Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 8/2016-T
Data da decisão: 2016-05-31  Selo  
Valor do pedido: € 48.275,59
Tema: IS – Terrenos para construção; verba nº 28.1. da TGIS
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Decisão Arbitral [1]

 

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Março de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    A..., titular do número de identificação fiscal nº..., residente na Rua..., nº..., r/c..., em Cascais, (doravante designado por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 11 de Janeiro de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    O Requerente “(…) pretende que sejam declaradas as ilegalidades dos (…) actos de liquidação” identificados e se declare a “(…) ilegalidade do indeferimento dos recursos hierárquicos” apresentados contra as referidas liquidações de Imposto do Selo.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 12 de Janeiro de 2016 e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.    O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 11 de Março de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

 

1.5.    Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29 de Março de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, em 30 de Março de 2016, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Em 28 de Abril de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido”.

 

1.8.       Na mesma data, a Requerida apresentou também requerimento no sentido de “(…) propor que seja dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, podendo assim o Tribunal Arbitral conhecer desde já do pedido”, estando assim implícito neste um pedido de dispensa de alegações.

 

1.9.       Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 2 de Maio de 2016, tendo em consideração o pedido de dispensa da realização da reunião arbitral a que alude o artigo 18º do RJAT, apresentado pela Requerida (vide ponto anterior), e com o objectivo de garantir o princípio do contraditório e de igualdade das partes (de acordo com o disposto no artigo 16º, alíneas a) e b) do RJAT), foi notificado o Requerente para se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da referida reunião, bem como se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações.

 

1.10.   O Requerente apresentou requerimento, em 3 de Maio de 2016, no sentido de concordar com a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como com a dispensa da apresentação de alegações (orais ou por escrito).

 

1.11.   Assim, por despacho arbitral, datado de 9 de Maio de 2016, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:

 

1.11.1.       Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

1.11.2.       Prescindir da apresentação de alegações;

1.11.3.       Designar o dia 31 de Maio de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.12.   O Requerente foi ainda advertido que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

Do objecto do pedido de pronúncia arbitral

 

2.1.    Começa por esclarecer que “(…) requer a constituição de Tribunal Arbitral (…) para apreciação da legalidade das liquidações de Imposto do Selo nºs 2012..., 2012..., 2012..., 2012..., 2012..., 2012... e 2012..., referentes ao ano de 2012 (…)

 

2.2.    Por outro lado, esclarece que tendo o Requerente deduzido “(…) contra as referidas liquidações de Imposto do Selo reclamações (…) e tendo essas reclamações sido indeferidas, deduziu recursos hierárquicos (…), tendo estes sido também indeferidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (…)”.

 

2.3.    Assim, segundo o Requerente, “(…) o objecto imediato do presente pedido é a declaração de ilegalidade das referidas liquidações e o objecto mediato de tal pedido é a declaração de ilegalidade do indeferimento dos recursos hierárquicos”.

 

Da legitimidade e tempestividade do pedido

 

2.4.    Neste âmbito, refere o Requerente que tendo em conta o “(…) prazo de 90 dias a contar do indeferimento dos recursos hierárquicos para ser requerida a constituição de Tribunal Arbitral (…), o pedido é tempestivo” e “(…) o Tribunal Arbitral é competente”.

 

Factos

 

2.5.    “O Requerente é proprietário de terrenos para construção, sitos no Concelho de Sintra, Freguesia de ...” aos quais “(…) foi fixado um Valor Patrimonial Tributário (VPT) superior a €1.000.000,00 (…), em vigor no ano de 2012.

 

2.6.    Prossegue referindo que, tendo a Lei nº 55-A/2012 de 29/10, aditado “(…) um número 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), passando a tributar a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos (…)” cujo VPT “(…) seja igual ou superior a €1.000.000,00” e “(…) a verba 28.1., determinando a tributação das situações previstas (…) à taxa de 1%, em relação a prédio com afectação habitacional”, “(…) a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações (…)” controvertidas.

 

2.7.    Porque não concorda com a posição da Requerida, o Requerente formula duas questões que pretende ver respondidas:

 

2.7.1.     “Um terreno para construção deve ser considerado um prédio com afectação habitacional para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo?” e,

2.7.2.     “Se a resposta à primeira questão for contrária à pretensão do Requerente: é inconstitucional a norma de incidência contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo?

 

2.8.    Sustente o Requerente a sua posição no facto de “(…) o imóvel em causa não tem afectação habitacional”, pelo que sendo, em seu entender “(…) os terrenos para construção (…) uma espécie de prédios urbanos distinta dos prédios habitacionais, conclui que “(…) os terrenos não se confundem com os prédios habitacionais”.

 

2.9.    Com efeito, para o Requerente, “não há nos terrenos para construção uma afectação, seja para habitação, seja para comércio, seja para serviços”, porquanto “não há, desde logo, por uma razão naturalística: se são terrenos ... para construção, um terreno não está afecto à habitação, nem a comércio” (sublinhado do Requerente).

 

2.10.  Na verdade, para o Requerente “a afectação efectiva de um imóvel depende de um requisito de natureza formal constituído pelo licenciamento ou, na falta formal de licenciamento, da afectação presumida, através do seu destino formal”, pelo que entende que “prédios urbanos com afectação habitacional são, assim, aqueles que, nos termos do respectivo processo de construção a que se referem os artºs 62º e seguintes do Regime Jurídico das Edificações Urbanas (…) tiverem sido, como tais, licenciados ou em função das suas características físicas, tiveram como destino normal a habitação”.

 

2.11.  Entende, assim, o Requerente que “o legislador desenhou (…) o conceito de terrenos para construção em função da afectação, efectiva ou presumida, à construção”, sendo que “a autorização ou previsão de edificação, ainda que destinada à habitação, na área de implantação de terrenos para construção, não os torna (…) em prédios de afectação habitacional”.

 

2.12.  Nestes termos, para o Requerente, “ainda que o terreno se destine à construção de prédios afectos à habitação, essa afectação só se verifica com a efectiva construção do prédio, com a consequente eliminação da inscrição matricial do terreno para construção e a sua substituição por nova inscrição matricial do prédio urbano ou fracção autónoma construídos”, pelo que “a autorização ou previsão de qualquer edificação não altera, assim, a classificação dos terrenos para construção, mas apenas impõe a sua avaliação de acordo com o novo valor patrimonial que resulta da autorização ou previsão da edificação”.

 

2.13.  Prossegue o Requerente, referindo que “o espírito do legislador era o da tributação incidir apenas sobre os prédios construídos”, intenção que se retira, no entender do Requerente, “das palavras proferidas na Assembleia da República, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”.[2]

 

2.14.  Assim, para o Requerente é claro que “prédios urbanos habitacionais e casas (…) não abrangem terrenos para construção”, pelo que entende que “o terreno para construção, sobre cuja propriedade incidiu a liquidação de Imposto do Selo (…), não cabe na previsão da verba 28.1 da TGIS”.[3]

 

Da inconstitucionalidade

 

2.15.  Nesta matéria, defende o Requerente que “a nova tributação em Imposto do Selo tem o (…) objectivo” de “tributar a riqueza consubstanciada na propriedade sobre imóveis”, pelo que “estando em causa terrenos para construção que fazem parte do activo da Requerente como mercadoria ou como matéria prima, tal consubstancia uma violação frontal do princípio da tributação sobre a riqueza e, portanto, a violação do princípio da (…) capacidade contributiva” (sublinhado do Requerente).

 

2.16.  Ora, para o Requerente, “(…) tais imóveis não são demonstrativos de riqueza, na medida em que são, apenas e só, instrumentos produtivos”.

 

2.17.  Adicionalmente, entende ainda o Requerente que com as liquidações de Imposto do Selo efectuadas se está perante “(…) uma violação (…) do princípio constitucional da igualdade”.

 

2.18.  Deste modo, entende o Requerente que “a liquidação ora contestada é ilegal, seja por violação do nº 28º da TGIS, seja por inconstitucionalidade (…)”, devendo as liquidações “(…) ser declaradas ilegais”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:

 

3.2.    “É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai cada uma das liquidações impugnadas, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantido, por consubstanciarem correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12”.

 

3.3.    “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00”.

 

3.4.    “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao Código do IMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67º, nº 2 do Código do IS na redacção dada pela Lei nº 55- A/2012, de 29/10”.

 

3.5.    Assim, continua a Requerida, “nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba nº 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no Código do IMI”, o qual:

 

3.5.1.     “Dispõe o nº 1 do art. 2º que prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico (…)” e,

3.5.2.     “Dispõe o art. 6º, nº 1 (…) integrando neste conceito” (de prédio urbano) “os terrenos para construção, isto é, os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção (…)”.

 

3.6.    Por outro lado, segundo a Requerida, “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.[4]

 

3.7.    “Ao contrário do propugnado pelo Requerente, a AT entende que o conceito de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.

 

3.8.    E, segundo a Requerida, “note-se que o legislador não refere prédios destinados a habitação, tendo optado pela noção afectação habitacional - expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do CIMI”.

 

3.9.    Por outro lado, ainda que “no que diz respeito ao regime jurídico da urbanização e edificação, (…) o mesmo tenha como pressuposto as edificações já construídas”, “não se pode ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes, (…), a finalidade (…)”, entendendo a Requerida que “também os Planos Directores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas (…)” pelo que “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”.

 

3.10.  No que diz respeito à “pretensa violação dos princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a CRP obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação do tratamento (…)”, pelo que “entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional” dado que “incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel”, tratando-se “de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito”.

 

3.11.  Com efeito, “a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do Imposto do Selo os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.

 

3.12.  Na verdade, “(…) a tributação em sede de Imposto do Selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis”.

 

3.13.  Assim, segundo a Requerida, “encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”, “o que não se verifica porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00”.

 

 

3.14.  Nestes termos, “(…) as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei (…) devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a (…) Requerida do pedido”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[5]

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    A cumulação de pedidos aqui efectuada pelo Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.4.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.5.    No que diz respeito ao valor do Pedido de Pronúncia Arbitral, conforme indicado pelo Requerente, o mesmo ascendeu a EUR 50.503,15, o que correspondia, segundo o Requerente, ao valor da utilidade económica do pedido, ou seja, ao “(…) valor correspondente ao imposto indevidamente liquidado aqui em discussão (…)”.

 

4.6.    Contudo, tendo em consideração o teor do pedido formulado pelo Requerente, no sentido de serem “(…) declaradas as ilegalidades dos (…) actos de liquidação” e de ser declarada a “(…) ilegalidade do indeferimento dos recursos hierárquicos” apresentados contra as referidas liquidações de Imposto do Selo, bem como o disposto no artigo 306º e no artigo 297º, ambos do CPC, “cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles”.

 

4.7.    Assim, no caso em análise, tendo em consideração o teor das decisões que recaíram sobre os referidos recursos hierárquicos, cuja legalidade também se pretende sindicar, nomeadamente, no que diz respeito aos recursos nº ...2013... e nº ...2013..., conforme detalhe apresentado nos pontos 5.2.7. a 5.2.8. (e para os quais aqui se remete), o valor total das liquidações cuja legalidade também se pretende sindicar ascende a EUR 48.275,79 e não a EUR 50.503,15.

 

4.8.       Em consequência, o valor do processo fixa-se em EUR 48.275,79, com implicações no montante de custas finais do processo, as quais de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem, serão fixadas pelo Tribunal Arbitral, no capítulo da Decisão.

 

4.9.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.10.  Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.2.1.     O Requerente é proprietário dos seguintes terrenos para construção:

 

DESCRIÇÃO DO PRÉDIO

VPT (EUR)

DOC

FREGUESIA

ARTIGO MATRICIAL

...

U-...

1.618.990,00

1

U-...

1.593.090,00

2

U-...

1.543.200,00

3

U-...

1.412.150,00

4

U-...

1.358.190,00

5

U-...

1.570.820,00

7

U-...

1.004.190,00

6

 

 

5.2.2.     O Requerente foi notificado dos seguintes documentos de cobrança, datados de 07 de Novembro de 2012, relativos a liquidações de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2012[6], com data limite para pagamento em 20 de Dezembro de 2012 (“Prestação Única”):

 

 

DOCUMENTO

VALOR (EUR)

DOC

2012...

8.094,95

1

2012 ...

7.965,45

2

2012 ...

7.716,00

3

2012 ...

7.060,75

4

2012...

6.790,95

5

2012 ...

7.854,10

7

2012...

5.020,95

6

TOTAL

50.503,15

 

 

 

5.2.3.     O Requerente apresentou, em 13 de Dezembro de 2012, as seguintes reclamações graciosas relativas às liquidações de Imposto do Selo acima identificadas:

 

RECLAMAÇÃO GRACIOSA Nº

VALOR DA LIQUIDAÇÃO (EUR)

DOC

...2012...

8.094,95

8

...2012...

7.965,45

9

...2012...

7.716,00

10

...2012...

7.060,75

11

...2014...

6.790,95

12

...2012...

5.020,95

13

...2012...

7.854,10

14

TOTAL

50.503,15

 

 

 

5.2.4.     O Requerente foi notificado, em 15 de Março de 2013, através dos seguintes ofícios, datados de 5 de Março de 2013, das decisões de indeferimento das seguintes reclamações graciosas:

 

OFÍCIO Nº

RECLAMAÇÃO GRACIOSA Nº

VALOR DA LIQUIDAÇÃO (EUR)

DOC

...

...2012...

8.094,95

8

...

...2012...

7.965,45

9

...

...2012...

7.716,00

10

...

...2012...

7.060,75

11

...

...2014...

6.790,95

12

...

...2012...

5.020,95

13

...

...2912...

7.854,10

14

 

 

5.2.5.     O Requerente apresentou, em 10 de Abril de 2013, os seguintes recursos hierárquicos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas (identificadas no ponto anterior):

 

RECURSO HIERÁRQUICO Nº

RECLAMAÇÃO GRACIOSA Nº

DOC

...2013...

...2012...

8

...2013...

...2012...

9

...2013...

...2012...

10

...2013...

...2012...

11

...2013...

...2014...

12

...2013...

...2012...

13

...2013...

...2912...

14

 

 

5.2.6.     O Requerente foi notificado, em 15 de Outubro de 2015, das decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos identificados no ponto anterior, através dos seguintes ofícios:

 

OFÍCIO Nº

RECURSO HIERÁRQUICO Nº

DECISÃO

DOC

...

...2013...

INDEFERIDO

8

...

...2013...

INDEFERIDO

9

...

...2013...

INDEFERIDO

10

...

...2013...

PARCIALMENTE DEFERIDO

11

...

...2013...

INDEFERIDO

12

...

...2013...

INDEFERIDO

13

...

...2013...

DEFERIDO PARCIALMENTE

14

 

 

5.2.7.     Em consequência do deferimento parcial dos recursos hierárquicos nº ...2013... e nº ...2013..., foram efectuadas as seguintes correcções:

 

RECURSO HIERÁRQUICO

ARTIGO

VPT SUJEITO A IS (CORRIGIDO)[7]

VALOR DA LIQUIDAÇÃO (EUR)

VALOR DA LIQUIDAÇÃO (CORRIGIDA)[8]

DOC

...2013...

U-...

1.161.171,68

7.060,75

5.805,86

11

...2013...

U-...

1.376.286,79

7.854,10

6.881,43

14

 

 

5.2.8.     Em resultado das correcções referidas no ponto anterior o valor total das liquidações passou a ser o seguinte:

 

ARTIGO MATRICIAL

LIQUIDAÇÃO CORRIGIDA (EUR)

DOC

U-...

8.094,95

1

U-...

7.965,45

2

U-...

7.716,00

3

U-...

5.805,86

11

U-...

6.790,95

5

U-...

6.881,43

14

U-...

5.020,95

6

TOTAL

48.275,59

 

 

 

5.3.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.    Dos factos não provados

 

5.5.    Não foi obtida evidência que os valores de Imposto do Selo liquidados pela Requerida tenham sido pagos pelo Requerente.

 

5.6.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a questão essencial a decidir é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro), nomeadamente, saber se:

 

6.1.1.     Nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto,

6.1.2.     Os terrenos para construção com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”,

 

de modo a determinar se as liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de Pronúncia Arbitral, bem como as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra aquelas liquidações, enfermam ou não de vício de violação daquela verba nº 28.1. (por erro sobre os pressupostos de direito), o que justificaria a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.

 

6.2.    A resposta às questões enunciadas no ponto anterior impõe a análise das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, de modo a determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição (dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da CRP), tendo como objectivo último avaliar se as liquidações em crise “(…) padecem de vício material de violação da lei e da Constituição”.[9]

 

Do âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro)

 

6.3.    A Lei nº 55-A/2012 efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:

 

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a
EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.

28.2 – (…)".

6.4.        Não obstante o texto da Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se observarmos o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o Código do IMI”(sublinhado nosso).

 

6.5.    Ora, da leitura do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.

 

6.6.    Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.7.    Adicionalmente, de acordo com o disposto nos nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.

 

6.8.    Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.

 

6.9.    Neste âmbito, entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção[nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos" (sublinhado nosso).

 

 

6.10.  Como se vê pelas normas do Código do IMI acima transcritas, não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando refere no texto da lei “prédios com afectação habitacional”, porquanto não é utilizado esse conceito na classificação dos prédios, também não se encontrando este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

 

6.11.  Por outro lado, dado que a Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí resulta que não é possível retirar da mesma a intenção do legislador.

 

6.12.  Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de “prédio com afectação habitacional com qualquer outro conceito utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas, devendo ser o texto da lei o ponto de partida da interpretação daquela expressão, pois é com base nele que terá que se reconstituir o pensamento legislativo, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

Da interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”

 

6.13.  Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não podendo “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso).

 

6.14.  Nestes termos, poder-se-á afirmar que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT) [10].

 

6.15.  Assim, o conceito mais próximo do teor literal da expressão “prédio com afectação habitacional” é manifestamente o de “prédios habitacionais”, referido no artigo 6º, nº 1 do Código do IMI (e definido no nº 2 do mesmo artigo), abrangendo os edifícios ou construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal os fins habitacionais (sublinhado nosso).

 

6.16.  “Ou seja, para efeitos do Código do IMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”.[11]

6.17.  Por isso, a adoptar-se a interpretação de que “prédio com afectação habitacional” significa “prédio habitacional”, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão, de facto, ilegais, por não haver, no terreno identificado, qualquer edifício ou construção.

 

6.18.  Na verdade, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba nº 28.1. da TGIS com a que se extrai do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código do IMI, aponta no sentido de o legislador não ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

6.19.  Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[12]

 

6.20.  Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28.1. da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[13], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

 

6.21.  Com efeito, nesta âmbito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a
EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo (sublinhado nosso).

 

6.22.  Na verdade, no preâmbulo do projecto de Lei que introduziu as alterações em matérias da verba 28 da TGIS foram apresentados como motivos:

 

6.22.1.   “A prossecução do interesse público, em face da situação económica-
-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental
”.

6.22.2.   “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) estando o Governo fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.

6.22.3.   “Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

6.22.4.   “É criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.23.  Assim, resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas).

 

6.24.  Por ser demasiado ampla, esta enunciação dos motivos subjacente à adopção das medidas poucos contributos veio trazer para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.

 

6.25.  E entendemos ser isso mesmo que também se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[14], que esteve na origem da proposta de alterações, não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[15]

 

6.26.  Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valorassenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (chamando a contribuir de uma forma mais agravada os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação), ao fazer incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.27.  Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não fará qualquer sentido se aplicada a um “terreno para construção.

 

6.28.  Nestes termos, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal (naquele incluídos).

6.29.  Por outro lado, tendo em consideração o acima já analisado, refira-se ainda que o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador, nem no texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.

 

6.30.  Na verdade, trata-se de um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão (facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação) teve uma vida bastante curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014[16] (em 1 de Janeiro de 2014), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI. [17]

 

6.31.  Esta alteração, “a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1. da TGIS (desde que o respectivo VPT seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas”, como é o caso das liquidações que estão em causa nos presentes autos (sublinhado nosso) [18].

 

6.32.  Ora, quanto às liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral, não resulta, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como decorre hoje do texto da verba 28.1. da TGIS, (após redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014[19]) (sublinhado nosso).

 

6.33.  Neste âmbito, da letra da lei não resulta nada de inequívoco pois ela própria, ao utilizar um conceito que não definiu (e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário) prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria de incidência tributária (matéria em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações primordiais do legislador).

 

6.34.  E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos[20] da proposta de Lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado pelo legislador fiscal que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer.

 

6.35.  Assim, pode aferir-se que a realidade que se pretendeu tributar foi afinal, em linguagem corrente (e não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão “os prédios (urbanos) habitacionais”), a das “casas”, e não quaisquer outras realidades (conforme acima já referido no ponto 6.26.).

 

6.36.  Acrescente-se que, a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI como relativa a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista.

 

6.37.  Deste modo, atendendo a que um terreno para construção (qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida) não satisfaz, só por si, qualquer condição para, como tal, ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional” (sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito), não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno.

 

6.38.  Nestes termos, pode concluir-se que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios urbanos com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) (sublinhado nosso) [21].

 

6.39.  Em resumo, e em resposta às questões acima colocadas nos pontos 6.1.1.e 6.1.2., pode conclui-se que sobre os “terrenos para construção” não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28.1. da TGIS (na redacção prevista pela Lei
nº 55-A/2012) porquanto os terrenos para construção (com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000) não se subsumem na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”, sendo, portanto, ilegais:

 

6.39.1.   Os actos de liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, bem como,

6.39.2.   As decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra aquelas liquidações de Imposto do Selo.[22]

 

6.40.  Nestes termos, face às conclusões referidas nos pontos anteriores, ficará prejudicada a análise da questão da alegada inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS (invocada pelo Requerente no Pedido, por alegada violação dos princípios da tributação sobre a riqueza, da capacidade produtiva e da igualdade), porquanto aqui se concluiu que sobre os “terrenos para construção” não incide o Imposto do Selo a que se refere a aquela verba da TGIS (na redacção prevista pela Lei nº 55-A/2012).

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.41.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.42.  Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.43.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.44.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade por custas ao Requerente e à Requerida na proporção do respectivo decaimento (4,4% e 95,6%, respectivamente), de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Tendo em consideração a análise efectuada no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, condenando-se a Requerida na anulação das liquidações de Imposto do Selo ainda não anuladas (e identificadas neste processo), mandando-se anular também as decisões de indeferimento que recaíram sobre os recursos hierárquicos interpostos relativamente às liquidações agora mandadas anular, com as consequências daí decorrentes;

7.1.2.     Condenar o Requerente e a Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respectivo decaimento.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como o acima exposto no Capítulo 4 desta decisão, fixa-se o valor do processo em EUR 48.275,59.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo do Requerente (4,4%) e da Requerida (95,6%), de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Maio de 2016

 

O Árbitro,

 

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, cita o Requerente a reunião plenária de 10 de Outubro de 2012, para apreciação, na gerneralidade, da proposta de lei nº 96/XII, que viria a dar lugar à Lei nº 55-A/2012, de 29/10, nos termos da qual se refere que “(…) é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinados à habitação (…)”, a qual “(…) incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhado do Requerente).

[3] Nesta matéria, cita o Requerente diversas decisões arbitrais e o entendimento sufragado pelo STA, nomeadamente, no Acórdão de 9/04/2014 (Processo nº 1870/13 e 48/14) e no Acórdão de 23/04/2014 (Processo nº 270/14 e 272/14).

[4] Nesta matéria, refere a Requerida que “conforme resulta da expressão valor das edificações autorizadas, constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI” (neste sentido, cita a Requerida o Acórdão do TCAS n.º 04950/11, de 14/02/2012.

[5] Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância dos actos de indeferimento dos recursos hierárquicos (notificados ao Requerente em 15 de Outubro de 2016), interpostos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra as liquidações de Imposto do Selo em crise (vide artigo 5º do Pedido), como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido, a decisão do recurso hierárquico que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação está abrangida na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º, do CPPT, nos termos do qual é aplicável o prazo de três meses (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013) a contar da respectiva notificação, para a interposição da impugnação judicial.

Por outro lado, tendo também em consideração o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT [que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão (….) do recurso hierárquico”], bem como a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (11 de Janeiro de 2016), o pedido é tempestivo.

[6] O ano de imposto aparece identificado na nota de cobrança como “Lei 55-A/2012”.

[7] De acordo com o teor da decisão dos respectivos recursos hierárquicos, trata-se do VPT correspondente à parte dos terrenos afeta à habitação.

[8] Tendo em consideração o teor das decisões dos respectivos recursos hierárquicos.

[9] Neste âmbito, o Requerente no Pedido apresentado enuncia como questões de direito objecto do pedido saber se “um terreno para construção deve ser considerado um prédio com afectação habitacional para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo?” e “se a resposta à primeira questão for contrária à pretensão do Requerente (…)” saber se “(…) é inconstitucional a norma de incidência contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo?”.

[10] Neste sentido, vide Acórdão TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho.

[11] Vide Decisão Arbitral nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.

[12] Cfr. Acórdão TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro, Acórdão TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro e Acórdão TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[13] De acordo com este artigo, a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

[14] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[15] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (nomeadamente, no Processo nº 48/2013-T, de 9 de Outubro).

[16] Introduzido pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

[17] Vide neste sentido Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril e Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril.

[18] Vide neste sentido Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril e Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril.

[19] Neste âmbito, refira-se que tendo em consideração o disposto no artigo 103º, nº 3, da CRP (proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal), não é possível admitir a aplicação da nova redacção da verba 28.1. da TGIS (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014) a uma liquidação de Imposto do Selo que diga respeito ao ano de 2013, pois estaríamos perante a aplicação de uma lei nova a um facto tributário anterior (dado que este facto ocorreu a 31 de Dezembro de 2013 sendo, por isso, anterior à entrada em vigor da nova redacção da lei). Ainda nesta matéria, e em apoio à interpretação da norma constitucional, torna-se também importante mencionar o disposto no artigo 12º, nº1 da LGT, nos termos do qual “as normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”. Em matéria judicial, o Tribunal Constitucional (TC), na sua jurisprudência em matéria fiscal, designadamente, no Acórdão nº 128/2009, de 12 de Março considerou que decorre do artigo 103º, nº 3, CRP que “qualquer norma fiscal (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão retroactividade usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico”, ou seja, “proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável”.

[20] Na apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª (que deu origem à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá referido expressamente que “o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor (…) sendo a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação.  Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013 e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” [Vide Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII, de 11 de Outubro, pag. 32)].

[21] Vide Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril, Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril, Acórdão STA 0505/14, de 29 de Outubro e Acórdão STA 0740/14, de 10 de Setembro.

[22] Na medida em que mantiveram, na ordem jurídica, as liquidações de Imposto do Selo agora declaradas ilegais.