Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 856/2021-T
Data da decisão: 2022-08-12  IRS  
Valor do pedido: € 28.280,81
Tema: IRS – Residência Habitual.
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Sumário:

 

I - Sem prejuízo de a informação cadastral poder ser o ponto de partida na determinação de alguns dos elementos em que se baseia a liquidação de IRS, o cadastro pode não ser o ponto de chegada, na medida em que este não estabelece uma presunção inilidível ou faz prova plena de que os factos declarados estão atualizados.

II - A demonstração de que a residência habitual não se situa em Portugal, configurando uma prova negativa e, como tal, uma “prova diabólica” não pode, contudo, transformar-se numa “prova impossível”. Desta feita, a inexistência de uma residência habitual em território nacional deve poder ser aferida através de indícios suscetíveis de demonstrar que o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida/local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida não se situa no território nacional. 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1.     RELATÓRIO

1.1.  No dia 27 de dezembro de 2021, A..., com o NIF ... residente na Rua ..., Luanda, República de Angola, (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), relativamente ao Indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2021... apresentado contra o indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2020..., que tem por objeto a Liquidação de IRS do ano de 2019 n.º 2020..., no montante de €28.280,81.

1.2.  No dia 29-12-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

1.3.  O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

1.4.  Em 10-02-2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

1.5.  Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 02-03-2022.

1.6.  No dia 06-04-2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta.

1.7.  No dia 08-04-2022, foi solicitada a pronúncia das partes quanto à possibilidade de dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, não tendo as partes manifestado vontade de a recusar.

1.8.  Em 05-05-2022, foi dado um prazo de 10 dias às partes para apresentar alegações simultâneas.

1.9.  Em 21-06-2022, foi dado um prazo de 10 dias à Requerente para proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente. 

1.10.               Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que:

1.10.1.     Em 30 de junho de 2020, apresentou a declaração de rendimentos, Modelo 3 de IRS/2019, indicando, por mero lapso declarativo, que seria residente para efeitos fiscais no território português e o estado civil de unido de facto.

1.10.2.     Após comunicação do “procedimento de análise de divergências” pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), apresentou uma declaração de substituição com indicação correta da residência fiscal no seu país de origem, República de Angola e alterou o estado civil para solteiro.

1.10.3.     Com a submissão da mencionada declaração substitutiva a AT procedeu à correção do seu estado civil, mas não alterou a situação de residência fiscal, permanecendo como residente fiscal em território português.

1.10.4.     Pelo facto da AT ter mantido como pressuposto a residência fiscal do Impugnante em território português procedeu à liquidação oficiosa em sede de IRS de 2019, no valor de €28.280,81 (vinte e oito mil duzentos e oitenta euros e oitenta e um cêntimos), tendo efetuado a penhora de saldo bancário no mencionado montante.

1.10.5.     Após a decisão do recurso hierárquico, esgotou todos os recursos legais na via administrativa para que a mencionada liquidação fosse anulada, fundamentando e comprovando a sua residência fiscal na República de Angola, ao invés do considerado pela AT, o território português.

1.10.6.     Não é residente fiscal em território português.

1.10.7.     O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), artigo 16.º, n.º 1, na sua versão atual, estabelece os seguintes requisitos para que as pessoas sejam consideradas residentes fiscais no território português:

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português”.

            

1.10.8.     Relativamente ao requisito previsto no Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, a al. a), nunca fixou a sua residência em território português e não permaneceu no território português mais 183 dias.

1.10.9.     Esta situação é facilmente percetível, uma vez que trabalha em Angola e para uma empresa angolana, estando ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado em 1 de novembro de 2011.

1.10.10.  O contrato de trabalho por tempo indeterminado pressupõe que o local de trabalho seja em Angola e o cumprimento de horário determinado pela entidade patronal em Angola, o que significa, no máximo, que poderia ter vindo a Portugal no período de férias para estar junto da família.

1.10.11.  O critério fáctico, meramente numérico, da presença em Portugal constante na al. a) do artigo 16.º do CIRS não lhe pode ser aplicado.

1.10.12.  Em relação ao requisito previsto no Código IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. b), não é proprietário de qualquer habitação própria permanente ou secundária ou arrendada que faça supor a intenção de fixar residência em território português.

1.10.13.  Este requisito, apesar de não exigir a sua presença temporal no território português, como o da al. a) do mesmo preceito, em termos doutrinais e jurisprudenciais estabelece três condições cumulativas para que a pessoa seja qualificada como residente fiscal em território português, designadamente, a permanência em Portugal, a disposição de uma habitação e a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

1.10.14.  O facto de não ter qualquer habitação própria permanente ou secundária ou arrendada em condições que faça supor a sua habitabilidade pode ser confirmada através da caderneta predial urbana, documento emitido pela AT, bem como pela certidão predial emitida pela Conservatória do Registo Predial de Cascais, já que se trata de um terreno para construção, em compropriedade.

1.10.15.  É indiscutível e irrefutável que não é proprietário de quaisquer imóveis habitáveis em território português pelo que não tem as condições legalmente exigíveis para ser considerado residente fiscal no território português, nos termos do Código IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. b).

1.10.16.  Acresce, ainda, que o Código do IRS, artigo 13.º, n.º 12 menciona que “[o] domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”. Nesse sentido e recorrendo a uma interpretação a contrario sensu, na ausência de habitação própria e permanente, um indivíduo não pode ser considerado residente fiscal em território português. Esta interpretação vem na mesma linha de pensamento do legislador constante do Código do IRS, artigo 13.º, n.º 13 quando estabelece que “[p]ara efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo:……………. b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente”.

1.10.17.  No que se refere ao Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, alíneas c) e d) não são aplicáveis ao caso em apreço, uma vez que não é e nunca foi tripulante de navios ou aeronaves, não desempenha nem nunca desempenhou no estrangeiro funções ou comissões de carácter público ao serviço do estado português.

1.10.18.  Apresentou junto do processo administrativo provas documentais emitidas, tanto pelas autoridades portuguesas como angolanas, de que é residente fiscal e habitual em Angola.

1.10.19.  O Consulado Geral de Portugal em Luanda emitiu o certificado de residência, declarando que o Impugnante reside em Angola desde o dia 28 de setembro de 2009.

1.10.20.  A Administração Geral Tributária, entidade tributária e aduaneira angolana equivalente à AT emitiu uma certidão de residência fiscal, a residência fiscal no território angolano desde o dia 16 de fevereiro de 2012.

1.10.21.  Assumindo como imperativa a premissa de que não é residente fiscal em território português, o mesmo também não pode ser considerado sujeito passivo de IRS, nos termos Código do IRS, artigo 13.º, n.º 1, que refere que “[f]icam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”.

1.10.22.  Tendo em conta o mencionado preceito, importa salientar que não só não reside no território português, como não tem quaisquer rendimentos no território português pelo que não pode ser considerado sujeito passivo.

1.10.23.  O presente pedido arbitral deve ser considerado procedente, por provado, e, em consequência, ser proferida a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS de 2019 no valor €28.280,81, por vício de violação de lei e por erro sobre os pressupostos de direito, com todas as consequências legais e a AT condenada a anular a penhora de saldo bancário, bem como a pagar juros indemnizatórios nos termos do Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, conjugados com o disposto na Lei Geral Tributária (“LGT”), artigo 43.º, n.º 4.

1.10.24.  Caso assim não se entenda, o que não se concede, a não ser por mero dever de patrocínio, subsidiariamente, deverá a liquidação do IRS de 2019 ser anulada e, consequentemente, devolvido o valor penhorado, tendo em conta que o valor do imposto equivalente foi liquidado junto das autoridades competentes na República de Angola, eliminado assim a injusta dupla tributação internacional.

 

1.11.               Por seu turno, a AT ou Requerida alega, em síntese que:

1.11.1.     A liquidação controvertida deve ser mantida na ordem jurídica, com base nos argumentos apresentados em sede de decisão de recurso hierárquico, bem como de reclamação graciosa.

1.11.2.     Foi apresentada no Serviço de Finanças de Cascais - ..., pelo Requerente, reclamação graciosa contra a liquidação de IRS, com o n.º 2020..., reclamação essa que foi indeferida.

1.11.3.     No contexto da referida reclamação graciosa, verificou-se que a 30 de junho de 2020, o ora Requerente e B..., apresentaram uma declaração de rendimentos onde fizeram constar que eram unidos de facto e que residiam no território nacional. Na sequência do procedimento de análise de divergências foi apresentada uma declaração de substituição do qual consta que o ora Requerente é “solteiro, divorciado ou separado judicialmente”

1.11.4.     Resulta ainda da decisão da Reclamação Graciosa que o ora Requerente consta do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes da AT como residente em território nacional desde 31 de agosto de 2000, não tendo sido juntos aos autos meios de prova suficientes para justificar a qualidade de residente fiscal em Angola e a natureza dos rendimentos objeto de tributação. Acresce, ainda, que a Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e Angola apenas entrou em vigor em 01/01/2020.

1.11.5.     O Requerente apresentou audição prévia e, nesse contexto, o Serviço de Finanças Cascais 2 pediu esclarecimentos à DSRI, que defendeu, em suma, que o contribuinte manteve uma habitação em condições que faziam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual (o que foi inferido da consulta ao seu património, constante das bases de dados da AT), permanecendo até 60 dias por ano em Portugal. Neste contexto a DSRI considerou que o ora Requerente deveria ser considerado residente em Portugal e que os elementos probatórios apresentados na audição prévia não refutavam essa presunção.

1.11.6.     A Reclamação Graciosa foi indeferida, tendo o Requerente apresentado recurso hierárquico.

1.11.7.     O Requerente foi notificado do projeto de indeferimento do recurso hierárquico, já que se considerou que a argumentação apresentada foi a mesma que já tinha sido apreciada em sede de Reclamação Graciosa.

1.11.8.     O Requerente exerceu direito de audição prévia, mas não fez junção de novos elementos.

1.11.9.     O Requerente, mais tarde, remeteu via postal, a 13/09/2021 (intempestivamente), requerimento firmado pela mandatária, a solicitar a junção aos autos, de certidão predial de terreno para construção, obtida no Registo Predial Online, em que o recorrente é um dos comproprietários e print de caderneta predial urbana, a fim de comprovar que não é proprietário de imóvel habitável em território português e Informou, ainda, que solicitou uma declaração da Administração Geral Tributária Angolana que comprova o cumprimento das obrigações fiscais em Angola referente ao ano de 2019, aguardando a sua emissão, tendo solicitado prorrogação do prazo para audição prévia, não inferior a 45 dias, a fim de apresentar o referido documento.

1.11.10.  Conforme já referido no projeto de decisão do recurso hierárquico, nos termos do Código do IRS, artigo 65.º, n.º 1, o rendimento coletável em sede de IRS é apurado de acordo com as regras estabelecidas naquele código, com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal.

1.11.11.  O Requerente submeteu, no prazo legal, a declaração de rendimentos do ano de 2019, na qual, no respetivo anexo J, indicou os rendimentos de trabalho dependente auferidos no estrangeiro.

1.11.12.  Conforme a informação cadastral, o Requerente é considerado residente em Portugal, desde 2000/08/31, conforme disposto no Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. b) do Código do IRS.

1.11.13.  Relativamente ao pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direto de audição, foi referido que, conforme disposto no artigo 60.º, n.º 6 da LGT, o prazo poderia ser, no máximo, alargado até 25 dias, no entanto, à data de redação daquela informação, esse prazo já teria sido extrapolado.

1.11.14.  Atento ao explanado, foi negado provimento ao presente recurso hierárquico, considerando-se ser de manter a liquidação contestada na ordem jurídica, tendo sido proferido em 22-09-2021 despacho de indeferimento, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa.

1.11.15.  Contra esta decisão, veio o ora Requerente apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral (“PPA”). 

1.11.16.  A AT pugna pela manutenção na ordem jurídica da liquidação controvertida, nos termos expostos em sede de decisão de reclamação graciosa, bem como de recurso hierárquico.

1.11.17.  Consultada a Informação disponível no sistema informático da AT, verificou-se o seguinte:

1.11.17.1.     Em 30/06/2020, o Requerente procedeu à apresentação de declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, tendo declarado o estado civil de “Unido de Facto” com B..., NIF..., bem como declarou ser residente fiscal em Portugal durante o ano de 2019, e apresentou unicamente o Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), no qual declarou rendimentos de trabalho dependente, provenientes de Angola, no valor de €122.241,20, contribuições para regimes de proteção social no valor de €3.880,00, e imposto pago no estrangeiro no valor de €20.750,00. Nas informações complementares declarou ter permanecido no país do exercício do emprego por um período superior a 183 dias. 

1.11.17.2.     Posteriormente, em 20/08/2020, procedeu à apresentação de declaração de substituição Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, alterando o estado civil para “Solteiro, divorciado ou separado judicialmente”, bem como alterou o seu estatuto de residência fiscal para “Não residente”, e retirou o Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), encontrando-se somente preenchido o Anexo H (Benefícios fiscais e deduções). Esta declaração encontra-se no estado de “Errada”.

1.11.17.3.     Em 11/09/2020 foi elaborada pela AT declaração oficiosa de rendimentos relativa ao ano de 2019, na qual foi inscrito o estado civil de “Solteiro, divorciado ou separado judicialmente”, e mantido o Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), no qual o contribuinte havia declarado rendimentos de trabalho dependente, provenientes de Angola, no valor de €122.241,20, contribuições para regimes de proteção social no valor de €3.880,00, e imposto pago no estrangeiro no valor de €20.750,00. Bem como, nas informações complementares se manteve o período de permanência no país do exercício do emprego por um período superior a 183 dias. Esta declaração encontra-se no estado de “Vigente”, tendo originado a liquidação contestada.

1.11.18.  Foi o contribuinte, ora Requerente, que inicialmente declarou ser residente fiscal em Portugal, pelo que pretendendo a alteração do estatuto de residente para o de não residente em território português é ao mesmo que compete o ónus da prova do alegado, de acordo com o que dispõe o artigo 74.º, n.º 1 da LGT

1.11.19.  Após análise aos documentos apresentados pelo ora Recorrente, constata-se que dos mesmos não é possível concluir que:

1.11.19.1.     O contribuinte, ora Requerente, permaneceu por um período inferior a 183 dias em Portugal, pois não foi apresentado qualquer documento comprovativo desse facto, designadamente, cópia do passaporte com o registo de entradas e saídas em Portugal. Pois, as declarações emitidas pela entidade patronal apenas demonstram que o contribuinte trabalhou para a C... SA; 

1.11.19.2.     Os certificados de residência emitidos pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda e pela Administração do Bairro de ..., atestam a residência do contribuinte em Angola, mas não o período de permanência naquele país no ano de 2019; e

1.11.19.3.     O certificado de residência fiscal emitido pela Administração Geral Tributária de Angola atesta que nos termos da legislação interna de Angola o contribuinte foi considerado residente fiscal em Angola, mas não atesta o período de permanência naquele país no ano de 2019.

1.11.20.  No ano de 2019, o Requerente tinha o seu domicílio fiscal em Portugal localizado na R....– Parede, considerando-se esse o local da sua residência habitual, competindo ao requerente comunicar à AT no prazo de 60 dias a alteração do seu estatuto de residência, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT, conforme estipula a LGT, artigo 19.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5. E, apenas em 12/01/2021, veio o contribuinte alterar a sua residência fiscal para Angola.

1.11.21.  Contrariamente ao alegado pelo Requerente, verificou-se por consulta às declarações de IRS, que em 26/06/2019 o contribuinte apresentou declaração de rendimentos com referência ao ano de 2018, tendo igualmente declarado o estatuto de residente fiscal em Portugal, o que indica que este fixou a sua residência fiscal em Portugal.

1.11.22.  O facto de não ser proprietário de imóvel destinado a habitação ou de não ter casa arrendada, por si só nada prova quanto à inexistência de habitação em Portugal, porquanto, o contribuinte pode utilizar a habitação na qual domiciliou a sua residência fiscal, ao abrigo de comodato ou direito de uso e habitação.

1.11.23.  Perante o exposto, conclui-se que o Requerente não fez prova de não ser residente fiscal em Portugal.

1.11.24.  A decisão de indeferimento proferida no âmbito do Recurso Hierárquico n.º ...2021..., relativo ao período de tributação de IRS do ano de 2019, deve ser mantida na ordem jurídica.

1.11.25.  Entende-se não assistir razão ao Requerente no por si peticionado na presente ação, não merecendo, pois, qualquer censura o ato recorrido, dado que o mesmo resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável.

1.11.26.  A AT está adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade enunciado na CRP, artigo 266.º, n.º 2 e concretizado pela LGT, artigo 55.º e Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), artigo 3.º.

1.11.27.  Está, assim, a AT adstrita ao rigoroso cumprimento dos preceitos legais aplicáveis na matéria, o que sucedeu no presente caso, tendo decidido de acordo com o previsto legalmente.

1.11.28.  O ato impugnado deverá ser mantido na ordem jurídica, tendo ficado claramente demonstrado, nos autos em apreço que a argumentação aduzida pelo Requerente terá de soçobrar.

1.11.29.  Não se verificando, nos presentes autos, em nosso entender, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido ao Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

1.12.               Em 28 de abril de 2022, veio o Requerente, através de requerimento ad hoc, responder aos argumentos apresentados pela AT, onde, no essencial, defendeu o seguinte:

1.12.1.     No artigo 19.º da resposta apresentada pela AT, esta entidade refere que o Requerente “…manteve uma habitação em condições que fizessem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual…”, acrescentando ainda no artigo 20.º da referida resposta que “…não sendo, nesta sede, apresentado novos elementos, suscetíveis de contrariar o anteriormente mencionado, deve mantendo-se na ordem jurídica, a liquidação de IRS contestada”.

1.12.2.     A AT continua a insistir na mesma premissa retórica e errática, estando na posse de provas inquestionáveis e irrefutáveis de que o Requerente nunca fixou a sua residência fiscal em território português, nem tem no território português a sua residência habitual, ou seja, no ano de 2019 não permaneceu no território português mais de 183 dias.  As referidas provas documentais foram juntas no procedimento tributário na fase de recurso hierárquico da reclamação graciosa, bem como no requerimento inicial apresentado a este tribunal, designadamente, as declarações da entidade patronal do Requerente, provando que o mesmo encontra-se ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado desde o dia 1 de novembro de 2011.

1.12.3.     Conforme referido no artigo 12.º do requerimento inicial do presente processo “O contrato de trabalho por tempo indeterminado pressupõe a existência do local de trabalho em Angola, cumprimento de horário determinado pela entidade patronal em Angola, o que significa, no máximo, que poderia o Impugnante ter vindo a Portugal no período de férias para estar junto da família.”.

1.12.4.     Ainda a respeito da habitação em território português a AT menciona no artigo 38.º da resposta que “O facto de não ser proprietário de imóvel destinado a habitação ou de não ter casa arrendada, por si só nada prova quanto à inexistência de habitação em Portugal, porquanto, o contribuinte pode utilizar a habitação na qual domiciliou a sua residência fiscal, ao abrigo de comodato ou direito de uso e habitação”. Tendo em conta as provas carreadas no procedimento tributário na fase do recurso hierárquico e no aludido requerimento inicial, como a caderneta predial urbana e certidão predial, demonstra uma clara má-fé por parte da AT, sendo do perfeito conhecimento da mesma que o Requerente não tem qualquer habitação própria permanente ou secundária em condições que faça supor a sua habitabilidade.

1.12.5.     Não pode ser ignorada a questão suscitada pela AT de que “o contribuinte pode utilizar a habitação na qual domiciliou a sua residência fiscal, ao abrigo de comodato ou direito de uso e habitação”, salvo melhor opinião a questão suscitada não passa de uma manobra ilusória, inaceitável e incoerente.

1.12.6.     A AT fundamentou sempre as suas decisões na crença de que o Requerente é proprietário de imóvel destinado à habitação, como se pode comprovar no número 14 da informação constante na notificação de audição prévia, referindo que “14-Nos termos e com base na informação cadastral do recorrente, à data dos factos, como sujeito passivo residente em Portugal e detendo a propriedade de imóvel destinado à habitação, conforme disposto na al. b) do n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do art.º 16.º do CIRS “condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como que residência habitual”, verifica-se que a AT concretizou o expressamente consignado na lei”. 

1.12.7.     Tendo em conta o fundamento das decisões da AT, a questão agora suscitada é completamente incoerente, dado que se AT acreditava que o Requerente era proprietário de uma habitação em condições que façam supor a intenção de manter e ocupar residência, não pode mudar de opinião sem qualquer fundamento apenas porque o Requerente provou que o fundamento utilizado não corresponde a verdade, uma vez que não existe qualquer imóvel habitável, mas sim um terreno para construção.

1.12.8.     É indiscutível e irrefutável que o Impugnante não é proprietário de quaisquer imóveis habitáveis em território português pelo que o Impugnante não tem as condições legalmente exigíveis para ser considerado residente fiscal no território português, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.

1.12.9.     No artigo 35.º da aludida resposta a AT, a mesma quer fazer crer que o Requerente não fez prova bastante de que não permaneceu em território nacional por período inferior a 183 dias através dos documentos carreados, tanto no procedimento tributário, como nos presentes autos, designadamente, as declarações emitidas pela entidade patronal, certificado de residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda, certidão de residência fiscal emitida pelo Administração Geral Tributária de Angola, atestado de residência emitido pela Administração do Bairro de ... em Angola. Ora, essa conclusão da AT, é de certo modo ofensiva para as autoridades angolanas, insinuando que as autoridades angolanas não verificaram todos os pressupostos do direito angolano antes de emitirem os documentos a atestar que o Requerente é residente fiscal e habitual em território angolano. 

1.12.10.  Apesar de considerar-se que já se encontram provas suficientes no processo de que o Requerente não é residente fiscal e habitual no território português e por forma a ilidir dúvidas que possam ainda existir, junta-se cópia integral do passaporte do Requerente, bem como o bilhete de passagem do ano de 2019.

1.12.11.  No que se refere à qualificação do Impugnante como residente fiscal no território português e considerando as provas documentais inquestionáveis carreadas com o presente requerimento, é legitimo concluir que o caso do Requerente não pode ser subsumível em nenhum dos requisitos das alíneas do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS nem ao requisito da residência habitual estipulado na LGT, artigo 19.º, n.º 1, al. a), sendo indiscutível que o Impugnante não tem residência fiscal nem habitual no território português.

1.12.12.  Face a tudo quanto foi exposto, é inquestionável e indiscutível, que, em termos legais, designadamente, o Requerente não é nem residente fiscal nem habitual no território português e consequentemente não é sujeito passivo de IRS.

 

1.13.               Em 20 de maio de 2022, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, concluindo, no essencial, que:

1.13.1.     Inexistem factos novos a acrescentar à tese que havia sido, pelo Requerente, desenvolvida no requerimento inicial.

1.13.2.     Não se suscita, por isso, qualquer alteração aos argumentos arvorados no pedido arbitral, pelo que não obstam à procedência da argumentação desenvolvida pela AT em sede de Resposta.

1.13.3.     A AT mantém, integralmente – e para o efeito deve aqui ser considerado totalmente reproduzido –, o teor da sua Resposta oportunamente apresentada

1.14.               Em 20 de maio de 2022, o Requerente apresentou as suas alegações escritas, concluindo, no essencial, que:

1.14.1.     No que se refere à qualificação do Requerente como residente fiscal no território português e considerando as provas documentais inquestionáveis carreadas no presente processo, é legítimo concluir que o caso do Requerente não pode ser subsumível em nenhum dos requisitos das alíneas do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS nem ao requisito da residência habitual estipulado na LGT, artigo 19.º, n.º 1, al. a), sendo indiscutível que o Requerente não tem residência fiscal nem habitual no território português; e que

1.14.2.     Face a tudo quanto foi exposto, é inquestionável e indiscutível, que, em termos legais, designadamente, o Requerente não é nem residente fiscal nem habitual no território português e consequentemente não é sujeito passivo de IRS no neste território.

2.     SANEAMENTO

2.1.  O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do RJAT, artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a).

2.2.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos do RJAT, artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2.3.  O processo não enferma de nulidades.

3.     MATÉRIA DE FACTO

3.1.  Factos dados como provados

3.1.1.        Em 30 de junho de 2020, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos, Modelo 3 de IRS/2019, indicando como residência fiscal o território português e o estado civil como unido de facto.

3.1.2.        Na referida declaração o Requerente declarou ter permanecido no país do exercício do emprego, i.e., Angola, por um período superior a 183 dias.

3.1.3.        Na sequência do procedimento de análise de divergências instaurado pela AT, foi apresentada uma declaração de substituição do qual consta que o ora Requerente é “solteiro, divorciado ou separado judicialmente”.

3.1.4.        Na declaração de substituição foi, igualmente, alterada a residência fiscal para Angola.

3.1.5.        A AT aceitou a correção do estado civil do Requerente, mas não aceitou a alteração da residência fiscal, tendo sido emitida uma liquidação oficiosa de IRS de 2019, no montante de €28.280,81.

3.1.6.        A AT efetuou uma penhora de saldo bancário no montante de €28.280,81.

3.1.7.        Foi apresentado no Serviço de Finanças de Cascais - 2, pelo Requerente, reclamação graciosa contra a liquidação de IRS, com o n.º 2020..., reclamação essa que foi indeferida.

3.1.8.        O Requerente apresentou, igualmente, recurso hierárquico, que também foi indeferido.

3.1.9.        O ora Requerente consta do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes da AT como residente em território nacional desde 31 de agosto de 2000.

3.1.10.     Em 2019, o Requerente esteve presente em Portugal.

3.1.11.     Em 2019 apenas era proprietário de um imóvel em Portugal, descrito como “Prédio Urbano Composto de Lote de Terreno para Construção”.

3.1.12.     O Requerente celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com uma empresa angolana em 2011, nos termos do qual deve estar presente em Angola para desempenhar a sua função.

3.1.13.     O Requerente foi considerado residente fiscal em Angola desde 2012 pela Administração Geral Tributária (“AGT”), Terceira Região Tributária, Primeira Repartição Fiscal de Luanda.

3.1.14.     O Consulado Geral de Portugal em Luanda considerou, igualmente, que o Requerente reside “de maneira permanente e continua” em Angola desde 2009.

3.2.  Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base nos documentos juntos ao pedido arbitral.

3.3.  Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

3.3.1.        Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. CPPT, artigo 123.º, n.º 2 e Código de Processo Civil (“CPC”), artigo 607.º, n.º 3, aplicáveis ex vi RJAT, artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e). 

3.3.2.        Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. CPC, anterior artigo 511.º, n.º 1, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi RJAT artigo 29.º, n.º 1, alínea e)).

3.3.3.        Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do CPPT, artigo 110.º, n.º 7 e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3.3.4.        Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

4.     DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1.         A questão central no presente processo prende-se com a residência, ou não, do Requerente em Portugal, no exercício de 2019, para efeitos do Código do IRS.

4.2.         Na opinião deste Tribunal, existem quatro pontos que devem ser ponderados na presente decisão:

(1)  A existência, ou não, de um direito ao erro declarativo e a valorização deste erro;

(2)  Os critérios de residência em sede de IRS aplicáveis no exercício de 2019;

(3)  A força probatória da prova junta aos presentes autos e capacidade, ou não de criar a convicção no julgador de que os factos, centrais a este processo, estão verificados; e

(4)  Relevância da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (“CDT”) entre Portugal e Angola. A este respeito, refere-se, desde já, que sempre será de começar a análise pela verificação dos requisitos de residência resultantes da lei doméstica e apenas em caso de estes estarem verificados cumpre analisar a possibilidade de aplicação da CDT.

4.3.         Começando com o primeiro ponto (ponto (1)), na opinião deste Tribunal existe um direito dos contribuintes ao erro declarativo. Dito de outra forma, os sujeitos passivos podem enganar-se nas suas declarações podendo, dentro de alguns limites, retificar as suas declarações de vontade. Naturalmente, como se descreve abaixo, destes erros podem advir consequências para os sujeitos passivos. Contudo, estas não devem ser a desconsideração, sem mais, da declaração corrigida, pelo menos, enquanto uma declaração de substituição possa, juridicamente, ser apresentada.

4.4.         Com efeito, nos termos do CPPT, artigo 59.º, n.º 3, “[e]m caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:

a) Seja qual for a situação da declaração a substituir, se ainda decorrer o prazo legal da respetiva entrega;

b) Sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:

I) Nos 30 dias seguintes ao termo do prazo legal, seja qual for a situação da declaração a substituir;

II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação, para a correção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;

III) Até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade, para a correção de erros imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto superior ao anteriormente liquidado”.

4.5.         Desta feita, como ponto enquadrador da presente análise, entendemos que a apresentação de uma declaração de substituição não terá valor, por si só, no que respeita à análise dos requisitos de residência, não se devendo extrair automaticamente nenhum desvalor a este respeito pelo facto de a declaração de IRS inicialmente apresentada ter sido alterada. 

4.6.         Como se demonstra abaixo, o direito ao erro declarativo implica igualmente que, sendo apresentada prova suficiente, os sujeitos passivos podem demonstrar a incorreção ou desatualização das declarações inicialmente fornecidas à AT relativamente à sua informação cadastral.

4.7.         Relativamente à segunda ordem de análise (ponto (2) acima), relativa aos critérios de residência aplicáveis no exercício de 2019, no caso em apreço são relevantes, essencialmente, os previstos no Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, als. a) e b), a saber:

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.”.

4.8.         Relativamente ao critério previsto no Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, al a) a lei exige apenas a verificação de um elemento objetivo, a presença física da pessoa singular em território nacional, em “qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo” (Código do IRS, artigo 16.º, n.º 2).

4.9.         Não existindo, a este respeito, a necessidade de demonstrar qualquer intenção, importa apenas conferir os elementos de prova existentes, de forma a confirmar se estes são suscetíveis de demonstrar, ou não, a presença do Requerente em Portugal por mais de 183 dias (análise que se desenvolve abaixo).

4.10.      Já relativamente ao Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. b), a lei exige, na minha opinião, a verificação de três elementos, também identificados pelo Requerente: (a) a presença do indivíduo em Portugal, ainda que por um período inferior a 183 dias (“Tendo permanecido por menos tempo”), (b) a existência de uma habitação à sua disposição (“aí disponham (…) de habitação”) e (c) a existência de elementos que permitam “supor” que o indivíduo tem a intenção atual de manter e ocupar a referida habitação como “residência habitual”.

4.11.      Assim, focando a análise nos requisitos (b) e (c) não basta demonstrar que o Requerente é proprietário ou arrendatário de um imóvel em Portugal (embora, seja necessário que este tenha efetivamente uma habitação à sua disposição em território nacional), sendo igualmente necessário confirmar se existia uma intenção de ocupar uma habitação em Portugal no exercício em causa como “residência habitual” (i.e. não se trata de uma eventualidade a verificar num exercício futuro). A este respeito, sempre será de referir que não será suficiente que um determinado indivíduo disponha de uma casa em Portugal, ou venha a Portugal regularmente, para que exista uma intenção de ocupar o imóvel como residência habitual.

4.12.      Como sustenta Manuel Faustino a lei “exige a reunião do corpus e do animus. Não basta a permanência em território português. Ou pode nem ter havido permanência, no sentido anteriormente visto, suficiente em território português. Existe um corpus, constituído por um local de residência, associado a um animus, que consiste na intenção de a manter e ocupar como residência habitual.” (Cfr. Manuel Faustino, “Os Residentes no Imposto Sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 424, (2009), p. 124).

4.13.      No mesmo sentido, Alberto Xavier defende que “[o] direito português define expressamente o conceito de residência no que concerne às pessoas singulares, acolhendo uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramente objectiva, que se contenta com o simples corpus, e a noção subjectiva, que exige a presença cumulativa dos dois requisitos: o corpus e o animus. O estatuto de residente adquire-se, alternativamente, pela permanência no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados – sejam quais forem as intenções do sujeito – ou pela intenção de residência em Portugal, expressa por aqueles que, tendo embora permanecido por menos tempo, disponham no território português, em 31 de Dezembro, «de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual» (CIRS, artigo 16.º, n.º 1, «a» e «b»)..” (Cfr. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, Coimbra: Almedina, 2ª ed. (2007), p. 285).

4.14.      Sem prejuízo de os referidos autores se referirem a uma redação que já não se encontra em vigor, considero, ainda assim, que os princípios subjacentes ao seu entendimento mantêm a sua relevância.

4.15.      Neste contexto, importa, porém, referir que a lei não define o que se entende por residência habitual, embora a LGT, artigo 19.º, n.º 1, al. a) refira que o “domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual” e de o Código do IRS, artigo 13.º, n.º 12 determinar que o “domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”.

4.16.      Neste contexto, é importante relembrar que a identificação da residência habitual com o domicílio fiscal não configura uma presunção inilidível de que um determinado indivíduo reside habitualmente no local indicado como domicílio fiscal. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo n.º 2369/09.7BELRS) “não obstante o domicílio fiscal do Recorrido, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em L., como referimos, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e, ademais, não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante”.

4.17.      Não apenas pode existir uma desatualização do cadastro fiscal, como, no essencial, quer a LGT, artigo 19.º, quer o Código do IRS, artigo 13.º, n.º 12, fazem a identificação da residência habitual com o domicílio fiscal em contextos muito específicos relacionados com a identificação dos serviços da AT territorialmente competentes, ou de clarificação da composição do agregado familiar para efeitos de declaração de IRS, e ainda assim, com muitas cautelas sendo sempre admitida prova em contrário (Cfr., inter alia, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA-S”), processo 00546/10.2BEVIS, 09/17/2015).

4.18.      Assim, até por força da possibilidade de apresentação de prova em contrário/e de se ilidir a presunção de que a residência habitual coincide com o domicílio fiscal, a verificação do requisito previsto no Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. b) exige uma análise casuística. Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo sustentou que “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.” (Cfr. Ac. do STA de 23-11-2011, proferido no processo n.º 0590/11).

4.19.      No presente processo, em todo o caso, as principais divergências entre as partes parecem centrar-se na prova dos referidos requisitos, nomeadamente do local onde o Requerente tem a sua residência habitual, ou, nas palavras do STA, “o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida e, não tanto, na interpretação das normas acima identificadas (Cfr. Ac. do STA de 23-11-2011, proferido no processo n.º 0590/11).

4.20.      Entramos, assim, no ponto (3) da presente análise, ou seja, a força probatória da prova junta aos presentes autos e capacidade, ou não de criar a convicção no julgador de que determinados factos, centrais a este processo 

4.21.      Começo por referir, que sem prejuízo de nem o Requerente, nem a AT, verdadeiramente, invocarem que aquele se encontrou em território nacional por mais de 183, a AT procura utilizar do ónus da prova para invocar que o Requerente não demonstra que não esteve em Portugal durante mais de 183 dias. Desta feita, sem prejuízo de este argumento apenas ter sido utilizado em sede de resposta ao PPA, começaremos por aqui.

4.22.      A este respeito, a prova apresentada pelo Requerente parece, contudo, ser suficiente para demonstrar que nãoesteve presente em Portugal por um período superior a 183 dias:

4.22.1.        O facto de o Requerente ter um contrato de trabalho desde 2011, que implicava a sua presença em Angola, na opinião deste Tribunal, por si só, não será prova determinante da presença daquele em Angola por mais de 183 dias (e, consequentemente, da sua não presença em território nacional). Os efeitos fiscais devem assentar numa análise material, que não resulta necessariamente da mera previsão contratual. Em todo o caso, o elemento contratual ajuda a contextualizar a situação. Ou seja, em termos normais, não existindo nenhuma patologia contratual, o Requerente deveria estar presente em Angola. Neste contexto, as declarações da entidade empregadora não demonstrando, igualmente, por si só, que o Requerente permaneceu em Angola por mais de 183 dias, apontam no sentido de que não houve nenhuma violação do contrato de trabalho. O mesmo se diga relativamente ao pagamento de Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho.

4.22.2.        A declaração de residência fiscal emitida pela AGT também não demonstra que o Requerente passou mais de 183 dias em Angola, já que a lei angolana também prevê mais do que um critério de residência (e não apenas o critério dos 183 dias). 

4.22.3.        O atestado de residência emitido pela Administração do Bairro da ..., contudo, ao não se referir a residência fiscal, parece apontar para uma presença estável do Requerente em Angola, não obstante se tratar de um documento emitido apenas em 2020.

4.22.4.        A declaração de residência fiscal emitida pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda oferece, em todo o caso, um indício forte de permanência em Angola, já que do certificado resulta que o Requerente reside “de maneira permanente e continua” em Angola. 

4.22.5.        A cópia do passaporte e os vistos de entrada em Portugal reforçam o enquadramento descrito acima, de que o Requerente não esteve em Portugal em 2019 por mais de 183 dias.

Estes dois últimos elementos, sobretudo quando devidamente enquadrados pelos pontos 4.21.1 a 3, parecem suficientes para demonstrar que o Requerente não esteve em Portugal por mais de 183 dias. 

4.22.6.        Acresce, ainda, que na declaração de IRS apresentada em 30 de junho de 2020 (i.e., na declaração original), o Requerente já tinha declarado ter permanecido no país do exercício do emprego (Angola), por um período superior a 183 dias. A este respeito, cumpre não esquecer que, nos termos da LGT, artigo 75.º “[p]resumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”. Uma vez que a ausência de Portugal por mais 183 não implica, necessariamente, que um determinado indivíduo deixe de ser residente fiscal em Portugal e que, o Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. a) não foi verdadeiramente utilizado pela AT como fundamento para a residência do Requerente em Portugal, entende este Tribunal que o valor da declaração deste deve ser devidamente considerado no presente processo.

4.23.      Assim, parece resultar consistentemente de todos os elementos disponíveis, i.e., quer dos elementos declarados, quer dos elementos de suporte documental apresentados posteriormente, que o Requerente não esteve presente em Portugal, em 2019, por mais de 183 dias.

4.24.      No que respeita ao segundo requisito, previsto no Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. b), critério utilizado pela AT, quer na fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, quer no despacho de indeferimento do recurso hierárquico, para considerar o ora Requerente residente em Portugal, desenvolverá este Tribunal a sua análise recorrendo aos três elementos acima identificados, i.e. (a) a presença do indivíduo em Portugal, ainda que por um período inferior a 183 dias, (b) a existência de uma habitação à sua disposição e (c) a existência de elementos que permitam “supor” que o indivíduo tem a intenção atual de manter e ocupar a referida habitação como “residência habitual”. Cumpre, desde já clarificar, em todo o caso, que a presença do Requerente em Portugal não é colocada em causa nem pelo Requerente, nem pela AT, pelo que importa focar a análise, sobretudo, nas alíneas (b) e (c).

4.25.      Para os efeitos do Código do IRS, artigo 16.º, n.º 1, al. b), não será de ignorar que o Requerente foi considerado residente em Portugal desde o ano 2000, já que o registo da informação cadastral resulta, geralmente, de uma declaração por parte do indivíduo, e nos termos da LGT, artigo 19.º, n.º 4 “[é] ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária”. Contudo, como referido, na declaração de IRS apresentada, o Requerente parece ter apresentado uma declaração posterior em sentido contrário, referindo que não é residente em Portugal. 

4.26.      Neste contexto, considera este Tribunal ser relevante começar por analisar a argumentação expendida pela AT, de forma aferir se os factos e contra-argumentos utilizados pelo Requerente são suficientemente fortes para contrariar a posição base de que parte a AT, i.e., de que o Requerente é residente em Portugal. 

4.27.      A este respeito, a argumentação defendida pela AT parece pouco convincente. Na realidade, são essencialmente dois os argumentos principais que a AT utilizou para considerar verificado o referido requisito de residência: (1) o cadastro do contribuinte; e (2) a existência de uma habitação em Portugal em nome do Requerente.

4.28.      Começando pelo argumento pelo primeiro argumento (ponto (1)), sempre será de referir que este releva por três razões: a primeira decorre do facto de o cadastro resultar de uma declaração do sujeito passivo, o que é demonstrativo da intenção de fixar a sua residência em Portugal (como já foi referido acima); a segundaresulta do facto de o cadastro se assumir como um ponto de partida sobre a situação fáctica do contribuinte a partir do qual a AT deve basear a sua atuação; e a terceira relaciona-se com o facto de, nos termos da descritos, a lei estabelecer uma equiparação entre o domicílio fiscal e a residência habitual.

4.29.      Contudo, sendo o cadastro o ponto de partida na determinação de alguns dos elementos em que se baseia a liquidação de IRS, o cadastro pode não ser o ponto de chegada. Ou seja, conforme já se descreveu, o cadastro não estabelece uma presunção inilidível nem faz prova plena de que os factos declarados estavam atualizados. E neste contexto, é relevante que o Requerente, tal como também já foi referido, tenha feito (na declaração de substituição que apresentou) uma declaração em sentido contrário ao que resulta do cadastro, ao declarar no IRS que não tinha intenção de fixar a sua residência em Portugal em 2019. Como resulta do já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo n.º 2369/09.7BELRS) “não obstante o domicílio fiscal do Recorrido, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em L., como referimos, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e, ademais, não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante”.

4.30.      Infelizmente, a desatualização do cadastro no que respeita à residência de pessoas singulares é extremamente comum, resultando de fatores que vão do simples esquecimento, a lapsos resultantes da atualização do cartão de cidadão (em que por vezes é dada uma morada em Portugal).

4.31.      Por outro lado, relembra-se que o Código do IRS não faz depender a residência da “intenção”, mas sim de “condições que façam supor a intenção”, ou seja, de manifestações externas que permitam aferir da intenção do indivíduo. Ora, o facto de o Requerente ter declarado que não era residente é, contudo, um elemento que permite aferir da intenção atual do indivíduo (vis-à-vis uma intenção passada resultante do cadastro, mesmo que não tendo sido cumprido o procedimento standard de atualização do domicílio fiscal). 

4.32.      Desta feita, sempre será de avaliar o segundo elemento invocado pela AT, a existência de uma habitação em Portugal em nome do Requerente. Ora, a este respeito, a argumentação parece pouco sólida, desde logo porque a morada alvitrada inicialmente pela AT como local de residência habitual do Requerente em Portugal, era um prédio para construção, ou seja, um local não habitável. Não será demais relembrar que a lei exige que a habitação à disposição do indivíduo permita fazer supor a intenção de a manter e ocupar (não no futuro, mas no presente), como residência habitual, o que não sucede com um terreno para construção. 

4.33.      Mais, refere a AT na proposta de indeferimento da reclamação graciosa que o “Reclamante não juntou aos autos meio de prova suficiente no sentido de comprovar o alegado, nomeadamente, documento a certificar a qualidade de residente fiscal em Angola (…)”. Ora, sem prejuízo de se considerar, como resulta do texto acima, que a demonstração da residência fiscal em Angola não determina, necessariamente, que o Requerente seja não residente em Portugal, por força da possibilidade de existir um conflito residência – residência, a AT parece considerar que o certificado faria prova de que este não seria residente fiscal em Portugal, mas quando o Requerente acabou por apresentar a referida prova (i.e. apresentou uma declaração de residência fiscal emitida pela AGT e outra pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda), a AT manteve a sua posição inicial.

4.34.      Refere a AT que o contribuinte apresentou declaração de rendimentos com referência a 2018, tendo igualmente declarado o estatuto de residente em Portugal, contudo, no presente caso apenas se analisa a residência em 2019.

4.35.      É verdade, como refere a AT na Resposta apresentada ao PPA, que o facto de o Requerente não ser proprietário de imóvel destinado a habitação ou não ter casa arrendada, por si só, nada prova quanto à inexistência de habitação em Portugal, podendo utilizar a casa onde domiciliou a sua residência fiscal, ao abrigo de comodato ou direito de uso e habitação.

Em todo o caso, a demonstração de que a residência habitual não se situa em Portugal, configurando uma prova negativa e, como tal, uma “prova diabólica” e, sobretudo, uma prova que, no limite, implica a aferição indireta de um elemento de intenção (intenção atual de manter e ocupar a referida habitação como “residência habitual”), não pode, contudo, transformar-se numa “prova impossível”. Desta feita, nos termos do CPC, artigo 607.º, n.º 4, aplicável ex vi RJAT, artigo 29.º, n.º 1, al. e), bem como do RJAT, artigo 16.º, al. e) serão, necessariamente, observadas as regras da experiência comum, prudência e bom senso na apreciação dos factos acima descritos.  

Assim, tendo o Requerente declarado que não era residente fiscal em 2019, importa aferir se existem indícios suscetíveis de demonstrar consistência nesta declaração, não podendo, simplesmente, basear-se a residência num juízo especulativo relativo à possibilidade de existir um qualquer título que permita ao Requerente dispor de uma habitação em Portugal. 

4.36.      Recorrendo à jurisprudência do STA, acima identificada, que considera a residência habitual é “o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida”, e “o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.” (Cfr. Ac. do STA de 23-11-2011, proferido no processo n.º 0590/11), sempre será de referir que a documentação apresentada demonstra que esta ligação existe relativamente ao território angolano e não relativamente ao território português:

4.36.1.        O facto de o Requerente ter um contrato de trabalho com uma empresa angolana desde 2011, que à partida implicava a sua presença em Angola, não provando a sua presença em Angola por mais de 183, demonstra que a sua vida está organizada em Angola, local onde paga os seus impostos (Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho) em Angola.

4.36.2.        A declaração de residência fiscal emitida pela AGT, também não demonstrando necessariamente que o Requerente passou mais de 183 dias em Angola, já que a lei angolana também aplica mais do que um critério de residência (e não apenas os 183 dias), também aponta, pelo menos, para que a residência habitual do Requerente se situe em Angola. Com efeito, nos termos do Código Geral Tributário Angolano, artigo 37.º, n.ºs 1 e 2 (em vigor em 2019): 

“1. O domicílio fiscal físico das pessoas singulares é o lugar da sua residência habitual.

2. Para efeitos do número anterior, considera-se residente no País quem aí dispuser, a 31 de Dezembro de cada ano, de uma habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual ou quem, em cada ano, aí permanecer mais de 183 (cento e oitenta e três) dias seguidos ou interpolados”.

Ou seja, para se ser residente em Angola, ou existe uma permanência por mais de 183 ou uma residência habitual em Angola. Salienta-se, ainda, que a AGT certificou a residência do Requerente desde 2012.

4.36.3.        O atestado de residência emitido pela Administração do Bairro da ... parece apontar para uma presença estável do Requerente em Angola.

4.36.4.        A declaração de residência fiscal emitida pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda demonstra também a conexão “de maneira permanente e continua” com o território angolano desde 2009.

4.37.      Desta feita, parece que a residência habitual do Requerente se situa em Angola, limitando-se, no essencial, a conexão a Portugal ao facto de o seu cadastro não estar atualizado, elemento que, como referido acima, deverá merecer prova em contrário. Prova essa que considera este Tribunal ter sido produzida.

4.38.      Assim, não se verificando qualquer dos requisitos de residência previstos no Código do IRS, não importa, sequer, analisar a possibilidade de aplicação da CDT celebrada entre Portugal e Angola,

4.39.      Termos em que deve a liquidação de IRS acima identificada ser anulada com todas as consequências legais.

4.40.      Por último, o Requerente, para além da declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS de 2019, solicita ainda a condenação a AT a “anular a penhora de saldo bancário, bem como no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT conjugado com o disposto no artigo 43.º, n.º 4 da LGT”.

4.41.      A este respeito, começando pelo pedido de juros indemnizatórios, decorre do disposto do RJAT, artigo 24.º, al. b) que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, a até ao termo do prazo para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado na LGT, artigo 100.º aplicável ex vi RJAT, artigo 29.º, n.º 1, al. a), que prevê que a AT “está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão”.

4.42.      Embora o RJAT, artigo 2.º, n.º 1, als a) e b) do utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

4.43.      O RJAT, artigo 24.º, n.º 5 ao afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

4.44.      Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

4.45.      Perante o descrito, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa já sinalizado, tem o Requerente direito à restituição do montante indevidamente penhorado acrescido do pagamento de juros calculados nos termos legais.

4.46.      Como já defendeu o TCA-Sul (Processo 09400/16, de 04/28/2016) “a reconstituição da situação actual hipotética reconduz-se à reposição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto considerado ilegal, ou seja, a repristinação da situação anterior implica a devolução da quantia retida, bem como os juros indemnizatórios, apurados desde a data em que ocorreu a privação ilegal da quantia a restituir”.

4.47.      Assim, o levantamento da penhora e pagamento dos respetivos juros deverá ser uma consequência da ilegalidade da liquidação de IRS, nos termos acima referidos.

4.48.      Tendo em conta o que vai dito, torna-se desnecessário apreciar o pedido subsidiário efetuado pelo Requerente.

 

5.     DECISÃO

Termos em que se decide:

(a)  Julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação de IRS de 2019 no valor €28.280,81, bem como a decisão de indeferimento do recurso hierárquico;

(b)  Condenar a Requerida no reembolso do imposto penhorado acrescido de juros indemnizatórios.

 

6.     Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €28.280,81, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7.     Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530.00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de agosto de 2022

 

O Árbitro 

(Leonardo Marques dos Santos)