acto destacável, no prazo de 3 meses (vd. art. 134.º, n.os 1 e 7, do CPPT).

 

18.17. No mesmo sentido, vejam-se, por ex., e para além da jurisprudência do STA já acima mencionada, os seguintes Acórdãos: “Das disposições conjugadas dos artºs 77.º do CIMI e 134.º, n.º 1, do CPPT resulta que a impugnação está legalmente condicionada ao prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, ou seja, no caso dos autos, à realização de segunda avaliação do prédio urbano, nos termos do artigo 76.º do CIMI.” (Acórdão do STA de 15/1/2014, Proc. 01101/13); “nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 134.º do CPPT, tal impugnação [impugnação judicial de actos de fixação de valores patrimoniais] está legalmente condicionada ao prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, ou seja, no caso dos autos, à realização de segunda avaliação do prédio urbano, nos termos do artigo 76.º do CIMI” (Acórdão do STA de 19/10/2011, Proc. 0311/11).

 

18.18. De notar, ainda, que a mesma jurisprudência do STA tem entendido que esta exigência (de esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação) não é de fazer (sendo portanto dispensável) nos casos em que a impugnação não se funde na errónea fixação do valor patrimonial (vd., entre outros, os Acórdãos do STA nos processos: n.º 1101/13, de 15/1/2014, já citado; n.º 311/11, de 19/10/2011, também já citado; n.º 4/08, de 16/4/2008; e n.º 968/02, de 6/11/2002). Contudo, esta excepção não é aplicável ao caso sub judice, uma vez que, como se disse acima (vd. ponto F da factualidade provada), a Requerente não alega quaisquer vícios específicos ou próprios das liquidações de IMI que aqui estão em causa, e justifica a impugnação destas liquidações com a alegada existência de “errónea determinação do valor patrimonial tributário dos «terrenos para construção»”.

 

18.19. Como só após o esgotamento dos meios graciosos é que poderia a Requerente seguir para a impugnação autónoma de tal acto destacável (acto de fixação de valores patrimoniais), a deduzir no prazo de 3 meses (vd. art. 134.º, n.os 1 e 7, do CPPT) – e como os referidos meios graciosos não foram previamente esgotados –, conclui-se que, na presente impugnação, não são de admitir, como fundamentos de anulação, eventuais alegados vícios de antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, uma vez que estes se firmaram na ordem jurídica, dadas as razões supra expostas. Ver, no mesmo sentido, v.g., a Decisão arbitral (colectiva) de 10/5/2021, proferida no processo n.º 487/2020-T (em linha com a Decisão arbitral de 30/4/2021, esta já acima mencionada): “não são relevantes, como fundamentos de anulação, eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação.”

 

18.20. Assim, verificando-se não terem sido esgotados os meios graciosos para proceder à impugnação autónoma dos actos de fixação de valores patrimoniais no prazo de três meses, os (alegados) vícios presentes nos referidos actos de fixação não podem ser apreciados nesta sede (vd. artigos 77.º do CIMI e 134.º, n.os 1 e 7, do CPPT); consequentemente, a impugnação de actos de liquidação de IMI, estando baseada em alegados vícios de actos de fixação de valores patrimoniais (que se tornaram casos decididos), não poderá ser admitida nesta sede.

 

IV.4.1.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores patrimoniais

 

19.1. A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, é que se poderá aventar a possibilidade de revisão.

 

19.2. Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.os 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

 

19.3. Apenas as situações previstas nos n.os 4 e 5 deste artigo 78.º da LGT se reportam a actos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais. Por isso, só dentro do condicionalismo que está previsto nesses n.os 4 e 5 é que se poderá aventar a possibilidade de revisão oficiosa (ver, a este respeito, entre outras, as Decisões arbitrais proferidas nos processos n.os: 487/2020-T, de 10/5; 540/2021-T, de 10/5; e 40/2021-T, de 30/4).

 

19.4. No entanto, é manifesto que não foi observado pela Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º da LGT.

19.5. Com efeito, os três anos posteriores ao do acto tributário terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto de fixação. Ora, tendo os VPTs em causa sido determinados por actos praticados nos anos de 2016 e 2017, conforme informação constante do Doc. n.º 4 apenso aos autos pela Requerente (vd. ponto C da factualidade provada), a revisão já não podia ser autorizada a partir de 2021, pois os referidos três anos posteriores aos dos actos de fixação do VPT terminaram a 31/12/2019 e a 31/12/2020, respectivamente.

 

19.6. Consequentemente, tendo o pedido de revisão oficiosa da Requerente sido apresentado a 26/10/2021 (vd. ponto D da factualidade provada), há muito que havia expirado o prazo em que podia ser autorizada a revisão dos actos de fixação de valores patrimoniais.

 

19.7. Pelo exposto, impõem-se concluir que se encontra afastada, por intempestividade, esta possibilidade de revisão oficiosa.

 

20. Em face do que foi acima exposto, conclui-se ser improcedente o pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e de anulação das liquidações de IMI ora em causa e, consequentemente, considera-se igualmente improcedente o pedido de reembolso da quantia de €14.669,08, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios (dado que, atendendo ao que foi acima referido, não ocorreu qualquer “erro imputável aos serviços” que pudesse justificar tal pagamento ao abrigo do disposto no invocado art. 43.º, n.º 1, da LGT).

 

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e à anulação das liquidações de IMI respeitantes ao período de tributação de 2019;
  2. Julgar improcedentes os pedidos de reembolso da quantia de €14.669,08 e de pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos referidos pedidos.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €14.669,08 (catorze mil seiscentos e sessenta e nove euros e oito cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €918,00 (novecentos e dezoito euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2022.

O Árbitro

 

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Vd., por ex., os seguintes Acórdãos do STA: de 30/6/1999, Proc. n.º 023160; de 2/4/2003, Proc. n.º 02007/02; de 6/2/2011, Proc. n.º 037/11; de 19/9/2012, Proc. n.º 0659/12; de 5/2/2015, Proc. n.º 08/13; de 13/7/2016, Proc. n.º 0173/16; de 10/5/2017, Proc. n.º 0885/16.