Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 98/2022-T
Data da decisão: 2023-03-29  IRC  
Valor do pedido: € 273.268,48
Tema: IRC e IVA de 2017 e 2018 – Prova da realização de notificação eletrónica de liquidação; dados extraídos do sistema SECINNE; – Caducidade do direito à liquidação.
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SUMÁRIO:

- Os registos constantes da aplicação informática «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», de que é titular a AT, fazem prova bastante dos factos que documentam quando estejam em causa registos originados, ainda que de forma automática, por programas informáticos de outras entidades, nomeadamente o “Via CTT”. Tal é o caso, entre outros, dos registos, relativos a notificações, «Integração de documento no Via CTT”» e «Entrega de documento na caixa postal eletrónica do Via CTT».

- A lei exige a notificação das liquidações, como condição da sua eficácia, não bastando a notificação dos “acertos de contas” delas decorrentes. A falta de notificação, decorrido o prazo legal, implica a caducidade do direito a tais liquidações.

- Mostrando-se suficientemente fundamentadas as correções à matéria coletável e improcedentes os vícios a elas apontados, há que concluir, no mais, pela improcedência dos pedidos formulados pela Requerente.

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

A..., UNIPESSOAL, LDA (doravante Requerente), com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, com o número de pessoa coletiva ..., veio requerer pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, alínea a), que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), submetendo à apreciação do Tribunal Arbitral os atos tributários identificados abaixo.

Peticiona:

  1. A declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IRC n.º 2021 ... e 2021 ... referentes aos períodos de 2017 e 2018, respetivamente; 
  2. A declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IVA n.ºs 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., e 2021 ..., referentes ao período entre 1 de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2018;  
  3. A declaração de ilegalidade e anulação das Liquidações de juros compensatórios integrantes de liquidações de IVA n.º 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ... e 2021 ..., referentes ao período entre 1 de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2018.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT)

 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à AT a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do número de processo atribuído, em 22-02-2022, tendo a AT sido notificada para responder em 01-03-2022.

Síntese da posição das Partes:          

  1. Da Requerente

Invoca:

i) Falta de notificação do Relatório Final da Inspeção.

ii) Falta de notificação das liquidações impugnadas e consequente caducidade do direito à liquidação.

iii) Falta de fundamentação (ou fundamentação insuficiente) das correções efetuadas.

iv) Violação de lei por erro nos pressupostos de facto.

v) Violação dos princípios constitucionais da legalidade fiscal e da tributação do rendimento real.

Relativamente às correções efetuadas em sede de IRC, a Requerente entende que as mesmas resultam incompreensíveis por falta de suficiente fundamentação. Mais, sustenta que aceitando-as, se chegaria a um resultado oposto ao que se concretizou nas liquidações efetuadas.

Transcrevemos do requerimento inicial: «Em 2017, a AT propõe um acréscimo dos gastos no montante de € 153.495,38 e um acréscimo nos rendimentos no montante de € 137.425,78; Em 2018, a AT propõe um acréscimo dos gastos no montante de € 227.957,59 e um acréscimo nos rendimentos no montante de € 159.678,07. 92. Em ambos os períodos, sendo o acréscimo de gastos fiscalmente relevantes superior ao acréscimo de rendimentos fiscalmente relevantes, o apuramento levado a cabo pela AT resulta, indubitavelmente, em imposto a favor da Requerente, já que foi diminuída a sua matéria coletável. Considerando os valores pela própria AT determinados, a Requerente, não só não tem imposto a pagar, como terá um acréscimo nos prejuízos fiscais em 2017 e imposto pago em excesso em 2018!»

A Requerente também se insurge, em concreto, quanto à correção da AT constante do ponto 2.2.2 do Projeto de Relatório, invocando erro nos seus pressupostos de facto, por tal correção se ter baseado na errada consideração de que as viaturas em causa foram por ela adquiridas quando, na realidade, eram propriedade de outra sociedade.

Relativamente às correções efetuadas em sede de IVA, a Requerente alega resultarem incompreensíveis por falta de suficiente fundamentação. E que a fundamentação apresentada resulta contraditória, dando como exemplo o facto de, na pág. 25 do Projeto de RIT, a propósito das aquisições intracomunitárias de bens, os Serviços de Inspeção terem considerado não haver IVA adicional a liquidar e, no parágrafo seguinte, de forma absolutamente antagónica, terem enunciado as correções, em sede de IVA, que efetuaram.

Em alegações orais finais, a Requerente vem reproduzir, no essencial, o entendimento invocado anteriormente.

2. Da Requerida

A Requerida defende-se por exceção invocando na sua Resposta a cumulação ilegal de pedidos. Afirma:

«(…) Sucede, todavia, que as liquidações, embora com origem na mesma ação inspetiva, e independentemente de respeitarem a impostos distintos, implicam a apreciação de princípios e regras de direito distintas quanto a algumas das correções controvertidas». 

É verdade que a Requerente aponta vícios idênticos às liquidações de IRC e às liquidações de IVA, porém o seu pedido de anulação daquelas liquidações também assenta em circunstâncias de facto e em princípios e regras de direito que respeitam apenas às correções efetuadas em sede de IRC ou em sede de IVA, bastando esta circunstância para a pretendida cumulação de pedidos já não ser legalmente admissível.» 

Como tal, entende a Requerida que deve a presente cumulação de pedidos ser julgada ilegal, com as devidas e legais consequências. 

Por seu turno, sustenta que quer o Relatório Fiscal da Inspeção, quer as liquidações impugnadas foram regularmente notificados à Requerente.

Concretamente, quanto à alegada falta de notificação das liquidações adicionais de IRC e IVA, a AT rebate apresentando como prova extrato de prints retirados da aplicação informática «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», afirmando que os documentos em referência, i.e., com os códigos «ID.DOC.FFCC», correspondem às liquidações cuja legalidade aqui se aprecia, tendo sido notificadas à Requerente nas datas acima indicadas, não lhe assistindo razão. 

E considera ficar deste modo comprovado que não procede a caducidade do direito à liquidação que a Requerente suscita, pois, quer relativamente a IRC, quer a IVA, as liquidações adicionais foram-lhe validamente notificadas antes de terminar o prazo de 4 anos para a liquidação dos impostos.  

Entende que da leitura do RIT resulta de modo claro, congruente e suficiente, quais são as razões de facto e as razões de direito que sustentam as correções controvertidas.

Por outro lado, sustenta que a incompreensão da Requerente quanto às correções efetuadas em sede de IRC (aumento do valor da matéria coletável e não, como esta pretende, uma sua diminuição) «denota alguma confusão no que tange à natureza das correções efetuadas e a consequente repercussão na determinação de resultados, quer sejam os contabilísticos quer os fiscais (…).»

No que tange à correção técnica que a Requerente impugna diretamente, relacionada com o 2.2.2 do Projeto de Relatório, a Requerida remete para o RIT, segundo o qual:  «Através da consulta ao sistema informático da AT - Sistema de fiscalidade automóvel, constatou-se, pela análise às DAVs, que as 10 viaturas vendidas pelo sujeito passivo foram registadas na alfândega como adquiridas pela empresa B..., Lda, conforme cópias que se junta como anexo X.»  

 E sublinha a AT que, pese embora as vendas e os respetivos rendimentos se encontrem relevados contabilisticamente, quanto à sua aquisição tudo se encontrava omisso – identificação de fornecedores, valores, entre outros – pelo que foram calculados estes valores em € 110.337,10, fundamentando a conclusão também nos seguintes termos: «Como o s.p. não tinha registado na sua contabilidade a compra de nenhuma destas viaturas, consideramos e acrescemos às compras do s.p. o gasto incorrido com elas pela B..., conforme faturas apresentadas pelo s.p., bem como, o valor suportado com o ISV.»

No tocante às correções efetuadas em sede de IVA, referentes ao período de 1 de abril de 2017 a 31 de dezembro de 2018, a AT remete para a informação constante do RIT, o qual convolou em definitivo o projeto de Relatório a que a Requerente alude no seu PPA.

No requerimento, de 08-02-2022, a Requerida vem confessar, e reproduzimos, que «Quanto às liquidações n.º ..., n.º ..., n.º ..., n.º ..., n.º ..., relativas aos períodos 1706T, 1709T, 1806T, 1809T e 1812T, apenas foram emitidas as notificações dos respetivos acertos de contas.»

Em alegações orais finais, e quanto aos prints retirados da aplicação informática «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», a AT considera que o Requerente no seu argumentário ignora o novo sistema de registo eletrónico em vigor, desde 2017, como melhor se desenvolverá infra.

 

***

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo, foi constituído em 04-05-2022.

Por despacho, de 09-05-2022, do Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foi determinada a substituição da Ex.ma Senhora árbitra-presidente anteriormente designada no presente processo, pelo Senhor Prof. Doutor Rui Duarte Morais, tendo a primeira renunciado às funções arbitrais invocando para tanto razões que foram consideradas justificativas.

A nomeação foi aceite pelo novo árbitro-presidente, na mesma data, sendo formalizada pelo CAAD, em 30-05-2022.

 Em 15-06-2021, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 05-09-2022, juntando Processo Administrativo (doravante PA).

Em 24-10-2022, o sujeito passivo apresentou novo Requerimento.

Em 31-10-2022, foi emitido despacho pelo tribunal coletivo, justificando a prorrogação pelo prazo de dois meses após o termo do prazo em curso, para ser proferida a decisão arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.

Por despacho arbitral, de 24-11-2022, foi convocada a reunião a que se refere o artigo 18.º,    n.º 1, do RJAT, designando-se o dia 07-12-2022, para a audição de testemunhas. No mesmo despacho, justificou-se a prorrogação por mais dois meses, contados do termo do prazo então em curso, o prazo para prolação da decisão.

Na sequência de pedido de alteração da hora da reunião, por parte da Requerente, foi adiada a audição de testemunhas para data a designar, por despacho do coletivo, de 05-12-2022, e a 09-12-2022, a Requerente mantendo as duas testemunhas já indicadas pela Requerente, em sede do Requerimento Inicial, veio aditar uma terceira testemunha.

O adiamento da audição das testemunhas, e a solicitação da Requerente, acrescido da interposição das férias natalícias tornaram necessária a prorrogação, por mais dois meses, do prazo para ser proferida a decisão arbitral, através de despacho de 04-01-2023, tendo sido de seguida designado o dia 23-01-2023, para a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e audição de testemunhas, a qual teve lugar naquela data.

Na impossibilidade de ouvir a terceira testemunha arrolada pela Requerente, foi convocada nova inquirição, para o dia 07-03-2023, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, no final da qual as Partes produziram as correspondentes alegações orais.

O tribunal em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, deliberou que a decisão final seria proferida até ao final do prazo fixado no artigo 21.º do RJAT, advertindo a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos processos de arbitragem tributária.

 

II. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Como acima mencionado, a AT apresentou Resposta, em que aduziu a exceção da cumulação ilegal de pedidos.

A este propósito, o artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que «A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito».

De mencionar ainda que o artigo 104.º, n.º 1, do CPPT aponta em sentido idêntico, permitindo a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, desde que, cumulativamente, «a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo

In casu, os pedidos correspondem à mesma forma processual e têm por base o mesmo relatório de inspeção tributária, sendo verdade que os pedidos de anulação formulados pela Requerente, quer quanto às liquidações adicionais de IRC, quer quanto ao IVA, não se afiguram incompatíveis, e tiveram origem na mesma ação inspetiva.

Acompanhando a jurisprudência arbitral expressa no processo n.º 720/2014-T, de                 23-03-2015, recorda-se «o alcance do artigo 3.º n.º 1, ao não exigir uma absoluta identidade de questões de facto e de direito mas apenas uma identidade quanto ao que é essencial.»

Resulta igualmente da jurisprudência arbitral que, as regras sobre cumulação obedecem a razões de economia processual, pelo que devem ser interpretadas teleologicamente com o alcance de viabilizarem a cumulação sempre que as razões de economia se verifiquem.

Termos em que se conclui pela legalidade da cumulação de pedidos formulados pela Requerente, improcedendo consequentemente a exceção suscitada pela AT no âmbito da sua Resposta.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo para que se avance de seguida para a apreciação do mérito da causa.

 

 III. MATÉRIA DE FACTO

1. Factos provados:

  1. A Requerente atua no setor automóvel desde o início de 2017, dedicando-se ao comércio de automóveis ligeiros, novos e usados, prestando, igualmente, serviços de intermediação de crédito.
  2. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo, visando os períodos de tributação de 2017 e 2018, em sede de IRC e IVA, o qual teve início em 31 de março de 2021, do qual decorreram as liquidações que ora impugna.
  3. Em 29 de outubro de 2021, foi remetido por registo postal ao Requerente o Projeto de Relatório de Inspeção.
  4. Em 12 de novembro de 2021, a Requerente exerceu o seu direito de Audição Prévia.
  5. A Requerente foi notificada da instauração de vários processos de contraordenação em momento anterior às liquidações adicionais (as que ora impugna) que estariam subjacentes a tais processos.
  6. O Relatório Final, elaborado após a apreciação do direito de audição prévia da Requerente, foi-lhe notificado por ofícios da Direção de Finanças de Lisboa, remetidos por via postal na mesma data, ambos sujeitos a registo, a seguir identificados:

Data 16-nov-21; Referência 00023665; Registo RH ... PT

Data 17-nov-21; Referência 00024001; Registo  RH ... PT

  1. Ambos os ofícios foram remetidos para a morada da sede da Requerente localizada na ... n.º ... Alcântara - ... –... LISBOA.
  2. Ambas as notificações foram devolvidas com a seguinte anotação dos Serviços Postais «Encerrado, não tem recetáculo postal». Constando no sítio dos CTT, para acompanhamento das entregas, informação consentânea com a inscrita nos envelopes: «Não entregue. A entrega do envio não foi conseguida. Motivo: O destinatário não atendeu».
  3. A Requerente, por transmissão eletrónica de dados, em 2022- 01-01 procedeu à cessação da sua atividade para efeitos de IVA – com efeitos a 2021-12-31 – e, alterou a morada de contacto para a Rua ... n.º ... -...– ... MALVEIRA – coincidente com o domicílio fiscal do seu gerente.
  4. Porém, a sede mantém-se inalterada.
  5. Segundo os dados constantes do sistema de registo eletrónico em vigor, o «SECINNE, Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», a Requerente foi notificada eletronicamente, via CTT, das liquidações de IRC de 2017 e 2018, ora impugnadas, respetivamente em 13-12-2021 e 15-12-2021.
  6. Segundo os dados constantes do sistema de registo eletrónico em vigor, o «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», a Requerente foi notificada eletronicamente, via CTT, das liquidações adicionais de IVA, referentes ao 4.º trimestre de 2017 e ao 1.º trimestre de 2018, n.º ... e n.º ..., em 11-12-2021.
  7. Quanto às liquidações de IVA n.º ..., n.º ..., n.º ..., n.º ..., e n.º ..., relativas aos períodos 1706T, 1709T, 1806T, 1809T e 1812T, apenas foram emitidas as notificações dos respetivos acertos de contas.
  8. Segundo os constantes do sistema de registo eletrónico em vigor, o «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», a Requerente foi notificada eletronicamente, via CTT, de tais “acertos de contas.”
  9. No quadro da inspeção tributária foram feitas as seguintes correções aos GASTOS declarados pela Requerente em sede de IRC (as referências numéricas que se seguem reportam-se ao RIT):
  1.  2.2.1.1.2 Regime Margem - a AT realizou um ajustamento, correspondente a decréscimo das compras, no ano de 2017, no montante de € 800, uma correção respeitante a um lapso temporal, considerando que deve ser acrescido o montante de € 4.500 no período de 2017 e o correspondente decréscimo de € 4.500 no período de 2018.
  2. 2.2.1.2.1. Compras no Regime Geral – a AT realizou uma correção que se concretizou no decréscimo das compras nos montantes de € 2.554,30 e                   € 13.405,97, nos exercícios de 2017 e 2018, respetivamente.
  3. 2.2.1.2.2.1. AIB’s Exercício de 2017 51 - a AT considerou um acréscimo nas compras no montante de € 19.218,00, no período de 2017.
  4. 2.2.1.3 ISV – a AT considerou que a Requerente deveria ter registado os montantes referentes a ISV numa conta de gastos (rubrica 61-CMVCM), por oposição a uma conta de impostos (rubrica 68). Assim, e considerando igualmente valores respeitantes a lapsos em determinamos montantes transpostos das declarações aduaneiras de veículos, efetuou um acréscimo dos gastos nos montantes de € 53.103,37 e € 113.057,62, referentes a 2017 e 2018 respetivamente.
  5. 2.2.1.3 ISV – a AT considerou que deveriam ser expurgados das rubricas de impostos de 2017 e 2018, os montantes aí registados a título de ISV, correspondendo tal correção a € 53.259,15 e € 113.137,19, referentes a 2017 e 2018 respetivamente.
  6. 2.2.2 Omissão de compras – a AT considerou a acréscimos de compras, no montante de € 110.337,10 para o período de 2017, e de € 30.750,00 para o período de 2018.
  7. Ponto 2.2.4 Custo das mercadorias vendidas – a AT realizou correções, traduzidas num acréscimo do custo das mercadorias vendidas, nos montantes de € 22.950,36 (2017) e de € 215.193,13 (2018).
  8. 2.3.1.3 Vendas no Regime da Margem – a AT efetuou uma correção que se traduziu num decréscimo de rendimentos nos montantes de € 1.344,10 e € 234,86, para 2017 e 2018, respetivamente.
  9. 2.3.3. Correções das Vendas – a AT realizou correções aos montantes registados a título de vendas, nos montantes de € 78.469,88 e € 159.284,27, para os exercícios de 2017 e 2018, respetivamente.

p) 10 (dez) das viaturas referidas no ponto 2.2.2 do Projeto de Relatório não eram propriedade da Requerente.

q) No quadro da inspeção tributária, foram feitas as seguintes correções aos RENDIMENTOS declarados pela Requerente em sede de IRC (as referências numéricas que se seguem reportam-se ao RIT):

            (i) 2.3.1.1. Cruzamento com a 321Crédito – A AT considerou que deveriam ser acrescidos aos rendimentos dos exercícios de 2017 e 2018, os montantes de € 45.300,00 e € 105.290,00, respetivamente.

            (ii) 2.3.1.2. Omissão de vendas – a AT efetuou um acréscimo às vendas declaradas nos montantes de € 14.000 e € 54.622,93 para 2017 e 2018, respetivamente.

            (iii) 2.3.1.3 Vendas no Regime da Margem – a AT considerou um decréscimo de rendimentos nos montantes de € 1.344,10 e € 234,86 para 2017 e 2018, respetivamente.

  1.  2.3.3. Correções das Vendas – a AT efetuou correções (acréscimos) aos montantes registados a título de vendas, nos valores de € 78.469,88 e € 159.284,27, para os exercícios de 2017 e 2018, respetivamente.

r) As correções acima resumidas sintetizam-se como se segue:

 

s) Tendo o lucro tributável de 2017 sido fixado em € 19.539,31 (ao invés do prejuízo declarado de – € 68.639,36) e o lucro tributável de 2018, fixado em € 66.264,69 (ao invés do lucro declarado de € 8.407,70).

t) As correções em sede de IVA resultaram, para além das omissões de vendas antes sumariadas, da constatação de a Requerente ter, relativamente a aquisições de viaturas em outros Estados-Membros da UE, liquidado IVA segundo o regime dos bens em segunda mão ou regime da margem, em casos em que não se verificavam os pressupostos legais da possibilidade de utilização de tal regime.

u) Em consequência, a AT liquidou o IVA segundo o regime normal, quer quanto às aquisições (operação neutra – reverse charge), quer quanto às vendas dos veículos em causa.

v) Tais correções foram as seguintes:

 

 

 

 

 

Os factos provados constam da documentação junta aos autos, em especial do RIT.

As duas primeiras testemunhas arroladas pela Requerente, que o tribunal arbitral considera terem sido isentas e verdadeiras, pouco contribuíram para o esclarecimento dos factos. No essencial, procuraram esclarecer o infundado da correção constante do ponto 2.2.2 do Projeto de Relatório, ou seja, ser a mesma injustificada por as viaturas em questão não serem propriedade da Requerente, mas de outra sociedade, nunca tendo sido adquiridas por aquela, pelo que não deveria haver lugar a essa correção relativa a um acréscimo das compras declaradas.

Também declararam não saber quais as viaturas adquiridas, para efeitos de IVA, no regime das aquisições intracomunitárias e no regime dos bens em segunda mão, sendo que o tratamento contabilístico que deram às viaturas usadas adquiridas em outros países da UE resultou de indicações da gerência da Requerente.

O depoimento da terceira testemunha, aditada pela Requerente e ouvida na segunda inquirição realizada, consistiu, essencialmente, em explicitar o constante do Projeto e do Relatório de Inspeção Tributária, de que foi autora. Ainda que o relevo das suas declarações seja, naturalmente, limitado, sob pena de se admitir uma fundamentação a posteriori das liquidações impugnadas sob a forma de testemunho, o certo é que tal audição resultou, no entendimento deste tribunal arbitral, esclarecedora quanto ao resultado final das diferentes correções efetuadas (r) dos factos provados), pois a testemunha respondeu cabalmente às dúvidas formuladas pelo Mandatário da Requerida no sentido de tentar demonstrar que, somando as correções positivas e negativas efetuadas, se chegaria a um resultado oposto, ou seja, a uma redução do lucro tributável da Requerente e não, como foi feito, à conclusão pelo aumento do seu valor.

Nas alegações orais produzidas de seguida, os representantes da Requerente e da Requerida mantiveram no essencial os entendimentos invocados anteriormente, respetivamente em sede de PPA, requerimento subsequente da Requerente, e Resposta da Requerida.

Ademais, a representante da Requerida clarificou o atual funcionamento do sistema de registo eletrónico, esclarecendo que os prints retirados da aplicação informática «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», são documentos digitais que refletem a interação com os CTT, que procedem diretamente às notificações, cabendo-lhe o registo da sua efetivação/receção.

2. Factos não provados:

A Requerida – a sugestão do tribunal arbitral feita na primeira sessão de audição de testemunhas – veio, a 08-02-2023, apresentar um requerimento em que confessou que quanto às liquidações n.º ..., n.º , n.º ..., n.º..., e n.º ..., (respetivamente 1706T, 1709T, 1806T, 1809T e 1812T), apenas foram emitidas as notificações dos respetivos acertos de contas.

Não tendo cumprido com as notificações das liquidações mencionadas, as suas alegações no sentido da efetivação das liquidações ora em causa têm, necessariamente, que ser dadas por não provadas.

 

IV. DO DIREITO

 

Recordam-se, sinteticamente, os vícios apontados pela Requerente às liquidações controvertidas, que são os seguintes:

- Falta de notificação do Relatório Final da Inspeção;

- Falta de notificação das liquidações impugnadas e consequente caducidade do direito à liquidação;

- Falta de fundamentação (ou fundamentação insuficiente) das correções efetuadas;

- Violação de lei por erro nos pressupostos de facto;

- Violação dos princípios constitucionais da legalidade fiscal e da tributação do rendimento real.

 

1 - Falta de notificação das liquidações impugnadas e consequente caducidade do direito à liquidação:

Começaremos pela apreciação da questão da alegada falta de notificação das liquidações impugnadas, em cumprimento do disposto no artigo 124.º do CPPT, aqui aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, pelo facto de a respetiva procedência poder determinar uma estável e eficaz tutela dos interesses do Requerente

E, considerando-se que a figura da caducidade do direito à liquidação, prevista pelo artigo 45.º, da LGT, não consubstancia uma exceção perentória, podendo vir a afirmar uma ilegalidade ou vício material invalidante do ato tributário impugnado, passar-se-á de seguida à apreciação deste alegado vício. 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 36.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados. 

Em sede de Resposta, a Requerida procurou comprovar as notificações das liquidações d IRC em crise através da exibição de prints retirados da aplicação informática «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações».

Em requerimento subsequente, a AT enviou documentação alusiva às liquidações de IVA que protestara juntar, recorrendo de novo a prints daquela aplicação informática com o objetivo de fazer prova da notificação das liquidações em análise.

A questão, primeira, que se coloca é se tais prints, extraídos da aplicação informática «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», propriedade da Requerida, fazem prova suficiente da efetivação das notificações em causa.

Este tribunal arbitral não desconhece a existência de jurisprudência reiterada dos tribunais superiores segundo a qual o constante do «SECINNE» reveste a natureza de “documentos internos” dos serviços da AT, porquanto resultado de dados introduzidos pelos próprios serviços. E, por terem tal natureza, resultariam inoponíveis aos contribuintes. Segundo tal entendimento, a prova do envio/receção das notificações eletrónicas, feitas «Via CTT», apenas poderia ser feita através de declaração dos CTT (neste sentido, por todos, o Acórdão do TCAS no proc. 59/10.0, de 09-02-2017).

 

Porém, a Mandatária da Requerida, nas suas alegações, veio questionar a atualidade de tal jurisprudência, por assentar em dados factuais que deixaram de ter correspondência com a realidade.

Alegou, em suma, que os dados constantes do «SECINNE», são – e já o eram ao tempo dos factos em apreciação – uns resultantes de “ações” (maioritariamente automatizadas) da AT e outros de “ações” dos sistemas informáticos do «VIA CTT».

Tomando como exemplo o doc. 9 por si junto ao requerimento apresentado em 8 de fevereiro, explicitou quais os registos resultantes de “ações” dela, Requerida, e quais as resultantes de “ações” do VIA CTT.

Assim, entre outros, os registos identificados como «Integração de documento no Via CTT» e «Entrega de documento na caixa postal eletrónica do Via CTT» resultariam de “reações” dos computadores desta entidade ao “envio do documento para o Via CTT” originado pelos  computadores da Requerente.

O tribunal arbitral está convicto da correspondência à realidade de tais alegações da Requerida.

Tais afirmações correspondem ao que resulta das regras de experiência comum: o “diálogo informático”, por regra, processa-se através de interações mútuas entre computadores, sendo que a transmissão de determinada informação, feita através do computador de um utente, desencadeia automaticamente, noutro computador, de outro utente, uma série de “ações” (procedimentos informáticos) e “respostas” (interações), sem qualquer intervenção humana. Basta pensar num exemplo simples: quando, a partir do nosso computador pessoal, ordenamos uma transferência bancária, tal origina, automaticamente, uma série de ações nos registos relativos à nossa conta, no sistema informático do nosso banco (débito desse valor, cálculo e débito da comissão aplicável, etc.) e, também automaticamente, a transmissão ao sistema informático do banco do destinatário da realização da transferência e, no sistema deste, o processamento, também automático, de registo de tal valor a crédito do beneficiário.

No caso, é razoável assumir (presunção natural ou judicial) que, em reação ao “envio do documento para o Via CTT”, feito informaticamente pela AT, os computadores do «VIA CTT» estejam programados para, também automaticamente, enviarem os documentos em causa para os endereços eletrónicos dos destinatários (sujeitos passivos), confirmarem a receção de tais mensagens por estes, e enviarem para os computadores da Requerida (inserirem no sistema «SECINNE») os registos comprovativos da efetivação de tais operações.

Mais, não só esta interação automática corresponde ao esperável em redes informáticas desenhadas para interagirem entre si, suprimindo a necessidade de intervenção humana, como tal corresponde às funcionalidades que o «VIA CTT» é suposto cumprir:

Com efeito, a plataforma “SECINNE – Gestão de Notificações” - gerida por entidade externa à AT – foi assumida como um instrumento fundamental de integração na comunicação entre as várias aplicações da AT e o contribuinte. É utilizado para permitir a geração simultânea de documentação em diversos formatos e a sua expedição através de vários canais eletrónicos e também através do vulgar correio.

Este sistema permite gerir a composição, assinatura qualificada digital, expedição e arquivo de notificações e citações para a «Caixa Postal Eletrónica» (Via CTT), disponibiliza ainda informação sobre a data e hora de entrega da notificação na «Via CTT». Permite também proceder à composição e expedição de comunicações através do canal de correio eletrónico e por SMS, para além do papel.

Quer isso dizer que os extratos «SECINNE», juntos aos autos pela Requerida, contrariamente aos prints informáticos a que a Requerente faz referência – e que de facto, apenas espelham a tramitação interna dos atos da AT – são idóneos para demonstrar o itinerário percorrido pelos atos praticados pela AT na interação com os contribuintes, incluindo as notificações disponibilizadas na caixa postal eletrónica.

Em resumo: (i) a confiança inerente ao sistema de notificações eletrónicas pressupõe a intervenção de uma entidade terceira, o «VIA CTT» que assegure, imparcialmente, a efetivação de tais notificações. Porém, a confirmação de que determinada notificação foi efetuada/recebida não implica, hoje, uma intervenção humana, v.g. a emissão de um documento emitido por esta entidade. Basta o registo informático de que a notificação foi efetuada e recebida pelo destinatário, quando originado, automaticamente, pelo sistema informático do«VIA CTT» e transmitido, também automaticamente, para o sistema informático (a aplicação SECINNE) da Requerida.

Todo este automatismo (a implicar ausência de intervenção humana após o “impulso inicial”) redunda, aliás, em maior fiabilidade do que a resultaria da emissão de um documento comprovativo elaborado ad hoc.

Há, assim, que concluir que foram efetuadas as notificações das liquidações cujos respetivos “registos” constam dos prints extraídos da aplicação «SECINNE», juntos aos autos pela Requerida.

Relativamente às liquidações de IVA que, confessadamente, não foram notificadas, temos que o facto de ter ocorrido a notificação das demonstrações de acerto de contas daquelas decorrentes não pode ser havido como substituindo as notificações omitidas.

O objeto deste processo é a legalidade (eficácia) das liquidações impugnadas, atos tributários pelos quais a Requerida expressou a sua pretensão a mais imposto que o declarado pelo sujeito passivo (liquidações adicionais) e não, ao menos diretamente, atos administrativos subsequentes, daqueles dependentes, quais sejam os “acertos de contas.”

Aqui chegados, atentemos às considerações produzidas no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0979/08, 2.ª Secção, de 20-05-2009, recordando a jurisprudência que se foi formando ainda na vigência do CPT, segundo a qual, «(…) nas situações em que a liquidação havia sido efectuada dentro do prazo de caducidade, mas a notificação ocorrera depois desse prazo, a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, que era um requisito de validade da própria liquidação, entendida não em sentido estrito, como o acto que fixa o tributo, mas em sentido lato, como processo de liquidação, integrado por um conjunto de actos conexionados com tal fixação e sua imposição ao destinatário. Neste contexto, a notificação do acto de liquidação era um requisito necessário para não ocorrer a caducidade do direito de liquidar e, por isso, a sua falta afectava a legalidade do processo de liquidação, globalmente considerado.»

Sendo inequívoco que as liquidações de IVA n.º ..., n.º ..., n.º..., n.º..., e n.º..., relativas aos períodos 1706T, 1709T, 1806T, 1809T e 1812T, são ineficazes, há que apreciar a questão da respetiva caducidade do direito à liquidação.

A respeito da caducidade do direito à liquidação, dispõe o artigo 45.º, n.º 1 da LGT, que: «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.»

Nos termos do n.º 4, do artigo 45.º, da LGT «o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, como é o caso do IRC, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário».

O momento em que o IVA se torna exigível encontra-se estabelecido nos artigos 7.º e 8.º do Código do IVA, cuja aplicação ao caso concreto determina que, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura, a exigibilidade ocorre no momento da sua emissão.

No que tange ao IVA cuja exigibilidade se verificou no período de 2017 e 2018, somos a concluir que operou a caducidade do direito de liquidar o imposto, pelo que a possibilidade de renovação das liquidações n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., e n.º ... relativas aos períodos 1706T, 1709T, 1806T, 1809T e 1812T, encontra-se prejudicada por ter decorrido o prazo de caducidade do direito da Requerida a proceder a tais liquidações.

Verificando-se que a ineficácia das liquidações tributárias (não notificadas) foi consumida pelo vício de violação de lei, conclui-se nesta parte, assistir razão à Requerente.

Tendo procedido apenas parcialmente o pedido em razão da referida ilegalidade da totalidade dos atos tributários impugnados, haverá que prosseguir na apreciação das demais causas de pedir invocadas pela Requerente.

 

2 - Falta de notificação do Relatório Final da Inspeção:

Resultou provado nos autos que o Relatório Final, elaborado após a apreciação do direito de audição prévia da Requerente, lhe foi notificado por ofícios da Direção de Finanças de Lisboa, remetidos por via postal na mesma data, ambos sujeitos a registo, a seguir identificados:

Data 16-nov-21; Referência 00023665; Registo RH ... PT

Data 17-nov-21; Referência 00024001; Registo  RH ... PT

Sem prejuízo, sempre se concordaria que uma eventual irregularidade na notificação do RIT não afetaria a participação da Requerente no procedimento, como não afetou, tendo esta sido exercida pela Requerente através da sua Audição Prévia e correspondente apreciação em sede de RIT.

E sempre cumpriria ter em atenção o disposto no artigo 37.º do CPPT, nºs 1 e 2, do CPPT:  

«1 - Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

2 - Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida».

Ou seja, “faltando” a Relatório definitivo, que contém a fundamentação das liquidações impugnadas, caberia à Requerente o ónus de diligenciar pelo seu envio.

O mesmo é dizer que, mesmo existindo omissão da notificação do RIT definitivo, o que não é o caso, tal nunca seria razão invalidante das liquidações impugnadas.

Pelo que não procede o vício invocado pela Requerente.

 

3- Erro quanto aos pressupostos de facto:

Refere o RIT que:  «Através da consulta ao sistema informático da AT - Sistema de fiscalidade automóvel, constatou-se, pela análise às DAVs, que as 10 viaturas vendidas pelo sujeito passivo foram registadas na alfândega como adquiridas pela empresa B..., Lda, conforme cópias que se junta como anexo X».  

e

 «Face às relações entre as duas sociedades (mesmo gerente e sócio com mais de 20% do capital), vamos considerar as compras como efetuadas pela sociedade que as vende, a A..., e como valor de aquisição das viaturas os valores constantes nas DAV,s (preço de compra e ISV) e que as mesmas estão sujeitas a IVA no regime geral no momento da sua venda. Pelo exposto estamos perante omissão de compras, pelo que se propõe, nos termos do artigo 23" do CIRC o acréscimo das compras no montante de €110.337,10».  

Do que resulta claro que não existiu, por parte da Requerida, erro na compreensão dos pressupostos de facto relativos a esta situação. A AT nunca afirmou ou assumiu serem as viaturas em causa propriedade da Requerente.

A realidade é diferente:

- A AT, partindo da contabilidade da Requerente, que não pôs em causa, assumiu que esta obteve os rendimentos correspondentes aos preços de venda das viaturas em causa, uma vez que os faturou, tal qual fosse a proprietária dos veículos.

- Porém, constatando não estar registado qualquer valor a título de preço de aquisição, corrigiu tal omissão, considerando como “valor de aquisição” pela Requerente o valor declarado aos serviços alfandegários pela B..., Lda.

Ou seja, a AT efetuou uma correção aritmética favorável à Requerente. Sem esta correção, esta teria um rendimento tributável mais elevado, correspondente ao produto das vendas das viaturas em causa sem consideração de quaisquer gastos associados.

Não havendo erro quanto aos pressupostos de facto, não há que ponderar sobre outros eventuais vícios de que – hipoteticamente – esta correção possa enfermar, pois que a Requerente não os invoca.

Improcede, pois, este alegado vício.

 

4 - Falta de fundamentação (ou fundamentação insuficiente) das correções efetuadas:

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. Ora, entende o Coletivo que o RIT indica de forma suficiente as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aqueles atos.

Na realidade, as correções efetuadas pela AT, em sede de IRC estão suficientemente fundamentadas.

Sumariamente, temos que, relativamente ao IRC, a Requerente apenas põe em causa, especificadamente, a correção que se abordou no ponto anterior. No mais, alega que, aceitando as correções efetuadas pela AT, delas resultaria uma diminuição do seu lucro tributável, ao invés de um aumento. Ora, como se referiu na fundamentação dos factos provados, tal argumentação resultou esclarecida, no sentido da sua improcedência, pelo depoimento da testemunha C..., aliás arrolada pela Requerente.

Relativamente às correções efetuadas em sede de IVA, o cerne da fundamentação, é claro: utilização, pela Requerente, do regime da margem relativamente a aquisições de viaturas a revendedores de outros países da União, sendo que estes, no sistema «VIES», declararam ter processado tais vendas como estando sujeitas ao regime normal das transações intracomunitárias. Facto que a Requerente nunca pôs em causa.

Com efeito, a inspetora tributária responsável pela elaboração do RIT teve acesso ao sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA (VIES), e aos elementos que constavam do mesmo, conforme reafirmou na inquirição de testemunhas. 

Ora, da consulta ao sistema «VIES», base de dados que permite aferir a coerência entre as aquisições intracomunitárias declaradas pela sociedade e as transmissões intracomunitárias declaradas pelos fornecedores (sujeitos passivos revendedores, como se disse acima, com domicilio fiscal noutros Estados-Membros da União Europeia), verificou a AT que nos exercícios de 2017 e 2018, foram declaradas transmissões intracomunitárias à A..., que por sua vez não declara a maior parte dessas transmissões nas declarações periódicas de IVA.  

Por seu turno, da análise que sabemos através do RIT ter sido efetuada da aplicação do          E-Fatura, relativamente às faturas dos fornecedores registados como sujeitos passivos noutros Estados-Membros, bem como de faturas juntas ao RIT, a título de exemplo, podemos extrair a conclusão de que as aquisições foram efetuadas a sujeitos passivos registados noutro Estado Membro da União Europeia, aos quais a A... facultou o respetivo número de identificação fiscal português, para as efetuar, tendo sido consideradas como transmissões intracomunitárias de bens no país de origem. No entanto, o sujeito passivo não declarou qualquer aquisição intracomunitária de bens e nas vendas posteriores, em sede de IVA, e não liquidou IVA no regime geral, utilizando o regime da margem.

A incompreensão da Requerente parece resultar de algum desconhecimento do funcionamento do sistema IVA nas aquisições intracomunitárias: no momento da aquisição, o importador (a Requerente) liquida e deduz o imposto aplicável segundo a lei portuguesa (reverse charge). O resultado é, pois, zero. Porém, no momento da venda, é liquidado IVA sobre o preço. É este valor que não foi, parcialmente, entregue ao Estado: A Requerente só liquidou o imposto calculado sobre a “margem” e não sobre o preço total da venda.

Também aqui se considera não assistir razão à Requerente. 

 

5 - Violação dos princípios constitucionais da legalidade fiscal e da tributação do rendimento real:

Essencialmente vem afirmar a Requerente que a AT, não pode incluir gastos e rendimentos de outras entidades no lucro tributável da Requerente, sem apresentar qualquer justificação atendível para o fazer.

Está em causa, apenas, a correção antes abordada em 3 (Erro quanto aos pressupostos de facto). Como já deixado explicitado, tratou-se de uma correção de erros da contabilidade, favorável à Requerente, visando determinar qual o seu lucro real em tais operações.

Por todos os motivos já expostos ao longo do acórdão, não vemos como possam estar em causa princípio da Tributação do Rendimento Real e, muito menos o princípio da Legalidade Fiscal, pelo que somos a concluir não assistir razão à Requerente.

 

 V. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo: 

  1. Julgar procedente o pedido quanto às liquidações de IVA n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., e n.º ...,  relativas aos períodos 1706T, 1709T, 1806T, 1809T e 1812T, declarando a respetiva ilegalidade e condenando a Requerida na anulação das liquidações identificadas;
  2. Julgar improcedentes os restantes pedidos de pronúncia arbitral, deles absolvendo a Requerida;
  3. Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respetivo decaimento.
  4. De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 273 268,48 (duzentos e setenta e três mil, duzentos e sessenta e oito euros, e quarenta e oito cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante das liquidações de imposto impugnadas;
  5. Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 4.896,00 (quatro mil, oitocentos e noventa e seis euros), de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente (87,6%) e da Requerida (12,4%).

 Notifique-se.

29 de março de 2023     

 

Os Árbitros

  Rui Duarte Morais

  (árbitro-presidente)

António Alberto Franco

(árbitro adjunto)

Alexandra Iglésias

(árbitra relatora)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro. 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.