Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 850/2021-T
Data da decisão: 2022-06-20  IRS  
Valor do pedido: € 4.597,13
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide.
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 850/2021-T

Tema

 

 

 

 

 

SUMÁRIO:

Uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ora Requerida, veio proferir despacho de revogação do ato de liquidação em crise após a constituição do Tribunal Arbitral, verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância, na medida em que o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.         Relatório

 

A..., de nacionalidade portuguesa, com o número de identificação fiscal..., residente em ..., doravante “Requerente”, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa deduzida, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

 

É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT no dia 27 de dezembro de 2021.

 

Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes a 10 de fevereiro de 2022, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa e, bem assim, seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2016, emitida com o n.º 2020 ..., da qual resultou o montante total a pagar de € 4.597,13.

 

Como fundamento da sua pretensão, o Requerente invoca, sumariamente, que a liquidação ora em crise viola manifestamente os artigos 13.º, 15.º e 16.º do Código do IRS, porquanto o Requerente não era residente em Portugal, mas sim em França, onde reside e trabalha há largos anos, não podendo, por isso, ser admitida a tributação neste Estado. Com efeito, refere o Requerente que, no ano de 2016 – a que se reporta a liquidação de imposto em causa – não permaneceu por mais de 183 dias seguidos ou interpolados em Portugal, nem demonstrou nem teve interesse em fixar aqui residência habitual. Pelo contrário, foi em França que residiu e permanece a residir e trabalhar e foi nesse território devidamente tributado.

 

A 31 de março de 2022, foi proferido despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

A Requerida não apresentou resposta.

 

 A 6 de maio de 2022, mediante requerimento, veio a Requerida informar que tinha sido proferido despacho de revogação do ato de liquidação ora em questão, solicitando a extinção do processo por inutilidade superveniente da lide.

 

Do teor do referido aludido despacho resulta, sumariamente, que:

  • A liquidação controvertida teve na sua base a troca automática de informações fiscais internacionais, nos termos da qual a Autoridade Fiscal francesa (AFF) comunicou à AT os rendimentos de trabalho dependente que o Requerente auferiu no ano de 2016;
  • Constatada a falta de entrega pelo Requerente da declaração de rendimentos daquele ano, foi promovida a respetiva declaração oficiosa que deu origem à liquidação de IRS n.º 2020...;
  • A referida liquidação partiu do pressuposto da residência do Requerente em território português, em conformidade com a informação disponível à data na base de dados cadastral da AT;
  • A questão que importa esclarecer respeita à residência fiscal do Requerente;
  • Diversamente do que sustenta o Requerente, a residência fiscal é aferida nos termos do direito interno de cada Estado;
  • Na situação em apreço, e considerando os elementos de prova apresentados, terá de concluir-se que o Requerente terá permanecido menos de 183 dias em Portugal;
  • Além disso, e ainda de acordo com os elementos fornecidos, foi possível verificar que a morada do Requerente foi alterada retroativamente à data de 1 de janeiro de 2016;
  • Embora os documentos apresentados, aquando do pedido de alteração de morada e com a própria reclamação graciosa, constituam, na sua globalidade, indícios credíveis de residência em França, não comprovam, contudo, que o Estado francês tenha considerado o Requerente como seu residente fiscal;
  • Tal apenas poderia considerar-se como provado mediante a apresentação de um Certificado de Residência Fiscal emitido pela AFF emitido para o ano de 2016 e para efeitos da aplicação da Convenção sobre Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e França, “(…) até porque, dever-se-á ter presente que a comunicação à AT por parte do Estado francês dos rendimentos auferidos pelo Requerente nesse ano, pressupõe que essa jurisdição o considerou como residente em Portugal”;
  • Assim, a residência fiscal do Requerente nunca poderia ter sido alterada com efeitos retroativos sem que o aludido certificado de residência fiscal tivesse sido apresentado;
  • Não obstante, tal alteração aconteceu e não pode a AT ignorá-la, ainda que possa aferir-se da possibilidade de corrigir tal situação;
  • No caso, o despacho da Sr.ª Chefe do Serviço de Finanças de ... que deferiu a alteração retroativa da morada do Requerente com efeitos a 1 de janeiro de 2016, proferido a 11 de janeiro de 2021, trata-se de um ato constitutivo de direitos que, na data desta informação já não é suscetível de ser revogado;
  • Em suma, e consequentemente, deve “(…) a AT assumir o erro em que incorreu com a alteração retroativa da morada do Requerente e proceder à revogação da liquidação controvertida que o considerou como residente em Portugal, tributando os rendimentos que este auferiu em França”.

 

Nesta senda, a 12 de maio de 2022, veio o Requerente pronunciar-se acerca do despacho de revogação proferido pela Requerida, referindo que nada tinha a opor à extinção do processo por inutilidade superveniente da lide, devendo apenas ter-se em consideração a responsabilidade da Requerida pelas custas, que deve ser condenada no seu pagamento integral.

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

 

III.      Matéria de Facto

 

  1. Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 23 de dezembro de 2021;
  2. O Tribunal Arbitral foi constituído a 2 de março de 2022;
  3. A 31 de março de 2022, foi notificado o dirigente máximo do serviço da AT para no prazo de 30 dias apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional;
  4. A 4 de abril de 2022, através de despacho proferido pela Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), foi revogado o ato de liquidação de IRS n.º 2020 ... ora em crise;

 

  1. Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

 

IV.      Direito

 

Na medida em que foi revogado o ato de liquidação impugnado pelo Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.

A propósito, veja-se o referido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no Processo n.º 9874/14, de 30 de julho de 2014: “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância – al. e) do art. 277.º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência de tal instância, «a pretensão do autos não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.» (José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. 1.º, 2.ª ed., 2008, anotação 3 ao art. 287.º, p. 512)”.

Com efeito, tal como resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT, ora Requerida, o que implica a inutilidade ou impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um ato já suprimido da ordem jurídica.

Repare-se que, com a revogação do ato de liquidação em questão, o Requerente vê os efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral totalmente atingidos.

Assim sendo, entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do ato tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

V.        Decisão

 

À face do exposto, decide o presente Tribunal Arbitral:

  1. Julgar extinta a instância;
  2. Absolver a Requerida da instância; e
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, no valor de € 612,00.

 

VI.      Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 4.597,13, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.     Custas

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 612,00 a cargo da Requerida, na medida em que foi esta que deu causa à presente ação, apenas tendo revogado e comunicado a anulação do ato após a constituição do tribunal arbitral, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 3 do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 20 de junho de 2022

Tribunal Arbitral Singular,

Sérgio Santos Pereira