Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 817/2014-T
Data da decisão: 2015-07-20  Selo  
Valor do pedido: € 2.934,63
Tema: Verba 28.1 da TGIS - Terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.     Relatório

 

 

A – Geral

 

 

1.1.          A… – …, Lda., sociedade com sede na Rua …, n.º …, …, ..., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva … (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 16.12.2014, um pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, visando a declaração de ilegalidade de um acto de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2013, no valor de € 2.934,63 (dois mil novecentos e trinta e quatro euros e sessenta e três cêntimos), referente a um terreno para construção de que é comproprietária, inscrito na matriz da União das Freguesias de …, concelho de ..., sob o artigo … (de ora em diante designado “Prédio”).

 

1.2.          A referida liquidação, que deu origem a três documentos de cobrança, cujas cópias foram anexadas ao requerimento de pronúncia arbitral, baseou-se no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (a “TGIS”), aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

1.3.          Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro Nuno Pombo, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.4.          Por despacho de 30.12.2014, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação da Senhora Dra. B… para intervir no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.5.          Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 26.02.2015.

 

1.6.          No dia 11.03.2015 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, no prazo de 30 dias, juntar aos autos o processo administrativo que possa existir e, querendo, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.7.          No dia 24.04.2015 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

1.8.          Fundamenta a Requerente o seu pedido, desde logo, na circunstância de não ter sido notificada, como por lei deveria ter sucedido, da liquidação do Imposto do Selo (de ora em diante “IS”) que esteve na origem da emissão dos três documentos de cobrança de que foi notificada referentes às primeira, segunda e terceira prestações, pagáveis até ao termo de Abril, Julho e Novembro, todos de 2014, com os números, respectivamente: 2014 …; 2014 … e 2014 ….

 

1.9.          Sustenta também a Requerente que houve uma errónea qualificação do facto tributário na medida em que o Prédio é um terreno destinado a construção, nada nele havendo edificado, o qual foi avaliado tendo em conta a percentagem de área de implantação máxima permitida pelo plano de ordenamento municipal, tendo sido assumido que a construção seria destinada a habitação, sem que tenha havido qualquer projecto apresentado à Câmara Municipal de ..., pedido de viabilidade, licença ou autorização aprovada pela edilidade competente.

 

1.10.       Por conseguinte, o Prédio não se encontra incluído no âmbito de incidência objectiva da verba 28.1. da TGIS uma vez um terreno para construção não é em si mesmo um prédio habitável, ou seja, não pode ser subsumido no conceito de «prédio com afectação habitacional».

 

1.11.       Entende ainda a Requerente ser aplicável ao caso sub judice a redacção que a verba 28.1 da TGIS conhecia antes da alteração que sofreu pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que produz efeitos apenas a partir do dia 01.01.2014,

 

1.12.       Conclui igualmente a Requerente que, a crer-se aplicável ao caso vertente a verba 28.1 da TGIS, tal representaria uma ilegal dupla tributação, uma vez que “a incidência objectiva e subjectiva é idêntica à do CIMI”.

 

1.13.       Por fim, a Requerente levanta “dúvidas de constitucionalidade quanto à sua retroactividade”, na medida em que a verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada em finais de 2012, pretende aplicar-se a direitos reais adquiridos antes da sua entrada em vigor, entendendo ainda que a norma é violadora do princípio constitucional da igualdade, por se referir apenas a imóveis para fins habitacionais.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

1.14.       Sustenta a Requerida o entendimento segundo o qual o Prédio tem “natureza jurídica de prédio com afectação habitacional”, defendendo consequentemente a manutenção do acto de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.15.       O entendimento da Requerida resulta da circunstância de não haver, em sede de Imposto do Selo, qualquer definição dos conceitos de “prédio urbano”, “terreno para construção” e “afectação habitacional” o que impõe o recurso ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (o “CIMI”), em obediência ao disposto no n.º 2 do art.º 67.º do CIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, resultando necessária a conclusão de que a noção de afectação de um prédio urbano “encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis” e se para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, então “a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada”.

 

1.16.       Rejeita igualmente a Requerida a suposta inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, por entender que esta disposição não consagra nenhuma discriminação arbitrária ou irrazoável.    

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

1.17.       Entendeu o tribunal arbitral, por despacho de 20.06.2015, dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), na ausência de oposição das Partes, por considerar não haver utilidade processual na realização da dita reunião, uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão.

 

1.18.       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

1.19.       O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas Partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

2.     Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

2.1.1.     A Requerente é proprietária de 2/10 indivisos do Prédio, (docs. n.os 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

2.1.2.     O Prédio está descrito como terreno para construção (consenso das Partes).

 

2.1.3.     Ao Prédio foi atribuído o seguinte valor patrimonial tributário: €1.467.314,25 (um milhão quatrocentos e sessenta e sete mil trezentos e catorze euros) (docs. n.os 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.4.     Para efeitos de determinação do respectivo valor patrimonial tributário, foi ao Prédio conferida afectação habitacional (consenso das Partes).

 

2.1.5.     A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança n.os 2014 …; 2014 … e 2014 …, no montante de € 2.934,63 (dois mil novecentos e trinta e quatro euros e sessenta e três cêntimos), referente ao Prédio (docs. n.os 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

 

3.     Matéria de direito

 

3.1. Questão a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que a questão a decidir é, no fundo, a de saber se o Prédio, que é um terreno para construção, é um prédio “com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

3.2. A verba 28.1 da TGIS

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que conta com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;

 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

 

 

Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

3.3. O sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”

 

Não podem ser fixados o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” sem ter presente o significado do próprio vocábulo “afectação”. E esse terá de ser encontrado nos dicionários, colhendo-se neles o benefício do estudo criterioso dos lexicógrafos. Assim, “afectação”, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, é a acção de destinar alguma coisa a determinado uso e “afectar”, consequentemente, é sinónimo de destinar a um uso ou a uma função específica. 

 

a)     As regras de interpretação de normas fiscais

 

A questão a apreciar não dispensa, antes implica, que se surpreenda o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS. Na ausência de uma definição legal, quer no CIS, quer em qualquer outro diploma, tem o intérprete-aplicador desta disposição o dever de convocar as normas que regem o necessário exercício hermenêutico.

 

Não há verdadeiramente um regime especial de interpretação de normas tributárias. O n.º 1 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária manda observar, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam”, “as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

Os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis são os estabelecidos no art.º 9.º do Código Civil:

   

ARTIGO 9º

(Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

 

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Note-se porém que a interpretação das normas, também das normas fiscais, não se esgota num exercício lexical. Não envolve apenas, nem sequer sobretudo, a dissecação vocabular. Não está pois em causa saber exactamente o que significa “prédio com afectação habitacional”, mas antes surpreender o sentido e o alcance desse conceito no âmbito do disposto na verba 28.1 da TGIS. O mesmo é dizer, sublinhe-se, que só haverá utilidade processual do esforço hermenêutico, no âmbito deste concreto pedido de pronúncia arbitral, se ele for dirigido a descortinar se o legislador, com a redacção escolhida para a verba 28.1 da TGIS, quis nela abranger os prédios urbanos qualificados como terrenos para construção.

 

b)     A “afectação habitacional” – prédios habitacionais e com afectação habitacional

 

A Requerida sustenta que a afectação do imóvel é um coeficiente que concorre para a sua avaliação, o que pensamos ser indisputado. Contudo, está agora em causa saber se a verba 28 da TGIS, na redacção que nos cumpre atender, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção.

 

O n.º 1 do art.º 6.º do CIS, com preocupação taxinómica, distingue “prédios habitacionais” de “terrenos para construção”. Os primeiros serão, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta dessa licença, os que tenham como destino normal esse fim. Já os terrenos para construção, esclarece o n.º 3 do preceito a que vimos fazendo referência, são aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, com algumas excepções.

 

Resulta claro, pois, que um terreno para construção não é, segundo esta classificação, um prédio habitacional. A questão é agora a de saber se “prédio com afectação habitacional”, conceito usado pela verba 28.1 da TGIS, corresponde, mau grado a diversidade literal, a “prédio habitacional”, noção empregue na classificação acabada de visitar.

 

Afectação, pelo que aprendemos com os dicionaristas, convoca o destino dado a certo bem. Já “habitacional” é relativo a habitação, sendo esta, por sua vez, e segundo o Dicionário que vimos usando, lugar ou casa em que se vive ou mora. Ora, afectação habitacional não poderá sugerir outro sentido que não seja a acção de dar a certo bem – no caso o Prédio, que é, recorde-se, um terreno para construção – o destino de casa ou lugar onde se mora.

 

É sabido que o CIMI faz, em diversas disposições, uso da expressão “afectação”. Fá-lo, por exemplo:

 

·       No art.º 3.º, quando refere, relativamente a prédios rústicos, uma utilização geradora de rendimentos agrícolas;

·       No art.º 9.º, quando impõe aos sujeitos passivos o dever de comunicarem aos serviços de finanças que um terreno para construção passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda ou que um prédio passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda;

·       No art.º 27.º, quando relaciona certos edifícios e construções à produção de rendimentos agrícolas. 

 

Em todas as situações apresentadas, como se pode ver, a afectação não é referida em termos potenciais, de vocação ou de expectativa. É justamente ao contrário. Sugere um destino efectivo ou directo, para usar uma expressão a que o legislador faz apelo no art.º 27.º.

 

Contudo, o CIMI faz também abundante uso da expressão “afectação” quando enuncia as regras que devem aplicar-se à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos (artigos 38.º e seguintes do CIMI). Importa, então, ver se podemos extrair das regras de determinação do valor patrimonial algum elemento útil que nos permita surpreender o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”.

 

c)     A relevância das regras de determinação do valor patrimonial tributário

 

Sustenta a Requerida que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis” e, mais ainda, que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada”.

 

É certo que para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção se tem atendido, não sem aporias, à “afectação” do que nele possa ser edificado.

 

Contudo, como bem refere a Requerida, “a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa”, em função, justamente, do que nele possa ser construído. Por isso, como muito bem explica a Requerida, o art.º 45.º do CIMI “manda separar as duas partes do terreno”: de um lado, teremos de considerar “a parte do terreno onde vai ser implantado [rectius, onde pode vir a ser implantado] o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% (…), em virtude de a construção não estar ainda efectivada”. É bom de ver que a aplicação daquela percentagem permite justamente atender à circunstância de não haver ainda construção, mas não autoriza o legislador que se ignore que o valor económico, ou de mercado, de um terreno para construção está relacionado com a sua capacidade construtiva.

 

Dizer o que precede não significa, porém, que o legislador sinta a necessidade de impor a tributação automática e necessária, em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, a todos os terrenos para construção. Basta ler o que dispõe a alínea d) do já referido art.º 9.º do CIMI:

 

ARTIGO 9º

(Início da tributação)

1.     O imposto é devido a partir:

(…)

d)     Do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda;

(…)

 

Ou seja, ainda que o legislador entenda ser razoável, como parece ser, determinar o valor patrimonial tributário de um terreno para construção levando em linha de conta a sua capacidade construtiva e, concedamos a benefício de raciocínio, a natureza ou vocação do que possa sobre ele ser edificado, não deixa de ser sintomático que tenha optado, do mesmo passo, por suspender essa tributação nos casos em que esses terrenos para construção figurem no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda. Nos casos em que, poder-se-ia também dizer, esses prédios urbanos integram um processo produtivo que tende a continuar e a produzir, a jusante, frutos também eles tributáveis.

 

Se o sentido primacial de “afectação”, como deixámos dito, sugere um destino efectivo, directo, dado a um determinado bem, não vemos como possa este entendimento ser infirmado pela constatação de que o legislador, no âmbito da avaliação de terrenos para construção, autoriza (a admitir que autoriza) o uso do coeficiente de afectação, tendo em vista o que nele pode vir a ser construído. Na verdade, não parece razoável admitir neste cenário o recurso a normas de determinação da matéria colectável para alargar a previsão das normas de incidência.

 

d)     Posição adoptada

 

Face ao exposto, julga o tribunal arbitral que se impõe, na interpretação do disposto na verba 28.1 da TGIS com a redacção aplicável ao caso que temos em mãos, o entendimento segundo o qual a afectação habitacional de um prédio urbano sugere que se lhe dê esse efectivo destino, ou se lhe possa directamente dar esse destino. Sendo como nos parece, um terreno para construção não está naquela verba incluído, em termos de incidência objectiva. Parece-nos pois que a um terreno para construção, pela sua própria natureza, não pode se associada uma afectação habitacional tal como a que é sugerida pela verba 28.1 da TGIS.

 

Não se diga que este juízo colide com a possibilidade de ver aplicado a um terreno de construção o coeficiente de afectação a que se faz referência na secção II do Capítulo VI do CIS. Na verdade, uma coisa são as regras que o legislador impõe para determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não sendo estranho que se atenda à sua capacidade construtiva e à natureza e vocação do que neles possa ser edificado, outra, bem diversa, é pretender que essas regras sejam convocadas para recortar o campo da previsão normativa das regras de incidência.

 

Aliás, a interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta pouco rigorosa intervenção legislativa.

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[1]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo as expressões “prédios urbanos habitacionais”, que são os que constam da alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS e “casas”, sendo manifesto que, num caso e noutro, nesses conceitos não cabem, sem mais, os terrenos para construção, referidos que são na alínea c) do citado preceito. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa e sem prejuízo da redacção hoje em vigor, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS, à data dos factos, não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos os terrenos para construção, pelas razões supra aduzidas. Antes parece que o sentido e o alcance do conceito de “prédios com afectação habitacional” é o equivalente ao de “prédios habitacionais” mencionados na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS. 

 

            3.1.5. Da falta de fundamentação e da inconstitucionalidade

 

A Requerente suscitou as questões de falta de fundamentação do acto de liquidação e de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, por violação dos princípios da irretroactividade da lei fiscal e da igualdade tributária.

 

Uma vez que o tribunal arbitral não considera aplicável essa verba ao caso sub judice, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessas questões.

 

 

4.     Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação da liquidação reclamada, com todas as consequências legais.

 

 

5.     Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.934,63 (dois mil novecentos e trinta e quatro euros e sessenta e três cêntimos).

 

 

6.     Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 20 de Julho de 2015

 

 

O Árbitro

 

(Nuno Pombo)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.