Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 824/2021-T
Data da decisão: 2024-02-29  ISV  
Valor do pedido: € 2.192,52
Tema: ISV - Artigo 8.º do Código do ISV – Introdução no consumo de veículo híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-Membro - Taxas intermédias - artigo 110.º do TFUE - caducidade do direito de ação.
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SUMÁRIO:

  1. A contagem do prazo para deduzir o pedido de pronúncia arbitral observa as regras do artigo 279.º do Código Civil, como está previsto expressamente no n.º 1 do artigo 20.º do CPPT (aplicável ex vis artigo 29.º do RJAT), no que se refere à impugnação judicial.
  2. A natureza arbitral deste Tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.
  3. Sendo o termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação de ISV aqui em causa 31.08.2021, e tendo o Requerente 90 dias (corridos) a contar do termo deste prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral, o direito de exercício de ação arbitral teria de ter ocorrido até 29.11.2021, sendo a dedução de pedido a 13.12.2021 extemporânea.

 

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra do Tribunal Singular Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 22.02.2022, decide o seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO

A..., LDA., doravante designada por “Requerente”, número de identificação fiscal..., com morada na ..., n.º ..., ..., ...-... Alenquer, Portugal, relativamente à Declaração Aduaneira de Veículo (“DAV”) n.º 2021/...,  de  29.07.2021, contendo ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (“ISV”) n.º  2021/..., de 28.07.2021, apresentou, em 13.12.2021, pedido de constituição de Tribunal Arbitral (“PPA”) com árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea b) 10.º e 2.º n.º 1 alínea a) “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

  1. O Requerente pretende a anulação parcial da liquidação de ISV impugnada no valor total de2.192,52 e reembolso desta quantia paga, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto, até à efetiva restituição.

 

  1. Invoca, em sede material, que a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – artigo 8º CISV – viola o artigo 110.º do TFUE na medida em que os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug in:
  1. entre 2015 e 2020, eram tributados a 25%, desde que a bateria pudesse ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25km (caso não reunissem um destes requisitos, seriam tributados a 100%),
  2. em 2021, para serem tributados a 25% passaram a ter que ter uma autonomia em modo elétrico de pelo menos 50km e emissões de CO2 menores que 50 g/km. Caso não reúnam um destes requisitos, serão tributados a 100%. 

 

  1. Deveria ter sido aplicada ao veículo aqui em causa, por se tratar de um veículo híbrido que foi matriculado pela primeira vez, no país de origem, em 2018, a redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25km.

 

  1. De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitra singular do Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 22.02.2022 conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

  1. Notificada para o efeito, em 18.03.2022 a Requerida apresentou Resposta e juntou o respetivo processo administrativo (“PA”) tendo-se defendido por exceção – da caducidade do direito da ação – e por  impugnação.

 

  1. Por despacho de 20.03.2022 foi concedido prazo de 10 dias para o Requerente se pronunciar sobre a matéria de exceção alegada pela Requerida e informar se mantinha interesse na inquirição de testemunhas por si arroladas, não tendo o Requerente se pronunciado sobre nenhuma das matérias.

 

  1. Por despacho de 27.05.2022 foi proferido despacho indicando que o Requerente não se pronunciou quanto à notificação de 20.03.2022, o que não obsta ao prosseguimento do processo e à consequente emissão de decisão arbitral, de acordo com o princípio da livre apreciação de prova e da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, nos termos do artigo 19.º n.º 1 do RJAT.

 

  1. Nesse despacho, o Tribunal dispensou a reunião do artigo 18.º do RJAT, a inquirição de testemunhas e a apresentação de alegações na medida em que a questão central no presente processo é de direito e não se suscita questão adicional de prova, sem oposição das Partes.

 

  1. A instância foi suspensa em 08.06.2022 na sequência de ter sido junta aos autos, pela Requerida, a decisão de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, proferida em 23.05.2022, no processo n.º 700/2021-T, que versa sobre a mesma questão de direito.

 

  1. Foi proferido Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) neste  processo C-349/22, com data de 16.11.2023, tendo-se determinado a cessação da suspensão da instância por despacho de 18.12.2023.

 

 

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  1. Em face do exposto, importa delimitar as questões a decidir:
  • Saber se se verifica caducidade do direito de ação.
  • Não sendo procedente a exceção, saber se as liquidações de ISV em causa estão feridas de ilegalidade por violação do artigo 110º.º do TFUE ao não aplicarem a redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. e,
  • Direito da Requerente aos juros indemnizatórios.

 

 

  1. SANEAMENTO

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Exceção de caducidade do direito de ação

 

  1. Porque a exceção perentória invocada poderá importar a absolvição total do pedido, cfr. artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), deverá a mesma ser prioritariamente conhecida (artigo 579.º do CPC).

 

  1. Neste âmbito, alega a Requerida na sua Resposta que o PPA foi deduzido extemporaneamente:

 

  • a DAV n.º 2021/... que contém o ato de liquidação n.º 2021/..., de 28.07.2021 foi notificada ao Requerente, com prazo de pagamento de 31.08.2021 – o que se verifica conforme resulta da DAV junta ao PPA e no PA;
  • sendo o PPA apresentado em 13.12.2021, o pedido é extemporâneo uma vez que é de 90 dias o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal, contado a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária, nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), tendo terminado em 29.11.2021.  

 

  1. O Tribunal entende que a Requerida tem razão.

 

  1. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 do artigo 102.º do CPPT:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

 

  1. No presente caso, é aplicável a alínea a) do n.º 1 d artigo 102.º do CCPT, na medida em que o PPA foi apresentado por reação à Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/..., de  29.07.2021, contendo ato de liquidação de ISV n.º  2021/..., de 28.07.2021, com prazo de pagamento de 31.08.2021, tendo o pagamento sido efetuado a 28.07.2021  (conforme coluna Termo do Prazo  e Data Cobrança do campo T-Liquidação da DAV em causa junta ao PPA) do que resulta que a DAV era conhecida do Requerente a 28.07.2021 bem como o prazo de pagamento voluntário até 31.08.2021.

 

  1. A contagem do prazo para deduzir o pedido de pronúncia arbitral observa as regras do artigo 279.º do Código Civil, como está previsto expressamente no n.º 1 do artigo 20.º do CPPT (aplicável ex vis artigo 29.º do RJAT), no que se refere à impugnação judicial.

 

  1. Por essa razão, a contagem de tal prazo é corrida e não se suspende durante as férias judiciais, sendo inaplicável o disposto no artigo 138.º do CPC (antigo artigo 144.º do CPC), cujo âmbito se restringe aos prazos judiciais ou adjetivos.

 

  1. A este respeito, salienta-se que a natureza arbitral deste Tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.

 

  1. Assim, sendo o termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação de ISV aqui em causa 31.08.2021, e tendo o Requerente 90 dias (corridos) a contar do termo deste prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral, o direito de exercício de ação arbitral teria de ter ocorrido até 29.11.2021.

 

  1. Pelo que tendo o Requerente apresentado PPA no dia 13.12.2021 o mesmo é intempestivo, na medida em que o PPA deveria ter entrado até 29.11.2021.

 

  1. Pelo que se julga procedente a exceção de caducidade do direito de ação, por intempestividade na dedução do pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

  1. Pelas razões e com os fundamentos acima expostos, conclui-se pela intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, a qual implica a absolvição da instância da AT (576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável ex vis artigo 29.º do RJAT).

 

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  1. DECISÃO

 

  1. Termos em que face ao exposto decide-se julgar procedente a exceção perentória de caducidade da ação e em consequência absolver a Requerida da Instância, abstendo-se nos termos legais de conhecer do mérito da ação.

 

 

 

 

  1.  VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
fixa-se ao processo o valor de 2.192,52.

 

  1.  CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente atento o decaimento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

 

(Catarina Belim)