Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 833/2021-T
Data da decisão: 2022-06-06  IVA  
Valor do pedido: € 150.224,65
Tema: IVA - Taxa reduzida. Falta de repartição de taxas em facturas. Sumos. Serviços de restauração
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado e Dr. Hélder Faustino (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-02-2022, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

 

A..., S.A., pessoa colectiva com sede no ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, NIPC ... (doravante Requerente), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das legalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IVA dos períodos de 2018/02, 2018/03, 2018/05, 2018/07, 2018/08, 2018/09, 2018/10, 2018/11, 2019/02, 2019/04, 2019/05, 2019/06, 2019/09, 2019/11 e 2020/01, respetivamente, com o n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... 2021 ..., 2021... .

A Requerente pede ainda o reembolso das quantias pagas, acrescido de juros.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 21-12-2021.

Em 03-02-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 22-02-2022.

A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 22-04-2022 e 03-05-2022, foram realizadas reuniões em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

 Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

  1. A Requerente exerce atividade de hotelaria, restauração e eventos, integrando o Grupo hoteleiro B... e no âmbito do qual explora o estabelecimento comercial C..., de 5 estrelas;
  2. Foi efectuada uma inspecção Tributária à Requerente e foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.3.3 - Análise do pedido de reembolso

II.3.3.1 - Atividade desenvolvida pelo Sujeito Passivo e razões justificativas da formação do crédito de imposto

• Atividade

Na resposta ao pedido de elementos efetuado, o Sujeito Passivo informou que "a A... dedica-se à exploração de uma unidade hoteleira de 5 estrelas sita em Lisboa ..., o C... . Esta unidade fornece e comercializa aos seus clientes serviços de alojamento, restauração, espaços para a realização de eventos e reuniões, bem como serviços de SPA."

m Bens vendidos e serviços prestados

Notificado para descrever os serviços prestados e os bens vendidos, bem como a discriminação das taxas de IVA aplicadas, o Sujeito Passivo enviou uma tabela, que passamos a transcrever:

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Foi ainda questionado ao contribuinte se existem pequenos-almoços faturados separadamente do alojamento, e no caso afirmativo, para informar se os mesmos são servidos em buffet ou à carta. E, sendo em Buffet, se é cobrado um preço global do serviço ou é feita a separação das comidas e das bebidas.

Sendo que, a empresa respondeu que o pequeno almoço é faturado incluído no alojamento e é servido em buffet.

• Local do exercício da atividade

As instalações do C... são próprias e situam-se na ..., em Lisboa, local onde é exercida a atividade da empresa.

(...)

Da análise realizada aos documentos disponibilizados pelo Sujeito Passivo, representativos das várias rubricas, constatou-se o seguinte:

a) No campo 1, o Sujeito Passivo registou operações tributadas à taxa reduzida (6%), de acordo com a verba 2.17 da Lista l anexa ao CIVA, consistentes na prestação de serviços de alojamento, a empresas e a particulares, nos seguintes regimes:

- Alojamento com pequeno-almoço incluído (regime "BB- Bed & Breakfast").

- Alojamento (regime "RO - Room Only").

Neste campo foram ainda registadas as seguintes operações:

- Faturação de adiantamentos relativos a estadias.

- Faturação de valores relativos a camas extra no âmbito do alojamento.

- Faturação de um valor relativo a checkouts tardios.

b) No campo 5, o Sujeito Passivo registou operações tributadas à taxa intermédia (13%), de acordo com a verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, consistentes em: - Prestações de serviços de alimentação e bebidas.

c) No campo 3, o Sujeito Passivo registou operações tributadas à taxa normal (23%) referentes a:

- Serviços de lavandaria.

- Serviços de telefone.

- Débito de bebidas.

- Serviços de SPA. -Aluguer de salas.

d) Nos campos 12 e 13 das Declarações Periódicas, o Sujeito Passivo registou operações em que liquidou o respetivo imposto, dadas as regras de localização previstas no art.º 8º, nº 1 do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), que consistiram na aquisição de bens a empresas sediadas no mercado intracomunitário, nomeadamente:

- Aquisição de materiais audiovisuais à empresa D... S.A., com sede em Espanha.

- Aquisição de frascos de gel de banho, cremes, amaciador, champôs à empresa E... LTD, sediada no Reino Unido.

e) Nos campos 16 e 17 das Declarações Periódicas, o Sujeito Passivo registou operações relativamente às quais liquidou o respetivo imposto, ao abrigo das regras de localização previstas na alínea a) do nº 6 do art.º 6º do Código do IVA, consistentes na aquisição de serviços a empresas sediadas no mercado intracomunitário. Analisados os documentos disponibilizados, verificou-se que as aquisições consistiram em:

- Serviços de reservas de estadias on-line, prestados pelas empresas F... LTD, sediada no Reino Unido, pela G... B.V (Holanda) e pela H... GMBH (Alemanha), mediante o pagamento de uma comissão sobre as reservas.

- Pagamento de um valor pela realização de uma conferência digital e de tecnologias pelo Sujeito Passivo espanhol I... .

- Prestação de serviços de informática pela empresa J... LIMITED, sediada no Reino Unido.

- Pagamento de um fee à empresa K... S.A.U., com sede em Espanha, relativa a sistema de pagamento.

II.3.3.3 - Caracterização e enquadramento das operações passivas e das que deram lugar à dedução de imposto a favor do Sujeito Passivo, no período em análise

As operações passivas realizadas pela empresa nos períodos analisados, respeitaram sobretudo, à dedução de IVA na aquisição de outros bens e serviços (campo 24), e aquisição de existências à taxa normal (campo 22), conforme é possível observar:

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Foram solicitados elementos justificativos do imposto registado a favor do Sujeito Passivo, nomeadamente, cópia dos extratos de conta corrente relativos às subcontas da conta 2432 - IVA Dedutível, 2434 - IVA Regularizações e cópia das faturas de valor mais elevado, por período de imposto e por fornecedores.

Da análise realizada aos documentos de suporte contabilístico apresentados, constatou-se o seguinte:

a) No campo 20 (Imobilizado), foi registado o imposto suportado nas seguintes aquisições:

- Aquisição de serviços de construção civil (reparações de tetos) à empresa L... S.A.

O imposto relativo a estas operações foi objeto de autoliquidação pelo adquirente ao abrigo da alínea j) do nº

1 do art.º 2º do CIVA.

- Aquisição de serviços de construção civil (instalação de sistema acústico contínuo para tetos e paredes) à empresa M... LDA. O imposto relativo a estas operações foi objeto de autoliquidação pelo adquirente ao abrigo da alínea j) do nº 1 do art.º 2º do CIVA.

b) No campo 21 (existências tributadas à taxa reduzida), foi registado o imposto suportado nas seguintes aquisições:

- Equipamentos e produtos de desinfeção (álcool gel antissético) ao fornecedor N... LDA.

- Aquisição de frutas e legumes à empresa O... LDA.

- Aquisição de peixes ao fornecedor P... .

c) No campo 23 (existências tributadas à taxa intermédia), foi registado o imposto suportado na aquisição de e vinhos aos fornecedores Q... LDA e R... S.A.

d) No campo 22 (existências tributadas à taxa normal), foi registado o imposto suportado nas seguintes aquisições:

- Aquisição de um aspirador e desinfetantes para equipamentos ao fornecedor N... LDA.

- Aquisição de lâmpadas à empresa S... LDA.

- Aquisição de serviços de impressão de keypass e blocos de reunião à empresa T... LDA.

- Aquisição de capas para o room service e para o restaurante ... à empresa U... LDA.

- Aquisição de toalhas de mão, toucas e papel ao fornecedor W... S.A.

e) No campo 24 das declarações (outros bens e serviços), o Sujeito Passivo deduziu o imposto suportado em gastos relacionados com

- Fornecimento de eletricidade pela empresa X... S.A.

- Aquisição de serviços de direção financeira e administrativa à empresa Y... S.A.

- Prestação de serviços de direção do hotel, marketing, comunicação e management e fees de marca do Hotel pela empresa Z... S.A.

f) No campo 40 das Declarações Periódicas, o Sujeito Passivo regularizou o imposto a seu favor, na sequência da emissão de Notas de Crédito relativas à anulação interna de faturas anteriormente emitidas, seguidas da emissão de novas faturas.

 

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 - FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IVA

III.1.1 - INCORRETA APLICAÇÃO DA TAXA DE IVA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

III.1.1.1 - Faturação de valores relativos a reservas pelo não comparecimento dos clientes

Da análise às faturas emitidas pela empresa A..., verificou-se que foram faturados valores, titulados pela rubrica "A/o Show", correspondente a reserva confirmada e que não foi utilizada pelo hóspede ou agência e/ou cliente, com reserva garantida que não compareceu na data estipulada. Nas faturas emitidas, a empresa não liquidou IVA, tendo para o efeito invocado o motivo "não sujeito; não tributado (ou similar)", conforme se expõe através de uma fatura a título exemplificativo:

(...)

O IVA, enquanto imposto geral sobre o consumo, incide sobre uma atividade económica, ou seja, sobre aquelas operações que tendo enquadramento nos critérios de incidência objetiva do imposto previstos no art.º 1.º do

OVA, preenchem os pressupostos do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, nomeadamente atividades de produção, decomercialização ou de prestação de serviços.

De acordo com o n.º 1 do art.º 4.º do CIVA, são consideradas como prestações de serviços, as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, importações ou aquisições intracomunitárias de bens.

A tributação em sede de IVA de uma determinada operação ê, deste modo, feita com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de cada agente.

Para enquadramento da questão da sujeição ou não das quantias retidas pelo Hotel, referentes ao não comparecimento (no show) dos clientes, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde ao disposto na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA) no sentido de que o que o IVA pretende tributar é a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, quando estes não tenham caráter remuneratório.

Assim, se as indemnizações apenas sancionarem a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável.

Também por força do disposto na alínea a) do n.º 6 do artº 16.º do CIVA, as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial das obrigações são excluídas de tributação em IVA.

Ao invés, se a indemnização se destinar a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter, já estaremos perante uma operação sujeita a IVA, devendo ser liquidado imposto na sua atribuição.

No caso em apreço, verifica-se que a indemnização em causa tem natureza remuneratória, tendo subjacente uma prestação de serviços sujeita a IVA, pelo que o valor é tributado em IVA, ou seja, a indemnização, resultante do incumprimento de uma obrigação contratual, visa compensar a perda de receitas pela entidade hoteleira.

O montante pago/montante não devolvido pela unidade hoteleira, do cliente que não comparece, não se destina a indemnizar um prejuízo eventualmente sofrido, mas constitui uma remuneração, ainda que o cliente não tenha beneficiado, por sua escolha, do serviço.

Nestes casos, as compensações recebidas, não se encontram excluídas da incidência do IVA, devendo o Sujeito Passivo liquidar IVA à taxa legal relativamente a esses montantes.

Face ao exposto, atendendo a que as operações se encontram sujeitas a imposto, nos termos do nº 1 do artº 4º do CIVA, o valor tributável a considerar será, nos termos do art.º 16º, nº 1 do CIVA, "o valor da contraprestação obtida ou a obter do aquirente", ou seja, o valor que consta nas faturas emitidas. De acordo com o art.º 7º, nº 1 al. b) do CIVA, nas prestações de serviços, o imposto é devido e torna-se exigível no momento da sua realização. A taxa de IVA aplicável é a taxa reduzida (6%), prevista na verba 2.17 da Lista l anexa ao Código do IVA.

A análise contabilística efetuada no âmbito da ação inspetiva teve por base informação retirada dos ficheiros SAF-T de faturação mensal, através dos quais foi possível examinar todas as faturas emitidas, sendo que, tendo em conta o volume de documentos em causa que foram objeto de correção, bem como o número elevado de linhas em certas faturas, nos pontos seguintes, apresentam-se os respetivos resumos por períodos de 2018, 2019 e 2020, resultantes dos apuramentos da falta de liquidação de IVA. efetuados a partir das listagens de faturação do SAF-T mensais, sendo que, nos Anexos I, II e III. consta a exposição completa da listagem das faturas corrigidas:

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III.1.1.2 - FATURAÇÃO DE SERVIÇOS DE PEQUENOS ALMOÇOS E BRUNCHS

Relativamente à prestação de serviços de alojamento, a Lista l anexa ao Código do IVA prevê a aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) na seguinte verba:

"2.17 - Alojamento em estabelecimentos do tipo hoteleiro. A taxa reduzida aplica-se exclusivamente ao preço do alojamento, incluindo o pequeno-almoço, se não for objeto de faturação separada, sendo equivalente a metade do preço da pensão completa e a três quartos do preço da meta pensão."

Com a publicação da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016 (OE 2016), foram introduzidas alterações na verba 3.1 da Lista II anexa ao Código do IVA, relativa a prestações de serviços de alimentação e bebidas, pelo que, passou a ter de se articular o disposto nesta verba com a verba 2.17 da Lista l, devendo observar-se o seguinte procedimento;

i) Alojamento Simples com Pequeno-Almoço incluído no preço do alojamento:  Aplicação da taxa reduzida (6%)

ii) Alojamento Simples com Pequeno-almoço não incluído no Preço do Alojamento:

• Serviço de alojamento com aplicação da taxa reduzida

• Se houver consumo de pequeno-almoço, independente do alojamento, são aplicadas as mesmas regras dos buffets (verba 3.1)

lii) Meia Pensão:

• Serviço de alojamento e serviço de alimentação com bebidas não sujeitas à taxa máxima: o 75% do preço é aplicada a taxa reduzida o 25% do preço é aplicada a taxa intermédia

iv) Pensão Completa:

• Serviço de alojamento e serviço de alimentação com bebidas não sujeitas à taxa máxima:

o 50% do preço é aplicada a taxa reduzida

o 50% do preço é aplicada a taxa intermédia

 

Ou seja, nestes casos, está excluído do preço global único de meia pensão ou de pensão completa, o consumo de bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, às quais será aplicada taxa normal de IVA, por estarem excecionadas da verba 3.1 da Lista II.

Nos casos da meia-pensão e da pensão completa, todos os restantes serviços extraordinários, como por exemplo, bebidas à taxa máxima, room service, consumo frigobar ou outros, são devidamente discriminados na fatura, com a aplicação da taxa de IVA que lhes é devida.

Ou seja, conforme foi acima relatado, a taxa reduzida aplica-se apenas ao preço do alojamento, incluindo o pequeno-almoço, se não for objeto de faturação separada. Significa isto que o pequeno-almoço tem de estar incluído no preço do alojamento, tratando-se, portanto, de um preço global único. Neste caso, aplica-se a taxa reduzida porque o alojamento é considerado a principal componente do serviço.

Se o pequeno-almoço for faturado separadamente do alojamento, ou seja, seja discriminado/detalhado à parte, já não é aplicável a verba 2.17 da lista l (taxa reduzida), mas sim as regras previstas na verba 3.1. da Lista II para os buffets, ou seja, aplica-se a taxa de 23% se os bens faturados não forem discriminados:

"Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço".

No que respeita especificamente aos serviços prestados pela empresa A... no Restaurante, verificou-se a faturação à taxa intermédia, de pequenos-almoços à parte (sem discriminação dos bens incluídos) à taxa de 13%, conforme se expõem algumas faturas exemplificativas:

(...)

Verificou-se também a faturação de "brunchs", cujo menu inclui uma variedade de comidas (entradas, sopas, pratos principais e sobremesas), incluindo ainda águas, sumos de fruta e refrigerantes (no Anexo IV junta-se uma fatura exemplificativa do menu). Esta rubrica foi faturada na totalidade à taxa de 13%. Tal como anteriormente referido, para além das bebidas excecionadas na verba 3.1 da Lista II, se os bens faturados não forem discriminados, aplica-se a taxa mais elevada à totalidade do serviço, como também referido naquela verba, ou seja, aplica-se a taxa de 23%.

Assim sendo, o Sujeito Passivo deveria ter faturado os pequenos-almoços à parte e os brunchs à taxa de 23%, de acordo com a verba 3.1. da Lista II, uma vez que os bens (comidas e bebidas) fornecidos não são discriminados.

A análise contabilística efetuada no âmbito da ação inspetiva teve por base informação retirada dos ficheiros SAF-T de faturação mensal, através dos quais foi possível examinar todas as faturas emitidas, sendo que, tendo em conta o volume de documentos em causa que foram objeto de correção, bem como o numero de linhas por fatura, nos pontos seguintes, apresentam-se os respetivos resumos por ano e períodos, resultantes dos apuramentos da falta de liquidação de IVA, sendo que, nos Anexo V, VI e VII, consta a exposição completa das faturas corrigidas em 2018, 2019 e 2020, respetivamente:

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III.1.1.3 - FATURAÇÃO DE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE ALIMENTAÇÃO E BEBIDAS - sumos naturais

A Lei do Orçamento de Estado para 2016, Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, no artigo 145º, veio introduzir a verba 3.1. à Lista II, que tributa os seguintes serviços à taxa intermédia:

"3.1 Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.

 

De acordo com estas alterações, que entraram em vigor a partir de 1 de julho de 2016 e conforme explicado no Ofício-Circulado nº 30181 de 2016-06-06:

• O serviço de alimentação passa a estar sujeito à taxa intermédia de IVA (13%);

• Apenas uma parte do serviço de bebidas é que também passa a estar sujeito à taxa intermédia de IVA, nomeadamente os serviços de bebidas de cafetaria e água natural;

• O serviço de bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, continuam a estar sujeitos à taxa máxima de IVA (23%).

Na análise à contabilidade e às faturas emitidas pela empresa, verificou-se que os sumos naturais foram tributados à taxa intermédia (13%) de IVA, quando a taxa que lhe é aplicável é a de 23%. Passa-se a expor uma fatura a título de exemplo:

(...)

No quadro infra, apresentam-se os respetivos resumos por ano e períodos, resultantes dos apuramentos da falta de liquidação de IVA, (sendo que, nos Anexos VIII, IX e X consta a exposição completa das faturas corrigidas em 2018, 2019 e 2020, respetivamente):

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III.2 - TOTAL DAS CORREÇÕES DE IVA

Nos termos do Código do IVA, as correções apuradas em sede de imposto sobre o Valor Acrescentado foram as seguintes:

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(...)

 

IX-DIREITO DE

IX.1 -NOTIFICAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO

No cumprimento da garantia essencial de audição dos interessados, decorrente do artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, foi o Sujeito Passivo notificado através de carta registada (RH...PT), do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (Ofício nº ..., de 2021-03-30), para no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia, no sentido de se pronunciar sobre o projeto de decisão da Administração Tributária. O mencionado Projeto foi rececionado em 2021-03-31. Na data de 2021-05-20, o Sujeito Passivo veio exercer o direito de audição prévia por escrito (registo de entrada nº2021...).

 

IX.2-ANÁLISE DO DIREITO DE AUDIÇÃO

O presente direito de audição, que integra o Anexo XI deste Relatório, é constituído por 12 páginas, relativamente ao qual, no cumprimento do disposto no art.º 60º, nº 7 da Lei Geral Tributária (LGT), se analisou a argumentação aduzida.

O direito de audição encontra-se dividido por títulos e pontos, conforme se expõe de seguida.

 

Do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção (pontos 1 a 4)

Na primeira parte do direito de audição, o Sujeito Passivo começa por resumir os procedimentos ocorridos no âmbito da ação inspetiva, efetuando um resumo das correções propostas, cujo valor ascendeu a um total de € 141.499,95, relativas a:

i) Valores faturados a clientes relativos a reservas confirmadas pelo não comparecimento;

ii) Pequenos-almoços faturados à taxa intermédia em vez da taxa normal; e

iii) Sumos naturais faturados à taxa intermédia em vez da taxa normal.

Pronunciando-se, de seguida, no sentido de contrariar as correções propostas no Projeto de Correções, relativas à falta de liquidação de IVA.

Dos valores faturados a clientes pelo não comparecimento (pontos 5 a 32)

O Sujeito Passivo começa por abordar a questão da falta de liquidação de IVA relativas à faturação de "não comparecimentos de clientes", defendendo que estas operações não se encontram sujeitas a IVA.

Para tal, invoca a Diretiva IVA e jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), segundo a qual a classificação de uma prestação de serviços como operação a título oneroso "pressupõe unicamente a existência de um nexo direto entre essa prestação e uma contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo.

Tal ligação direta é demonstrada quando exista entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no quadro da qual se trocam prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário".

Para este efeito, defende que os valores cobrados em virtude de cancelamento de reserva ou pelo não comparecimento do cliente constituem uma indemnização de rescisão paga para reparar o prejuízo sofrido na sequência da resolução do contrato por aquele.

E vem para este efeito invocar o Acórdão C-432/15 de 10 de novembro de 2016, relativo à situação da disponibilização de um cavalo pelo seu proprietário, sujeito passivo de IVA, ao organizador de uma corrida de cavalos para efeitos de participação do cavalo nessa corrida.

Sobre o Acórdão invocado, refira-se que o mesmo aborda as várias situações que podem ocorrer: se essa disponibilização constitui uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, no caso de não dar origem ao pagamento de um prémio de participação ou outra remuneração direta e em que apenas os proprietários dos cavalos que se classifiquem na corrida recebem um prémio. Ou se em contrapartida, a disponibilização de um cavalo constitui uma prestação de serviços a título oneroso no caso de dar origem ao pagamento, pelo organizador, de uma remuneração independente da classificação do cavalo na corrida.

E, conforme a situação em causa, o Tribunal analisa a questão da dedução do IVA na esfera do proprietário que disponibiliza o cavalo. Pelo que, não se vislumbra um nexo entre o acórdão citado e a situação objeto de análise na esfera da empresa A... .

Nos pontos 14 a 18, o Sujeito Passivo refere que apenas são tributáveis para efeitos de IVA as indemnizações com caráter remuneratório. E que o montante cobrado aos clientes resulta da sua aceitação das condições gerais de venda e de reserva praticadas pelo Hotel, não sendo prestado qualquer serviço ao cliente. Concluindo que não existe um nexo direto entre um serviço prestado e o valor cobrado.

E menciona o Acórdão C-277/05 de 18 de Julho de 2007 do TJUE, segundo o qual "os montantes pagos a título de sinal, no âmbito de contratos que têm como objeto a prestação de serviços hoteleiros sujeitos a IVA, devem ser considerados, quando o cliente exerce a faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e esses montantes são conservados pela entidade que explora um estabelecimento hoteleiro, como indemnizações fixas de rescisão pagas para reparar o prejuízo sofrido na sequência da desistência do cliente".

Concluindo o Sujeito Passivo, que, no seu caso concreta, por se tratar de uma indemnização devida para compensar o incumprimento contratual pelo cliente, sancionando a lesão de um interesse da Expoente e não remunerando qualquer operação, os valores cobrados respeitam a transações excluídas do âmbito do IVA.

Relativamente à questão do enquadramento em sede de IVA dos valores cobrados pelo não comparecimento de clientes, as correções propostas pelos Serviços de Inspeção, tiveram por base o entendimento vertido ao longo dos anos, tanto na legislação e doutrina portuguesas, de instruções administrativas, como da jurisprudência dos Tribunais portugueses e do TJUE.

Comecemos por referir que o Código Civil português retraia e qualifica duas figuras jurídicas distintas: o dano emergente e o lucro cessante.

Conforme refere o Prof. Galvão Teles, em "Direito das Obrigações", "Os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho."

De um ponto de vista fundamentalmente fiscal, o cerne da presente questão estará em verificar se, subjacente àquele valor cobrado pelo Hotel, se encontra, ou não, uma transmissão de bens ou prestação de serviços, ou seja, se lhe é inerente um caráter remuneratório. Ou se está em causa um pagamento que corresponde à reparação de um dano/ de prejuízo sofrido, que reveste natureza ressarcitória (porque se destina à compensação de perdas e danos).

O IVA, como imposto sobre o consumo e que corresponde, basicamente, ao disposto na Diretiva 2006/112/CE4 do Conselho (doravante, Diretiva), visa tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenham caráter remuneratório. O conceito de prestação de serviços constante da Diretiva é residual, na medida em que como prestação de serviços se entende qualquer prestação que não seja uma transmissão de bens.

Alinhado com a legislação comunitária, o conceito de prestação de serviços dado pelo art.º 4º tem um caráter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens. O IVA incide sobre toda a atividade económica, que mais não é que um operador prestar serviços ou transmitir bens (à exceção de determinados casos particulares) ao beneficiário económico, o qual terá de ceder uma determinada contraprestação.

Para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias pagas a título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde ao disposto na diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (a designada diretiva IVA), no sentido de que o que o IVA pretende tributar é a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, quando estes não tenham caráter remuneratório.

Neste âmbito, as indemnizações podem configurar a contrapartida de uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, ou podem sancionar a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano.

Assim, se as indemnizações apenas sancionarem a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável.

É o caso da indemnização paga pela seguradora, destinada à compensação do dano causado pela perda de um bem, em que a mesma deve considerar-se excluída da incidência objetiva de IVA, na medida em que não assume a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço. Ou, no caso de uma Unidade Hoteleira, o montante cobrado pela mesma, pelos danos causados à propriedade do hotel pelos hóspedes (bens do quarto são danificados pelos clientes, por exemplo). Aqui, existe uma diminuição do ativo da empresa, um dano, cuja indemnização não é sujeita a IVA.

Ao invés, se a indemnização se destinar a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que o sujeito passivo deixou de obter, já estaremos perante uma operação sujeita a IVA, devendo ser liquidado imposto na sua atribuição.

É o caso do montante pago/montante não devolvido pela unidade hoteleira, do cliente que não comparece ou cancela uma reserva, que não se destina a indemnizar um prejuízo eventualmente sofrido, mas constitui uma remuneração, ainda que o cliente não tenha beneficiado, por sua escolha, do serviço. Esta indemnização destina-se a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter, pelo que já estamos perante uma operação sujeita a IVA.

O mesmo se passa relativamente às quantias pagas a título de indemnização, nos casos de rescisão de contrato de arrendamento ou de incumprimento do período de fidelização em determinados contratos, devidos pela privação do lucro que auferiria se o contrato vigorasse até ao final do referido período.

É o caso dos contratos celebrados com empresas que prestam serviços de telecomunicações, em que o valor faturado pela totalidade do período do contrato tem como finalidade dissuadir o cliente de incumprir o período de fidelização a que se obrigou e ressarcir prejuízos que o operador sofreu, com o incumprimento do período de fidelização, designadamente pela privação do lucro que auferiria se o contrato vigorasse até ao final do referido período.

Assim sendo, só serão tributadas as indemnizações que correspondam à contrapartida devida pela realização de uma atividade económica, ou seja, que remunerem uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, excluindo-se, consequentemente, as que tenham carácter meramente ressarcitório.

Neste sentido, a doutrina administrativa tem vindo a acolher o entendimento da sujeição a IVA das quantias faturadas pelos hotéis, referentes ao não comparecimento (no show) dos clientes.

Veja-se F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes em Código do IVA anotado, onde é referido que, pretendendo o IVA, enquanto imposto sobre a despesa, sujeitar a tributação a contraprestação de operações tributáveis, não incluirá na sua base tributável as indemnizações de prejuízos com caráter de mera reparação de perdas e danos sem qualquer intuito remuneratório. Ao contrário, serão incluídos na base tributável do imposto as indemnizações que representem a contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, sendo nomeadamente consideradas aquelas que são recebidas em contrapartida da desistência de um contrato, que corresponda ao pagamento de serviços que tenham ocorrido com vista à execução da transmissão de bens ou prestação de serviços. Concluindo: "a indemnização em apreço tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, mesmo que a ocupação do quarto não chegue a efetivar-se, pelo que o débito efetuado pela simples reserva configura uma contraprestação a obter de uma operação sujeita a imposto (Despacho de 16/02/94, Proc. l 090 93 001, do SAIVA).

Assim também tem sido o entendimento dos Tribunais portugueses, nomeadamente do Centro de Arbitragem Tributária (no Acórdão nº 282/2016-T), bem como o TJUE no Acórdão de 22 de novembro de 2018, no Proc. C-295/17, segundo o qual o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.

Veja-se ainda, o Acórdão nº C-289/14, onde está em causa a mesma realidade, em que o TJUE concluiu pela sujeição a IVA nos casos da emissão de bilhetes por uma companhia aérea, em que os bilhetes emitidos não são utilizados pelos passageiros e estes últimos não possam obter o seu reembolso.

No que se reporta à questão de saber se o IVA pago no momento da compra do bilhete de avião pelo passageiro que não o utilizou se torna exigível no momento em que o preço do bilhete é recebido pela companhia aérea ou por um terceiro em seu nome, o TJUE salientou que os requisitos para o efeito podem estar preenchidos na medida em que todos os elementos da futura prestação de transporte já sejam conhecidos e identificados com precisão no momento da compra do bilhete.

No caso de não comparência de um passageiro, a companhia aérea que vende um bilhete de transporte cumpre as suas obrigações contratuais a partir do momento em que coloca o passageiro em condições de invocar os seus direitos previstos pelo contrato de transporte.

E salientou, que "o caráter integral e não parcial do pagamento do preço não é suscetível de pôr em causa essa interpretação (v., neste sentido, acórdãos Orfey Balgaria, C-549/11, EU:C:2012:832, n.º 37; Eflr, C-19/12, EU:C:2013:148, n.º 39; e despacho Sanitreyd, C-153/12, EU:C:2013:201, n.º32).

Ou seja, de acordo com o TJUE, o pagamento em apreço configura-se como uma contraprestação de uma prestação de serviços - o direito adquirido a beneficiar de um voo ainda que em última instância o consumidor não faça uso dos bens ou serviços que lhe são disponibilizados, desde que o prestador o tenha efetivamente colocado em posição de obter os respetivos benefícios a dado momento e em conformidade com o acordo contratual.

No caso em apreciação, a Unidade Hoteleira da empresa A... cobrou aos seus clientes o valor total da estadia, correspondente ao valor da noite (que varia consoante as datas e os serviços em causa), após os mesmos não terem comparecido.

Este valor destina-se a compensar os lucros cessantes (tendo por isso caráter remuneratório), ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força do não comparecimento dos clientes, o sujeito passivo deixou de obter, pelo que estamos perante uma operação sujeita a IVA.

O montante pago pelo cliente que não comparece, não se destina a indemnizar um dano emergente sofrido, mas constitui uma remuneração, ainda que o cliente não tenha beneficiado, por sua escolha, do serviço.

 

Da faturação dos pequenos-almoços e brunchs à taxa intermédia de 13% (pontos 33 a 48)

No âmbito da ação inspetiva foi verificado que a faturação de pequenos-almoços separados do alojamento e brunchs foi efetuada sem a discriminação dos bens incluídos (comidas e bebidas), pelo que foi corrigida a taxa de 13%, aplicada pelo contribuinte, para a taxa de 23%.

O Sujeito Passivo vem discordar das correções em causa, alegando o seguinte:

i) Relativamente à faturação de pequenos-almoços separados do alojamento, sob as rubricas "...  Breakfast" e "English Breakfast", refere que, relativamente às bebidas, duas situações podem ocorrer: "as mesmas são faturadas separadamente e é liquidado IVA nos termos gerais, ou a bebida é servida ao cliente como oferta".

No que respeita à primeira situação, tal como foi referido no Projeto de Correções, a análise contabilística efetuada no âmbito da ação inspetiva teve por base informação retirada dos ficheiros SAF-T de faturação mensal, através dos quais foi possível examinar todas as faturas emitidas, e todas as rubricas/linhas faturadas em cada documento. Nas faturas dos pequenos-almoços acima mencionadas, apenas consta a faturação do pequeno-almoço como um todo, não havendo faturação separada das bebidas, conforme voltamos a demonstrar pelas faturas emitidas pela empresa:

(...)

Também através da análise das faturas em causa através dos ficheiros SAF-T (que por vezes são mais detalhados nas rubricas incluídas nas linhas da fatura), também é possível confirmar que as bebidas não se encontram faturadas separadamente:

(...)

Por fim, e apesar de ser um cenário menos provável a ter lugar, também não veio o Sujeito Passivo fazer prova de que foi emitida outra fatura diferente, só com a faturação das bebidas.

 

ii) Relativamente aos brunchs, alega o Sujeito Passivo que, apesar do menu dizer que o brunch "inclui águas, sumos de frutos e refrigerantes", se trata de uma referência comercial, "o que não significa que, em termos técnicos, as bebidas não se mantenham como ofertas realizadas pela Exponente a título de cortesia".

Quanto a esta alegação, refira-se desde já, que não consta do menu a indicação "oferta de águas, sumos de frutos e refrigerantes", como o Sujeito Passivo pretende agora defender em sede de direito de audição.

O que consta e está a ser faturado ao cliente, é um valor global do brunch, onde além das comidas, podem ser consumidas aquelas específicas bebidas, por estarem incluídas no preço cobrado.

De qualquer forma, chama-se a atenção que, no que respeita a ofertas de bebidas a clientes, decorre da alínea d) do nº 1 do art.º 21º do Código do IVA, que o imposto contido em bebidas adquiridas e destinadas a ofertas aos clientes não é passível de direito à dedução.

Efetivamente a dedução do imposto contido em bebidas só é permitida, e mesmo assim de forma parcial, no âmbito das situações previstas nas alíneas d) e e) do nº 2 do mesmo art.º 21º do CIVA, situações que não têm enquadramento no caso em apreço.

Deste modo, se a empresa tem a intenção de oferecer as bebidas aos clientes, então não poderá deduzir o IVA suportado na compra das mesmas. Se o fizer, terá que regularizar a favor do Estado o imposto deduzido.

Não tendo o Sujeito Passivo provado que regularizou esse montante de imposto a favor do Estado, será de manter as correções anteriormente propostas.

Pelo exposto, e voltando a recordar, se o pequeno-almoço for faturado separadamente do alojamento, ou seja, for discriminado/faturado à parte, já não é aplicável a verba 2.17 da lista l (taxa reduzida), mas sim as regras previstas na verba 3.1. da Lista II para os buffets, ou seja, aplica-se a taxa de 23% se os bens faturados não forem discriminados:

"Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada e/emento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço".

 

Da faturação dos sumos naturais à taxa intermédia de 13% (pontos 49 a 58)

Neste capítulo vem a Requerente referir que os sumos naturais não são tributados pela taxa normal de IVA, conforme apurado na ação inspetiva, alegando que os sumos naturais faturados são obtidos através da trituração ou extração por compressão de uma ou mais espécies de frutos, processo em tudo similar à preparação de qualquer outra refeição, quente ou fria, servida pela empresa, a qual se aplica a taxa intermédia de IVA.

Quanto a esta questão, recordemos novamente a redação da verba 3.1. à Lista II (conforme também explicado no Ofício-Circulado nº 30181 de 2016-06-063), que tributa os seguintes serviços à taxa intermédia:

"3.1. Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias." (sublinhado nosso)

Como se observa, os sumos (de qualquer tipo) estão excluídos da taxa intermédia de IVA (independentemente da forma como são obtidos/produzidos), devendo ser tributados à taxa normal.

Face a todo o exposto no Projeto de Relatório, e agora, na apreciação do direito de audição, será de manter as correções anteriormente propostas.

Propõe-se:

• O deferimento do reembolso no montante de € 137.892,12.

• Tramitação subsequente dos DC's elaborados;

• Remessa dos autos de notícia ao Serviço de Finanças competente.

 

 

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/02, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/03, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/05, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/07, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/08, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 20217..., relativa ao período 2018/09, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/010, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 20217..., relativa ao período 2018/011, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/02, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/04, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/05, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/06, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/09, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/11, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2020/01, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

(Documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos)

  1. Em 04-11-2021, 10-11-2021 e 12-11-2021, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A Requerente regista autonomamente na contabilidade os cancelamentos e os “no shows”;
  3. Nos cancelamentos e “no shows”, verifica-se um prejuízo para o hotel, motivado pela falta de comparência do cliente;
  4. Os pequenos-almoços com as designações English Breakfast e ... Breakfast incluem café e sumos de frutas (depoimentos das testemunhas AA... e BB...);
  5. Nos pequenos-almoços é, ainda, disponibilizado champanhe, que pode ser consumido como liberalidade, ou tolerância, mas não ser exigido pelo cliente (depoimentos das testemunhas AA... e BB...);
  6. Os brunchs incluem águas, sumos de fruta e refrigerantes (menu que consta do Anexo Iv ao Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas AA... e BB...);
  7. Em 20-12-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação e fixação da matéria de facto

 

Com relevo para a decisão a Requerente não logrou provar que tenha ocorrido qualquer facturação separada de quaisquer bebidas em pequenos-almoços e que, por isso, o seu valor está incluído no preço global do serviço.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em

função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, na prova testemunhal produzida e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente exerce atividade de hotelaria, restauração e eventos, integrando o Grupo hoteleiro B... e no âmbito do qual explora o estabelecimento comercial,  C..., de 5 estrelas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente em que fez correcções relativas a três matérias:

a) valores facturados a clientes relativos pelo seu não comparecimento no caso de reservas de estadia confirmadas;

b) pequenos-almoços facturados à taxa intermédia de 13%;

c) sumos naturais, faturados à taxa intermédia de 13%.

 

A Requerente discorda das correcções efectuadas, que serão apreciadas separadamente.

Para o caso de se não aceitar o entendimento da Requerente, pede o reenvio prejudicial para o TJUE, sobre questões de direito da União Europeia que formula.

Em face da inevitável demora da decisão indissociável da formulação de reenvio prejudicial para o TJUE, essa apreciação será feita a final, se for caso disso, apenas no caso de não proceder o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos vícios invocados pela Requerente.

 

3.1. Questão dos valores facturados a clientes relativos ao seu não comparecimento, após reservas

O IVA incide, em geral, sobre transmissões de bens e prestações de serviços, como decorre do artigo 1.º do CIVA, em sintonia com o artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

Sob a rubrica "No Show”, a Requerente facturou valores referentes a reservas (de hospedagem) efetuadas pelos seus clientes, mas por eles não utilizadas, em virtude da sua falta de comparecimento no estabelecimento hoteleiro.

Resulta da prova produzida que, relativamente a reservas que não resultam em estadia, há situações de cancelamento antecipado (dentro do prazo para cancelamento previamente acordado) e situações em que não há esse cancelamento, mas o cliente não comparece no dia marcado para a início da estadia.

Relativamente a ambas as situações a Requerente cobra quantias que previamente recebeu e não são devolvidas, não liquidando IVA, por entender que se trata de indemnizações e não se inserem no âmbito de incidência do IVA.

Quanto às situações de falta de comparência dos clientes na data agendada, a Requerente cobra a primeira noite.

A Requerente defende que em qualquer das situações referidas não se está perante «prestação de serviços», mas perante indemnizações que não se enquadram no âmbito de incidência do IVA.

Afigura-se que é de apreciar autonomamente as duas situações tipo que foram facturadas pela Requerente a título de «no show» que são, como resulta da prova produzida, as de cancelamento de reservas com antecedência em relação à data prevista para o início da estadia e as de não comparecimento dos clientes, sem qualquer aviso prévio.

Na verdade, como resulta da prova produzida, nos casos de cancelamento antecipado não há uma actividade destinada a preparar os quartos destinados aos clientes, mas, nas situações em que não há cancelamento prévio e o cliente acaba por não comparecer na data reservada, é desenvolvida pela Requerente a actividade necessária de preparação do quarto, idêntica há que existiria se ele comparecesse, quanto à primeira noite, que é objecto de cobrança.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no RIT que, relativamente a ambas as situações se está perante remuneração de serviços sujeita incidência a IVA, dizendo, em suma, o seguinte:

É o caso do montante pago/montante não devolvido pela unidade hoteleira, do cliente que não comparece ou cancela uma reserva, que não se destina a indemnizar um prejuízo eventualmente sofrido, mas constitui uma remuneração, ainda que o cliente não tenha beneficiado, por sua escolha, do serviço. Esta indemnização destina-se a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter, pelo que já estamos perante uma operação sujeita a IVA.

 

Como resulta da supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional, prevista no artigo 8.º, n.º 4, da CRP e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia. ( [1] )

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-06-2015, proferido no recurso 956/13, o TJUE é uma instituição da União Europeia (art. 13.º, n.º 1, do TFUE) vinculativa (atento o princípio do precedente vinculativo), na medida em que as decisões do TJUE devem ser acatadas por todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros: não só o tribunal que reenvia fica vinculado à interpretação decidida pelo TJUE, como também, do mesmo modo e em questão idêntica, ficam vinculados todos os demais.

No caso em apreço, constata-se que o TJUE já proferiu uma decisão em que trata especificamente do tratamento em sede de IVA de montantes recebidos no âmbito de contratos que têm por objecto a prestação de serviços hoteleiros sujeitos ao IVA, designadamente o acórdão de 18-07-2007, Société Thermale d'Eugénie-les-Bains, processo C-277/05, em que decidiu:

 

Os artigos 2.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, devem ser interpretados no sentido de que os montantes pagos a título de sinal no âmbito de contratos que têm por objecto a prestação de serviços hoteleiros sujeitos ao IVA, devem ser considerados, quando o cliente exerce a faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e esses montantes são conservados pela entidade que explora um estabelecimento hoteleiro, como indemnizações fixas de rescisão pagas para reparar o prejuízo sofrido na sequência da desistência do cliente, sem nexo directo com qualquer serviço prestado a título oneroso e, enquanto tais, não sujeitas a esse imposto.

Com efeito, o pagamento de sinal por um cliente e a obrigação de a entidade que explora o estabelecimento hoteleiro não contratar com um terceiro numa medida que a impeça de respeitar o compromisso assumido para com o seu cliente não podem ser qualificados de prestações recíprocas, pois, nesse caso, a referida obrigação resulta directamente do contrato de alojamento e não do pagamento do sinal. Assim, após uma reserva, quando a entidade que explora um estabelecimento hoteleiro fornece a prestação acordada, não faz mais do que honrar o contrato celebrado com o seu cliente, de acordo com o princípio segundo o qual os contratos devem ser cumpridos. Consequentemente, o respeito desta obrigação não pode ser qualificada como contrapartida do sinal pago.

 

A aplicação da jurisprudência do TJUE tem justificação reforçada, nos precisos termos em o TJUE decidiu, na medida em que foi produzida relativamente a um objecto idêntico ao que se encontra aqui em discussão, quanto às situações de cancelamento anterior à data prevista para início da estadia dos clientes, em que a Requerente não desenvolveu qualquer actividade especificamente destina a assegurar essa estadia.

Como resulta da fundamentação do referido acórdão do TJUE, no n.º 19, só se pode concluir pela existência de prestação de serviços, sujeita a IVA, «se existir um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efectiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que se trocam prestações recíprocas (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Março de 1988, Apple and Pear Development Council, 102/86, Colect., p. 1443, n.os 11, 12 e 16; de 3 de Março de 1994, Tolsma, C‑16/93, Colect., p. I‑743, n.° 14; de 21 de Março de 2002, Kennemer Golf, C‑174/00, Colect., p. I‑3293, n.° 39, e de 23 de Março de 2006, FCE Bank, C‑210/04, Colect., p. I‑2803, n.° 34)».

A esta luz, as situações de prévio cancelamento de reservas, em que foi paga previamente uma quantia que reverte para a Requerente em caso de cancelamento, aquela tem natureza de sinal, «sem nexo directo com qualquer serviço prestado a título oneroso», pelo que não é de considerar como «prestação de serviços», para efeitos a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA.

Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que tiveram por objecto facturação relativa a cancelamento antecipado de reservas.

O mesmo não sucede com a facturação da primeira noite, nos casos de não comparência dos clientes nas datas reservadas, sem cancelamento prévio, pois, como resulta da prova produzida, nestas situações a Requerente desenvolve uma actividade especificamente destinada a assegurar as condições do quarto reservado, idêntica à que desenvolve quando o cliente comparece.

Para efeitos da referida jurisprudência do TJUE, nestes casos de não comparência o montante pago relativo à primeira noite da estadia é «uma contrapartida efectiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que se trocam prestações recíprocas». O pagamento tem, assim, carácter remuneratório de um serviço efectivamente prestado, que é o fornecimento de um quarto preparado para a estadia.

Assim, nestas situações de não comparência dos clientes sem prévio cancelamento, está-se perante «prestações de serviços» para efeitos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, pelo que se justificava a liquidação de IVA, pelo que é correcto o entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária.

Havendo jurisprudência do TJUE clara sobre estas situações, não se justifica o reenvio prejudicial.

Na verdade, se é certo que, em princípio, em conformidade com o artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu, no acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81, que, quando a lei seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º14).

 Por isso, à luz da referida jurisprudência do TJUE, as liquidações de IVA não enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que tiveram por objecto facturação relativa às situações de não comparência de clientes sem prévio cancelamento.

 

3.1.1. Questão da violação dos princípios do inquisitório, da cooperação e da descoberta da verdade material

 

A Requerente defende, ainda relativamente às liquidações que assentam sobre a facturação a título de «no show», que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter apurado quais as situações que são de cancelamento prédio e quais as que são de não comparência sem aviso prévio, o que entende decorrer dos princípios do inquisitório, da cooperação e da descoberta da verdade material.

Assente que decorre da jurisprudência do TJUE uma distinção entre as situações de cancelamento de reservas com antecedência e as de não comparência dos clientes sem aviso prévio, é forçoso concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter diligenciado no sentido de apurar quais as situações de cada um dos tipos que estão subjacentes a cada factura a título de «no show».

O artigo 58.º da LGT enuncia o princípio do inquisitório, estabelecendo que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

No caso em apreço, a Requerente referiu, nos artigos 22.º a 24.º do exercício do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a existência de situações dos dois tipos subjacentes à facturação a título de «no show» pelo que, sendo aplicados regimes distintos em relação a cada uma dois tipos, é manifesto que aqueles princípios dos inquisitório e da descoberta da verdade material impunham que a Administração Tributária averiguasse quais a que tipo de situação respeitava cada uma das facturas.

Aliás, no caso em apreço, resulta da prova produzida na reunião que a Requerente até tinha possibilidade de informar, com base na sua contabilidade, a que tipo de situação respeitava cada factura, pelo que pertinência de diligências no sentido de apurar essa matéria é clara e, consequentemente, ocorreu vício procedimental com potencialidade para influenciar as liquidações relativas a essas facturas.

Por isso, de harmonia com o nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, justifica-se a anulação das liquidações, nas partes em que se referem à facturação efectuada a título de «no show».

Em face desta anulação das liquidações, nas partes em que têm como pressuposto as correcções relativas à facturação por «no show», fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que são imputados pela Requerente, quanto a estas correcções.

A anulação das liquidações tem por objecto os valores de € 34.867,66 quanto às relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2018, € 34.786,04 quanto às relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2019 e €42.503,08 quanto às relativas aos períodos de Janeiro a Outubro de 2020.

 

3.2. Questão da facturação dos sumos naturais à taxa intermédia de 13%

 

A verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA estabelece o seguinte:

 

3.1 - Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.

    Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os sumos de frutas naturais comercializados pela Requerente estão sujeitos à taxa normal de IVA, porque, em suma, a verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA exclui os sumos de qualquer tipo, independentemente da forma como são obtidos/produzidos, pelo que deve ser-lhes aplicada a taxa normal.

A Requerente alega, em suma, o seguinte:

– que os sumos naturais faturados são obtidos através da trituração ou extração por compressão de uma ou mais espécies de frutos, processo em tudo similar à preparação de qualquer outra refeição, quente ou fria, ainda que servida com fruta, mesmo que descascada, fatiada ou cozinhada, a qual se aplica a taxa intermédia de IVA de 13%;

– haverá uma discrepância injustificada e arbitrária entre o tratamento dado à sobremesa que consista em servir uma laranja descascada, por contraposição ao que seria dado ao sumo natural obtido de uma laranja ou em aplicar uma taxa de IVA à fruta (sólida) fatiada presente em qualquer buffet e uma taxa de IVA diversa se a mesma fruta for triturada para liquidificação (muitas vezes pelo próprio cliente) para o seu consumo como bebida e no estabelecimento;

– haverá uma onerosidade agravada para o consumidor e para o operador económico, que veria a concorrência falseada por operadores concorrentes onde o preço do produto seria mais concorrencial em virtude, exclusiva, da arbitrariedade da taxa do imposto: vg. um bar versus um snack bar, uma loja pop-up de saladas versus uma idêntica loja de sumos;

– esta discriminação arbitrária é contrária ao regime europeu de IVA e aos tratados, regras dotadas de primado e efeito directo, viola os princípios da igualdade e capacidade tributária e falseia a concorrência.

 

A verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA inclui na lista de prestações de serviços sujeitas a taxa intermédia as «prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias».

À face desta redacção, afigura-se inquestionável que, à face da legislação nacional, todas as prestações de serviços de bebidas que sejam sumos são excluídos da aplicação da taxa intermédia, pelo que se lhe aplica a taxa normal, que é a que se aplica quando não está prevista uma taxa reduzida, como decorre do artigo 18.º, n.º 1, do CIVA.

 Assim, tendo os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD de decidir de acordo com o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o afastamento da sua aplicação só pode ter lugar se essa norma for inválida, designadamente por incompatibilidade com norma ou princípio de direito da União Europeia ou com a Constituição da República Portuguesa, como aventa a Requerente.

 

3.2.1. Questão da compatibilidade da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA com o Direito da União Europeia

 

O Direito da União Europeia prevalece sobre o Direito Interno, com decorre do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

A Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece no seu artigo 96.º a regra de «os Estados-Membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado-Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços» e no seu artigo 97.º determina que ela não pode ser inferior a 15%.

No entanto, o artigo 98.º daquela Directiva n.º 2006/112/CE estabelece que «os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas (...) apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III», taxas essas que, nos termos do seu artigo 99.º«são fixadas numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 5 %.».

O Anexo III, para que remete o artigo 98.º da Directiva n.º 2006/112/CE, inclui, no seu ponto 12-A, os «serviços de restauração e de catering, sendo possível excluir o fornecimento de bebidas (alcoólicas e/ou não alcoólicas)».

 O aditamento deste ponto 12-A foi efectuado pela Diretiva 2009/47/CE, do Conselho, de 05-05-2009, que alterou a Directiva n.º 2006/112/CE, e foi decidido na sequência da «Comunicação sobre outras taxas de IVA além das taxas de IVA uniformes, que a Comissão apresentou ao Parlamento Europeu e ao Conselho em 2007, (em que), concluiu que a aplicação de taxas de IVA reduzidas aos serviços fornecidos a nível local não prejudicava o bom funcionamento do mercado interno e podia, em determinadas condições, vir a ter efeitos positivos em termos de criação de emprego e de luta contra a economia paralela» (Considerando 2).

Nos Considerandos 3 e 4 desta Directiva 2009/47/CE refere-se ainda o seguinte:

 

(3) Considerando que, no tocante ao fornecimento de bebidas alcoólicas e/ou não alcoólicas no âmbito dos serviços de restauração e de catering, pode justificar-se dar a essas bebidas um tratamento diferente do previsto no âmbito do fornecimento de produtos alimentares, é conveniente prever explicitamente que os Estados-Membros podem incluir ou excluir o fornecimento de bebidas alcoólicas e/ou não alcoólicas ao aplicar uma taxa reduzida ao fornecimento dos serviços de restauração e catering a que se refere o anexo III da Directiva 2006/112/CE.

(4) Por conseguinte, a Directiva 2006/112/CE deverá ser alterada de modo a permitir a aplicação de taxas reduzidas ou uma isenção, respectivamente, num número limitado de situações específicas, por razões sociais ou de saúde, e de modo a clarificar e adaptar ao progresso técnico a referência aos livros no seu anexo III.

 

Decorre destas normas e destes Considerandos que:

– é compatível com o Direito da União a fixação de taxas reduzidas superiores a 5% para «situações específicas», entre as quais se incluem os serviços de restauração (artigos 98.º, 99.º e ponto 12-A do Anexo III);

– foi deixado ao critério do legislador nacional definir as situações em que devem ser aplicadas taxas reduzidas, inclusivamente quanto ao fornecimento de bebidas, quer alcoólicas quer não alcoólicas;

– a aplicação dessas taxas reduzidas «não prejudicava o bom funcionamento do mercado interno», pelo que está subjacente àquele ponto 12-A o entendimento legislativo de que a aplicação de taxas reduzidas que o legislador nacional venha a fixar ou não para quaisquer serviços de restauração, dentro do parâmetros permitidos, não se considera ter potencialidade para afectar relevantemente o princípio da livre concorrência (pois não afecta o bom funcionamento do mercado interno);

– a eventual desigualdade que derive da aplicação dessas taxas a apenas alguns serviços de restauração, tem justificação em «determinadas condições», que cabe ao legislador nacional apreciar, em que essas taxas reduzidas possam «vir a ter efeitos positivos em termos de criação de emprego e de luta contra a economia paralela»;

– sendo uma faculdade reconhecida ao legislador nacional pelo Direito da União, aquele pode utilizá-la apenas quanto a alguns serviços de restauração, designadamente, podendo ter tendo em mente, além das finalidades extrafiscais referidas, a omnipresente preocupação de não afectar desmesuradamente as receitas fiscais que está necessariamente associada a qualquer opção legislativa de redução de taxas de impostos.

 

Assim, o legislador nacional podia, sem violar o Direito da União, fixar taxas reduzidas para serviços de restauração, mantendo a taxa normal para os serviços de fornecimento de sumos.

Ao legislar sobre esta matéria, o legislador nacional está a actuar no âmbito da discricionariedade legislativa, que lhe foi reconhecida pelo ponto 12-A do anexo III da Directiva n.º 2006/112/CE, e dentro dos limites neste diploma definidos.

Por isso, a verba 3.1. da Listra II anexa o CIVA não é inválida por incompatibilidade com o Direito da União Europeia.

 

3.2.2. Questão da compatibilidade da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA com os princípios constitucionais da igualdade, da livre concorrência e da capacidade contributiva

 

Sobre esta matéria, a Requerente diz, no artigo 70.º das suas alegações, que a discriminação entre comidas e bebidas, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, «violaria ainda os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade tributária, ao conduzir a uma penalização fiscal maior de exteriorizações de iguais capacidades contributivas. Sem razões extrafiscais que o passam legitimar. E, em simultâneo, falseando a concorrência».

Os princípios da igualdade e da livre concorrência têm suporte constitucional, nos artigos 13.º e 81.º, alínea f) da CRP.

O princípio da tributação com base na capacidade contributiva, no âmbito dos impostos sobre o consumo, é decorrência do princípio da igualdade, pois não está especificamente previsto no artigo 104.º, n.º 4, da CRP, que estabelece as directrizes constitucionais sobre este tipo de impostos.

O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei é estabelecido pelo art. 13.º da CRP.

Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [2] )

No que concerne a tributação em IVA, que é um imposto em que prevalece o Direito da União, como se referiu, não pode deixar de terem-se presentes, com relevo primacial, as valorações da legislação europeia, que se sobrepõem às que se possam fazer a nível do direito interno, no caso de serem incompatíveis, por força da primazia que àquela legislação é reconhecida pelo n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

   Desta perspectiva, o facto de no referido Considerando 3 da Directiva 2009/47/CE se dizer que «no tocante ao fornecimento de bebidas alcoólicas e/ou não alcoólicas no âmbito dos serviços de restauração e de catering, pode justificar-se dar a essas bebidas um tratamento diferente do previsto no âmbito do fornecimento de produtos alimentares» e o facto de expressamente se autorizar no ponto 12-A, que aquela Directiva aditou à Directiva n.º 2006/112/CE, que os Estados-Membros não dêem ao fornecimento de bebidas o mesmo tratamento que for dado aos restantes serviços de restauração não deixam margem para dúvidas de que, para este efeito, as situações de fornecimento de comidas não tem necessariamente de considerar-se idênticas às de fornecimento de bebidas, de qualquer tipo, mesmo que estas sejam preparadas com base em frutos que também podem ser objecto de prestação de serviços de restauração sendo fornecidos como comida.

Por isso, desde logo, quanto a serviços de fornecimento de comidas e serviços de fornecimento de bebidas, não se estando perante situações que devam considerar-se iguais, a previsão legislativa nacional de regime diferentes, a nível da tributação em IVA, não envolve necessariamente violação do princípio da igualdade.

Por outro lado, os princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva, não têm valor absoluto, não havendo obstáculo constitucional a que o seu alcance seja limitado tendo em vista a prossecução de outros valores constitucionalmente protegidos, como sucede, nomeadamente, com a generalidade das situações em que são concedidos benefícios fiscais, que são, por definição, situações com «carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

Neste caso, os interesses extrafiscais que podem ser prosseguidos com as taxas reduzidas de IVA na restauração, são, pelo menos, os interesses da «criação de emprego e de luta contra a economia paralela», indicados no Considerando 2 da referida Directiva 2009/47/CE, podendo ser favorecidos pela introdução de taxas reduzidas em serviços de restauração.

Em matéria de benefícios fiscais, qualificação se se aplica às reduções de taxas, nos termos do n.º 2 do referido artigo 2.º do EBF não é de equacionar a violação dos princípios da igualdade e da tributação da capacidade contributiva quanto à distinção entre as situações a que se aplica a regulamentação geral e aquelas a que se aplica a tributação privilegiada, pois a diferença de tributação não pode considera-se arbitrária, já que encontra justificação na prossecução daqueles interesses extrafiscais. Aliás, neste caso, os interesses extrafiscais referidos são também interesses protegidos constitucionalmente, pois a criação de emprego tem suporte na alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da CRP e a economia paralela potencia situações de evasão fiscal, que implicam violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva.

Por outro lado, a deliberação pelos órgãos legislativos dos Estados-Membros dos tipos de serviços previstos no ponto 12-A do anexo III à Directiva n.º 2006/112/CE que beneficiarão ou não de taxas reduzidas tem de ponderar também a sua praticabilidade, designadamente tendo em conta as consequências orçamentais negativas que advêm da despesa fiscal que qualquer benefício implica (artigo 2.º, n.º 3, do EBF), pelo que sem conhecimento dessas consequências não se pode concluir pela falta de justificação para afastar a prestação de serviços de restauração do âmbito do benefício fiscal, n que concerne aos sumos. 

Por isso, não se pode considerar inconstitucional o tratamento diverso em sede de taxas de IVA que é dado à fruta fornecida em serviços de restauração como comida e como bebida.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da tributação dos sumos.

 

 

3.3. Questão da facturação dos pequenos-almoços e brunchs à taxa intermédia de 13%

 

A Requerente efectuou a facturação de pequenos-almoços separados do alojamento e brunchs sem a discriminação dos bens incluídos (comidas e bebidas), aplicando a taxa de IVA de 13%.

A Administração Tributária entendeu que deveria ter sido aplicada a taxa de 23%, pelo que efectuou as liquidações correspondentes à diferença de taxas, nos valores de € 11.656,41 quanto ao ano de 2018, € 14.328,57 quanto ao ano de 2019 e € 1846,50 quanto ao ano de 2020.

 

 

3.3.1. Pequenos-almoços

 

A Lista II anexa ao CIVA indica os bens e serviços sujeitos à taxa intermédia de IVA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira baseou a correcção na regra prevista na verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA que estabelece o seguinte:

 

3.1 - Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.

    Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço.

 

A Requerente efectuou a facturação dos pequenos-almoços separados do alojamento à taxa intermédia, com base na 1.ª parte desta regra.

A Requerente imputa às liquidações referentes a esta correcção vício de erro de fundamentação por erro de fundamentação, porque «os pequenos-almoços servidos sob a designação “... Breakfast” ou “English Breakfast" não incluem qualquer bem [nomeadamente bebidas) excluído da verba 3.1, da Lista II, anexa ao Código do IVA, como sejam bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares ou águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbônico ou outras substâncias» e que, quanto a bebidas «são faturadas separadamente e é liquidado IVA nos termos gerais, ou a bebida é servida ao cliente como oferta», como é adequado num «serviço de excelência envolve a dispensa de variadas cortesias aos clientes, como sejam a oferta de bebidas, usualmente, não incluídas nos pequenos-almoços».

A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao apreciar esta alegação que a ora Requerente fez no exercício do direito de audição, refere que

«(...) a análise contabilística efetuada no âmbito da ação inspetiva teve por base informação retirada dos ficheiros SAF-T de faturação mensal, através dos quais foi possível examinar todas as faturas emitidas, e todas as rubricas/linhas faturadas em cada documento. Nas faturas dos pequenos-almoços acima mencionadas, apenas consta a faturação do pequeno-almoço como um todo, não havendo faturação separada das bebidas» e que «através da análise das faturas em causa através dos ficheiros SAF-T (que por vezes são mais detalhados nas rubricas incluídas nas linhas da fatura), também é possível confirmar que as bebidas não se encontram faturadas separadamente».

 

A prestação de serviços de alimentação e bebidas está, em geral, sujeita à taxa intermédia, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.

No entanto, «quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único» (situação prevista na 2.ª parte da referida verba 3.1.) e o valor tributável não seja repartido pelas várias taxas, «é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço» (parte final da verba 3.1.).

Fora desses casos em que se está fixado um preço único para um serviço que incorpora elementos sujeitos a taxas distintas, só pode ser aplicada a taxa normal à prestação de serviços de alimentação e bebidas, nas situações em que tenham sido efectivamente consumidas bebidas daqueles tipos e apenas quanto ao valor destas.

Resulta da prova testemunhal produzida que os pequenos-almoços com as designações “... Breakfast” ou “English Breakfast” têm preços fixos e que neles se incluem sumos de frutas, para além de água e é colocada à disposição dos clientes champanhe, que a Requerente designa como «oferta» (página 21 das alegações da Requerente).

Embora a Requerente tivesse afirmado no exercício do direito de audição relativamente ao Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que nos pequenos-almoços referidos não se incluem bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares ou águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias (artigo 37.º), acabou por reconhecer que «quando estas bebidas são servidas aos clientes dos pequenos-almoços, uma de duas situações pode ocorrer: as mesmas são faturadas separadamente e é liquidado IVA nos termos gerais, ou a bebida é servida ao cliente como oferta».

No entanto, a Requerente não apresentou qualquer prova de tenham ocorrido qualquer facturação separada de quaisquer bebidas em pequenos-almoços, o que leva a presumir, à face das regras da experiência [que devem ser aplicadas na apreciação da prova pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, nos termos do artigo 16.º, alínea e) do RJAT], que não houve facturação separada de bebidas consumidas em pequenos-almoços e que, por isso, o seu valor está incluído no preço global do serviço.

Perante essa incontornável realidade de inclusão de bebidas sujeitas à taxa normal num serviço de restauração para que é fixado um preço único, que é a situação expressamente prevista na 2.ª parte da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA, é irrelevante a alegada designação de «ofertas» que a Requerente diz dar ao fornecimento de bebidas ou a hipotética intenção com que as fornece, pois, no âmbito do direito tributário, deve-se atender primordialmente à «substância económica dos factos tributários» (artigo 11.º, n.º 3, da LGT) e a realidade económica é a de que se está perante um serviço de restauração para que foi estabelecido um preço fixo em que se incluem essas «ofertas» de bebidas, pois não há pagamento autónomo.

Desta perspectiva, é irrelevante que não tenham sido apuradas as situações em que ocorreu efectivamente consumo de bebidas dos tipos sujeitos à taxa normal, pois o que releva para afastar a aplicação da taxa intermédia é a inclusão do valor dessas bebidas sujeitas a taxa normal no preço fixo do serviço, o único que é cobrado a cada cliente pelo serviço global de excelência que é prestado.

Por isso, não implica violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material o não apuramento das situações em que ocorreu ou não efectivamente consumo dessas bebidas, pois o que releva para efeito da verba 3.1. é a inclusão do valor do fornecimento de bebidas dos tipos referidos no preço fixo, que é cobrado independentemente das comidas e bebidas que forem consumidas por cada cliente.

Esta questão é de interpretação de uma norma de direito interno pelo que não se justifica o reenvio prejudicial que a Requerente sugere nas suas alegações, em que, aliás, não indica qualquer norma de Direito de União Europeia que entenda carecer de interpretação.

De resto, a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem uma ou duas taxas reduzidas relativamente a «serviços de restauração e de catering, sendo possível excluir o fornecimento de bebidas (alcoólicas e/ou não alcoólicas)» está expressamente prevista no artigo 98.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e no n.º 12-A da lista que consta do seu Anexo III, sendo matéria em que não é estabelecida vinculação dos Estados Membros, quanto à escolha dos serviços desse tipo que beneficiam de taxas reduzidas, pelo que é clara a compatibilidade das opções formuladas no ponto 3.1. com o Direito da União Europeia.

 

 

 3.3.2. Brunchs

 

As correcções relativas a brunchs foram fundamentadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira nestes termos, em suma:

Verificou-se também a faturação de "brunchs", cujo menu inclui uma variedade de comidas (entradas, sopas, pratos principais e sobremesas), incluindo ainda águas, sumos de fruta e refrigerantes (no Anexo IV junta-se uma fatura exemplificativa do menu). Esta rubrica foi faturada na totalidade à taxa de 13%. Tal como anteriormente referido, para além das bebidas excecionadas na verba 3.1 da Lista II, se os bens faturados não forem discriminados, aplica-se a taxa mais elevada à totalidade do serviço, como também referido naquela verba, ou seja, aplica-se a taxa de 23%.

 

Após o exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira acrescentou o seguinte, em suma:

ii) Relativamente aos brunchs, alega o Sujeito Passivo que, apesar do menu dizer que o brunch "inclui águas, sumos de frutos e refrigerantes", se trata de uma referência comercial, "o que não significa que, em termos técnicos, as bebidas não se mantenham como ofertas realizadas pela Exponente a título de cortesia".

Quanto a esta alegação, refira-se desde já, que não consta do menu a indicação "oferta de águas, sumos de frutos e refrigerantes", como o Sujeito Passivo pretende agora defender em sede de direito de audição.

O que consta e está a ser faturado ao cliente, é um valor global do brunch, onde além das comidas, podem ser consumidas aquelas específicas bebidas, por estarem incluídas no preço cobrado.

De qualquer forma, chama-se a atenção que, no que respeita a ofertas de bebidas a clientes, decorre da alínea d) do nº 1 do art.º 21º do Código do IVA, que o imposto contido em bebidas adquiridas e destinadas a ofertas aos clientes não é passível de direito à dedução.

Efetivamente a dedução do imposto contido em bebidas só é permitida, e mesmo assim de forma parcial, no âmbito das situações previstas nas alíneas d) e e) do nº 2 do mesmo art.º 21º do CIVA, situações que não têm enquadramento no caso em apreço.

Deste modo, se a empresa tem a intenção de oferecer as bebidas aos clientes, então não poderá deduzir o IVA suportado na compra das mesmas. Se o fizer, terá que regularizar a favor do Estado o imposto deduzido.

Não tendo o Sujeito Passivo provado que regularizou esse montante de imposto a favor do Estado, será de manter as correções anteriormente propostas.

 

 Inclusão de sumos e refrigerantes nos brunchs está expressamente prevista no respectivo menu, que consta do anexo IV ao Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (Parte 3 do processo administrativo, páginas 25-26).

A Requerente defende no presente processo que o menu brunch inclui águas, sumos de frutos e refrigerantes, pelo que fornece estas bebidas sempre que os clientes as solicitam, sem facturação autónoma.

Mas, a Requerente afirma que a Autoridade Tributária e Aduaneira poderia ter efectuado «a liquidação de IVA sobre o valor do serviço concretamente prestado», «pois a Requerente tem controlo sobre as bebidas servidas aos seus clientes, pela comparação entre os stocks iniciais e finais do mês, as requisições mensais destes bens e os valores efetivamente faturados aos clientes».

A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão quanto à aplicação da tributação à taxa normal à facturação de brunchs, pois no preço fixo incluem-se bebidas dos tipos indicados como sujeitos à aplicação da taxa normal. Por isso, está-se perante uma situação enquadrável na 2.ª parte daquela verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA, sendo nestes casos essa taxa aplicada à totalidade das respectivas facturas, por força da parte final desta norma, já que não houve repartição nas facturas dos elementos incorporados no serviço sujeitos a taxas distintas.

Estando essas bebidas previstas no menu de brunchs e, por isso, incluídas no preço único respectivo, é forçoso concluir que se está perante um tipo de serviço que incorpora essas bebidas e para qual é fixado um preço único, enquadrável na 2.ª parte da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA.

Como já se referiu relativamente aos pequenos-almoços, é irrelevante para este efeito a alegada designação de «ofertas» que a Requerente diz dar ao fornecimento de bebidas ou a hipotética intenção com que as fornece, pois, no âmbito do direito tributário, deve-se atender-se primordialmente à «substância económica dos factos tributários» (artigo 11.º, n.º 3, da LGT) e a realidade económica é se está perante um menu para que foi estabelecido um preço fixo que inclui essas bebidas e, por isso, o preço do serviço, em que está incluído o valor das bebidas, é cobrado independentemente de elas serem ou não consumidas.

Desta perspectiva, é irrelevante que, quanto aos brunchs, não tenham sido apuradas as situações em que ocorreu efectivamente consumo de bebidas dos tipos sujeitos à taxa normal, pois o que releva para afastar a aplicação da taxa intermedia é a inclusão do valor dessas bebidas sujeitas a taxa normal no preço fixo do serviço.

Como se referiu em relação aos pequenos-almoços, esta questão é de interpretação de uma norma de direito interno pelo que não se justifica o reenvio prejudicial que a Requerente sugere no artigo 107.º das suas alegações, e a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem uma ou duas taxas reduzidas relativamente a «serviços de restauração e de catering, sendo possível excluir o fornecimento de bebidas (alcoólicas e/ou não alcoólicas)» está claramente prevista no artigo 98.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e no n.º 12-A da lista que consta do seu Anexo III, pelo que se trata de se interpretação que não suscita dúvidas.

 

3.3.3. Questões de inconstitucionalidade relativas aos pequenos-almoços e brunchs

 

Nas suas alegações (artigos 132.º a 135.º), a Requerente suscita ainda a questão da inconstitucionalidade a verba 3.1 da lista II anexa ao Código do IVA, na interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira dela fez, por entender que é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.ª, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, admitindo-se que há bens incluídos nos pequenos-almoços e brunchs excluídos da taxa intermédia de 13%, os mesmos teriam uma relevância irrisória no total do serviço, mas determinariam a alteração montante do imposto em 10 pontos percentuais.

Não está quantificada, nem mesmo pela Requerente, a relevância das bebidas no âmbito da facturação relativa aos pequenos-almoços e brunchs, pelo que, à face da prova produzida, não há fundamento para afirmar que essa relevância é irrisória. Por outro lado, não é notória a alegada irrelevância das bebidas no preço dos pequenos-almoços e brunchs, designadamente por entre as bebidas se incluir champagne que não está quantificado (como a Requerente refere no artigo 89.º das suas alegações), e ser facto notório que é uma bebida que pode atingir preços elevados, especialmente se tiver a qualidade presumível para fornecimento num hotel de cinco estrelas, que se arroga prestar serviços de excelência (artigo 85.º das alegações da Requerente).

De qualquer forma, as questões de violação do princípio da igualdade e do seu corolário que é o princípio da proporcionalidade, devem ser equacionadas tendo em mente a ponderação de outros valores, designadamente a praticabilidade que importa assegurar na cobrança de impostos e a necessidade de assegurar a possibilidade controle de situações de evasão fiscal, que afectam as receitas fiscais, de importância fundamental no funcionamento gera do Estado.

Sob este prisma, a questão que se coloca é a de saber se a exigência de facturação que esclareça quais os elementos incorporados num serviço que é fornecido com um preço único é ou não justificada.

Afigura-se que essa exigência não é injustificada, pois é necessária para assegurar com eficiência o controle pela Administração Tributária do cumprimento das regras de tributação em IVA, e nem sequer é apreciavelmente onerosa para as empresas que prestam, serviços de hotelaria, uma vez que, estando-se perante um tipo de serviços por um preço único fixo, bastar-lhes-á esclarecer genericamente, nas facturas emitidas através dos programas informáticos de facturação certificados que são legalmente obrigadas a usar, quais as taxas aplicáveis a cada um dos elementos incluídos no serviço prestado.

Desta perspectiva, sendo fácil e simples para as empresas que prestam serviços de hotelaria por preço fixo fornecer tais esclarecimentos nas facturas que emitem, não se afigura desproporcionada a aplicação da taxa normal, que é uma consequência adequada para situações em que os contribuintes não esclarecem na facturação que quais são os elementos que integram esse serviço que beneficiam de uma taxa reduzida.

Por isso, não se considera inconstitucional a 2.ª parte da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA, na interpretação efectuada pela Administração Tributária, que é a que decorre linearmente do seu teor literal.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto às correcções relativas aos brunchs.

 

3.3.4. Conclusão relativamente às correcções relativas a pequenos-almoços e brunchs

 

Como decorre do exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto às  correcções relativas a pequenos-almoços e brunchs, nos valores de € 11.656,41 relativamente aos meses de Janeiro a Dezembro de 2018, € 14.328,57 quanto aos meses de Janeiro a Dezembro de 2019 e € 1.846,50 no que concerne às relativas aos meses de Janeiro a Outubro de 2020, apenas são anuladas nas partes referentes aos pequenos-almoços.

 

 

3.4. Juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IVA (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação, nas partes em que estas liquidações devem ser anuladas.

 

4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

 

         Em 04-11-2021, 10-11-2021 e 12-11-2021, a Requerente pagou as quantias liquidadas e pede o seu reembolso, acrescido dos juros indemnizatórios.

         De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

         Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

         O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

         Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

         Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

         Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

        

         4.1. Reembolso de quantias pagas

 

         Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente suportadas, que são as partes das liquidações de IVA que têm como pressupostos as correcções relativas a «no shows» (pontos 3.1. e 3.1.1. deste acórdão), bem como as respectivas liquidações de juros compensatórios nas partes correspondentes a essas correcções.

         A quantia paga relativamente às liquidações de IVA na parte que se reporta a «no shows» é de € 112.156,77, pelo que a Requerente tem direito a ser reembolsada desta quantia, além do correspondentes juros compensatórios, que devera ser determinado em execução do presente acórdão, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

         4.2. Juros indemnizatórios

 

         No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

   No caso em apreço, conclui-se que, quanto às partes das liquidações que têm como pressupostos as correcções relativas a «no shows» (pontos 3.1. e 3.1.1. deste acórdão) há erros nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados, quanto a cada liquidação, da data em que foi efectuado o respectivo pagamento, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

5. Decisão        

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular parcialmente as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, nas partes em que têm como pressupostos as correcções relativas a «no shows» (pontos 3.1. e 3.1.1. deste acórdão):

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/02, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/03, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/05, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/07, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021... ;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/08, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/09, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/010, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2018/011, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/02, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/04, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/05, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/06, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/09, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2019/11, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

– n.º 2021..., relativa ao período 2020/01, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2021...;

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso de quantias pagas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 112.156,77, além da quantia correspondente de juros compensatórios que foram liquidados relativamente a este valor, que deverá ser apurada em execução do presente acórdão;
  2.  Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão;
  3. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos nas partes restantes.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 150.224,65, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 25,34% a cargo da Requerente e 74,66% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 06-06-2022

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

(Pedro Miguel Bastos Rosado)

 

 

(Hélder Faustino)

 

 

 



[1]             Neste sentido tem vindo a pronunciar-se pacificamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 25-10-2000, processo n.º 025128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 026432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 026404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[2]           Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

  • n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;
  • n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;
  • n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;
  •  n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;
  • n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
  • n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
  • n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
  • n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
  • n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
  • n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.