Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 861/2021-T
Data da decisão: 2022-09-15  IMI  
Valor do pedido: € 18.861,45
Tema: IMI - Terrenos para construção – Valor Patrimonial Tributário (VPT).
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Sumário:

Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não são aplicáveis os coeficientes previstos no artigo 38.º do CIMI, nem a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39º do CIMI.

 

 

Decisão Arbitral

 

Requerentes: A...,  S.A.,  B..., LDA., C...,  S.A., e D..., S.A. (Requerentes)

Requerido: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e/ou “Requerida”)

 1. Relatório

A...,  S.A.,  contribuinte  n.º ... (“A...”),

B..., LDA.,  contribuinte  n.º ... (“B...”),

C...,  S.A., contribuinte  n.º ... (“C...”)  e

D..., S.A., contribuinte n.º ...(“D...”),

todas com sede em   ...,  n.º...,  ...,  ...-... Lisboa (de ora em diante conjuntamente designadas  por “Requerentes”), na sequência da notificação dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) de 2020 n.º ..., ..., ..., e ... e de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) de 2021 n.ºs ..., ..., ... e ... (melhor identificadas na matéria de facto provada) relativos aos terrenos para construção de que são proprietárias e através das quais se apurou um valor a pagar no montante global de € 62.885,58, vêm, nos termos e para os efeitos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, com designação do árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma e decorrentemente, apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) assente nos fundamentos que, sinteticamente, se passam a expor.

As Requerentes sustentam, para efeitos da procedência do PPA apresentado, desde logo e a título de questão prévia, questão tangente à impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI de 2020 e de AIMI de 2021 postos em crise nestes autos, não obstante as Requerentes não terem impugnado os respetivos atos de fixação do VPT dos terrenos para construção que estão na base das liquidações de IMI e AIMI ora arbitralmente impugnadas.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD

expressamente admite a legalidade e viabilidade da impugnação dos atos de liquidação de IMI e de AIMI  tendo  por  base  o  errado  e ilegal  apuramento  do  VPT, mesmo  quando  não tenham sido impugnados os atos de segunda avaliação.

Como decidiu o Tribunal Arbitral em 02.07.2021, no processo n.º 760/2020-T, no qual foi Árbitro Singular RUI DUARTE MORAIS, “[a] errónea fixação de um valor patrimonial tributário, não obstante a sua previsão legal como ato destacável, pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o assumiu como matéria coletável quando esteja em causa erro de direito na determinação da lei aplicável.” (com negrito nosso).

Tal conclusão resulta da circunstância de a impugnabilidade autónoma de atos destacáveis ter como objetivo conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias previstas por lei, de quanto resulta que a impugnabilidade autónoma de atos destacáveis (como os atos de fixação do VPT) não deve ser estendida de modo a precludir a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental destacável (neste caso, a fixação do VPT) em processos de impugnação dos atos de liquidação que o concretizam (in casu, as liquidações de IMI e de AIMI).

 

Este mesmo entendimento é, mutatis mutandis, o que se encontra na base do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”) de 31.10.2019, no processo n.º 2675/12.8BELRS, no qual estava em causa a possibilidade de lançar mão do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI e de AIMI com fundamento em vícios dos atos de fixação do VPT subjacentes àqueles atos de liquidação.

Pode ler-se naquele acórdão que “[é] verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor. De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.”, sendo que “[r]estringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional.” (com negritos nossos).

Quanto à matéria de fundo e substantiva no que à ilegalidade dos atos tributários sindicados concerne, sustentam as Requerentes existir um erro manifesto na fixação de cada um dos VPT dos lotes de terreno acima melhor identificados, o que determinou o apuramento de um IMI e de um AIMI em valor superior ao que seria devido por  cada  uma  das  Requerentes,  por terem como base um VPT determinado em virtude da aplicação de uma fórmula manifestamente ilegal, por duplicação de critérios.

Com efeito, o VPT dos terrenos para construção era determinado, até à entrada em vigor da atual redação do artigo 45.º do Código do IMI, com base numa fórmula especificamente criada para o efeito pela AT, sem qualquer sustentação legal.

Entendem as Requerentes que a AT não efetuou uma avaliação nos termos da lei, uma vez que o apuramento do VPT dos terrenos sub judice teve por base a aplicação:

(i) dos coeficientes de localização e de qualidade e conforto, constantes do artigo 38.º do Código do IMI, os quais são especificamente aplicáveis a prédios edificados, mas não a terrenos para construção; e

(ii)      do valor base do prédio (Vc) com a majoração de 25%, ao invés do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração.

Na verdade, o apuramento do VPT dos terrenos para construção sub judice naqueles termos conduziu, inelutavelmente, à determinação de  um  VPT  excessivo  para  cada  um  dos  terrenos  e, consequentemente, à emissão de liquidações de IMI e AIMI igualmente excessivas.

Em suma, o sujeito ativo da relação tributária havia aplicado, no apuramento do VPT de cada um dos prédios objeto de tributação em sede de IMI e AIMI, critérios que apenas entraram em vigor a partir de 01.01.2021, através da alteração promovida pelo OE 2021, mormente através do seu artigo 392º.

No cálculo do VPT dos terrenos para construção em causa não podia a AT ter aplicado os coeficientes que constavam da fórmula geral de determinação do VPT previstos no artigo 38.º do Código do IMI, porquanto tal fórmula se destina a ser aplicada a prédios edificados, sob pena de existir uma dupla incidência de critérios de determinação do VPT e de manifesta ilegalidade relativamente aos terrenos para construção.

Contrariamente ao que sucede na avaliação dos prédios da espécie “Outros”, em que existe uma remissão expressa para a fórmula geral de avaliação prevista no artigo 38.º do Código do IMI, a avaliação dos terrenos para construção é feita nos termos do artigo 45.º do Código do IMI, não existindo qualquer remissão para o disposto no artigo 38.º do mesmo Código.

Assim, estando em causa nos autos terrenos para construção, o VPT dos mesmos tinha de ter por base os critérios definidos na redação em vigor do artigo 45.º do Código do IMI à data em que foram efetuadas as avaliações, que remetia para o valor da área de implantação do edifício a construir, acrescido do valor do terreno adjacente à implantação, definindo também esta norma os próprios termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir (cfr. n.º 2 e n.º 3) e o valor da área adjacente à construção (cfr. n.º 4), cujo somatório permite fixar o VPT do terreno para construção.

Sustenta assim, recorrendo a jurisprudência dos tribunais superiores, a inaplicabilidade aos terrenos para construção dos coeficientes de localização e de qualidade e conforto.

Por outro lado, sustenta a inaplicabilidade da majoração de 25% prevista no artigo 39º do CIMI, porquanto a mesma apenas incide sobre os prédios edificados, logo não sobre quaisquer terrenos ainda por edificar, como é o caso do acervo imobiliário em apreço.

De tudo o supra indicado,  conforme  decorre  inequivocamente  da  informação  que  consta  das cadernetas prediais dos terrenos para construção cujas liquidações de IMI e AIMI aqui se contestam, verifica-se que:

a)       a todos os terrenos foi aplicado Vc com a majoração de 25%, ao invés do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração;

b)       cinco dos seis terrenos apresentam um Cl superior a 1; e

c)        dois dos seis terrenos apresentam um Cq superior a 1.

Deste modo, o VPT apurado relativamente a cada um dos terrenos para construção é superior ao que resultaria da aplicação das normas legais em vigor à data do respetivo apuramento.

Encontrando-se o VPT de cada um dos terrenos para construção ora identificados incorretamente  fixado,  são, consequentemente, ilegais  os  atos  tributários  que  lhe sobrevieram, nomeadamente, as liquidações de IMI de 2020 e de AIMI de 2021 ora sindicadas.

Em face da suscitada ilegalidade dos atos tributários de liquidação, peticionam as Requerentes, igualmente, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º, n.º 1 da LGT, porquanto se está perante erro imputável aos serviços, designadamente na quantificação excessiva do respetivo VPT de cada prédio objeto de tributação em IMI e AIMI, contados desde a data do pagamento indevido do imposto e a data do processamento da respetiva nota de crédito de reembolso.

 

Em 29.12.2021 foi aceite o pedido do PPA apresentado pelas Requerentes, não tendo a Requerida procedido à revogação dos atos tributários arbitralmente impugnados.

 O árbitro único foi designado em 15.02.2022.

Nesta decorrência, foi este Tribunal Arbitral constituído em 07.03.2022.

 

Notificada a Requerida para, querendo, apresentar Resposta, veio esta a fazê-lo, concluindo no sentido de ser declarada a extinção do processo arbitral por inutilidade

superveniente da lide, na parte respeitante às avaliações anuladas dos artigos U-... e U-... que estiveram na base das liquidações de IMI 2020 e AIMI2021, em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

E no restante, dever o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente

por não provado, e, consequentemente, absolvida a Entidade Requerida de todos os pedidos, na parte restante do pedido.

No que à extinção da instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide diz respeito, entende a Requerida que relativamente ao prédio com o artigo U-... da freguesia de..., verifica-se que a avaliação realizada em 11-01-2021, que fixou o VPT do terreno em € 6.476.440,00, deu cumprimento às regras do art.º 45 do CIMI, na redação anterior à da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, porque já não teve em conta os coeficientes de localização e de afetação que a jurisprudência dominante negava serem aplicáveis aos terrenos para construção, razão pela qual não sofre da

invalidade assacada.

Relativamente ao prédio com o artigo U-... da União de freguesias de ... e ..., verifica-se que a avaliação de 11-01-2020 foi anulada por despacho da Subdiretora-Geral da Área do Património em 17-12-2021, estando em curso nova avaliação ao prédio.

 

Perante a anulação das avaliações referidas, verifica-se que, em consequência, as liquidações que tiveram por base os VPT resultantes dessas avaliações, também terão que ser anuladas parcialmente.

Nessa medida, satisfeita que está a pretensão das Requerentes, A... S.A. (artigo U-...) e C..., S.A. (artigo U-...) relativamente às liquidações dos supra referidos Terrenos para construção, parte do pedido formulado nesta ação arbitral o objeto dos presentes autos, fica esvaziado de conteúdo e desprovido de utilidade.

A inutilidade superveniente da lide é, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, uma causa de extinção da instância, a qual ocorre quando, «por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0875/14, de 30.07.2014, o qual sumariamente, explica que: «I – A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do

art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.»

Num e noutro caso, a causa deixa de interessar, por impossibilidade de atingir o resultado visado ou porque o mesmo já foi atingido por outros meios.

Na verdade, a pretensão das Requerentes encontra-se satisfeita, em virtude da anulação das avaliações indicadas, e objeto dos presentes autos e, não se vislumbrando a utilidade ou interesse na manutenção da pronúncia arbitral nessa parte, pede-se desde já a extinção do processo arbitral nesta parte, por inutilidade superveniente da lide em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Respondeu igualmente, por impugnação, assente na seguinte fundamentação infra sintetizada.

Face ao disposto na lei, desde já se afirma, que quanto às liquidações de IMI e de AIMI referentes aos terrenos para construção com o artigo U-... da freguesia de ..., verifica-se que a avaliação válida à data das liquidações foi concretizada em 16-10-2016, e quanto aos artigos..., ... e ..., todos da freguesia de ..., verifica-se que as avaliações de 2013 e 2014 foram realizadas há mais de cinco anos, pelo que não se verifica qualquer ilegalidade dos atos impugnados, nem qualquer erro por parte dos serviços, pois a Administração Tributária limitou-se a dar integral cumprimento ao disposto na lei.

Importa desde já clarificar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

Ora, acontece que, por força do artigo 168, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) a correção da base de incidência do imposto, i. e., a correção do ato de avaliação qual resulta a fixação do VPT efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa, bem como já se verificou a consolidação dos atos de avaliação do VPT.

Aqui chegados, face à delimitação do pedido, coloca-se desde logo, entre outras, as seguintes questões a serem apreciadas pelo doutro tribunal arbitral:

−       A questão de saber se o ato de fixa o VPT é um ato destacável, ou seja, ato autonomamente

impugnável;

−         A questão de saber se o ato que fixou o VPT está consolidado na ordem jurídica;

−          A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

− A questão de saber se Administração Tributária pode anular todos os atos administrativos tributários, nomeadamente os atos de fixação do VPT, ou apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos.

Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável, pelo que os vícios da fixação do VPT, não sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na

ordem jurídica.

Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imóveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT).

Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis, sendo o princípio da impugnação unitária expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT).

Estes, atos como refere Jorge LOPES DE SOUSA (In Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª edição 2011, Áreas Editora, p.468):

“São atos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidade distintas da que deve proferir a decisão final”.

“(...) Se os actos destacáveis não forem impugnados, a decisão consolidar-se-á e o que neles se decidiu ficará assente no procedimento tributário em que eles estejam inseridos ou conexionados, não podendo a decisão final do procedimento ser impugnada com fundamentos em vícios do acto destacável”

“(...) Tratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa. “(sublinhado e negrito, nossos).

Também José CASALTA NABAIS, in “”Direito Fiscal”, Almedina, p.253 refere que:

“Traduzindo-se a liquidação stricto sensu na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria

coletável ou tributável constitui um ato administrativo distinto de todos os que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação do valor patrimonial.”

Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

É este também o entendimento da doutrina, refere Alberto Xavier, - in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191 e Américo Braz Carlos, Os Actos Preparatórios de Fixação do Rendimento Colectável, sua Impugnabilidade Contenciosa, na Revista Fisco n.ºs 12/13:

Sendo assim, não é, nem legal nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação, que não se pronuncie sobre o ato de liquidação, uma vez que o ato de fixação do VPT encontra-se consolidado na ordem jurídica.

Na ausência de contestação dos atos tributários durante um certo lapso de tempo determina a sua consolidação na ordem jurídica ao abrigo do princípio da segurança jurídica, dada a sua intrínseca correlação, os atos de liquidação posteriores serão contaminados com a apreciação que vier a ser efetuada sobre o ato de fixação do VPT, caso o mesmo seja impugnado dentro prazo legalmente estabelecido e ainda não esteja consolidado na ordem jurídica, o que não se verificou no caso em apreço.

Aliás, esta posição está em concordância com o mais recente entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores os atos de fixação dos valores patrimoniais são atos destacáveis diretamente suscetíveis de impugnação autónoma, que, se não atacados na forma e no tempo próprios se consolidam na ordem jurídica e a posterior liquidação não poderá deixar de acatar;

A Requerida, em abono do entendimento vindo de sustentar, procede à citação de diversas decisões, quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0885/16, de 10.05.2017

b) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1808/12.0BEPRT, de 18.10.2018

c)  Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 633/14 de 15.2.2017,

d) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 5964/12 de 20/12/2012

e)  Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.04.2010 no Processo n°03586/09

f)  Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.02.2008 no Processo n°02125/07.

Procede igualmente à identificação de recentes Acórdãos do Tribunal Arbitral1 nºs 540/2020-T e Acórdão n.º 487/2021-T, e 41/2021-T de 10 de maio de 2021, cujo coletivo foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.

Conclui assim a Requerida que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no

cálculo do VPT.

Sem conceder, no que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização.

Assim importa aferir se, face do entendimento jurisprudencial, as avaliações dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes podem ser anuladas com fundamento em invalidade.

A revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, está prevista no artigo 79º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2. c)  da LGT.

Estabelece o artigo 168.º do CPA, a cujo cumprimento está a Autoridade Tributária legalmente obrigada e vinculada:

Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.

Em face de tudo o exposto conclui-se que as avaliações efetuadas há mais de cinco anos, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, já não podem ser objeto de anulação administrativa, conforme decorre do artigo 168, n.º 1, do CPA,

Ao abrigo do princípio da imparcialidade e da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição e concretizado nos artigos 55.º LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) a Administração Tributária tem de praticar os atos tributários de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso concreto, o que fez na situação sub judice.

Destarte impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.

 

Em 19.04.2019 foi incorporado o Processo Administrativo a estes autos.

 

Em 20.06.2022 foram as Requerentes convidadas a, querendo, se pronunciarem sobre a matéria de exceção erigida pela Requerida na sua Resposta, o que aquelas vieram a efetuar, propugnando pela improcedência na íntegra da exceção de inutilidade superveniente da lide invocada pela Requerida relativamente à pretensão da Requerente A... e  improcedência  parcial relativamente à pretensão da Requerente C..., na parte respeitante à liquidação de IMI de 2020.

Nestes termos, devem os autos prosseguir para conhecimento  das  questões  decidendas também quanto às Requerentes A... e C..., esta última no que tange à liquidação de IMI de 2020.

 

A prolação de decisão arbitral foi objeto de prorrogação nos termos do artigo 21º do RJAT, tendo sido definida a data de 15.09.2022 e notificadas as partes da data para prolação da mesma a 10.08.2022.

 

 2. Saneamento

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

A coligação de autores e bem assim a cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em que estão em causa atos de liquidação, quer de IMI, quer de AIMI de diferentes períodos – 2020 e 2021 -  assentes em similar base factual e sobre as quais se aplicam as mesmas regras de direito, encontra-se destarte plenamente justificada, quer a coligação, quer a cumulação de pedidos,  face ao princípio da economia processual consagrado no artigo 3º do RJAT.

     3. Fundamentação de Facto:

3. 1. Factos Provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Requerente A... é proprietária do lote de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Silves, sob o artigo U-...;
  2. A Requerente B... é proprietária do lote de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo U-...;
  3. A Requerente C... é proprietária do lote de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ... e ..., concelho de Grândola, sob o artigo U-...;
  4. A Requerente A... é proprietária dos lotes de terreno para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Quarteira, sob os artigos U-..., U-... e U-...;
  5. A A... foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2020 referente ao artigo U-..., com o n.º..., desdobrada nas notas de cobrança com os n.ºs 2020 ..., 2020 ...  e 2020..., na qual se apurou uma coleta de € 19.429,32.
  6. A B... foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2020 referente ao artigo U-..., com o n.º ..., desdobrada nas notas de cobrança n.ºs 2020..., 2020 ... e 2020..., na qual se apurou uma coleta de € 3.680,43.
  7. A C... foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2020 referente ao artigo U-..., com o n.º..., desdobrada nas notas de cobrança com os n.ºs 2020 ..., 2020 ... e 2020..., na qual se apurou uma coleta de € 2.268,99.
  8. A D... foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2020 referente ao artigo U-..., com o n.º..., desdobrada nas notas de cobrança com os n.ºs 2020..., 2020 ... e 2020..., na qual se apurou uma coleta de € 488,11.
  9. A D... foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2020 referente ao artigo U-..., com o n.º ..., desdobrada nas notas de cobrança com os n.ºs 2020..., 2020... e 2020..., na qual se apurou uma coleta de € 241,80.
  10. A D... foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2020 referente ao artigo U-..., com o n.º ..., desdobrada nas notas de cobrança com os n.ºs 2020..., 2020 ... e 2020..., na qual se apurou uma coleta de € 476,51.
  11. As Requerentes foram igualmente notificadas das liquidações de AIMI relativas ao ano de 2021 que se identificam infra.
  12. A A... foi notificada da liquidação de AIMI do ano de 2021 referente ao artigo U-..., com o n.º 2021..., na qual se apurou uma coleta de € 25.905,76.
  13. A B... foi notificada da liquidação de AIMI do ano de 2021 referente ao artigo U-..., com o n.º 2021..., na qual se apurou uma coleta de € 4.907,24.
  14. A C... foi notificada da liquidação de AIMI do ano de 2021 referente ao artigo U-..., com o n.º 2021..., na qual se apurou uma coleta de € 3.278,84.
  15. A D... foi notificada da liquidação de AIMI do ano de 2021 referente ao artigo U-..., com o n.º 2021..., na qual se apurou uma coleta de € 650,82.
  16. A D... foi notificada da liquidação de AIMI do ano de 2021 referente ao artigo U-..., com o n.º 2021..., na qual se apurou uma coleta de € 322,40.
  17. A D... foi notificada da liquidação de AIMI do ano de 2021 referente ao artigo U-..., com o n.º 2021..., na qual se apurou uma coleta de € 635,35.
  18. Cada uma das Requerentes veio a proceder ao pagamento dos atos tributários de liquidação de que foram notificados, enquanto proprietárias, (cfr. Docs. 2 e 3 do PPA)
  19. O artigo U-..., localizado na freguesia de ..., propriedade da Requerente A... foi objeto de avaliação em 11.01.2021, com base em Modelo 1 entregue em 23.12.2020, na qual se apurou um valor patrimonial tributário (VPT) de € 6.476.440,00, tendo sido considerado um Vc (valor base de prédios edificados), correspondente a € 615,00.
  20.  O artigo U-..., localizado na freguesia de ..., propriedade da Requerente B... foi objeto de avaliação em 16.10.2016, com base em Modelo 1 entregue em 06.09.2016, na qual se apurou um valor patrimonial tributário (VPT) de € 1.208.680,00, tendo sido considerado um coeficiente de localização de habitação de 2,50 e um Vc (valor base de prédios edificados) de € 603,00.
  21. O artigo U-..., localizado na união de freguesias de ... e ..., propriedade da Requerente C... foi objeto de avaliação em 11.01.2020, com base em Modelo 1 entregue em 11.01.2020, na qual se apurou um valor patrimonial tributário (VPT) de € 819.710,00, tendo sido considerado um coeficiente de localização de habitação de 1,20 e um Vc (valor base de prédios edificados) de € 615,00.
  22. O artigo U-..., localizado na freguesia de ..., propriedade da Requerente D... foi objeto de avaliação em 17.10.2017, com base em Modelo 1 entregue em 16.01.2013, na qual se apurou um valor patrimonial tributário (VPT) de € 160.300,00, tendo sido considerado um coeficiente de localização de 2,50, de afetação de 1,0 e um Vc (valor base de prédios edificados) de € 603,00.
  23.  O artigo U-..., localizado na freguesia de ..., propriedade da Requerente D... foi objeto de avaliação em 09.04.2014, com base em Modelo 1 entregue em 16.01.2013, na qual se apurou um valor patrimonial tributário (VPT) de € 79.400,00, tendo sido considerado um coeficiente de localização de habitação de 2,50, de qualidade e conforto de 1,150 e um Vc (valor base de prédios edificados) de € 603,00.
  24. O artigo U-..., localizado na freguesia de ..., propriedade da Requerente D... foi objeto de avaliação em 17.10.2017, com base em Modelo 1 entregue em 16.01.2013, na qual se apurou um valor patrimonial tributário (VPT) de € 156.490,00, tendo sido considerado um coeficiente de localização de habitação de 2,50, de qualidade e conforto de 1,150 e um Vc (valor base de prédios edificados) de € 603,00.
  25. Por despacho da Subdiretora da Área do Património, de 17.12.2021, foi anulada retroativamente a avaliação do prédio U- ... a que se reporta o ponto 21 supra e determinada a realização de nova avaliação sem a consideração dos coeficientes de localização e afetação.
  26. Inconformado com o teor das liquidações supra identificadas vieram as Requerentes a submeter, em 29.12.2021, o Pedido de Pronúncia Arbitral em apreço, com vista à anulação dos atos tributários, por ilegais

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelos Requerentes e Requerida e no posicionamento das Partes em relação à mesma.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Factos Não Provados:

 Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

4. Do Direito:

4.1. Da Inutilidade superveniente da lide (Parcial):

Como decorre da posição da Requerida supra explanada, veio esta, em sede de Resposta, pugnar pela existência de inutilidade superveniente da lide relativamente aos atos tributários de liquidação referentes aos prédios U-... e U-....

No caso do U-..., face ao facto de a avaliação ter sido efetuada sob as regras do artigo 45º do CIMI (na redação anterior ao OE de 2021) e no caso do prédio U-..., por força da avaliação e respetivo VPT aí fixado (e o qual está na base da coleta apurada nas liquidações impugnadas) ter sido objeto de anulação administrativa.

Vejamos pois se assiste razão à Requerida.

A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, atualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.

Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – neste sentido, vejam-se os ensinamentos de José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Deste modo, a instância extingue-se porque se tornou inútil ou impossível o seu prosseguimento: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar aquela extinção.

No que concerne ao prédio U-... verifica-se que, efetivamente, o procedimento avaliativo que fixou o VPT está na base da coleta das liquidações não terá tido por método de cálculo as regras dimanadas do artigo 45º do CIMI, na redação conferida pela lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2021.

Por seu turno, lido o PPA não se colhe que a causa de pedir tendente à declaração de ilegalidade relativamente a este prédio em concreto, se funde na circunstância de a AT ter aplicado no apuramento do VPT os coeficientes decorrentes da aplicação de tal redação do normativo vindo de identificar.

Outrossim, decorre de tal processado inicial que as liquidações relativas a este prédio terão levado em consideração majoração de 25% nos termos do artigo 39º do CIMI, na redação vigente à data a que se reporta a avaliação efetuada.

Ora, neste conspecto, no caso das liquidações relativas ao prédio em apreço não se vislumbra ter existido qualquer facto superveniente que tenha retirado da vigência da ordem jurídico-tributária tais liquidações de imposto ou que fosse suscetível de produzir um efeito jurídico idêntico ao pretendido através do PPA deduzido, razão pela qual não se alcança como possa, mantendo-se as liquidações impugnadas vigentes ocorrer facto suscetível de tornar impossível ou inútil a lide.

Assim, no caso dos autos em apreço, a Requerente A..., no que ao prédio U-... concerne, coloca em crise a legalidade das respetivas liquidações baseada num fundamento de fundo distinto daquele a que a Requerida se refere.

Pelo exposto, não pode a invocada exceção neste particular merecer o pretendido acolhimento.  

Já no que diz respeito ao prédio U-... a questão da inutilidade superveniente da lide, também aqui é carecida de fundamento porquanto, pese embora, a invocação da anulação do ato autónomo e destacável referente à avaliação do prédio em causa, tal circunstância não teve por consequência a anulação de todos os demais atos tributários que subsequentemente aplicaram esse mesmo VPT administrativamente anulado.

Não tendo, como não têm estes autos como objeto impugnatório o ato autónomo referente à fixação do VPT invocado como objeto de anulação, mas sim os atos tributários de liquidação de IMI e AIMI já supra melhor identificados na matéria de facto dada por provada e mantendo-se estes atos tributários vigentes na ordem jurídica, resulta insuscetível de provimento também neste particular a invocada existência de inutilidade superveniente da lide no que respeita às liquidações sobre o prédio U-..., dado a AT não ter procedido a qualquer anulação, parcial ou total, que pudesse decorrer dessa eventual anulação do ato de fixação do VPT.

4.2. Da inimpugnabilidade das liquidações de IMI e AIMI com base em VPT’s já consolidados na ordem jurídico-tributária:

Veio a Requerida, na Resposta oferecida, sustentar que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, o qual, não tendo sido impugnado, se deve ter por consolidado na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, o que implica que posterior liquidação terá de acolher o resultado apurado nesse mesmo procedimento avaliativo, designadamente o VPT daí emergente.

Não tendo as Requerentes colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível apreciar em subsequente liquidação, de eventuais erros ou vícios insertos na avaliação.

A este respeito, já haviam as Requerentes, no seu PPA, discorrido pela tese inversa, sustentando a possibilidade de ancorar a ilegalidade dos atos de liquidação postos em crise assente em vícios endógenos ao apuramento do VPT que esteve na base das liquidações arbitralmente impugnadas.

 A questão vinda de enunciar não é objeto de uma apreciação unívoca, quer da jurisprudência, quer da doutrina, sendo possível colher posições antagónicas quanto à (im)possibilidade de apreciar de vícios atinentes a um VPT já consolidado relativamente a posteriores liquidações em que tal valor releva para efeitos de quantificação do respetivo ato tributário de liquidação.

Estando este tribunal arbitral singular bem ciente de ambas as perspetivas relativas a esta querela jurídica,  acompanha-se o entendimento constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 31/10/2019 (Benjamim Barbosa), proferido no processo nº 2765/12.8BELRS , no âmbito do qual se sustentou que:

  “O acto de fixação do VPT não se encaixa neste conceito, visto que é encarado, de forma pacífica, como acto administrativo em matéria tributária, destacável e autonomamente impugnável.

É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.

Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado.

Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].”

Não está, na perspetiva deste tribunal arbitral singular em causa saber se a lei configura ou não a fixação do VPT como um acto destacável e nessa medida prevê a hipótese de reagir, impugnando, autonomamente tal ato de fixação, mas antes o de perceber se subsistem ou não razões que obstem a que tal legalidade do ato de fixação possa ser apreciada, quando instrumental relativamente a um ato tributário de liquidação, cuja legalidade possa estar inquinada por vícios próprios desse mesmo procedimento avaliativo.

A este respeito, por secundarmos a fundamentação aí vertida, não podemos deixar de citar trecho da decisão arbitral proferida no âmbito do processo 760/2020-T, no qual se alinhou o seguinte:

“Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

“Estas razões serão, essencialmente, três:

(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do  particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.

(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida).

(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação.

Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.

Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.

Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso – como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação).

Num quadro interpretativo da lei que procura dar relevância à sua conformidade com os princípios constitucionais, não podemos subscrever, como constituindo uma regra sem exceções, o pensamento do distinto Autor em que a Requerida, no essencial, se louva.

Como referido no citado acórdão do TCA, há que não esquecer que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de um tributo, que foi exigido à Requerente.”

Em similar linha de raciocínio, veja-se o decidido pelo coletivo de árbitros no âmbito do processo n.º 807/2021-T, que correu termos no CAAD e no qual, a propósito desta mesma temática relativa à hipotética inimpugnabilidade com base em vícios endógenos a VPT’s cujo procedimento de avaliação se mostrava consolidado e o qual aqui se secunda na sua íntegra, razão pela qual aqui se deixa citado:

“ iii)  Princípios da justiça e da tutela jurisdicional efetiva ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP

O Tribunal entende que a interpretação do artigo 54.º do CPPT subscrita pela Requerida (segundo a qual os vícios dos atos que fixam o VPT de terrenos para construção não são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de IMI emitidos com base nos mesmos) ofende o princípio da justiça e o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

A este propósito, importa recordar que, no Acórdão n.º 410/2015, de 29-09-2015, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando a impugnação de “atos destacáveis” como um ónus e não como uma faculdade do sujeito passivo, impede a impugnação das liquidações de imposto com fundamento em vícios dos “atos destacáveis”, por a mesma desproteger gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo o princípio da justiça e o princípio da tutela judicial efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Segundo o Tribunal Constitucional, de tal interpretação resultaria “uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente”.

Acompanhamos inteiramente a interpretação do artigo 54.º do CPPT sustentada pelo Douto Tribunal Constitucional neste Acórdão, que reforça a conclusão de que a interpretação segundo a qual os vícios dos atos que fixam o VPT de terrenos para construção são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de IMI emitidos com base nos mesmos, através de reclamação graciosa (ou do pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT), é a que melhor se coaduna com os princípios da justiça e da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

Interessa agora atentar aos princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” subjacentes ao artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).

(iv)  Princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” decorrentes do artigo 7.º do CPTA

A interpretação da lei processual subscrita pela Requerida (segundo a qual os vícios dos atos que fixam o VPT de terrenos para construção não são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de IMI emitidos com base nos mesmos) não só não resulta expressamente na lei processual, como seria ela mesma contrária ao disposto no artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), no qual se pode ler que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.

Os princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação da lei processual que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Assim, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, temos que se deverá optar por aquela que favoreça a ação, e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo sujeito passivo.

No caso sub judice, estes princípios impõem que se reconheça às Requerentes a possibilidade de sindicar a legalidade das Liquidações Contestadas, através de reclamação graciosa, com fundamento na errónea fixação do VPT a elas subjacente.

(v)    O princípio da segurança jurídica (e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça), e o princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP

Por último, uma nota relativamente à relevância do princípio da segurança jurídica e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça. É inquestionável que este princípio é não só essencial como constitutivo do Estado de Direito. Todavia, importa lembrar que o princípio da segurança jurídica, nas suas diversas vertentes (incluindo o caso decidido dos atos administrativos), tem em vista primordialmente a proteção dos cidadãos contra a arbitrariedade e abusos de poder por parte do poder legislativo, executivo e judicial. A este propósito, escreveu o Professor Gomes Canotilho:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.[3]

“Relativamente aos actos da administração, o princípio geral da segurança jurídica aponta para a idea de força de caso decidido dos actos administrativos. Embora não haja uma paralelismo entre sentença judicial e força de caso julgado e acto administrativo e força de caso decidido (...) entende-se que o acto administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração (...) na qualidade de autora do acto e como consequência da obrigatoriedade do acto; (2) na tendencial irrevogabilidade do acto administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do acto (protecção da confiança e da segurança)”.[4]

“Tendo em conta as exigências resultantes dos princípios de protecção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares directamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de actos inválidos possa ser uma faculdade discricionária. Os princípios da constitucionalidade e da legalidade não se compaginam com uma “arrogância” da administração sobre os próprios vícios. Ela deverá anular ou sanar os vícios nos termos da lei”. [5]

Resulta assim claro que a tendencial imutabilidade dos atos administrativos associada à força de caso decidido dos mesmos deverá ser entendida como um mecanismo tendente à salvaguarda dos interesses dos particulares, e não como um argumento usado para a AT se recusar a sanar os vícios dos atos que pratica. A mesma vertente de proteção dos cidadãos do princípio da segurança jurídica foi referida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-11-2017, no processo n.º 0164ª/64, no qual se pode ler:

“Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.”

Temos que o princípio da segurança jurídica, orientado para a proteção dos cidadãos, não deverá ser interpretado ou utilizado como fundamento para negar aos cidadãos um direito ou uma garantia processual prevista na lei, ou, relativamente à questão em apreço, como fundamento para negar ao sujeito passivo a possibilidade de arguir a errónea fixação do VPT através de reclamação graciosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo (ao abrigo dos artigos 68.º e seguintes do CPPT).

Como referido supra, tal interpretação, para além de carecer de base legal, seria ofensiva do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da justiça (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

Num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT, e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (a reclamação graciosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT.

A “estabilidade” na ordem jurídica alcançada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça seria a de permitir à AT que continue a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis ao sujeito passivo nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), o que são é aceitável num Estado de Direito.”

Ante a fundamentação vinda de deixar expressa, a qual acompanhamos e cujo racional jurídico-tributário se afigura de primacial relevância, não podemos deixar de concluir que nada obsta a que as Requerentes possam colocar em crise a legalidade dos atos tributários objeto destes autos, ancorados em vícios próprios do VPT anteriormente fixado, quando esse VPT tenha servido de base para o apuramento e quantificação tributária em sede de IMI e AIMI, por exemplo e nessa medida tenha influenciado a coleta apurada nesses mesmos atos tributários.

Sendo que, o direito à impugnação de ato tributário de liquidação e a sua eventual procedência, cujo quantum é influenciado por vícios próprios do VPT que lhe serviu de base tributária não consente a anulação do ato destacável de fixação desse valor patrimonial tributário, mas antes e tão somente o reconhecimento desse(s) eventuais vício(s) no estrito âmbito do objeto impugnatório, esvaziando-se assim tudo o quanto vem expendido pela Requerida no que à argumentação no que à impossibilidade de anulação administrativa prevista no artigo 168º do CPA concerne.

Inexistindo, como se entende inexistir, qualquer razão que prejudique o conhecimento de vícios próprios na formação do VPT, o qual por sua vez influencia a determinação da coleta das liquidações de IMI e AIMI em apreço, importa apreciar dos vícios que a estes atos tributários vêm assacados.

4.3. Da ilegalidade das liquidações de IMI de 2020 e de AIMI de 2021

Invocam as Requerentes duas diferentes ilegalidades aos atos tributários ora em apreciação, as quais se podem sintetizar da seguinte forma:

  1. Inaplicabilidade aos terrentos para construção dos coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI;
  2. Inaplicabilidade aos terrenos para construção da majoração de 25% ao valor base do prédio (Vc);

4.3. a) Inaplicabilidade aos terrentos para construção dos coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI:

Em abono da pretensão anulatória constante do PPA, defendem as Requerentes a existência de ilegalidade porquanto o VPT dos prédios objeto das liquidações de IMI e AIMI em apreço foi apurado considerando os coeficientes constantes do artigo 38º do CIMI.

Importa pois e antes de mais, efetuar o enquadramento jurídico-tributário da avaliação dos “terrenos para construção” enquanto tipologia de prédios consagrada pelo CIMI.

E para tal desiderato impõe-se atentar no disposto do art. 45.º do CIMI, na redação da Lei 64-B/2011, 30 de Dezembro:

"Artigo 45º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

1. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. 

2. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. 

3. Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º 

4. O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5. Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente".

Da leitura do normativo vindo de supra citar decorre de forma objetiva a não previsão quanto a uma eventual aplicabilidade aos terrenos para construção de qualquer dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto.

Tais coeficientes e sua aplicação está consignada para os prédios urbanos, leia-se edificados, logo não para os terrenos para construção, o que se colhe, desde logo, da existência de um factor – Vc – o qual corresponde ao “valor base dos prédios edificados”.

Ora, não se encontrando, pela sua natureza e definição legal, os terrenos para construção edificados, é manifesto concluir que o legislador não pretendeu determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção ao abrigo da expressão aritmética constante e decorrente do artigo 38º do CIMI.

 Não constando tais coeficientes de qualquer norma aplicável à avaliação dos terrenos para construção, a sua aplicação no apuro do quantum do VPT dos terrenos para construção em apreço não pode, quando efetuada, deixar de significar a aplicação por analogia de uma disposição legal de incidência, analogia essa que é insuscetível de aplicação pelo princípio da tipicidade fiscal.

A este propósito, da (in)aplicabilidade do coeficiente de qualidade e conforto, o Acórdão STA Pleno de 21/9/2016 (Ascensão Lopes), processo 0183/13, uniformizou a jurisprudência no sentido de que "na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados".

Nesta esteira e sentido, vejam-se as decisões dos tribunais superores no âmbito dos processos n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13 de janeiro de 2021, n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, de 23 de outubro de 2019 e n.º 0165/14.4BEBRG, de 9 de outubro de 2019, entre outros, dos quais decorre, de forma consistente e unívoca a inaplicabilidade aos terrenos para construção de tais coeficientes.

A jurisprudência a que supra nos reportamos versa sobre a avaliação de terrenos para construção, a qual entende não serem aplicáveis os coeficientes que não se encontrem concretamente tipificados pelo artigo 45.º do Código do IMI (na redação anterior à alteração trazida pelo OE de 2021), rejeitando assim a aplicação dos coeficientes previstos no artigo 38.º deste Código, os quais, na medida em que são suscetíveis de alterar a base tributária (leia-se no VPT apurado) e na incidência do imposto, porquanto tal solução configuraria uma aplicação analógica não consentida pelo princípio da tipicidade fiscal.

Igualmente, também o CAAD, através de decisão proferida no âmbito do processo 760/2020-T, de 22/7/2021 (Rui Duarte Morais), onde se entendeu que "independente das opções legislativas posteriores, também entendemos que a afetação, a qualidade e o conforto são realidades só apreciáveis perante um imóvel construído e não perante um terreno para construção, relativamente ao qual apenas poderão ser tidas em conta expetativas (que poderão não vir a ser concretizadas)".

Ora, no caso dos autos, dúvidas não subsistem quanto à aplicabilidade às avaliações dos prédios objeto das liquidações de IMI e AIMI da redação legal do artigo 45º do CIMI, na sua versão anterior à alteração trazida pelo artigo 392º da lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2021, matéria sobre a qual e de resto, Requerente e Requerida, parecem não dissentir.

Em idêntico sentido ao supra expendido, não pode deixar de se afastar a aplicação do coeficiente de localização, porquanto tal fator que leva em consideração a localização se encontrar já previsto no n.º 3 do artigo 45º do CIMI.

A assim não se entender, tal redundaria em fazer incidir um mesmo fator – localização -  na determinação do VPT  em virtude de este fator já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IMI.

Tendo, a este propósito, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 016/10, de 3 de julho de 2019, decidido nos seguintes termos: “Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.”

Em relação ao coeficiente de localização, a mesma posição foi expressa logo no Acórdão STA de 5/4/2017 (Casimiro Gonçalves), processo 01107/16, onde expressamente se escreveu que "na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n° 3 do art. 45° do CIMI".

Em consequência, relativamente à aplicação aos terrenos para construção dos coeficientes previstos no art. 38º CIMI, nos Acórdãos STA de 9/10/2019 (Ascensão Lopes), processo 0165/14.4BEBRG, e de 23/10/2019 (José Gomes Correia), processo 0170/16.6BELRS, sustentou-se que "os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)".

Ante a fundamentação vinda de alinhar, imperioso se torna concluir no sentido da inadmissibilidade legal de aplicação à espécie de prédios urbanos - terrenos para construção (definida no n.º 3 do artigo 6º do CIMI) - de qualquer um dos coeficientes constantes do artigo 38º do CIMI, isto é, de de localização, de qualidade e conforto e de vetustez.

 

4.3. b) Inaplicabilidade aos terrenos para construção da majoração de 25% ao valor base do prédio (Vc);

Insurgem-se igualmente as Requerentes contra a aplicação na determinação dos VPT’s dos prédios urbanos – terrenos para construção – objeto das liquidações cuja legalidade ora se aprecia, da majoração de 25% prevista no artigo 39º do CIMI.

Preceituava o artigo 39º do CIMI, na redação vigente à data da entrega das respetivas Modelos 1 pelas Requerentes (data relevante por força do disposto no n.º 4 do artigo 37º do CIMI), o seguinte:

Artigo 39º

Valor base dos prédios edificados

1 – O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25%.

2- O valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos, diretos e indiretos suportados na construção do edifício, tais como os relativos a materiais, mão de obra, equipamentos, administração comunicações e outros consumíveis.

Dispõe o artigo 45º do CIMI, na redação ao caso dos autos aplicável, isto é, anterior à entrada em vigor da alteração legislativa preconizada pelo artigo 392º da lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2021,  nos seguintes termos:

"Artigo 45º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

1. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. 

2. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. 

3. Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º 

4. O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5. Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente".

Do cotejo de ambos os normativos acabados de citar, resulta de forma insofismavelmente objetiva a inaplicabilidade aos terrenos para construção dos critérios de quantificação do VPT decorrentes do artigo 39º do CIMI na redação vigente até 31.12.2020.

Desde logo, a epígrafe do preceito legal é clara ao circunscrever o âmbito de aplicação da norma aos prédios edificados, sendo igualmente manifesto que a característica essencial e distintiva dos terrenos para construção, como do teor literal do próprio vocábulo resulta, radica do facto de não se encontrarem edificados; não obstante tal eventual edificabilidade possa nele vir a ter lugar, enquanto uma mera expetativa.

Sobre esta temática, pronunciaram-se já os tribunais superiores, de entre eles o Tribunal Central administrativo Sul, o qual no âmbito do processo n.º 105/07.7BELRS, de 09.06.2021, assentou o seguinte: “Do disposto no artigo 45º, n.º 2, do CIMI, resulta que o valor da área de implantação sem qualquer edifício corresponde ao custo médio de construção por m2 do edifício previsto construir, sem qualquer acréscimo do valor por m2 do terreno de implantação para além da especificidade na determinação do VPT dos terrenos para construção resultante da ponderação entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Tal solução resulta da consideração dos elementos literal, sistemático e teleológico na interpretação da norma do artigo 45.º do CIMI, dado que o mesmo tem em vista apurar o VPT de um terreno para construção, o qual incide sobre a expectativa jurídica de edificação, pelo que a ponderação do valor do terreno de implantação, para além do que está previsto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 45.º citado, significaria uma duplicação ou uma sobreposição, dado que o valor da edificação autorizada (valor da construção autorizada para aquela área) já inclui o valor do terreno de implantação. Para além de que o adicionamento do valor do terreno de implantação ao valor do prédio edificado constitui a solução do CIMI, prevista no artigo 39.º/1, para avaliação do vpt de prédios edificados, a qual não é aplicável ao caso, dado que se trata de apurar a avaliação do vpt de um terreno para construção. Este corresponde a uma expectativa jurídica de edificação e não a um prédio urbano edificado, pelo que o regime de avaliação do vpt deste último não é transponível para a avaliação do vpt de um terreno para construção.”

De resto, neste mesmo sentido, entendemos em linha com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (por todos, o entendimento sufragado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados, através do acórdão de 21 de setembro de 2016, no Processo n.º 01083/13), conclui-se que, relativamente à avaliação de terrenos para construção, a utilização de critérios não previstos na norma específica do artigo 45.º do Código do IMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto.

Em idêntico sentido da intransponibilidade das regras previstas no artigo 39º do CIMI (e assim da respetiva majoração de 25% do valor por metro quadrado do terreno de implantação) para o apuramento do VPT dos terrenos para construção, se pronunciaram já diversas decisões arbitrais no âmbito do CAAD, das quais destacamos pela similitude e aderência ao essencial da questão em apreço, os arestos arbitrais proferidos nos processos n.º 487/2020-T; de 31-01-2022, processo n.º 533/2021-T; de 04-05-2022, processo n.º 497/2021-T; de 06-05-2022, processo n.º 535/2021-T.

Face à conclusão segundo a qual a aplicabilidade da majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI se circunscrever apenas a prédios edificados, resulta claro que, na determinação do VPT dos terrenos para construção em causa, a Requerida AT não poderia ter aplicado a majoração de 25% sobre o valor médio de construção por do metro quadrado constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, por violação do artigo 45º do Código do IMI  na redação anterior à alteração trazida pelo Artigo 392.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31.12.

4.4. Da subsunção às liquidações objeto destes autos face ao firmado no ponto 4.3.a) e b):

Em face da apreciação que supra se operou relativamente às causas de pedir em que assenta o PPA, importa perscrutar da subsunção aos VPT’s dos prédios que estão na base das liquidações arbitralmente impugnadas dessas mesmas asserções.

  1. Prédio U-...:

No tocante à fórmula de cálculo e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, relativamente à liquidação de IMI de 2020 com o n.º ... e à liquidação de AIMI de 2021, com o n.º..., a AT não fez incidir no apuro do VPT  do prédio U-... que está na base da coleta destes impostos, os coeficientes de localização e de afetação, nem de qualidade ou conforto, constantes do artigo 38º do CIMI, de onde e neste segmento, ilegalidade alguma pode ser apontada aos atos tributários em causa sobre este prédio.

Já relativamente ao Vc – valor base de prédios edificados – a AT fez incidir a regra constante da então vigente (em 2020) redação do n.º 1 do artigo 39º do CIMI, isto é, aplicando a majoração de 25% sobre o custo médio de construção por metro quadrado estabelecido na Portaria 3/2020, de 13 de Janeiro - € 492,00 – resultando assim num valor de € 615,00.

Ora, inexistindo qualquer edificação e não consentido a norma vigente no momento temporal a que se reporta a avaliação (2020), não pode deixar de se reconhecer a desconformidade do VPT nestes termos fixado, o qual, influenciou, por excesso aquele que seria o valor correto do VPT e nessa medida faz inquinar de ilegalidade as liquidações de IMI e AIMI melhor identificadas nos pontos 5 e 12 da matéria de facto provada.

  1.    Prédio U...:

No tocante à fórmula de cálculo e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, relativamente à liquidação de IMI de 2020 com o n.º ... e à liquidação de AIMI de 2021, com o n.º..., a AT fez incidir no apuro do VPT  do prédio U-..., os coeficientes do artigo 38º do CIMI, aplicando 2,50 quanto ao de localização, razão pela qual, estando vedada a possibilidade legal de as regras constantes do normativo supra poderem influenciar o VPT que então se apurou, não poderá deixar de se reconhecer a desconformidade legal no tocante à aplicação de um coeficiente superior a um, como foi o caso do coeficiente de localização de 2,50.

Já relativamente ao Vc – valor base de prédios edificados – a AT fez incidir a regra constante da então vigente (em 2016) redação do n.º 1 do artigo 39º do CIMI, isto é, aplicando a majoração de 25% sobre o custo médio de construção por metro quadrado estabelecido na Portaria 419/2015, de 31 de Dezembro - € 482,40 –resultando assim num valor por metro quadrado de € 603,00,

Ora, inexistindo qualquer edificação e não consentido a norma vigente no momento temporal a que se reporta a avaliação (2016), não pode deixar de se reconhecer a desconformidade do VPT nestes termos fixado, o qual, influenciou, por excesso aquele que seria o valor correto do VPT e nessa medida faz também inquinar de ilegalidade as liquidações de IMI e AIMI melhor identificadas nos pontos 6 e 13 da matéria de facto, neste estrito segmento.

  1.    Prédio U-...:

No tocante à fórmula de cálculo e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, relativamente à liquidação de IMI de 2020 com o n.º ... e à liquidação de AIMI de 2021, com o n.º ..., a AT fez incidir no apuro do VPT  do prédio U-..., o coeficiente de 2,50 do artigo 38º do CIMI, razão pela qual, estando vedada a possibilidade legal de as regras constantes do normativo supra poderem influenciar o VPT que então se apurou, não poderá deixar de se reconhecer a desconformidade legal no tocante à aplicação de um coeficiente superior a 1, como foi o caso do coeficiente de localização de 2,50.

Já relativamente ao Vc – valor base de prédios edificados – a AT fez incidir a regra constante da então vigente (em 2019) redação do n.º 1 do artigo 39º do CIMI, isto é, aplicando a majoração de 25% sobre o custo médio de construção por metro quadrado estabelecido na Portaria 330-A/2018, de 20 de Dezembro - € 492,00 –resultando assim num valor por metro quadrado de € 615,00.

Ora, inexistindo qualquer edificação e não consentido a norma vigente no momento temporal a que se reporta a avaliação (2019), não pode deixar de se reconhecer a desconformidade do VPT nestes termos fixado, o qual, influenciou, por excesso aquele que seria o valor correto do VPT e nessa medida faz também inquinar de ilegalidade as liquidações de IMI e AIMI melhor identificadas nos pontos 7 e 14 da matéria de facto, neste estrito segmento.

  1.    Prédio U-...:

No tocante à fórmula de cálculo e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, relativamente à liquidação de IMI de 2020 com o n.º ... e à liquidação de AIMI de 2021, com o n.º..., a AT fez incidir no apuro do VPT  do prédio U-..., os coeficientes do artigo 38º do CIMI, designadamente  o coeficiente de localização de 2,50 e o coeficiente de qualidade e conforto de 1,150, razão pela qual, estando vedada a possibilidade legal de as regras constantes do constantes do artigo 38º do CIMI poderem influenciar o VPT que então se apurou, não poderá deixar de se reconhecer a desconformidade legal no tocante à aplicação de um coeficiente superior a um, como foi o caso do coeficiente de localização de 2,50 e de qualidade e conforto de 1,150.

Já relativamente ao Vc – valor base de prédios edificados – a AT fez incidir a regra constante da então vigente (em 2013) redação do n.º 1 do artigo 39º do CIMI, isto é, aplicando a majoração de 25% sobre o custo médio de construção por metro quadrado estabelecido na Portaria 424/2012, de 28 de Dezembro - € 482,40 –resultando assim num valor por metro quadrado de € 603,00.

Ora, inexistindo qualquer edificação e não consentido a norma vigente no momento temporal a que se reporta a avaliação (2013), não pode deixar de se reconhecer a desconformidade do VPT nestes termos fixado, o qual, influenciou, por excesso aquele que seria o valor correto do VPT e nessa medida faz também inquinar de ilegalidade as liquidações de IMI e AIMI melhor identificadas nos pontos 8 a 10 e 15 a 17 da matéria de facto, neste estrito segmento.

  1.    Prédio U-...:

No tocante à fórmula de cálculo e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, relativamente à liquidação de IMI de 2020 com o n.º ... e à liquidação de AIMI de 2021, com o n.º ..., a AT fez incidir no apuro do VPT  do prédio U-..., os coeficientes do artigo 38º do CIMI, designadamente  o coeficiente de localização de 2,50, razão pela qual, estando vedada a possibilidade legal de as regras constantes do artigo 38º do CIMI poderem influenciar o VPT que então se apurou, não poderá deixar de se reconhecer a desconformidade legal no tocante à aplicação de um coeficiente superior a um, como foi o caso do coeficiente de localização de 2,50.

Já relativamente ao Vc – valor base de prédios edificados – a AT fez incidir a regra constante da então vigente (em 2013) redação do n.º 1 do artigo 39º do CIMI, isto é, aplicando a majoração de 25% sobre o custo médio de construção por metro quadrado estabelecido na Portaria 424/2012, de 28 de Dezembro - € 482,40 – resultando assim num valor por metro quadrado de € 603,00.

Ora, inexistindo qualquer edificação e não consentido a norma vigente no momento temporal a que se reporta a avaliação (2013), não pode deixar de se reconhecer a desconformidade do VPT nestes termos fixado, o qual, influenciou, por excesso aquele que seria o valor correto do VPT e nessa medida faz também inquinar de ilegalidade as liquidações de IMI e AIMI melhor identificadas nos pontos 8 a 10 e 15 a 17 da matéria de facto, neste estrito segmento.

  1.    Prédio U-...:

No tocante à fórmula de cálculo e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, relativamente à liquidação de IMI de 2020 com o n.º ... e à liquidação de AIMI de 2021, com o n.º ..., a AT fez incidir no apuro do VPT  do prédio U-..., os coeficientes do artigo 38º do CIMI, designadamente  o coeficiente de localização de 2,50 e o coeficiente de qualidade e conforto de 1,150, razão pela qual, estando vedada a possibilidade legal de as regras constantes do constantes do artigo 38º do CIMI poderem influenciar o VPT que então se apurou, não poderá deixar de se reconhecer a desconformidade legal no tocante à aplicação de um coeficiente superior a um, como foi o caso do coeficiente de localização de 2,50 e de qualidade e conforto de 1,150.

Já relativamente ao Vc – valor base de prédios edificados – a AT fez incidir a regra constante da então vigente (em 2013) redação do n.º 1 do artigo 39º do CIMI, isto é, aplicando a majoração de 25% sobre o custo médio de construção por metro quadrado estabelecido na Portaria 424/2012, de 28 de Dezembro - € 482,40 – resultando assim num valor por metro quadrado de € 603,00.

Ora, inexistindo qualquer edificação e não consentido a norma vigente no momento temporal a que se reporta a avaliação (2013), não pode deixar de se reconhecer a desconformidade do VPT nestes termos fixado, o qual, influenciou, por excesso aquele que seria o valor correto do VPT e nessa medida faz também inquinar de ilegalidade as liquidações de IMI e AIMI melhor identificadas nos pontos 8 a 10 e 15 a 17 da matéria de facto provada, nos termos que se deixam  supra explicitados.

 

4.4.1. Extensão da decisão anulatória quanto às liquidações de IMI de 2020 e AIMI de 2021:

Tendo-se concluído pela ilegalidade parcial das liquidações de IMI de 2020 e de AIMI de 2021, cumpre precisar a extensão do efeito desta decisão anulatória.

No seu pedido arbitral peticionaram as Requerentes a anulação parcial das liquidações impugnadas, por nestas se se incluir um valor total de imposto indevido, a qual esta fixa em €  18.861,45, face a um valor global das liquidações objeto de impugnação arbitral no montante de € 62.885,58.

Face à apreciação concretizada relativamente a cada um dos prédios e respetivas liquidações objeto da presente apreciação arbitral, há que concluir pela ilegalidade parcial das liquidações arbitralmente impugnadas, uma vez que a Requerida AT não podia ter aplicado a fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI e os respetivos coeficientes que dele decorrem e bem assim estava vedado à AT proceder à majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, porquanto igualmente não aplicável na determinação do VPT dos terrenos para construção.

Ora, a aplicação dos coeficientes previstos no n.º 1 dos artigo 38º e da majoração de 25% do 39º, ambos do CIMI para efeitos de fixação do respetivo VPT sobre os prédios supra melhor identificados, VPT esse que está, por sua vez, na base da coleta de IMI e AIMI cujas liquidações são ora objeto de impugnação arbitral, foram geradores de imposto liquidado em excesso, pelo que se julga procedente o pedido de anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IMI e  AIMI sub judice, na exata medida do excesso de coleta obtida através da aplicação ilegal dos mecanismos de cálculo previstos em  ambos os normativos vindos de referir, na redação vigente à data a que se reporta cada uma das avaliações, como decorre dos pontos 4.3. e 4.4. da presente decisão.

Assim, quanto aos pedidos formulados revela-se necessário precisar que “O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.

Ressalvadas estas excepções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.”, conforme se referiu no acórdão arbitral de 1 de Junho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 694/2019‑T.

Ainda a respeito desta temática, referiu-se no acórdão do TCA Norte, proferido em 9 de Julho de 2020, no âmbito do processo n.º 9655/16.3BCLSB que “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”

Tendo em conta a natureza essencialmente anulatória do contencioso arbitral tributário acabada de evidenciar com base na citada jurisprudência, constata-se que ao Tribunal Arbitral não assistem os poderes para emitir as injunções condenatórias formuladas pela Requerente no seu pedido arbitral.

Assim sendo, e porquanto o apuramento da quantificação do montante do IMI e AIMI indevidamente liquidado e pago consiste numa tarefa cuja competência é atribuída por lei à AT, devem os atos de liquidação  arbitralmente impugnados ser parcialmente anulados, cabendo à AT a posterior quantificação, tendo por referência o teor do da fundamentação anulatória desta decisão, designadamente dos pontos 4.3. a 4.4, se necessário em sede de execução de julgados, de modo a conformar os atos de liquidação impugnados com os termos da presente decisão arbitral anulatória, da qual decorrerá, necessariamente, uma diminuição da coleta em sede de IMI e de AIMI.

Nesse exercício, haverá que ter em consideração que a diminuição do imposto devido a ser quantificado nos termos da presente decisão não poderá ser, evidentemente, superior ao peticionado pelas Requerentes nos presentes autos e o qual corresponde ao constante do pedido arbitral formulado, no caso de € 18.861,45.

 

4.5. Do direito a juros indemnizatórios e reembolso do imposto indevidamente pago:

Quanto ao pedido de reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios formulados pelas Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os vícios que afetam os atos tributários ora arbitralmente sindicados são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que os praticou, indevidamente, por sua iniciativa, incorrendo nos vícios supra acima assinalados.

Têm, pois, as Requerentes direito a ser reembolsadas das quantias que pagaram indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos atos tributários liquidados pela AT, na justa medida da anulação parcial que ora se determina , igualmente se reconhecendo o direito das Requerentes a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, desde a data do pagamento indevido até ao seu reembolso, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, juros esses a serem pagos pela Requerida AT.

 

 

 

 

 

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral singular:

  1. Julgar improcedentes as exceções de inutilidade superveniente da lide e de inimpugnabilidade dos atos tributários arbitralmente impugnados com base em vícios decorrentes da desconformidade do VPT, tal qual foram erigidas pela Requerida.
  2. Julgar ilegal e anular parcialmente, por erro sobre os pressupostos de direito as liquidações de IMI de 2020 e de AIMI de 2021 melhor identificadas nos pontos 5 a 17 dos factos provados, nos termos e com a extensão constantes do ponto 4.3., das alíneas a), b), c), d), e) e f) do ponto 4.4. e do ponto 4.4.1., da presente decisão.
  3. Condenar a AT à restituição às Requerentes do montante de imposto indevidamente pago, na decorrência da anulação parcial das liquidações determinadas na alínea que antecede.
  4.  Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios às Requerentes, contados desde a data do pagamento do valor indevidamente pago até à data do processamento da nota de crédito.
  5. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
  1. Valor do Processo:

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em  € 18.861,45 (dezoito mil oitocentos e sessenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos), tal qual como foi configurado e atribuído pelas Requerentes, valor esse não impugnado pela Requerida.

Custas:

De acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último, fixam-se as custas no montante de € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), as quais vão a cargo da Requerida, enquanto parte vencida nestes autos.

 

Notifique-se esta decisão arbitral aos Requerentes e à Requerida e, oportunamente, arquive-se o processo.

 

Lisboa, 15 de Setembro de 2022.

 

O árbitro singular

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)      

 

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.