Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 840/2014-T
Data da decisão: 2015-11-30  IVA  
Valor do pedido: € 34.242,46
Tema: IVA, direito à dedução, simulação, ónus da prova
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Decisão Arbitral

 

 

1. Relatório

 

A..., Lda., com sede no lugar de....–..., s/n.º, freguesia e concelho de..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Resende com o N.I.P.C...., com um capital social de € 12.500, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do correspondente Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, para apreciação da legalidade da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA),com vista à anulação dessa liquidação no valor de € 29.511,00 e correspondentes juros compensatórios, no valor de € 4.731,46.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 23-12-2014, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD nesse mesmo dia, tendo sido comunicado e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos dias 23 e 26 do mesmo mês, respetivamente.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o árbitro signatário como árbitro singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, o que foi notificado às partes em 10-02-2015.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 23-02-2015.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta.

 

A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT teve lugar a 25-05-2015, tendo-se procedido em 08-07-2015 a depoimento de parte e à inquirição de testemunhas. As partes alegaram por escrito, tendo mantido as respetivas posições.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de quaisquer nulidades.

 

2. Objeto do litígio

 

A razão do litígio resulta do entendimento da AT de que a Requerente procedeu à dedução indevida de IVA, no montante total de 29.641,17€, o que esta contesta, pedindo a anulação da liquidação adicional.

 

Aquele montante correspondente a IVA incluído em faturas emitidas por um fornecedor da Requerente (empreiteiro) e que foi por ela objeto do exercício do direito à dedução. Isto para efeitos do apuramento do imposto relativo ao 2.º trimestre de 2010 (período 201006T). Não obstante, a AT entende que essas faturas respeitam a operações simuladas, ou seja, a operações declaradas fiscalmente mas não realizadas de facto. Alegadamente, os serviços contestados dizem respeito a obras ocorridas na unidade hoteleira da Requerente, as quais haviam sido objeto de um programa de atribuição de subsídios.

 

Assim, a AT veio a desconsiderar, para o apuramento daquele trimestre, o IVA correspondente ao alegado fornecimento de bens e serviços por parte do fornecedor B..., Lda., o qual havia sido faturado em Maio e Junho de 2010.

 

Nos autos a Requerida veio pugnar pela estabilidade do ato tributário e entende dever ser absolvida da instância, por se verificar uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do pedido e sustenta ainda que, caso assim não se entenda, sempre deverá o pedido ser julgado improcedente, por não provado.

 

A Requerida suscita ainda a dúvida sobre se a Requerente peticiona igualmente a anulação das alterações promovidas pela AT em sede de IRC. Porém, na audiência de 25 de maio foi clarificado pelo Ilustre mandatário da Requerente, como aliás decorre da formulação do pedido, que este respeita, exclusivamente, à aludida liquidação de IVA e não, também, a uma qualquer liquidação de IRC.

 

 

         3. Matéria de facto

        

         3.1. Factos provados

 

1)            A Requerente é uma sociedade por quotas que exerce a atividade hoteleira.

2)            Tem como objeto social a atividade de exploração de estabelecimento de alojamento e restauração, nomeadamente hotel com restaurante e afins, exploração e aluguer de embarcações próprias para turismo, organização, promoção, execução e gestão de eventos e congressos, exploração de atividades lúdicas, culturais, desportivas e de lazer, bem como o aluguer de equipamentos desportivos e recreativos.

3)            A unidade hoteleira em causa tem a designação ..., e está situada em..., na freguesia e concelho de... .

4)            À atividade da Requerente corresponde o C.A.E... .

5)            A Requerente está enquadrada em IVA no regime normal, com periodicidade trimestral.

6)            A sua atividade consubstancia-se na exploração do dito hotel, com a denominação “...”.

7)            Esse hotel é composto por três pisos, tendo o 2º andar um menor número de quartos que o primeiro.

8)            C..., contribuinte n.º ... era, ao tempo a que se reportam os factos dos autos, o único sócio e gerente da Requerente.

9)            Em 2008, a Requerente iniciou um projeto de requalificação do referido hotel, de 3 para 4 estrelas.

10)        O Instituto de Turismo de Portugal (ITP, organismo que tutela a concessão do referido subsídio), celebrou com a Requerente um contrato de incentivos relativo ao dito hotel.

11)        Assim a Requerente veio a beneficiar, para a requalificação, de um incentivo concedido ao abrigo do QREN, no valor de € 209.215,90

12)        Nos termos desse contrato, a realização do investimento deveria ocorrer, numa primeira fase, entre 07.07.2008 e 31.12.2008.

13)        Posteriormente, o ITP autorizou a prorrogação desse prazo até 31.07.2009.

14)        Subsequentemente ainda, o ITP concedeu uma nova prorrogação do prazo para conclusão das obras, agora até 30-06-2010.

15)        A segunda prorrogação teve por fundamento a impossibilidade de concluir as obras no 2º piso e no ginásio, faltando ainda a instalação dos painéis solares e termodinâmicos.

16)        A remodelação foi faseada, de modo a garantir o funcionamento ininterrupto da unidade hoteleira.

17)        Foi possível realizar trabalhos de remodelação com o hotel em funcionamento.

18)        O mês de Junho é, usualmente, um dos meses do ano com maior movimento no hotel e assim correu em 2010.

19)        Na nova data limite (30-6-10), as obras estavam concluídas apenas em 84% faltando, de entre outros, a instalação dos referidos painéis solares e termodinâmicos.

20)        Em 2010, nos meses de Maio e Junho, a Requerente contabilizou faturas emitidas pelo sujeito passivo B..., Lda., no valor total de € 177.066,00 a que correspondeu um IVA liquidado à taxa legal de € 29.511,00.

21)        Em 2010 esta firma foi a única fornecedora de serviços e bens destinados à remodelação do hotel.

22)        No 2.º trimestre de 2010 (período 2010.06T) as deduções relativas à compra de imobilizado (campo 20) apresentaram valores de deduções elevados, os quais originaram uma situação de crédito de imposto nesse período (imposto a favor do sujeito passivo, portanto).

23)        No ano de 2010 a Requerente apurou um crédito de IVA no valor de € 39.136,07.

24)        Dentre os fornecedores, destaca-se pelo montante elevado dos valores faturados, um único fornecedor, B..., Lda., NIPC: ...

25)        O IVA deduzido no campo 20 do período 2010.06T respeitava essencialmente a faturas emitidas pela empresa B..., Lda., num total de oito.

26)        Dessas faturas, a empresa B..., Lda. apenas contabilizou e declarou para efeitos de IVA uma delas, a fatura n.º... no valor de €26.500,00 (com IVA incluído), datada de 18.06.2010.

27)        A B..., Lda. omitiu da sua contabilidade e das restantes declarações fiscais, todas as demais faturas contabilizadas pela Requerente.

28)        Segundo o descritivo de tais faturas, as mesmas respeitam à aquisição de diversos artigos de mobiliário e serviços de remodelação e reparação dos quartos do hotel.

29)        Para além das referidas faturas inexiste qualquer outro suporte documental da relação entre Requerente e B..., Lda.. Nomeadamente, não existem quaisquer propostas, troca de correspondência sob qualquer forma ou meio técnico, contratos, autos de medição, protocolos de entrega ou depósito de bens, guias de transporte, recibos, faturas pro-forma, etc.

30)        Em 2008 e 2009 os bens e serviços destinados à remodelação haviam sido adquiridos a mais do que uma empresa fornecedora, consoante a especialidade de cada uma nas várias áreas necessárias.

31)        Dessas relações há evidências documentais, para além das faturas, como exemplificativamente ocorre com o fornecedor D... .

32)        A contratação, em 2010, de um único fornecedor, resultou da Requerente entender, por indicação de uma sua colaboradora, que seria mais fácil cumprir em tempo útil os prazos do QREN, caso fosse contratado um único fornecedor para os bens e trabalhos em falta.

33)        Foi essa colaboradora quem sugeriu para o efeito a dita firma B..., Lda.

34)        A Requerente pretendia que o trabalho fosse feito faseadamente, de modo a prejudicar o menos possível o funcionamento do hotel.

35)        Entre Março e Outubro de 2012 teve lugar um procedimento inspetivo interno, para controlo dos elementos constantes das declarações periódicas de IVA no exercício de 2010.

36)        Este procedimento foi encerrado sem correções.

37)        Foram, porém, identificadas situações que a AT entendeu carecerem de verificação externa.

38)        Por esse facto foi proposta a abertura de um procedimento inspetivo de caráter externo, para esse mesmo exercício.

39)        Esse procedimento teve como propósito, também, averiguar a totalidade das aquisições de imobilizado corpóreo e a efetividade dos correspondentes pagamentos, incluindo o controlo dos subsídios atribuídos pelo Instituto de Turismo de Portugal, no âmbito do QREN, e que ascenderam a € 209.215,90.

40)        Por ofício de 16.01.2014, foi a Requerente notificada da carta-aviso relativa ao procedimento inspetivo externo, a coberto da OI n.º 2012... .

41)        Desse procedimento, resultaram correções em sede de IVA no valor de € 29.641,17, bem como em sede de IRC, no montante de € 26.940,97.

42)        A AT apurou que a empresa fornecedora, B..., Lda., não apresentava um quadro de pessoal suficiente para prestar os serviços faturados no espaço de tempo em o que o foram.

43)        A Requerente não dispõe da identificação de qualquer pessoa que tenha participado na realização dos trabalhos em causa, que não seja o sócio gerente da B... .

44)        AT apurou que essa mesma empresa não declarou, naqueles períodos, valores ou inventários compatíveis com os valores das vendas que foram por si faturadas à Requerente.

45)        A Requerente exerceu o direito de audição e foi notificada do relatório final de conclusões, por correio registado, em 18-08-2014.

46)        Em 12-09-2014 foi emitida a liquidação adicional de IVA, respeitante ao período 1006T, no montante de € 29.511,00, com data limite para pagamento voluntário em 30-11-2014, bem como a liquidação de juros compensatórios, para o mesmo período, no valor de € 4.731,46, reportados ao período de 16-08-2010 a 18-08-2014.

47)        Tais liquidações estão na origem do pedido em causa e nenhuma delas foi paga.

48)        De acordo com a fundamentação de tal liquidação, as faturas respeitam a operações simuladas, ou seja, a operações declaradas fiscalmente mas não realizadas de facto.

49)        As quais correspondem a 48% do total do investimento realizado no dito melhoramento do hotel e, sensivelmente, ao volume de negócios anual da Requerente.

50)        O ITP procedeu em 16 de Setembro de 2010 à verificação documental e física do investimento realizado, por meio de amostragem, não tendo questionado o investimento, nem o seu valor.

51)        Aquele Instituto aceitou o investimento realizado e, após a fiscalização, procedeu ao pagamento do montante do subsídio em causa, incluindo as relativas às aquisições contestadas pela AT no ato tributário aqui em causa.

52)        Esse subsídio não inclui um valor relativo a emissores térmicos, painéis solares e termodinâmicos ou canos, os quais não foram instalados, nem estão em causa na liquidação de IVA controvertida.

53)        A aceitação e pagamento foram, pois, parciais, correspondendo a 84% do investimento projetado.

54)        Não foram verificadas quaisquer irregularidades em termos de contabilização dos subsídios recebidos.

55)        Foram emitidos cheques sacados sobre contas bancárias de depósitos à ordem do Gerente da Requerente e da sua Mãe.

56)        Foram posteriormente emitidos cheques sacados sobre conta à ordem da Requerente em favor da B... ., os quais serviram para a contabilização do pagamento das faturas emitidas pela dita B...e para justificar o pagamento da despesa junto do ITP.

57)        Todos os cheques foram carimbados, assinados e endossados pela referida B... a favor do Sócio-Gerente da Requerente e depositados na sua conta bancária pessoal.

58)        Com essas movimentações de fundos o Sócio Gerente da Requerente logrou justificar a realização de entradas (e.g. prestações suplementares) no património da Requerente.

 

 

         3.2. Factos não provados

 

Não se logrou demonstrar:

 

1)             Que os serviços prestados pela B..., Lda. o foram durante os anos de 2009 e 2010;

2)            Quais os bens e serviços efetivamente prestados por aquela firma;

3)            Que os mesmos ascenderam à referida quantia total de € 177.066,00, correspondente à totalidade do valor faturado;

4)            Que essa quantia total foi desembolsada em numerário pelo sócio gerente da Requerente a favor do fornecedor B...;

5)            Qual o destino dos valores correspondentes aos cheques sacados sobre contas bancárias de depósitos à ordem do Gerente da Requerente e da sua Mãe;

6)            Que o endosso dos cheques sacados pela Requerente e emitidos à B... acima referidos, tenha tido como propósito o reembolso ao sócio gerente da Requerente dos valores por si previamente desembolsados a favor da B..., Lda.

 

A matéria dada como provada e não provada decorre de documentos juntos aos autos cuja veracidade não foi contestada, das declarações das partes não contestadas pela outra parte e ainda do testemunho da anterior Diretora Geral da Requerente e também do testemunho da técnica da AT. Neste último caso por ter deposto com verdade, convicção, segurança e conhecimento da matéria de facto em causa e no primeiro caso, por aparentar ter conhecimento dos factos relativos à escolha da B... e à realização das obras, mas já não, naturalmente, quanto ao seu valor e demais termos contratuais.

 

A matéria dada como não provada decorre da ausência de documentos suscetíveis de a demonstrarem, tal como o pagamento em numerário de quantias de montante muito avultado, porque no valor total de € 177.066,00 (correspondente ao total faturado pela B..., Lda) e ainda das regras da experiência e do senso comum, que ditam não ser plausível o desembolso daquela quantia em numerário, correspondente à totalidade do valor da obra, sem um qualquer recibo de quitação, sobretudo quando também não existe qualquer documento prévio relativo à relação contratual, tal como contrato escrito, orçamento, auto de medição ou guia de transporte.

 

 

         4. Direito

 

         4.1. Questão prévia

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Porque uma passagem dos articulados da Requerente é suscetível de ser interpretada como pretendendo incluir no pedido, também, a liquidação adicional de IRC que resultou do mesmo procedimento inspetivo, a AT suscitou uma questão prévia relativa ao âmbito do pedido. Tal questão foi dirimida em audiência, sendo então clarificada qual a abrangência dos atos tributários contestados: se somente a liquidação de IVA ou se também a liquidação de IRC com ela conexa.

 

Naquela audiência as partes reconheceram estar só em causa a liquidação de IVA nº..., de 12-09-2014, referente ao período 1006T, no montante de € 29.511,00, bem como a liquidação de juros compensatórios com o nº..., também de 12-09-2014, relativa ao mesmo período de imposto, no valor total de € 4.731,46.

 

Aliás, a limitação do pedido arbitral à matéria de IVA, decorre de todo o teor do restantes articulado e também, claramente, do valor atribuído pela Requerente ao processo (€ 34.242,46), verba que corresponde precisamente ao montante total das liquidações de IVA e de juros compensatórios, respetivamente, de € 29.511,00 e € 4.731,46.

 

Ficou assim clarificado que o pedido arbitral respeita unicamente à liquidação de IVA nº..., de 12-09-2014, relativa ao segundo trimestre de 2010, no montante de € 29.511,00 e à correspondente liquidação de juros compensatórios, com o nº..., também de 12-09-2014 e relativa ao mesmo período temporal de imposto, no valor total de € 4.731,46, tudo no montante total de € 34.242,46.

 

         4.2. Exceção

 

A AT suscitou ainda uma exceção dilatória a qual obstaria ao conhecimento do pedido e, por essa razão, requereu a absolvição da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea b) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

A alegada exceção corresponderia a uma manifesta ausência de fundamentação de direito da pretensão da Requerente. Isto porquanto a Requerida entende que dos articulados daquela não consta essa necessária fundamentação. Para a Requerida é seguro que naqueles articulados expressamente se contesta o ato de liquidação e se manifesta a discordância com as correções realizadas pela inspeção tributária. Porém, entende que deles nada se pode concluir quanto ao fundamento jurídico dessa discordância. E salienta ainda que nos termos do artigo 552.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a Requerente deve incluir na petição inicial, não só os factos essenciais que constituam a causa de pedir, como também as razões de direito que sirvam de fundamentação à ação e ao pedido.

 

Neste sentido a AT cita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-11-2006 (tirado no processo n.º 06A3025), em que se considera que “o autor tem hoje em dia o ónus não só de alegar os factos pertinentes, mas também de expor os fundamentos de direito da ação, ónus que só poderá ser cumprido se no mínimo enunciar as normas jurídicas e os princípios gerais de direito que no seu entendimento suportam o pedido. A total omissão dessa indicação deve ser sancionada em paralelismo com a situação de falta absoluta de causa de pedir”.

 

Sucede, porém, que no seu requerimento inicial a Requerente indica claramente as normas que considera violadas: concretamente, as que servem de fundamento ao ato tributário em crise e que correspondem, em síntese grosseira, ao instituto do direito à dedução, em sede de IVA, do imposto suportado a montante pelos sujeitos passivos (art.s 19º e ss do CIVA), direito que considera totalmente aplicável in casu e, por outro lado, à inaplicabilidade das demais regras específicas invocadas pela AT (em especial a não dedução de IVA suportado em operação simulada – Art. 19º, nº 3 do CIVA – ou sempre que o sujeito passivo tivesse, ou devesse ter, conhecimento da ausência de estrutura empresarial suficiente por parte da contraparte – nº 4 do mesmo artigo), bem como o prazo de emissão de faturas (para o caso sendo relevantes os art.s 7º, nºs 1, 2, 3 e 9, 29º, nº 1, alínea b) in fine e 36º, nº 1, al.s a) e c)), por entender não se verificarem os pressupostos de que depende a sua aplicabilidade.

 

Portanto, não pode deixar de se concluir que, nestes termos, a Requerente enuncia “as normas jurídicas e os princípios gerais de direito que no seu entendimento suportam o pedido”.

 

Julga-se assim improcedente a dita exceção conhecendo-se, em consequência, do pedido.

 

 

         4.3. Impugnação

 

Fundamentação e Simulação

 

A questão subjacente aos presentes autos é a de saber se a Requerente tem direito à dedução de determinada quantia de IVA, por si alegadamente suportada em obras de remodelação do hotel que explora. A AT entende que não, por defender que a prestação do fornecedor B... não teve de facto lugar, tendo antes sido forjada para efeitos de obtenção indevida de subsídio estatal e, consequentemente, também para a dedução indevida do IVA liquidado nas correspondentes faturas, as quais corresponderiam, portanto, a operações simuladas. Adicionalmente, a AT alega também, quer a ausência de contabilização da quase totalidade dessas faturas (com exceção de uma), quer a ausência de estrutura suficiente, quer ainda a não observância do prazo de emissão de faturas, em qualquer um dos casos por parte do alegado fornecedor dos bens e serviços em causa.

 

Com efeito o ato tributário vem fundamentado, em primeiro lugar, no facto de ter sido deduzido IVA constante de faturas de transmissão de bens e prestação de serviços relativas a operações declaradas fiscalmente mas não realizadas de facto, operações essas que dizem respeito, concretamente, ao suposto, mas inexistente, fornecimento de bens e serviços pela empresa B..., Lda., para alegadas obras de melhoramento da unidade hoteleira da Requerente, a realizar ao abrigo de um programa de atribuição de subsídios pelo ITP.

 

Sustenta no entanto a Requerente, que as transmissões de bens e as prestações de serviços tituladas pelas faturas em causa, as quais foram apenas emitidas em Maio e Junho de 2010, ocorreram de facto e ao longo de dois anos (2009 e 2010), apesar de só terem sido faturadas naqueles dois meses. Mais, não obstante essa emissão tardia, o sócio gerente da Requerente teria adiantado ao fornecedor o pagamento da totalidade do valor com ele acordado (mais de cento e setenta mil euros), tendo-o feito em numerário e sem obtenção de recibo de quitação ou qualquer outra evidência documental. E isto não obstante não ter tido nunca qualquer relação comercial com o prestador (fora-lhe indicado pela então Diretora Geral do Hotel) e não haver igualmente qualquer suporte documental para a relação contratual estabelecida entre Requerente e fornecedor (B...).

 

 

Da inusual informalidade da relação Requerente / Fornecedor e outros indícios da inexistência das operações

 

Aliás, essa total, anormal e inexplicável informalidade caracteriza toda a relação estabelecida entre a Requerente e o prestador B... . Com feito, por referência a obras de valor significativo (quase metade do valor das obras totais objeto do contrato de subsídio com o ITP e com um valor próximo do volume de negócios anual da Requerente), constata-se que:

 

(i)            Não foram elaboradas propostas de orçamento ou contratos de fornecimento de bens ou de prestação de serviços;

(ii)         Não há registo de terem sido estabelecidos âmbitos para os trabalhos, cronogramas, prazos limite, qualidade e quantidade dos materiais, preços unitários ou máximos;

(iii)       Não foi exibida qualquer correspondência, troca de emails, notas ou registos de chamadas telefónicas;

(iv)        Não existem guias de remessa ou de transporte dos bens faturados;

(v)          Não foram elaborados autos de medição ou de progresso;

(vi)        Não existe qualquer recibo, documento de quitação ou outro meio comprovativo dos pagamentos em numerário alegadamente feito pelo sócio-gerente.

 

Assim, toda a prova abstrai de qualquer documento (reconhecidamente inexistente), que não sejam as faturas em crise e radica em absoluto em prova testemunhal (a que acresce o depoimento de parte). E tal prova é reconhecidamente muito frágil e no caso concreto é o ainda mais. A título meramente exemplificativo, no seu depoimento, o sócio gerente da Requerente não soube explicar se o adiantamento realizado incluía o IVA correspondente ou não (o que o TOC também não soube dizer), nem soube indicar o nome de um só colaborador da B... (o que a então Diretora Geral também desconhecia).

 

Todo este quadro corresponde pois a uma factualidade globalmente inverosímil, desde logo pelo elevado valor absoluto da verba em causa e, ainda mais, se tivermos em consideração o peso relativo desse montante no valor total das obras em causa e no valor da faturação anual do hotel. Com efeito, mesmo um empresário anormalmente temerário e imprudente, num quadro de normalidade da sua atividade empresarial, jamais teria procedido do modo como a Requerente sustenta que o seu gerente procedeu, sobretudo não conhecendo, sequer, o prestador de serviços, como o sócio gerente da Requerente admitiu suceder.  

 

Ora é também sabido que a B... apenas contabilizou uma das faturas, não tem compras que possibilitem a realização das operações objeto de faturação e não dispõe de pessoal suficiente para a realização de tais serviços.

 

Ónus da prova que impende sobre a AT e violação de várias normas

 

Aqui chegados importa concluir que tendo a AT demonstrado os factos acima referidos, mais do que cumpriu a tarefa que lhe competia na busca da verdade material, para assegurar a tributação de acordo com a lei e medida pela capacidade contributiva por esta estimada: demonstrar um quadro fáctico em que é lícito desconsiderar a presunção de veracidade da contabilidade da Requerente (art.s 74º e 75, nº 2, al.s a) e b)), pelos indícios coligidos, porquanto deles decorre que o relato do sujeito passivo assenta em factos que divergem em absoluto do modo como usualmente são conduzidas as relações comerciais entre empresários, o que constitui indício fundado de que a contabilidade não reflete a matéria tributável real do sujeito passivo. Assim é lhe lícito concluir, como conclui, serem as operações simuladas, ao menos parcialmente ou no seu montante, não correspondendo pois tais faturas a operações que tenham tido efetivamente lugar, i.e., são operações que não tiveram claramente lugar, ao menos nos termos que decorrem dessas faturas.

 

Mais, a conduta da Requerente viola ainda um conjunto de disposições legais relevantes que visam, precisamente, garantir a licitude do exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante (nuclear na economia do imposto) e que não há abuso (ou mesmo fraude) no exercício do direito à dedução desse IVA.

 

Ora, a admitir-se que houve adiantamentos por conta das obras, então há violação do disposto nos art.s 7º, 29º e 36º do CIVA que impõem a emissão de uma fatura por cada adiamento. Por outro lado, se a obra é continuada, os nº 3 e 9 do art. 7º do CIVA imporiam a emissão de fatura, pelo menos, no final do ano de 2009 (a Requerente alega que as obras decorreram entre 2009 e 2010), o que também não ocorreu. Por fim, o art 63-C da LGT veio impor que os pagamentos feitos no quadro de uma atividade empresarial com contabilidade organizada sejam efetuados exclusivamente através de uma conta bancária e, portanto, não em numerário.

        

Como é evidente, todas estas normas visam garantir a regularidade da liquidação do IVA e da entrega deste, mas também da regularidade do funcionamento do instituto do direito à dedução, central à mecânica do IVA.

 

Ausência de contraprova

 

Colocada seriamente em crise a credibilidade da escrita da Requerente e suscitada a dúvida muito séria sobre a efetividade das alegadas transmissões de bens e prestações de serviços, que dada a factualidade descrita com elevadíssimo grau de probabilidade se podem considerar inexistentes (art. 75º da LGT), cabia agora à Requerente a contraprova da realidade dos factos em que assenta a sua contabilidade, atenta a destruição da presunção de credibilidade (veracidade) desta.

 

No entanto a Requerente não logra fazer tal prova, muito pelo contrário. A Requerente procurou sustentar um quadro fáctico que fere o bom senso, por pressupor um conjunto de factos altamente improváveis e inverosímeis, em total divergência com um curso normal (ainda que negligente e com elevada impreparação) do giro comercial (recorde-se o pagamento em numerário, de mais de cento e setenta mil euros, sem recibo, sem fatura, sem orçamento, sem auto de medição e sem contrato). 

 

De facto, para um conjunto de obras e serviços de mais de 170 mil euros, de que dependia um subsídio ainda mais elevado, estando as obras já atrasadas e tendo sido já objeto de duas prorrogações:

 

(i)            Não foram elaboradas propostas de orçamento, contratos de fornecimento de bens ou de prestação de serviços com descrição de âmbito, preço e prazo;

(ii)         Não há registo de qualquer troca de correspondência, escrita, eletrónica ou telefónica;

(iii)       Não existem guias de remessa ou de transporte dos bens faturados;

(iv)        Não foram elaborados autos de medição ou de progresso;

(v)          Não existe qualquer recibo, documento de quitação ou outro meio comprovativo dos pagamentos em numerário alegadamente feito pelo sócio-gerente.

 

Ora, como decorre da jurisprudência citada pela Requerida, nestas circunstâncias, a contraprova competiria à Requerente, conforme dois Acórdãos do STA por ela citados.

 

Um tirado no Proc. 0774/09 de 2010/04/21, nos termos do qual:

 

“O entendimento sempre perfilhado é o de que à Administração cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artigo 342º do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação.

E, ao invés, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, seja a efectiva existência das alegadas transacções.

Como se refere no dito acórdão de 17 de Abril, o acórdão tirado no processo n.º 26.635, “cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja, ( … ) da existência de factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido “, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.

O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, 2ª edição, p. 269: “ há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos.”

Provando, pois, a Administração a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, cumpria ao contribuinte demonstrar a veracidade das transacções, o que, nos apontados termos, não logrou efectuar.”.

 

Um outro tirado agora no Procº 0951/11 de 2014/02/26, segundo o qual:

 

“VI – À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que os activos a que respeitam as despesas em causa não foram transmitidos e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar aquelas despesas no apuramento das mais-valias e de afastar a presunção de veracidade da escrita (à data prevista no art. 78.º do CPT).

VII – Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte demonstrar que esses activos foram realmente transmitidos, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º do CPT não logra aqui aplicação) pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias as despesas que diz respeitarem a activos transmitidos, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.”

 

Da irrelevância da simulação relativa

 

Poderia admitir-se que uma parte das obras foram efetivamente realizadas pela B..., ou que o foram na íntegra mas por valor inferior ao constante das faturas. No entanto, qualquer um desses factos teria de ter sido demonstrado pela Requerente, prejudicada que está a presunção de veracidade da sua escrita e demonstrado que está, pela AT, a improbabilidade séria de uma qualquer relação comercial entre Requerente e B..., pelo menos tal como relatada pela contabilidade da Requerente, bem como da fragilidade total da correspondente documentação de suporte (art. 75º da LGT). E o certo é que a Requerente não logra demonstrar que serviços e que bens foram efetivamente transacionados, nem qual o preço real dos mesmos.

 

Fica pois demonstrada a simulação das operações, no sentido que é acolhido pelo direito tributário e para efeitos de tributação (art. 39º da LGT), ónus o que competia à AT (art.s 74º e 75º da LGT), sem que se tenha produzido contraprova bastante que permita concluir que, ao menos, parte da operação teve efetivamente lugar, encargo que competiria à Requerente (art. 74º da LGT).

 

Com efeito, suscitada a dúvida sobre a veracidade do relato contabilístico, e como tal, também tributário da Requerente, dúvida que decorre da improbabilidade do quadro fáctico descrito pela Requerente, desde logo da ausência de evidência documental e de contabilização pelo fornecedor, bem como das incongruências decorrentes do ativo e colaboradores ao dispor do fornecedor, bem ainda como da violação de várias regras relativas ao momento da liquidação do imposto, à emissão de faturas e ao modo de pagamento, caberia à Requerente demonstrar, no mínimo, a razoabilidade, a probabilidade, a verosimilhança, ao menos parcial, do que decorre da sua contabilidade, o que de modo algum conseguiu concretizar.

 

Empenhada em destruir totalmente a tese da AT, a Requerente não logrou tornar credível a sua versão dos factos. Não logrou demonstrar um mínimo de verosimilhança da sua pretensa atuação e as testemunhas não lograram demonstrar a veracidade dos inusitados comportamentos supostamente adotados pelo sujeito passivo (por exemplo, diretora geral do hotel ao tempos dos factos, não soube dizer se e como foi superada a impossibilidade de uso do restaurante para servir os pequenos almoços aos hóspedes, pelo menos durante um número muito limitado de dias, aquando da colocação de alcatifa no restaurante).

 

Assim a Requerente não procurou provar que a simulação foi meramente relativa, respeitando a parte das obras ou ao preço contratado e pago e que este, e apenas este, havia sido artificialmente aumentado, e.g. para efeito de obtenção de subsídios e, por isso, também para efeitos de IVA. Ou seja, a Requerente procurou justificar a veracidade do todo, e não apenas de parte deste, mas não logrou conseguir nem um nem outro.

 

Ao não destruir a prova feita pela AT, antes a confirmando, e mantendo a sustentação da integral veracidade da sua contabilidade, a Requerente torna irrelevante saber se houve simulação absoluta ou relativa, pois que mesmo que estivéssemos perante esta segunda alternativa, o que parece sensato supor, a Requerente não logrou demonstrar que parte e que valor foram efetivamente contratados e porque forma.

 

Ou seja, superado o ónus da prova pela AT, não logra a Requerente superar o ónus de provar o inverso, ao menos parcialmente (art. 74º da LGT), quando não dispunha já do escudo da presunção de veracidade da sua escrita (art. 75º da LGT), como também decorre da Jurisprudência citada pela Requerida (acórdão do TCAS, proferido no âmbito do processo n.º 5650/01 e acórdão do TCAN, proferido no âmbito do processo n.º 01520/05.6BEVIS).

 

No sentido aqui sustentado e em especial sobre a temática da simulação e da repartição do ónus da prova, ver Joaquim Miranda Sarmento e Paulo Marques, “Facturas Falsas em IVA – A Evolução na Lei, na Jurisprudência e na Doutrina”, in IVA – Problemas Actuais, pág.s 173 e ss, Coimbra Editora, 2014 e a larga bibliografia aí citada.

 

 

ITP

 

A conclusão alcançada não é prejudicada pela decisão do ITP. Por um lado, como referiu o técnico do ITP no seu depoimento, este instituto procedeu a uma análise meramente “por amostragem”, procurando “ver se os espaços estavam preenchidos” e, portanto, sem grande detalhe. Por outro lado, como lapidarmente salientou a técnica da AT, os técnicos do Instituto não validam o verso dos cheques, mas apenas a sua frente Se o tivessem feito, teriam deparado com o endosso que não poderiam deixar de qualificar como anormal e merecedor de indagação adicional, tal como, bem, procedeu a AT, cautela que o ITP não teve, nem aparentemente costuma ter.

 

 

Normas aplicáveis

 

Como salienta a AT, “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura” (art. 19, nº 3 do CIVA). Nestes termos, concluindo-se que a relação comercial não ocorreu nos termos relatados pela contabilidade da Requerente, não tem esta o direito à dedução do IVA inerente a tais operações simuladas, o que corresponde ao IVA em causa nos presentes autos.

 

Sucede ainda que não é lícita a dedução de IVA “que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não entregue nos cofres do Estado o imposto liquidado”, como parcialmente ocorreu, “quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada” (nº 4 do art. citado).                     

 

E com efeito, nos termos do disposto nesse número, a não dedução do IVA liquidado a montante dependerá de dois requisitos cumulativos:

 

a)            o primeiro, que transmitente não proceda à entrega do imposto por si liquidado;

b)            em segundo lugar, que o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente não dispõe de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada.

 

Se é certo que o fornecedor não entregou a grande parte do IVA por si liquidado nas por si faturas emitidas e por essa via deduzidas pela Requerente, é também seguro que não é evidente que a Requerente pudesse ter a capacidade de conhecer da eventual ausência de estrutura empresarial da B..., até porque no caso sempre poderia, como referiu o Gerente da Requerente, aqui bem, recorrer a subcontratação de mão de obra. Não poderá, pois, por essa via, colocar-se em crise o direito à dedução desse IVA, mas este ficou já prejudicado pela alegada e demonstrada simulação (nº 3 do citado art. 19º do CIVA).

 

Por outro lado, se houve adiantamentos e se os serviços foram sendo prestados desde 2009, haveria que emitir faturas parcelares, pelo menos no final de 2009, nos termos da legislação acima referida, o que não foi feito. Por outro lado, o pagamento de quantias avultadas deixou de poder ser feito em numerário, precisamente, também, para garantir a veracidade dos registos contabilísticos, conforme norma da LGT acima aludida (63-C). O quadro de atuação da Requerente falha assim, adicionalmente, um conjunto relevante de normas jurídicas. Porém, esse incumprimento é irrelevante para a fundamentação da liquidação aqui escrutinada pois que, como foi já referido, o comportamento da Requerente falha sobretudo o quadro da normalidade, da razoabilidade, da atuação dos agentes económicos, o que nos termos em que ocorre constitui fortíssimo indício fundado de inexatidão da matéria coletável (art. 75º da LGT) por simulação (art. 19º, nº 3 do CIVA).

 

A AT logra assim produzir a prova que lhe competia sobre a não transmissão de bens e a não prestação de serviços nos termos que dariam lugar à dedução do correspondente IVA. E tanto é quanto lhe é exigido, nos termos dos art.s 74º e 75º da LGT, para quebrar o princípio de veracidade da escrita do contribuinte (art. 75º da LGT), pelo que o ato tributário em causa não merece censura.

 

 

4.7 Conclusão           

        

De acordo com o nº 3 do art. 19º do Código do IVA, “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”, o que sucede no caso dos autos. É pois, por esse motivo, indevida a dedução efetuada, sendo adicionalmente devidos juros compensatórios pelo atraso na liquidação.

 

Assim e pelas razões expostas, deve ser julgada improcedente a exceção invocada, bem como improcedente o pedido, por não provado, devendo antes ser este indeferido, mantendo-se o ato tributário em causa na ordem jurídica.

 

 

5. Dispositivo

 

De harmonia com o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente quer a exceção, quer o pedido, tudo com as legais consequências.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 34.242,46 (trinta e quatro mil duzentos e quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos).

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Requerente.

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.

 

Lisboa, 30-11-2015

 

 

 

O Árbitro Singular

 

 

 

 

(Jaime Carvalho Esteves)