Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2014-T
Data da decisão: 2014-08-16  Selo  
Valor do pedido: € 36.574,90
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Terrenos para construção
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AS PARTES

 

Requerente: ..., Lda., NIPC PT ..., com sede na Praça ..., ….

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

 

DECISÃO

 

 

  1. RELATÓRIO

 

a)       Em 13.02.2014, a sociedade por quotas ..., Lda., NIPC PT ..., (a seguir designada por Requerente) entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral Singular.

b)       O pedido está assinado por advogado cuja procuração foi junta.

 

O PEDIDO

 

c)       A Requerente peticiona a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2012, com a identificação de documento 2013 ... (1ª prestação) 2013 ... (2ª prestação) e 2013 ... (3ª prestação), geradora de uma colecta global no valor de 36 574,90 €, relativa ao prédio urbano de que é proprietária, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana do Município-Freguesia de … (extinta) sob o artigo ... … (E-U-...) – actual artigo matricial ...º do mesmo Município – União das Freguesias de ….

 

d)       Conclui que o acto tributário sob escrutínio padece de ilegalidade corporizada em errónea leitura da verba 28.1 da TGIS;

e)       e que mesmo que se considere correcta a leitura da lei levada à prática pela AT, a mesma padece de ilegalidade (sob uma forma mais grave) porque se “fundou numa norma inconstitucional”.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

f)        O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 14.02.2014 e notificado à AT no dia 17.02.2014.

g)       Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 01.04.2014.

h)       Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 01.04.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.

i)         Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do TAS com data de 16.04.2014 que aqui se dá por reproduzida.

j)        Uma vez que se levantam neste processo questões em tudo idênticas às já levantadas em muitos outros processos já decididos no CAAD, o TAS por despacho de 22.05.2014 decidiu dispensar-se da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT, se as mesmas a isso não viessem a obstar.

k)       Tendo sido arrolada uma testemunha pela Requerente, na sequência de pedido da AT, por despacho do TAS de 22.05.2014, foi decidido no sentido da desnecessidade da sua audição, ouvindo-se a Requerente.

l)         Por despacho do TAS de 30.05.2014 foram as partes convidadas a pronunciar-se se também prescindiam da realização de alegações.

m)     Quer a Requerente quer a AT deram o seu assentimento à não realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT e bem assim, especificamente, à não audição da testemunha arrolada e produção de alegações complementares.

n)       Pelo que não se realizou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, não se produziram alegações de partes, além da não se ter inquirido a testemunha arrolada no pedido de pronúncia arbitral.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

o)       Capacidade, legitimidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.

p)       Contraditório - a AT juntou ao processo, em 22.05.2014, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente. Todos os despachos do TAS e todos os requerimentos e documentos juntos pelas partes foram regularmente notificados.

q)       Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Quanto à ilegalidade corporizada em eventual errónea leitura da verba 28.1 da TGIS

 

r)        Entende a Requerente que a verba 28.1 é inaplicável à propriedade do imóvel acima indicado, por ser um terreno para construção, uma vez que “não obstante possuir aptidão para nele se construírem habitações – como outro tipo de edifícios – não é, ele próprio, um prédio susceptível de ser habitado”.

s)        E que “atenta a sua área e elevada capacidade construtiva, não nascerão edifícios exclusivamente destinados à habitação”. Concluindo: “uma parte importante do prédio terá outros fins” e que “a construção produzirá edifícios com uma pluralidade de habitações, sendo cada uma delas de valor inferior a 1 000 000,00 €”.

t)        Aduz ainda que, tendo em conta o objecto social da Requerente (compra para revenda de bens imóveis) o bem imobiliário sob tributação constitui “mera matéria-prima” e um “factor de produção”, concluindo-se que esta tributação equivale a tributar “o investimento reprodutivo em vez de tributar os bens de luxo”.

 

Quanto à ilegalidade corporizada em eventual desconformidade com o texto constitucional na leitura levada à prática pela AT da verba 28.1 da TGIS

 

u)       Esgrime ainda a Requerente a desconformidade com o texto constitucional da verba 28.1 da TGIS, na leitura levada à prática no acto tributário impugnado, na medida em que se abrangeriam “os terrenos para construção de empresas que os destinam à edificação de habitações” beliscando-se o princípio da igualdade na dimensão plasmada na Lei Fundamental, na medida em que “as empresas proprietárias de terrenos para construção de habitações seriam tributadas e as empresas proprietárias de terrenos para construção de edifícios para comércio e serviços não o seriam, sem qualquer razão para tal”.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quanto à ilegalidade corporizada em eventual errónea leitura da verba 28.1 da TGIS

 

v)       A AT propugna no sentido de que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade), incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.

w)      “Conforme resulta da expressão "valor das edificações autorizadas", constante do artigo 45º-2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI”.

x)       E alega que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28-1 da TGIS não pode ser ignorada”.

y)        Esclarece que “a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção”.

z)       Resumindo o seu raciocínio acaba por expressar: “que própria verba 28 da TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6.° do CIMI.”

aa)   Entende a AT “que o conceito de "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”, uma vez que “o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção de "afectação habitacional", expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de dever integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.°- 1, alínea a), do CIMI”.

 

Quanto à ilegalidade corporizada em eventual desconformidade com o texto constitucional na leitura levada à prática pela AT da verba 28.1 da TGIS

 

bb)   A AT defende que não ocorre qualquer desconformidade com os princípios constitucionais na leitura da lei que levou à prática no acto impugnado, quer porque a lei fiscal neste caso é geral e abstracta e respeita o princípio da isonomia (tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente), aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.

 

***

 

cc)                   Conclui pela legalidade do acto de liquidação face ao CIS e à CRP, pelo que se deve manter na ordem jurídica a liquidação impugnada, por configurar uma correcta aplicação da lei aos factos.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

As questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma e bem assim o próprio STA, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

 

Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão e uma estatuição, a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (prédios urbanos … com afectação habitacional), comporta ou não a realidade jurídico-fiscal definida na lei como “terrenos para construção”.

 

Ou melhor, no caso deste processo tendo em conta a forma como a Requerente coloca os fundamentos do pedido, a saber:

 

  • Peticiona a anulação da liquidação do imposto de selo, em função da ilegalidade da liquidação/inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS … aos terrenos para construção, por não se incluir no seu âmbito de incidência, entendendo ser errónea a leitura da lei adoptada pela AT (incisos c) e d) do Relatório);
  • e que mesmo que se considere correcta a leitura da lei levada à prática pela AT, a mesma liquidação padece de ilegalidade (sob uma forma mais grave) porque se “fundou numa norma inconstitucional” (inciso e) do Relatório);

 

o que haverá a apurar é, em primeiro lugar, se o acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece de qualquer ilegalidade, qualquer desconformidade com a lei, nomeadamente “erro na qualificação do facto tributário” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária.

 

O outro fundamento que poderia conduzir à sanção de anulação (desconformidade com a “grundsnorm”), sendo apresentado da forma como o foi, só deve ser apreciado caso se conclua pela inexistência de qualquer desconformidade do acto tributário impugnado com a lei ordinária em si mesma, que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária.

 

Afigura-se ao TAS que a questão que deve solucionar, em primeiro lugar, é a seguinte:

 

  • O acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece de qualquer desconformidade com a lei, nomeadamente “erro na qualificação do facto tributário” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária?

 

A AT não juntou o PA, no fundo aceitando que os documentos 2 a 5 juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia integram o que seria o seu conteúdo.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:

 

1)       A Requerente consta como titular da propriedade plena do prédio urbano da espécie "terreno para construção" inscrito na matriz predial urbana do Município-Freguesia de … (extinta) sob o artigo ... … (E-U-...) – actual artigo matricial ...º do mesmo Município – União das Freguesias de … – Documento nº 2 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia e artigo 2º do pedido de pronúncia e artigo 1º da resposta da AT;

2)       A descrição do prédio urbano é feita da seguinte forma: “Tipo de prédio: terreno para construção” - Documento nº 2 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia;

3)       O Documento nº 2 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia em “dados de avaliação” refere “tipo de coeficiente de localização: habitação" e contém uma quadrícula indicando “Ca – 1,00”;

4)       O prédio tem um valor patrimonial actual (CIMI) de 3 849 508,23 euros determinado em 2013 - Documento nº 2 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia; e consta das notas de liquidação indicadas em 1) que em 2012 tinha um VPT de 36 574,90 Euros – Documentos 3 a 5 juntos com o pedido de pronúncia;

5)       E tal valor patrimonial resultou do “Modelo 1 do IMI nº ... entregue em 2010.02.04, ficha de avaliação 3082760, avaliada em 2010.09.21” - Documento nº 2 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia;

6)       A Requerente foi notificada em data não determina da liquidação de Imposto do Selo IS) da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2012, com a identificação de documento 2013 ... (1ª prestação) 2013 ... (2ª prestação) e 2013 ... (3ª prestação), geradora de uma colecta global no valor de 36 574,90 € - artigos 4º, 5º e 7º do pedido de pronúncia e Documentos nºs 3 a 5 juntos com o pedido de pronúncia;

7)       Imposto este liquidado com fundamento exclusivo (sem outro tipo de fundamentação) na verba 28.1 da TGIS, com a redaccão que lhe foi introduzida pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro - artigos 4º, 5º, 7º e 8º do pedido de pronúncia e Documentos nºs 3 a 5 juntos com o pedido de pronúncia.

 

Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

IV.  APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Afigura-se-nos que com a criação de uma nova verba na TGIS, a verba 28, (pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29.10) no fundo criando-se um novo “facto ou situação jurídica” sujeito a tributação fiscal, apenas se pretendeu ampliar a incidência do imposto do selo a uma nova realidade jurídico-factual, mas não se alterando a divisão das diversas espécies de prédios urbanos existentes.

 

Não se pretendeu, segundo nos afigura, criar uma nova classificação de prédios urbanos em sobreposição das espécies que estão previstas no nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.

 

O acto tributário em causa ocorreu na vigência da redacção anterior da verba 28.1 da TGIS pelo que a actual redacção que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, (Orçamento do Estado para 2014) não é aqui aplicável, uma vez que só vigora a partir de 01 de Janeiro de 2014.

 

Estamos assim, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na norma de incidência deste novo tributo e que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Só que depois, a lei, o seu elemento literal que é sempre o limite de qualquer interpretação, na verba 28-1 TGIS, vem acrescentar “… por prédio com afectação habitacional”.

 

Ou seja, esta concreta norma de incidência do imposto, não deve depois ser interpretada, delimitada, como se tivesse a literalidade de “prédios urbanos habitacionais”, isto porque o intérprete, em respeito pelo comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não poderá partir do pressuposto que o legislador não conhecia os exactos termos do nº 1 do artigo 6º do CIMI que faz a divisão das diversas espécies de prédios urbanos.

 

Mas também não parece que possa entender-se que na norma de incidência caiba automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie  “terrenos para construção”.

 

Parece-nos, pois, que face ao elemento literal da norma de incidência (reveladora da voluntas legis) escolhido pelo legislador: “prédios urbanos … com afectação habitacional” se pretendeu atingir outras espécies de prédios urbanos, para além dos “prédios urbanos …habitacionais” segundo a divisão do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.

 

Não queremos, no entanto, com isto significar que a espécie de prédios urbanos “terrenos para construção” (ou outra espécie de prédios urbanos) esteja claramente e sem mais (ou seja, “ope legis”), comportada na norma de incidência da verba 28-1 da TGIS.

 

A este propósito transcrevemos, visando a simplificação e uniformização, o que é referido na decisão arbitral CAAD Processo 48/2013-T (a título exemplificativo), na parte a que aderimos:

 

***

 

A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

Relativamente às situações tipificadas na verba 28.1 só estão sujeitos os prédios com afectação habitacional.

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afectação habitacional. No entanto, no nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo referido diploma legal, foi estipulado que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

 

O CIMI também não clarifica o que são prédios com afectação habitacional, mas apenas o que são os diversos tipos de prédios, qualificando o nº 2 do artigo 6º como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços os edifícios como tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Ou seja, para o CIMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização, como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.

 

Já quanto aos terrenos para construção, que interessam no presente caso, face à liquidação efectuada e impugnada sobre terreno para construção, o CIMI, no nº 3 do artigo 6º, diz-nos que “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos”.

 

Das duas normas atrás transcritas não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando fala em prédios com afectação habitacional.

 

A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

 

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

 

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

 

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

 

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

 

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

 

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

 

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

 

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

 

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

 

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

 

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

 

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

 

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.”

 

***

 

Em primeiro lugar, há que constatar que não há dúvidas de que a espécie de prédios urbanos considerados “habitacionais” (alínea a) do nº 1 do artigo 6º do CIMI) que são “… os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”, cabem automaticamente na previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Mas da simples consideração do elemento literal da lei resultará que se pretendeu abranger mais do que esta realidade jurídico-fiscal abrange.

 

Posto que, como já se referiu, por força do comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não parece possível ao intérprete entender que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional” tenha o mesmo alcance prático (âmbito de aplicação) como se dissesse “prédios urbanos habitacionais”, partindo do princípio que se pretendeu abranger mais do que se abrangeria através do uso do primeiro elemento literal.

 

No caso dos autos a AT defende que “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação” e por isso deve recorrer-se ao artigo 41º (coeficiente de afectação) do Código do IMI.

 

E expressa ainda: “a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e construção.”

 

Ou seja, entende que a “afectação habitacional” do prédio urbano em causa é clara face ao que consta na caderneta predial que resultou de uma declaração do contribuinte (declaração modelo 1 do IMI) – matéria que acima se levou aos factos provados (incisos 2), 3) e 5)).

 

Mas então a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?

 

Ora, apenas com os elementos constantes da matriz predial, como é o caso, em que se demonstra uma mera potencialidade construtiva ou edificativa, afigura-se-nos que sem uma fundamentação adicional do acto tributário, sem a demonstração de que a espécie de prédio urbano “terreno para construção” tem desde já uma qualquer utilidade económica ao nível da afectação habitacional, não será possível considerá-lo abrangido na norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Quer isto significar que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, não pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?

 

Afigura-se-nos que podem ocorrer na imensa complexidade da economia, da utilidade económica, até informal, situações de sujeição, face aos comandos que se colocam ao intérprete constantes do nº 3 do artigo 9º do Código Civil e do nº 3 do artigo 11º da LGT.

 

Só que quanto aos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, afigura-se-nos que não é suficiente para demonstrar a “afectação habitacional” os elementos que constam da matriz. Será necessária uma outra fundamentação, outra matéria factual, para além do que consta da matriz que evidencie a utilidade económica com essa finalidade em concreto.

 

Não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que, percute-se, haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

 

A Requerente aduz a desconformidade do acto tributário face à lei de errónea qualificação do facto tributário.

 

De facto, mesmo que se entenda, como nos parece ser de entender, em termos gerais e abstractos, que um “terreno para construção” como aliás qualquer outro prédio urbano para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais” (porque estes têm sempre afectação habitacional por definição) pode ter, em termos de utilidade prática, económica e funcional uma “afectação habitacional” em concreto (até na economia informal), a verdade é que a sua consideração “ope legis” como tendo “afectação habitacional” partindo apenas dos elementos da matriz e do facto da sua avaliação ser feita com referência aos coeficientes aplicáveis aos prédios urbanos habitacionais, constitui desconformidade com a norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT e verifica-se ainda a prevista na alínea c) do artigo 99º do CPPT por ocorrer uma ausência de fundamentação que a lei, na leitura que acima se expressou, exige.

 

O acto impugnado não contém qualquer fundamentação no sentido que acima se referiu, para além da consideração que se trata de um prédio urbano da espécie “terreno para construção” “com capacidade construtiva de imóveis para habitação” em termos hipotéticos, o que se configura ser insuficiente.

 

***

 

Como consequência do acima exposto haverá que julgar-se procedente o pedido formulado pela Requerente perante o TAS, uma vez que a liquidação de IS levada a efeito pela AT não está em conformidade com a lei.

 

Procedendo o primeiro fundamento do pedido formulado pela Requerente no pedido de pronúncia (inciso d) do Relatório) não se torna necessário proceder à apreciação do outro fundamento (inciso e) do Relatório).

 

V.                   DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido da Requerente visando a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2012, com a identificação de documento 2013 ... (1ª prestação) 2013 ... (2ª prestação) e 2013 ... (3ª prestação), geradora de uma colecta global no valor de 36 574,90 €, relativa ao prédio urbano de que é proprietária, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana do Município-Freguesia de … (extinta) sob o artigo ... … (E-U-...) – actual artigo matricial ...º do mesmo Município – União das Freguesias de …, anulando-se o acto tribuário expresso nestes documentos, por estar em desconformidade com norma de incidência de IS constante das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 36 574,90 €.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 836,00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 16 de Agosto de 2014

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto

no artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.