Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 97/2019-T
Data da decisão: 2022-03-24  IRC  
Valor do pedido: € 49.399,12
Tema: IRC. Art. 22º EBF. Fundos de investimento não residentes. Liberdade de circulação de capitais
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO: O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

1. Relatório

 

A..., Organismo de Investimento Colectivo constituído de acordo com o direito alemão, com o nº de identificação fiscal português ..., com sede em ..., ...-..., ... Frankfurt am Main, Alemanha (doravante “Requerente”), representado por B..., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação do acto de retenção na fonte respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2016, consubstanciado nas guia nº ..., no montante de 49.399,12 €, com as demais consequências legais.

O Requerente pede ainda a restituição do imposto retido indevidamente, bem como a condenação da Requerida no pagamento das custas de arbitragem.

Subsidiariamente, requer, ao abrigo do artigo 267º do TFUE, o reenvio prejudicial ao TJUE, sobre a questão da incompatibilidade do art. 22º do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente com o artigo 63º do TFUE.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-02-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-04-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 26-04-2019.

Em 14-05-2019, a Requerente veio juntar aos autos a tradução para a língua portuguesa dos documentos 1-6 juntos com o pedido arbitral.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido arbitral e não se opôs ao pedido de reenvio prejudicial deduzido pelo Requerente.

Por despacho de 23-07-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Requerente e Requerida apresentaram alegações onde reiteraram as suas posições.

Em 25-07-2019, o Requerente veio requerer a suspensão da instância até decisão pelo TJUE do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do proc. nº 93/2019-T, a que a Requerida não se opôs.

Por despacho de 17-10-2019, foi decidido suspender a instância até ser proferida pelo TJUE decisão no processo C-545/19, que tem por objecto a questão de Direito Europeu que é objecto do presente processo.

Em 17-03-2022, o TJUE proferiu decisão naquele processo C-545/19, tendo concluído que

«O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção».

Na sequência da decisão do TJUE foi decidida a cessação da suspensão da instância.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é uma pessoa colectiva de direito alemão, mais concretamente, um Organismo de Investimento Colectivo (OIC), constituído sobre a forma contratual de fundo de investimento;
  2. O Requerente é sujeito passivo de IRC, não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, e sem qualquer estabelecimento estável no país (doc. 1 junto com o pedido arbitral);
  3. O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B..., entidade igualmente com sede na Alemanha (doc. 2 junto com o pedido arbitral);
  4. Actua a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora –  B... –, os investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários (doc. 3 junto com o pedido arbitral);
  5. Do ponto de vista tributário, o Requerente é uma entidade residente fiscal na Alemanha (doc. 1 junto com o pedido arbitral), estando sujeito a imposto sobre as pessoas colectivas no seu país de residência, tendo-lhe sido todavia concedida uma isenção (nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1, 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional ou formular qualquer pedido de reembolso, dos impostos suportados ou pagos no estrangeiro (doc. 4 junto com o pedido arbitral);
  6. No ano de 2016, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal: C..., S.A. - 420.418,00 € (processo administrativo);
  7. A entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal era a D...;
  8. Por força da detenção de tais participações, o Requerente auferiu, no ano de 2016, dividendos no montante total bruto de 197.596,46 € (Doc. 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e processo administrativo);
  9. Os dividendos recebidos pelo Requerente foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a 49.399,12 € sido objecto de retenção na fonte a título de IRC (Doc. 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e processo administrativo);
  10. O imposto retido foi entregue nos cofres do Estado através da guia nº ... em 25-05-2016 (processo administrativo);
  11. Em 29-12-2017, o Requerente apresentou pedido de reclamação graciosa contra aquele acto tributário de retenção na fonte (doc. 9 junto com o pedido arbitral e processo administrativo);
  12. Em 15-11-2018, foi notificado do despacho de indeferimento daquela reclamação (doc. 9 junto com o pedido arbitral);
  13. O Requerente apresentou, em 13-02-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

O Requerente é uma é uma pessoa colectiva de direito alemão, que está constituída como organismo de investimento colectivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo residente na Alemanha, no ano de 2016.

Nesse período, o Requerente recebeu dividendos no montante total bruto de 197.596,46 €, sujeitos a retenção na fonte em Portugal, no montante de 49.399,12 € (25%), decorrente da participação que detinha na sociedade C..., S.A.

Relativamente ao rendimento referido obtido pelo Requerente foi efectuada retenção na fonte a título liberatório, de harmonia com o previsto nos artigos 94.º, n.º 1, al. c), n.º 3, al. b), e n.º 5, à taxa de 25%, prevista pelo art.º 87.º n.º 4, ambos do CIRC, em conformidade com o previsto nos artigos 10.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, alínea b), da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, aprovada pela Lei n.º 12/82, de e 3 Junho (doravante “CDT”).

O artigo 87.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 87.º

Taxas

(...)

4 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 %, excepto relativamente aos seguintes rendimentos:

(...)

 

O artigo 94.º do CIRC, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 94.º

Retenção na fonte

1 - O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

(...)

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à actividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;

(...)

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:

(...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis;

(...)

 

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Colectivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, excepto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo -os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria colectável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de activos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da actividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a actividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da actividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da actividade.

10 – Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efectuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efectuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direcção efectiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo -lhes ainda aplicável o disposto no Decreto -Lei n.º 14/2013, de 28 de Janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redacção dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de Julho de 2015».      

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

O Requerente é constituído ao abrigo da lei alemã e não da lei nacional, sendo por esse motivo que não lhe foi aplicado esse regime.

 

3.1. Posições das Partes

 

O Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a)  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção  entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de  residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b)  Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos,  nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras,  preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação  administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou  de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao  direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de  discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos,  tal como definida no artigo 63.º.

 

Alega o Requerente o seguinte, em suma:

- um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2016, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da União Europeia aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa;

- com efeito, a legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional;

- por oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da União Europeia, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos a uma tributação efectiva e liberatória de 25% em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, no ano de 2016, em Portugal;

- facto que assume maior gravidade no caso do ora Requerente, uma vez que o mesmo não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação;

- o artigo 18.º do TFUE estabelece uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade, princípio esse concretizado, no que diz respeito à livre circulação de capitais, no artigo 63.º, o qual proíbe todas as formas de discriminação baseadas na nacionalidade ou no local de investimento entre entidades/pessoas residentes em Estados Membros da EU;

- a distribuição de dividendos entre Estados Membros da UE não pode estar sujeita a quaisquer restrições, nem tão pouco a quaisquer discriminações baseadas na nacionalidade ou no local do investimento, uma vez que o Direito da União Europeia estabelece um quadro legal destinado a eliminar quaisquer discriminações na circulação de capitais, nomeadamente em investimentos transfronteiriços (directos ou indirectos), bem como eliminar quaisquer restrições que possam afectar a livre circulação de capitais;

- o TJUE já se pronunciou expressamente sobre regimes nacionais de tributação de dividendos auferidos por OIC residentes e não residentes (de outros Estados Membros), semelhantes ao previsto no ordenamento fiscal português, tendo concluído pela sua desconformidade com o Direito da EU;

- caso o Requerente tivesse sido constituído ao abrigo das normas vigentes em Portugal, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos por si percepcionados no ano de 2016, em virtude da aplicação da isenção de tributação;

- o que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da nacionalidade, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão em situações comparáveis;

- se ao ora Requerente fossem aplicadas as mesmas regras que as que são aplicadas aos OIC residentes, o mesmo não estaria sujeito a tributação em Portugal pelos dividendos recebidos de entidades nacionais;

- a própria legislação nacional impede que o Requerente possa beneficiar da isenção de IRC uma vez que este está legalmente impedido de constituir um fundo em Portugal já que a respectiva sociedade gestora não é domiciliada em Portugal, aqui residindo mais um aspecto discriminatório do regime nacional – discriminação em função da residência e da nacionalidade;

-  a legislação portuguesa em análise não visa  estabelecer qualquer medida anti abuso ou evitar práticas abusivas em matéria fiscal, pelo que o tratamento discriminatório conferido ao Requerente não encontra aqui qualquer justificação;

- a norma do EBF aqui sindicada se mostra contrária ao Direito da União Europeia, uma vez que colide com as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º;

- o facto de a legislação interna portuguesa subordinar a concessão de uma vantagem fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas

– em concreto a isenção de retenção na fonte incidente sobre os dividendos/lucros -, à condição de o OIC ser residente em território nacional, constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibido pelo artigo 1.° da Directiva 88/361 e pelo artigo 63.º do TFUE;

- de acordo com Jurisprudência firmada pelo TJUE em diversos acórdãos, para efeitos do princípio da não discriminação, situações semelhantes não deverão ser tratadas de forma diferenciada a não ser nos casos em que tal tratamento diferenciado possa ser objectivamente justificado e seja proporcional ao objectivo prosseguido pela legislação;

- a norma controvertida do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia, uma vez que colide com as disposições do Tratado relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como, com as garantias associadas ao direito de estabelecimento e, ainda, com as disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º, tendo como efeito dissuadir os OIC estabelecidos noutros Estados Membros de investirem os respectivos capitais em sociedades com sede em Portugal;

- tais disposições têm, também, efeito restritivo quanto aos OIC estabelecidos na Alemanha, na medida em que lhes levanta um obstáculo à recolha de capitais em Portugal, visto que os dividendos que forem pagos a um OIC estabelecido naquele Estado Membro serão tratados de forma menos favorável que os dividendos distribuídos a um OIC estabelecido em Portugal, pelo que as respectivas acções ou partes sociais serão menos atractivas para os investidores do OIC alemão;

- o preceito do EBF em análise no presente articulado, viola também a CRP, em concreto, o artigo 8.º da CRP o qual estabelece o princípio do primado do Direito Comunitário face ao direito interno.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

- no que se refere ao quadro fiscal dos OIC, a opção legislativa teve por finalidade “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtracção à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo;

- a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira;

- os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso do Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos;

- os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos;

- para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições susceptíveis de onerar fiscalmente os dividendos;

- não está demonstrado cabalmente que, embora o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), devido ao seu estatuto de entidade isenta de tributação, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperado pelos investidores;

- para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é susceptível de afectar o investimento em acções emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;

- o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que o Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu;

- o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância;

- a AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia, na apreciação da reclamação graciosa interposta pelo Requerente, aplicar de forma directa e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correcta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada;

- a retenção na fonte efectuada sobre os dividendos pagos ao Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, devendo ser mantida na ordem jurídica, devendo concluir-se pela improcedência do PPA.

 

3.2. Apreciação da questão

 

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no citado acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que

 

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

No texto do acórdão, para cuja fundamentação se remete, abordam-se as questões relevantes para atingir esta conclusão.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, declara-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

E assim sendo, tem de se concluir que a retenção na fonte e o despacho de indeferimento do pedido de reclamação graciosa, enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, com as demais consequências legais, designadamente o reembolso do imposto pago indevidamente.

        

4. Decisão     

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação da retenção na fonte efectuada através da guia nº ..., com as demais consequências legais;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de 49.399,12 € e condenar a Administração Tributária e Aduaneira a pagar este montante ao Requerente;
  4. Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento das custas.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 49.399,12 €, indicado pelo Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável.

 

Lisboa, 24-03-2022

 

O Árbitro,

(Cristina Aragão Seia)