Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 816/2014-T
Data da decisão: 2015-07-31  Selo  
Valor do pedido: € 6.570,01
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; terreno para construção
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Decisão arbitral

Requerente: A…

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I - RELATÓRIO

1.      Pedido

A…, contribuinte n.º …, residente na rua …, n.º …, AP …, CEP …-…, Rio de Janeiro, e com domicílio fiscal na rua …, n.º …, …, …-…, …, doravante designado por Requerente, apresentou, em 12-12-2014, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

-          Anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo com o número 2014 …, emitido em 18-03-2014, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano 2013, e ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo … da União de Freguesias de … e …, concelho de Aveiro;

-          Condenação da Requerida à restituição da totalidade do imposto e demais acréscimos pagos pelo requerente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos no artigo 43° da LGT, desde a data do pagamento até efectivo reembolso.

O Requerente alega, no essencial, o seguinte:

-          O Requerente é comproprietário do prédio urbano acima identificado, destinado a construção e com o valor patrimonial tributário à data da liquidação de 1 314 002,31 euros, sendo a sua quota-parte de 50%;

-          Em Abril de 2014 foi notificado de uma liquidação de Imposto de Selo (IS), ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) efectuada a 13-3-2014 e referente ao ano de 2013, incidente sobre o artigo matricial U-…, da Freguesia de … e …, à taxa de 1% sobre o valor patrimonial deste prédio, e considerando a sua quota-parte de 1/3, do que resultava a colecta de 6.570,01 euros, contendo esse documento a referência para pagamento da 1ª prestação dessa liquidação, no valor de 1.190,01 euros;

-          Dessa liquidação de IS foi apresentada reclamação graciosa em 4 de Julho de 2014, com fundamento no facto de o prédio em causa ser um terreno para construção, e não um prédio afecto a habitação, como se prevê na aplicada verba 28.1 da TGIS, bem como no facto de a quota-parte do contribuinte não atingir o valor patrimonial tributário de um milhão de euros, motivos por que se considerava ilegal a liquidação em causa;

-          Esta reclamação foi objecto de indeferimento, com o fundamento de se tratar de um terreno para construção habitacional, dado que a afectação que consta da ficha de avaliação do terreno é a de habitação; 

-          Prédio com afectação habitacional da verba 28.1 da TGIS é o edifício ou construção licenciado para habitação ou que tenha como destino normal a habitação, tal como definido no CIMI;

-          O Requerente não se conforma com a decisão referida porque o prédio em causa é um terreno para construção e não um prédio com afectação habitacional, a que se refere a verba 28.1 da TGIS;

-          A equiparação em que a liquidação impugnada assenta, entre “prédio com afectação habitacional” e “terreno com viabilidade para construção” fere de ilegalidade a liquidação em causa, bem a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida em relação à mesma;

-          O n° 2 do art. 67° do Código do Imposto do Selo (CIS) prevê a aplicação subsidiária das disposições do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) às matérias não reguladas naquele Código que respeitem à verba n.º 28 da TGIS, e o n.º 1 do mesmo normativo prevê a aplicação subsidiária da Lei Geral Tributária (LGT);

-          Se o CIS faz apelo aos conceitos do CIMI no âmbito da aplicação e interpretação da verba 28 da TGIS, remetendo para o conceito de afectação dos prédios previsto naquele Código, tem que ser respeitado, na interpretação da referida norma, o sentido que tais conceitos têm no âmbito do CIMI;

-          De acordo com o artigo 6.º do CIMI; os prédios urbanos dividem-se em:

- Habitacionais;

- Comerciais, industriais ou para serviços;

- Terrenos para construção;

- Outros.

-          Determinando o n.º 2 do art. 6° do CIMI que "habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins;

-          Pelo que o conceito de prédio com afectação habitacional mencionado na verba 28.1 da TGIS não é aplicável a terrenos para construção, mas apenas a prédios urbanos que tenham efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque estão licenciados para esse efeito seja porque têm esse destino normal;

-          A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e dos tribunais arbitrais corroboram esta interpretação;

-          A Administração Tributária está vinculada às decisões dos tribunais superiores, devendo observá-la em casos semelhantes àquele em que foram proferidas e está ainda obrigada a rever as orientações genéricas constantes de instruções administrativas tendo em consideração, precisamente, a jurisprudência dos tribunais superiores;

-          Pelo que a posição que a Requerida assumiu no caso em apreço configura um manifesto abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, obrigando os contribuintes a recorrer à via judicial ou arbitral, quando se impunha que reconhecesse a ilegalidade da liquidação em causa, conforme a jurisprudência do STA;

-          Deste modo, a liquidação impugnada é ilegal, por erro na qualificação jurídica dos factos e na interpretação da lei, violando os princípios da legalidade e da tipicidade, motivo por que deve ser anulada, o mesmo acontecendo com a decisão recaída sobre a reclamação graciosa deduzida.

 

2.      Resposta da Requerida

Em resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente, a Requerida AT -Autoridade Tributária e Aduaneira impugnou o pedido com base nos seguintes argumentos:

-          É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto da presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12;

-          A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28. Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor  patrimonial  tributário  constante  da  matriz,  nos  termos  do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00;

-          Na ausência de qualquer definição  sobre  os  conceitos  de  prédio  urbano,  terreno  para  construção  e afectação  habitacional,  em  sede  de  IS,  há  que  recorrer  ao  CIMI,  na  procura  de  uma  definição  que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2 do CIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10;

-          Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba n.º 28.º da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

-          Dispõe o n.º 1  do  art.  2.º  do  CIMI  que “prédio  é  toda  a  fracção  de  território,  abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência,  desde  que  faça  parte  do  património  de uma  pessoa  singular  ou  colectiva  e,  em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas  circunstâncias  anteriores,  dotados  de  autonomia económica  em  relação  ao  terreno  onde  se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”;

-          Por sua  vez  o  art.  6.º,  n.º  1  do  CIMI  dispõe  acerca das  espécies  de  prédios  urbanos  existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção, isto é os “terrenos situados dentro ou fora de um  aglomerado  urbano,  para  os  quais  tenha  sido  concedida  licença  ou  autorização,  admitida comunicação  prévia  ou  emitida  informação  prévia  favorável  de  operação  de  loteamento  ou  de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações...”;

-          A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem  se  compreende  porquanto  a  avaliação  do  imóvel  (finalidade)  incorpora  valor  ao  imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação

-          Conforme resulta da expressão “...valor das edificações autorizadas”,  constante do art. 45.º, n.º  2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI;

-          Assim,  para  efeitos  de  determinação  do  valor  patrimonial  tributário  dos  terrenos  para  construção,  é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada;

-          E nestes termos, a Requerida entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para  efeitos  do  disposto  na  verba  28  da  TGIS,  compreende  quer  os  prédios  edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma

-          O  legislador  não  refere  “prédios  destinados  a  habitação”,  tendo  optado  pela  noção “afectação  habitacional”  -  expressão  diferente  e  mais  ampla,  cujo  sentido há-de  ser  encontrado  na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI;

-          A constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel;

-          O facto de a avaliação dos terrenos para construção ter em conta a afectação habitacional, quando seja o caso; o facto de o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas dever conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos, número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados; e tudo isto ainda associado ao facto de os planos directores municipais estabelecerem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, torna possível, muito antes da efectiva edificação do prédio, apurar e determinar a afectação do terreno para construção;

-          Relativamente à pretensa violação de princípios constitucionais, a Requerida salientar que  a Constituição  da  República,  obriga  a  que  se  trate  por  igual  o  que  for  necessariamente  igual  e  como diferente  o  que  for  essencialmente  diferente,  não  impedindo  a  diferenciação  de  tratamento,  mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante

-          O art.º 13.º da Constituição da República “obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante”, não sendo este o caso da norma da verba 28 da TGIS;

-          Assim, entende a Requerida que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP.

 

3.      Tramitação subsequente

Mediante a concordância de ambas as Partes, o Tribunal deliberou prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como da fase de alegações.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 25-02-2015, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:

-        A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção, na redacção em vigor em 31 de Dezembro de 2013;

-        Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, em face dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade.

 

IV – FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos provados considerados relevantes

1º O Requerente era, à data dos factos que deram origem à liquidação impugnada, comproprietário, com uma quota de1/2, de prédio urbano descrito como terreno destinada a construção, prédio inscrito na matriz predial sob o artigo … da União de Freguesias de … e …, concelho de Aveiro;

2º O prédio encontrava-se descrito na matriz como terreno para construção;

3º O Requerente foi notificado de acto tributário de liquidação de Imposto do Selo com o número 2014 …, emitido em 18-03-2014, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidente sobre o prédio referido e referente ao ano de 2013;

4º O Requerente deduziu, em 4-7-2014, reclamação graciosa contra a liquidação referida;

5º A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 8-10-2014 da Chefe de Serviço de Finanças e Sintra;

Os factos considerados provados foram-no com base na documentação junta pelo Requerente, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO

(i)                 Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção

Sobre esta questão, e nos exactos termos em que aqui é colocada, já se pronunciou reiteradas vezes o Supremo Tribunal Administrativo, maioritariamente em sentido concordante com o pugnado pelo Requerente (vejam-se os acórdãos daquele Tribunal proferidos de 24/9/2014, procs. n.ºs 01533/13, 0739/14 e 0825/14; de 10/9/2014, procs. n.ºs 0503/14, 0707/14 e 0740/14; de 9/7/2014, proc. nº 0676/14; de 2/7/2014, proc. nº 0467/14; de 28/5/2014, procs. nºs. 0425/14, 0396/14, 0395/14; de 14/5/2014, procs. nºs. 055/14, 01871/13 e 0317/14; de 23/4/2014, procs. nºs. 270/14 e 272/14; e em 9/4/2014, procs. nºs. 1870/13 e 48/14).

A mesma questão foi também objecto de pronúncia por parte dos tribunais arbitrais, nomeadamente nos processos n.ºs 151/2014-T, 42/2013-T, 48/2014-T, 49/2013-T, 53/2014-T, 75/2013-T, 144/2013-T, 158/2013-T, 180/2013-T, 189/2013-T, entre outros) sendo também a jurisprudência arbitral largamente maioritária no sentido de que a previsão da verba 28.1 da TGIS, na redacção em vigor até 31 de Dezembro de 2013, não abrangia os terrenos para construção.

Entre os muitos arestos emanados do STA sobre esta questão, cita-se o acórdão proferido no processo já referido supra, em que se afirma:

“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (…) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido (…), aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, (…) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (…) donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”.

Estribando-nos nesta jurisprudência, que inteiramente se acolhe, conclui-se pela procedência da arguição do vício de ilegalidade da liquidação impugnada, por erro nos pressupostos da aplicação da norma da verba 28.1 da TGIS.

 

(ii)               Questão da inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, em face do princípio constitucional da igualdade

 

Considerando-se procedente a arguição de ilegalidade das liquidações impugnadas por erro nos pressupostos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, torna-se supérfluo analisar a questão da inconstitucionalidade da mesma norma quando interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, em face dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade dos impostos.

 

VI. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, este Tribunal decide:

1º: Anular o acto de liquidação de Imposto do Selo impugnado.

2º: Condenar a Requerida AT – Administração Tributária e Aduaneira à restituição da totalidade do imposto e demais acréscimos pagos pelo requerente, relativos à liquidação impugnada, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos no artigo 43° da LGT, desde a data do pagamento até efectivo reembolso.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 6.570,01 euros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 euros, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 31 de Julho de 2015.

 

 

O Árbitro

 

 (Nina Aguiar)