Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 34/2016-T
Data da decisão: 2016-09-26  IRC  
Valor do pedido: € 16.649,30
Tema: IRC - Dedução do pagamento especial por conta nas tributações autónomas
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Decisão Arbitral

 

 

I - RELATÓRIO

 

 

Em 06/04/2016,  A… -SA, pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, …-… Lisboa, veio ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT", que atualmente vigora com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, para pronúncia sobre o indeferimento (ainda que tácito) da reclamação graciosa que apresentou em 21/05/2013 e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), dos atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2012 e 2023, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta (PEC) efetuado em sede de IRC ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o ora signatário, que comunicou a aceitação de tal encargo no prazo aplicável.

 

Em 21 de março de 2016, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 06 de abril de 2016, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do decreto-lei nº 10/20111, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro. O ato objeto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento da reclamação graciosa que apresentou em 27/05/2015 e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), dos atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2012 e 2013, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta (PEC) efetuado em sede de IRC ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma.

A Autoridade Tributária (AT) apresentou resposta em 10/05/2016. 

Por despacho do Tribunal de 12/05/16, foi dispensada a reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, tendo as partes sido convidadas a apresentar alegações escritas, o que ambas fizeram no prazo que tinha sido fixado, a Requerente em 23/05/2016 e a Requerida em 07/06/2016.

 

 

II- SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes estão devidamente representadas, são legítimas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artº.s. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artº. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), designadamente no que concerne à legitimidade da Requerente (que não é questionada), que lhe advém do facto de ser titular de um interesse legalmente protegido já que a sua esfera jurídica pode ser diretamente afetada pelo que se decidir no presente processo, situação em que a legitimidade é assegurada pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. 

O processo não enferma de nulidades e não foi invocada a existência de exceções, pelo que importa decidir.

 

 

III - MATÉRIA DE FACTO

 

A -FACTOS PROVADOS

 

É a seguinte a matéria de facto que se dá como provada, com relevância para a decisão da causa:

 

  1. A requerente entregou no dia 28 de maio de 2013 a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, e em 27 de maio de 2014 entregou a Mod. 22 de relativa ao exercício de 2013.
  2. Nessas declarações foi inscrito no campo 301 um prejuízo fiscal, em ambos os exercícios, no valor, respetivamente, de € 666 473,74, e €1 405 092,98.
  3. Apurou nas mesmas declarações, por autoliquidação, 8 747,44€ e 7 901,86€ como coleta referente a tributações autónomas, respetivamente de 2012 e 2013.
  4. Em 2014/05/07 e 2014/12/03 apresentou declarações de substituição com referência a estes mesmos exercícios, mas delas não resultou qualquer liquidação.
  5. A declaração modelo 22 do IRC e respetiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à coleta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração, o valor dos pagamentos especiais por conta ainda por deduzir, a começar pelos mais antigos.
  6. Em sede de pagamentos especiais por conta (PEC) subsistiu, por isso, um montante acumulado por deduzir à coleta do IRC que ascende em 2012 e 2013 a € 163.387,971 e €167.548,922, respetivamente.
  7. Por não concordar com esta atuação da AT, a Requerente, em 27 de maio de 2015, apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013, defendendo a ilegalidade do ato tributário de autoliquidação ao não permitir a dedução do montante pagamentos especiais por conta na coleta das tributações autónomas apuradas das referidas declarações.
  8. A AT não acolheu as teses da requerente e indeferiu a reclamação graciosa, tendo o despacho respetivo sido notificado em 29 de outubro de 2015

 

B  - FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para considerar na decisão sobre o pedido arbitral.

 

C  - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos juntos aos autos, cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como as posições consensuais destas.

            

 

IV - MATÉRIA DE DIREITO

 

A Requerente pretende que o Tribunal declare “quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação supra identificados e que sejam consequentemente anulados, mais concretamente no que concerne à parte dos referidos atos de autoliquidação que reflete a não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efetuado em sede de IRC, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de €8.747,44 quanto a 2012 e de € 7.901,86 quanto a 2013, ou, subsidiariamente, na medida em que reflete tributação autónoma indevida, e ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso destes montantes e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados, até integral reembolso, no que respeita a € 7.918,77 (2012) desde 30 de Maio de 2013, no que respeita aos restantes € 828,67 do exercício de 2012 desde 1 de Setembro de 2013, no que respeita a € 7.333,00 (2013) desde 28 de Maio de 2014, e no que respeita aos restantes € 568,86 do exercício de 2013 desde 1 de Setembro de 2014”.

 

Para fundamentação dos pedidos, a Requerente alega, sucintamente, o seguinte:

 

1.       A questão que se pretende ver esclarecida é se tem ou não a impugnante o direito de proceder à dedução dos referidos pagamentos especiais por conta à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma.

2.       É que, tendo em conta a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as tributações autónomas como IRC, a requerente absolutamente nada vê na lei que afaste o abate destes pagamentos especiais por conta também à parte da coleta de IRC produzida pelas tributações autónomas.

3.       Mas no ano de apresentação das declarações Modelo 22 aqui em causa o sistema informático da AT ainda não pensava assim.

4.       E em sede de pedido de reclamação graciosa a AT continuou a não pensar assim, sancionando o resultado do seu sistema informático, e contrariando parecer seu anterior sobre este assunto.

5.       Não se aceitando esta interpretação da lei, a não dedução dos PEC à coleta de IRC resultante das tributações autónomas viola a alínea c) do nº 2 do art.º 90º do CIRC (anteriormente a 2010, art.º 83º, e desde 2014 a alínea d) do nº 2 do art.º 90º do CIRC).

6.       Todavia, a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a coleta de IRC prevista no artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC (em vigor até 2013), compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a coleta das tributações autónomas em IRC, pelo que a coleta do IRC prevista no artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do CIRC, na redação em vigor em 2013, abrange também a coleta das tributações autónomas em IRC.

7.       Nas diversas decisões proferidas em sede de tribunal arbitral citadas pela Requerente, decidiu-se que os créditos fiscais que tenham sido reconhecidos em sede de SIFIDE, também podem ser deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante coleta do IRC.

8.       É de referir adicionalmente que, ao contrário do que já se viu afirmado pela AT, não há razão para concluir que o raciocínio e racional da decisão no processo n.º 769/2014-T só se aplicaria ao SIFIDE, e não também necessariamente a outros montantes dedutíveis à coleta do IRC. 

9.       Com efeito, se é um facto que o próprio regime do SIFIDE, a propósito da previsão do benefício fiscal de dedução à coleta do IRC, menciona “o montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, é de perguntar se haverá diferença para o que aqui se discute pelo facto de a previsão normativa de dedução do PEC à coleta do IRC (cfr. o artigo 90.º, n.º 2, do CIRC) não se expressar desse mesmo modo. E a resposta é negativa. 

10.   Com efeito, mesmo que a previsão de dedução à coleta do IRC se expresse em termos de “dedução à coleta do IRC”, por oposição a “dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, o resultado prático final é o mesmo, porquanto o montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC outro não é senão o IRC. 

11.   Donde, sendo entendido pelos tribunais que a tributação autónoma é IRC (e é porque o que se lhe aplica é o artigo 90.º do CIRC, dirigido exclusivamente ao IRC e a nenhum outro imposto), seja indiferente se a norma de benefício se refere ao que se apura em aplicação do artigo 90.º do CIRC (portanto, indireta, mas necessariamente, ao IRC), como é o caso do SIFIDE, ou diretamente ao IRC, como é o caso do PEC.

12.   Daí que a negação da dedução do PEC à coleta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC).

13.   Bem ou mal, tem sido sistematicamente decidido pelos tribunais tributários, no caso na modalidade de tribunais arbitrais, que as tributações autónomas são IRC, daí se retirando como consequência que se lhes aplicam normas dirigidas ao IRC como a referente à não consideração da coleta do IRC para o cômputo do lucro tributável em IRC (artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, em vigor até 2013).

14.   Na verdade “a jurisprudência arbitral fundamentou a sua conclusão com a ideia – começando-se por fazer, provisoriamente, uma generalização por aproximação –, que se segue, na qual aliás se apoiou e apoia também a DSIRC: as tributações autónomas respeitantes, pelo menos, a encargos com viaturas, ajudas de custo e despesas de representação (as maioritariamente aqui em causa, são um substituto (ou complemento) da indedutibilidade dos custos em IRC, donde a natureza de IRC da coleta produzida por estas tributações autónomas”.

15.   E é com base nesta conclusão, assim fundamentada, que a jurisprudência concluiu que por ser coleta de IRC a coleta produzida por estas tributações autónomas estava, por isso mesmo, sujeita ao regime previsto para a coleta do IRC na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (na redação em vigor até 2013): indedutibilidade desta coleta na operação de cômputo do lucro tributável.

16.   Pela mesmíssima razão, pede a requerente que, coerentemente, se conclua que a coleta de IRC constituída por estas tributações autónomas esteja disponível, a par da restante coleta do IRC, na operação das deduções à coleta previstas no artigo 90.º do CIRC, entre as quais se encontra a dedução do PEC.

17.   Aceite o pedido, devem as verbas indevidamente pagas ser reembolsadas, acrescidas de juros indemnizatórios que são devidos por se acharem verificados os requisitos do art.º 43º da Lei Geral Tributária.

Ainda assim, na jurisprudência citada pela requerente, em nenhum caso está expressamente tratada a questão da dedução do pagamento especial por conta na coleta das tributações autónomas.

Por seu turno a AT, manifestando a sua discordância quanto a estas conclusões da Requerente, na sua resposta defende, essencialmente, o seguinte:

 

  1. Tanto a jurisprudência como a doutrina já abordaram, abundantemente, a caracterização da figura “tributações autónomas” em IRC (e em IRS) e a evolução legislativa verificada desde a sua criação, pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 09.06, até à atualidade.
  2. As considerações daí resultantes revelam que a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objetivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respetivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr . n.º 13 do mesmo preceito).
  3. Reconhece-se que o caracter autónomo das tributações autónomas, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.
  4. A integração das tributações autónomas no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes. 
  5. Num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC. 
  6. Ou seja, ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido anexa à decisão arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T, não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos; 
  7. Isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
  8. A liquidação das tributações autónomas é efetuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:  (i) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (ii) no outro caso, são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
  9. Fica ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de, perante a necessidade de, para determinados efeitos – nomeadamente das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC ou do cálculo dos pagamentos por conta –, identificar a parte relevante de coleta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto.
  10. Atenta a natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, de acordo com a definição do art.º 33º da LGT, estes são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(…) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da perceção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efetivar-se através das retenções na fonte”.
  11. Em boa lógica, só faz sentido concluir que a base de cálculo dos pagamentos por conta corresponda ao montante da coleta do IRC resultante da matéria coletável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
  12. A delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente, sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco. 
  13. O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código. 
  14. A interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” é a única consistente com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC, relativas a: 

·         créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica;

·         benefícios fiscais;

·         pagamento especial por conta;

·         e retenções na fonte;

  1. Na realidade, o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
  2. Por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC são efetuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria coletável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art.º 87.º do mesmo Código e descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta. 
  3. Basta, para tanto, invocar o disposto o disposto no n.º 7 do mesmo preceito, segundo o qual «Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo». 
  4. De todo o modo, é também possível alcançar a mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (PEC), definido como sendo um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efetuado em duas prestações (art.º 106.º, n.º 1, CIRC) e cujo cálculo toma como ponto de partida o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao período de tributação anterior (n.º 2). 
  5. Embora o PEC se distinga, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta – pois estes têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art.º 105.º CIRC) –, é de salientar que estes regimes têm em comum a natureza de pagamento adiantado do IRC; 
  6. Isso, tanto mais que se pode afirmar que, em certas circunstâncias, até se auto-excluem, porquanto, ao montante resultante do cálculo do PEC, são deduzidos os pagamentos por conta efetuados no período de tributação anterior. 
  7. A instituição do PEC, pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03, que aditou o art.º 83.ºA ao Código do IRC, inscreveu-se num conjunto de medidas de política fiscal dirigidas contra a evasão e a fraude fiscais, cuja motivação é explicada no Preâmbulo deste diploma, nos termos seguintes: «(…). As estatísticas mostram que os rendimentos das pessoas coletivas sujeitos a tributação em IRC são frequentemente, e sem qualquer razão plausível, objeto de uma coleta muito inferior à real. As práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos são manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios da equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais. Delas resulta uma injusta repartição da carga tributária, tanto mais sentida quanto muitos sujeitos passivos de IRC, durante anos sucessivos, em nada ou quase nada contribuíram para o Orçamento do Estado, continuando, contudo, a usufruir, por vezes de modo privilegiado, dos direitos económicos e sociais previstos na Constituição. Neste contexto, o presente diploma estabelece um pagamento especial por conta, através de um novo mecanismo, sobre os rendimentos dos anos de 1998 e seguintes, para as pessoas coletivas sujeitas a IRC. A fórmula de cálculo usada para o seu apuramento e o mecanismo utilizado permitem aproximar o momento da produção dos rendimentos do momento da sua tributação.» 
  8. Deste modo a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se» (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 494/2009, de 29/09/2009), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria coletável determinada com base no lucro (capítulo III do Código). 
  9. Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2012 e 2013. 

 

As partes vieram posteriormente apresentar alegações escritas, fazendo ressaltar, no essencial, as mesmas teses que defenderam, uma na PI e a outra na Resposta, não se aditando nenhum argumento ou facto novo, salvo o que se reporta à alteração introduzida no CIRC pelo Orçamento de Estado para 2016, com o aditamento do número 21 ao artigo 88.º do CIRC, bem como o seu artigo 135.º  que estabelece que  “A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.” 

 

V – DO PEDIDO

 

O objeto do presente pedido é a pronúncia arbitral sobre a possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC), ao valor da coleta das tributações autónomas apurado na autoliquidação do IRC de um determinado exercício. 

Ou seja, “é dedutível à coleta de tributações autónomas de IRC o valor de IRC adiantado a título de pagamento especial por conta”?

A questão das deduções à coleta apurada na liquidação de tributações autónomas já foi matéria versada em diversas decisões proferidas no CAAD desde há algum tempo, principalmente no que se refere à dedução de benefícios fiscais e à dedução dos pagamentos especiais por conta em IRC na coleta das tributações autónomas.

A jurisprudência firmada tem sido pacífica no sentido de que são dedutíveis à coleta das tributações autónomas os valores relativos a benefícios fiscais, como é o caso do SIFIDE ou do CFEI, atenta a respetiva a sua natureza jurídica resultante do estabelecido art.º 2º do EBF, já que se trata de «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem». No que se refere aos PEC, o sentido das decisões arbitrais começou por ter o mesmo sentido, mas, desde há um tempo a esta parte, a orientação jurisprudencial aponta para o facto de não existir ilegalidade na autoliquidação na qual não se pôde deduzir à coleta da tributação autónoma o valor dos PEC suportados no mesmo exercício.

O signatário já tomou posição sobre a matéria nos processos 670/2015-T, 750/2015-T e 779/2015-T, acompanhando a tese que defende que os PEC não são dedutíveis ao valor da coleta das tributações autónomas apuradas num determinado exercício. A primeira daquelas decisões contou com um voto de vencido.

Pesaram decisivamente para a convicção pessoal os argumentos mais recentes expendidos nos Acórdãos nº 113/2015-T, 535/2015-T e 673/2015-T.

Na verdade, hoje em dia, tanto a AT como a Impugnante entendem que, no sentido, aliás, da jurisprudência arbitral citada, a liquidação de IRC resultante do artigo 90º inclui inequivocamente as tributações autónomas, desde logo porque se assim não fosse “não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei»”. Todavia, apesar de se ter passado a admitir que a tributação autónoma é IRC, a AT vem defendendo que ainda que se inclua no âmbito do artigo 90º a sua liquidação, deve-se considerar que tal liquidação corresponde a dois cálculos, sendo um deles o que decorre da aplicação da taxa normal de IRC ao rendimento gerado ao longo do exercício, e que apenas à parte da coleta de IRC relativa a este cálculo é dedutível o pagamento especial por conta. 

Por seu turno, contrariamente, a impugnante defende que, ainda que existam dois cálculos de IRC, as duas coletas resultantes convergem para um só montante de coleta de IRC, e que não se encontra na lei qualquer impedimento de dedução do pagamento especial por conta a esse montante apurado. 

Porém, salvo o devido respeito, não será este o argumento decisivo para encontrar a solução para esta questão já que, a contrario, também não nos deparamos com nenhuma disposição legal que preveja expressamente a dedução. 

A resposta deve ser procurada, pois, na pertinente análise à ratio legis de cada uma destas figuras jurídicas, a da tributação autónoma e a do pagamento especial por conta, matéria que a jurisprudência do CAAD tem tratado em termos teóricos bastante desenvolvidamente, pelo que seguiremos de perto as diversas decisões já proferidas neste sentido.

A tributação autónoma não incide sobre o rendimento do sujeito passivo, mas antes sobre determinadas despesas avulsas, que constituem factos tributários autónomos sujeitos a taxas diversas conforme a respetiva natureza (Ac do STA nº 830/01, de 21/03/2012), que o legislador entendeu fazê-lo de forma também autónoma, sendo  a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso passível de tributação (Ac do TC 310/12, de 20/6). As tributações autónomas são, portanto, medidas anti-abuso e desincentivadoras de evasão fiscal. 

O PEC, por sua vez, é uma entrega antecipada por conta do imposto relativo à atividade normal do sujeito passivo, calculado com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, e os pagamentos efetuam-se durante o período de constituição do facto tributário. Também esta forma de pagamento do IRC tem a ver com a fraude e a evasão fiscal, isto é, aqui o relevante será a eventual diminuição do volume de negócios ou do lucro, garantindo ao Estado uma espécie de coleta mínima.

Na linha deste raciocínio entende-se que, ainda que quer o pagamento especial por conta, quer as tributações autónomas prossigam o mesmo objetivo de evasão fiscal, eles visam prevenir dois comportamentos distintos dos contribuintes: pelo primeiro previne-se a não declaração de rendimentos continuados que se presume que existam, pois só assim se percebe a continuidade da atividade; já as segundas, encontram justificação como medidas dissuasoras e compensatórias da transferência de rendimentos da esfera pessoal ou da consideração de despesas sem causa empresarial. E assim se entende que se defenda que, coexistindo ambos os comportamentos, tenham que coexistir também as duas figuras de combate à evasão: uma empresa que não declara rendimentos suporta pagamento especial por conta; uma empresa que sobrecarrega as despesas por forma a minimizar IRS (ou a diminuir/aumentar o seu lucro/prejuízo fiscal) suporta tributação autónoma; uma empresa que pratica ambos os comportamentos, suporta pagamento especial por conta e tributação autónoma. 

Portanto, as tributações autónomas visam “… impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização/relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Estas são realidades que, tal como já se deixou anteriormente assinalado, apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.

Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam. 

“Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito, mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2013). 

 Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal. 

Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”)” 

Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma, através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador. (Ac. 535/2015-T).

No referido o acórdão que subscrevemos, permitimo-nos citar a fundamentação para a opção, invocando as teses do Acórdão 113/2015-T do CAAD, sobre a natureza jurídica das figuras em questão, isto é, “(…) o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes. Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2- do CIRC se insere, pois, o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.”

Portanto, estando em causa a dúvida sobre a dedutibilidade ou não do PEC na coleta das tributações autónomas apuradas de forma diversa e separada da coleta normal do exercício, na redação do art.º 90º do CIRC., entendemos que o assunto terá ficado mais clarificado com a publicação da Lei do orçamento para 2016. 

“O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efetuadas quaisquer deduções».

Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza

«interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza».

A Requerente, todavia, nas suas alegações destaca o facto de que a nova lei só tem aplicação para o futuro dado que o seu caráter é inovador. Não sendo assim entendido estar-se-á perante a aplicação retroativa da lei em matéria tributária, o que está constitucionalmente vedado. Pensamos que não é a melhor leitura dos referidos preceitos legais. Acompanhamos sobre esta matéria o que vem escrito na decisão que estamos seguindo:  BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas: “…Poderemos, consequentemente, dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. … Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.

“Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor: – a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia; – o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário otimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar”.

Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, ao contrário do que defende a Requerente: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efetuadas deduções.

No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à coleta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adotada pelos tribunais, como aconteceu em diversos processos que correram termos no CAAD. Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à coleta das tributações autónomas (Ac. 673/2015-T).

Está, portanto, prejudicada a apreciação da controvérsia relacionada com retroatividade e com a inconstitucionalidade desta norma bem como da ilegalidade da autoliquidação por inexistência de norma que permita a liquidação da tributação autónoma, constante do pedido subsidiário.

Improcede na totalidade, deste modo, o pedido de pronúncia arbitral quanto às ilegalidades da autoliquidação.

 

VI - DECISÃO

  • Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, este tribunal arbitral decide julgar improcedente os pedidos de pronúncia arbitral principal e subsidiário. Atenta a decisão proferida fica prejudicada a apreciação dos pedidos de restituição do imposto pago e de juros indemnizatórios reclamados. Em consequência absolve-se a AT dos pedidos
  • Condena-se a Requerente no pagamento das custas adiante apuradas.

 

VII - VALOR DO PROCESSO e CUSTAS 

De harmonia com o disposto no art.º 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 16 649,30.

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 (mil duzentos e vinte quatro euros), nos termos da Tabela I Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 2016/09/26

 

 O Árbitro

 

José Ramos Alexandre