Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2017-T
Data da decisão: 2017-07-24  Selo  
Valor do pedido: € 13.577,07
Tema: IS – Verba 28 da TGIS - Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A…, NIF…, residente na Av. …, nº … -…, …, …, …-…  Carcavelos; B…, NIF…, residente na Av. …, …, …, …, …, …-… Amadora; C…, NIF…, residente na Av. …, nº…, …, …, …, …-… Barreiro; D…, NIF…, residente na Rua … … …, …, …-… Queluz; E…, NIF …, residente na Av. …, nº … -…, …, …-… Lisboa; F…, NIF…, Residente na … n … …, …, …-… Lisboa; G…, NIF…, residente na Rua…, nº … …, …, …, …-… Azeitão; H…, NIF…, residente na Rua …, n.º…, …, …-… …; I…, NIF…, residente na Rua … nº…, …, …, …, …-… Barreiro; J…, NIF…, residente na Rua …- …, …, …-… Tinalhas; K…, NIF…, residente na Rua…, … …, …, …-… Cacém e HERANÇA DE L…, NIF…, com morada na …, n.º…, … …, …-… Algés, sucessora de M…, requereram a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de imposto do selo, no montante global de € 13 577,07, relativos ao prédio urbano, não constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial respetiva da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo … . As referidas liquidações, efetuadas com base na norma do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), conjugada com a Verba n.º 28.1 da respetiva Tabela Geral, reportam-se ao ano de 2015.

A par da declaração de ilegalidade dos atos impugnados, com o consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, os Requerentes solicitam, ainda, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

2. Como fundamento do pedido, os Requerentes alegam, em síntese, que a tributação prevista nas citadas normas tem como objeto os prédios urbanos, com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI seja igual ou superior a € 1 000 000. No caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal mas integrados por partes ou divisões suscetíveis de utilização independente o valor patrimonial utilizado para efeitos de IMI, e consequentemente, relevante para efeitos da incidência do imposto do selo, é, de acordo com a norma supra citada, o valor determinado com referência a cada uma dessas partes ou divisões. Tais pressupostos, segundo os Requerentes, não se verificam no presente caso – designadamente pelo facto de o valor patrimonial correspondente à quota de cada comproprietário não ser igual ou superior a € 1 000 000 -  pelo que as liquidações em causa enfermam de vício decorrente da errónea atribuição de afetação habitacional ao prédio supra identificado. Não obstante não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, é o mesmo integrado por divisões autónomas, suscetíveis de utilização independente, maioritariamente destinadas a comércio e serviços, para além de habitação, sem que, contudo, nenhuma delas tenha valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Alegam, ainda, os Requerentes, que as liquidações impugnadas se fundamentam em interpretação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ferida de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

 

3. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) -, em resposta ao alegado, pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos questionados atos de liquidação, com fundamento na circunstância de se estar perante um único prédio urbano, com um valor patrimonial tributário total de € 1 357 706,87. Sendo os Requerentes titulares de uma mera quota parte ideal do referido prédio e não de qualquer parte de prédio suscetível de utilização independente, nos termos do artigo 7º, nº 1, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o valor patrimonial a considerar, para efeitos da definição da incidência do imposto do selo é “ o valor global do imóvel que corresponde a cada um dos comproprietários ...apenas (são) responsáveis pelo pagamento de imposto do selo na proporção da sua quota-parte.”

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 16-02-2017, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida (AT), em 24 do mesmo mês.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 10-04-2017.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 22-05-2017.

 

8. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

11. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais:

 

12.1. Os Requerentes são comproprietários, em proporções diversas, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo … .

 

12.2. De acordo com a respetiva caderneta predial, o prédio, inscrito como propriedade total sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, em nome dos diversos comproprietários com indicação das respetivas quotas, é composto de rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares, destinando-se a comércio e habitação. Do 1º ao 5º piso, o edifício encontra-se dividido em andares - lado esquerdo e direito - dispondo cada um deles entradas autónomas. O respetivo valor patrimonial tributário total é de € 1 357 706,87.

 

12.3. Cada um dos andares do prédio em causa é composto apartamentos totalmente autónomos dos restantes apartamentos e andares, sendo na maior parte, destinados a comércio e serviços.

 

12.4. Com base em cópia de contratos de arrendamentos juntos aos autos (Docs. 13 a 26) é possível constatar que a utilização das divisões que integram o prédio em causa é a constante do quadro seguinte:

 

 

Inquilino

Afetação

Doc.

N… Lda. (Pronto a vestir)

Comércio

13

O… (Loja de Artigos Turísticos)

Comércio

14

P…, Lda. (Restauração)

Serviços

15

Q…, Lda. (Pronto a vestir)

Comércio

16

R…, SA (Loja de decorações)

 

Comércio

 

17

S…, SA (Loja de decorações)

 

Comércio

 

18

T…, Lda. (…)

Serviços

19

T…, Lda. (…)

Serviços

20

T…, Lda. (…)

Serviços

21

U…

 

Serviços

 

22

U…

 

Serviços

 

23

V…, Lda.  (Despachante oficial)

Serviços

24

W…

Habitação

25

X…, Lda. (Editora)

Comércio

26

 

12.5. Respeitantes ao ano de 2015, foram efetuadas liquidações de imposto do selo, ao abrigo da Verba 28.1 da respetiva Tabela Geral. Oportunamente notificadas aos Requerentes, foi efetuado o respetivo pagamento (Docs. 1 a 12).

 

12.6. Foram juntas ao presente processo, pelos Requerentes, cópia das decisões arbitrais de 27.3.2015 – Proc. 573/2014-T – e de 30.9.2016 – Proc. 110/2016-T -, já com trânsito em julgado, cujas causas de pedir foram em tudo idênticas à que originou o presente processo, referidas ao mesmo tributo e ao mesmo prédio e aos períodos de tributação de 2013 e de 2014.

 

 13. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Cumulação de pedidos e coligação de autores

 

14. O presente pedido de pronúncia arbitral, em coligação de autores, reporta-se a diversas liquidações de Imposto do Selo. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à referida coligação e cumulação de pedidos.

 

IV. Matéria de direito

 

15. Como já anteriormente referido, a Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral sustenta, no essencial, que a norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo não é aplicável a prédios em propriedade total integrados por partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, sempre as mesmas tenham afetações diversas da de habitação.

 

16. Ao alegado pela Requerente, respondeu a AT, em síntese, que a Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre os prédios urbanos com afetação habitacional e que o valor patrimonial tributário de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da lei, o valor patrimonial de cada prédio e não o valor correspondente à quota parte de cada comproprietário. Concluindo, assim, que os atos tributários em causa, não tendo violado qualquer norma legal, devem ser mantidos.

 

17. Das posições expressas pela Requerente e pela Requerida, acima sintetizadas, decorre estar em causa a apreciação de matéria estritamente jurídica, sendo desnecessária a produção de prova, para além dos elementos documentais juntos ao processo.

 

18. Com efeito, a questão a decidir centra-se, tão somente, em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) se contêm, ou não, os prédios urbanos maioritariamente destinados a comércio e serviços, além de habitação, que, embora não constituídos em propriedade horizontal, sejam integrados por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sempre que o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das partes distintas destinadas a habitação não excede o valor de € 1.000 000 .

 

19. Por outras palavras, trata-se de saber se o elemento quantitativo relevante previsto na referida norma deve ser considerado em função do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das partes ou a cada uma das quotas-partes de cada comproprietário, como pretende a Requerente, ou se esse elemento é o que resulta o do valor patrimonial total do prédio, conforme defende a Administração Tributária. 

 

20. Importa, assim, antes de mais, uma análise, ainda que sucinta, dos pressupostos da incidência do imposto do selo sobre prédios urbanos com afetação habitacional, com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respetivos conceitos legais.

 

 

Da incidência tributária.

 

21. Através da Lei n.º 55-A/2912, de 29/10, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000.

 

22. A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI, sendo aquele tributo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano (CIS, art.23.º, n.º7), à taxa de:

- 1%, por prédio urbano com afetação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

23. São sujeitos passivos, e devedores do imposto, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de Dezembro do ano a que o tributo respeita, conforme decorre do artigo 8.º do CIMI, por remissão expressa dos artigos 3.º, n.º 3, alínea u), e 2.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo.

 

24. No tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, determinação da base tributável, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos artigos 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Em geral, por remissão do artigo 67.º, n.º2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas, as disposições do CIMI.

 

25. Não se questionando, no presente caso, a espécie do prédio em causa, classificado como de urbano e de afetação habitacional, de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 2.º, 4.º e 6.º do Código do IMI, está apenas em causa saber-se qual o exato sentido de "valor patrimonial considerado para efeitos de IMI" constante da norma de incidência do imposto do selo.

 

26. Há, assim, que recorrer às regras do Código do IMI relativas ao tratamento que, em sede deste imposto, é conferido às partes de prédios urbanos suscetíveis de utilização independente, em especial no tocante à determinação do respetivo valor patrimonial tributário e regras aplicáveis à liquidação e pagamento do referido tributo.

 

27. De acordo com o n.º 3 do artigo 12.º do citado Código, que estabelece o conceito de matriz predial, "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário."

 

28. A autonomização na matriz das partes funcional e economicamente independentes de um prédio em propriedade total prende-se razões de índole fiscal e extrafiscal. No plano fiscal, essa autonomização tem a ver com a própria determinação do valor patrimonial tributário, que constitui a base tributável do IMI, dado que a fórmula de determinação desse valor, prevista no artigo 38.º do mesmo Código, comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessas partes. No plano extrafiscal, essa autonomização continua a encontrar justificação na relevância atribuída ao valor patrimonial tributário de prédios e suas partes autónomas na legislação do arrendamento urbano.[i]

 

29. Porém, na economia do IMI, a autonomização das partes de prédio urbano suscetíveis de utilização independente não se limita à sua separação na inscrição matricial e discriminação do respetivo valor patrimonial tributário. Essa autonomia estende-se à própria liquidação do tributo.

 

30. Com efeito, determina o artigo 119.º, n.º 1, do mencionado Código, que o documento de cobrança do imposto deverá conter a discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização de independente e respetivo valor patrimonial tributário.  Para cumprimento a este preceito, a liquidação do IMI, no estrito sentido de aplicação da taxa à base tributável, não toma como referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às partes autónomas de um mesmo prédio, mas o valor atribuído a cada uma delas individualmente considerado.

 

31. No mesmo sentido da individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas de prédios urbanos, releva, ainda, a norma do n.º 1 do artigo 15.º-O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11.

 

32. De acordo com o preceituado na referida norma, a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objeto da referida avaliação.

 

33. Resulta, assim, das normas relevantes do CIMI, por remissão aplicáveis ao imposto do selo a que se refere a Verba 28 da respetiva Tabela, que as partes autónomas de prédios urbanos assumem plena autonomia, em termos de avaliação e descrição na matriz predial e liquidação do imposto.

 

34. Ao referir-se ao valor patrimonial considerado para efeitos do IMI, a norma de incidência e quantificação do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da respetiva Tabela não pode senão apelar para a realidade acima descrita, ou seja, para o valor patrimonial tributário considerado em sede de IMI relativamente a cada parte de prédio urbano suscetível de utilização independente.

 

35. Como, de resto, se encontra espelhado nas liquidações que se questionam no presente pedido de pronúncia arbitral: a AT, depois de, sem apoio legal, operar o somatório dos valores patrimoniais tributários das diversas partes autónomas do prédio para daí extrair o pressuposto quantitativo a incidência do imposto do selo, opera a liquidação com referencia a cada uma dessas partes ainda que, individualmente, nenhuma delas atinja aquele valor.

 

36. Salienta-se que a questão colocada neste processo é, em tudo, idêntica às que foram colocadas e decididas em numerosas decisões arbitrais [ii], bem como acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo [iii], a cuja conclusão, no sentido da ilegalidade da decisão da AT de sujeitar a tributação as partes habitacionais de um prédio em propriedade total em função do VPT global do prédio e não do que é efetivamente atribuído a cada uma das partes separadamente, se adere inteiramente.

 

37. A situação a que se refere o presente processo evidencia a particularidade de muito embora se estar perante um prédio em propriedade total integrado por diversas divisões suscetíveis de utilização independente – e que a estão a ter efetivamente conforme se verifica pelos diversos contratos de arrendamento – não encontrar tal facto a correspondente discriminação de valores patrimoniais na respetiva inscrição matricial.

 

38. Tal circunstância, porém, não altera o sentido da orientação supra referida. Com efeito, e como já foi fundamentadamente abordado nas decisões arbitrais tomadas nos processos 573/2014-T e 110/2016-T, relativas ao prédio e tributo em causa e às liquidações referidas aos anos de 2013 e 2014, que, sem reservas se acompanha:

“ (…) A sujeição do prédio em apreço à Verba 28.1 da TGIS equivaleria a que se tributassem afectações diversas relativamente àquelas que expressamente o legislador pretendeu tributar e que são os prédios urbanos com afectação de habitação e os  terrenos para construção, ambos desde que com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00. 

 

E esse resultado - tributação de prédios com afectação diferente das constantes da Verba 28.1. da TGIS - é justamente o que o legislador pretendeu manter fora do âmbito  de incidência da norma, mas aquele que se obtém através das liquidações ora arbitralmente sindicadas, na justa medida em que ao levar em consideração a  totalidade do artigo predial urbano em presença e o seu VPT, se está inexorável e indistintamente a tributar afectações distintas da prevista na versada norma, com a agravante dessas mesmas áreas não habitacionais concorrerem na medida da sua proporção quantitativa (a qual em concreto se desconhece) para o VPT do prédio, sendo inclusivamente questionável se as áreas com afectação habitacional conseguiriam ou não, de per se, perfazer um VPT igual ou superior à bitola mínima legal fixada pelo legislador na Verba 28.1. da TGIS para efeitos de sujeição - €1.000.000,00.

Está-se assim perante um prédio com duas distintas afectações, tal como decorre da informação constante da matriz (conforme se colhe da caderneta predial), em que o sujeito activo da relação jurídico-tributária não efectua a determinação de que parte tem afectação habitacional ou de comércio.

Se a esta factualidade acrescermos os factos dados como provados que vão no inequívoco sentido de que, efectivamente, a maioria dos andares ou divisões, além de substantivamente susceptíveis de utilização independente (através de entradas autónomas), se encontram afectas a comércio e serviços, facto este que, de resto, a Requerida não contestou, não se afigura sustentável que a AT pretenda sobre uma realidade que ela própria reconhece ter duas afectações diferentes, como que ficcionar que tal afectação de comércio não existe e com base nesse logro, tributar um prédio urbano relativamente à área com afectação de comércio e serviços.

O que, como já supra expendemos, é exactamente um resultado contrário àquele que o legislador pretendeu ao redigir a norma legal em apreço.

Destarte, tal solução não encontra qualquer acolhimento na norma legal de incidência em análise, pelo que não se pode deixar de concluir, face à existência de duas diferentes afectações, indeterminação quanto à parte ou partes a que correspondem essas mesmas afectações para efeitos de quantificação da eventual base tributável sujeita à TGIS e tributação indiscriminada sobre as três afectações existentes, que se encontra violada in casu a norma de incidência tributário em apreciação - Verba 28.1. da TGIS do Código do Imposto de Selo.”

70. Nessa medida, não se verificando os requisitos da norma de incidência constante na Verba 28.1 da TGIS, as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito quanto ao disposto na verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação. 

 

b) Da inconstitucionalidade da interpretação dada pela AT à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo

 

72. Considerando o entendimento supra exposto, de inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso sub judice, fica prejudicada por processualmente inútil a apreciação dos restantes vícios aduzidos e de que possam enfermar as contestadas liquidações.

73. Fica assim prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade, por violação pela verba 28.1 da TGIS, introduzida pela Lei n° 55-A/2012, de 28 de Outubro, do n.º 3 do artigo 104.º da CRP.”

 

39. Tendo-se concluído que os atos de liquidação de imposto do selo que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral enfermam de vício de violação de lei que impõe a sua anulação, fica prejudicado, por inutilidade, o conhecimento das demais questões relativas à legalidade daqueles atos (C. P. Civil, art. 130.º).

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

40. A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

41. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

42. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. No presente caso, mostram-se preenchidas ambas as condições, constituindo-se, pois, a obrigação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, que assim se declara.

 

IV. Decisão.

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

 Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação das liquidações questionadas com as legais consequências, designadamente, o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios a favor dos Requerentes.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 13 577,07, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918, 00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 24 de julho de 2017,

O árbitro,

Álvaro Caneira

 

 

 



[i]  Vd. Silvério Mateus e Leonel Corvelo de Freitas, "Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto do Selo Comentados e Anotados", Engifisco, Lisboa 2005, pags.159 e 160.

[ii]  Entre muitas outras, e referindo-se apenas as mais recentes: CAAD, Procs. 544/2015-T, 552/2015-T, 554/2015-T, 560/2015-T,  562/2015-T, 573/2015-T, 576/2015-T, 581/2015-T, 589/2015-T, 597/2015-T, 606/2015-T, 632/2015-T, 643/2015-T, 644/2015-T, 651/2015-T,659/2015-T, 681/2015-T,  718/2015-T, 755/2015-T, 768/2015-T, 777/2015-T, 10-2016-T, 20/2016-T, 293/2016-T, 294/2016-T, 298/2016-T, 303/2016-T, 314/2016-T, 330/2016-T, 343/2016-T, 361/2016-T, 383/2016-T, 385/2016-T, 390/2016-T, 397/2016-T, 428/2016-T, 431/2016-T, 453/2016-T, 463/2016-T, 464/2016-T, 471/2016-T, 485/2016-T, 489/2016-T, 495/2016-T, 507/2016-T, 513/2016-T, 529/2016-T, 546/2016-T, 555/2016-T, 778/2016-T

[iii] Vd. STA, Procs. 047/15, 01352/15, 01354/15 , 01504/15, 01534/15, 0166/16, 0498/16, 0560/16, 01097/16, 0711/16, 1447/16, 0593/16.