Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2016-T
Data da decisão: 2016-09-01  Selo  
Valor do pedido: € 220.514,75
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção; Indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa
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            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Diogo Feio e Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-05-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A…, S.A., contribuinte fiscal n.º…, com sede na Rua … n.º…, …-… … (doravante abreviadamente designada “Requerente”) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos dos artigos 2.º, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a anulação das decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa que apresentou relativos às seguintes liquidações de Imposto do Selo:

a)      Relativamente ao ano de 2012:

     Liquidação emitida em 2012 identificada com o n.º 2012 … (prestação única), no valor de € 10.915,35;

b)      Liquidações emitidas em 2013:

i. Liquidações identificadas com os n.ºs 2013 … (primeira prestação) no valor de € 7.276,90; 2013 … (segunda prestação) no valor de € 7.276,90 e; 2013 … (terceira prestação) no valor de € 7.276,90, no valor global de € 21.830,70;

ii. Liquidação identificada com o n.º 2013 … (prestação única) no valor de € 26.138,30;

iii. Liquidação identificada com o n.º 2013 … (prestação única) no valor de € 45.633,40;

iv. Liquidação identificada com o n.º 2013 … (prestação única) no valor de € 11.197,30;

c)      Liquidações emitidas em 2014:

i. Liquidações identificadas com os n.ºs 2014 … (primeira prestação) no valor de € 8.712,78; 2014 … (segunda prestação) no valor de € 8.712,76, e; 2014 … (terceira prestação) no valor de € 8.712,76, no valor agregado de € 26.138,30;

ii. Liquidações identificadas com os n.ºs 2014 … (primeira prestação) no valor de € 15.211,14; 2014 … (segunda prestação) no valor de € €15.211,13, e; 2014 … (terceira prestação) no valor de € 15.211,13, no valor agregado de € 45.633,40;

iii. Liquidações identificadas com os n.ºs 2014 … (primeira prestação) no valor de € 3.732,44; 2014 … (segunda prestação), no valor de € 3.732,43; 2014 … (terceira prestação), no valor de € 3.732,43; no valor agregado de € 11.197,30;

iv. Liquidações identificadas com os n.ºs 2014 … (primeira prestação), no valor de € 7.276,90, 2014 … (segunda prestação) no valor de € 7.276,90, e 2014 … (terceira prestação) no valor de € 7.276,90, no valor agregado de € 21.830,70.

 

 

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 11-03-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 27-04-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12-05-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu suscitando a excepção da incompetência material dos Tribunal Arbitral e defendendo a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 16-06-2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e as alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar previamente a questão da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. Questão da incompetência material

 

2.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da incompetência material deste Tribunal Arbitral, por o pedido de pronúncia arbitral ser apresentado na sequência do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa.

Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, em suma, o seguinte:

– A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Orçamento de Estado para 2010), contemplou, no seu artigo 124.º, uma autorização legislativa relativa à arbitragem em matéria tributária prevendo-se que a mesma deverá constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagradas no CPPT;

– o pedido de pronúncia arbitral sub judice dirige-se, ainda que de forma mediata, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto, no caso IS;

– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, define, no seu artigo 2.º, alínea a), que a AT se encontra vinculada às pretensões arbitrais que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário»;

– o artigo 2.º, alínea b), da mencionada Portaria exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão»;

– se pretender incluir na autorização concedida o procedimento administrativo de revisão oficiosa, tal formulação afigura-se manifestamente ilegal porque tal interpretação decorre do elemento literal ínsito na norma legal em questão e de outros elementos interpretativos;

– se o legislador não previu, no artigo 2.º daquela Portaria, o procedimento de revisão oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, maxime à reclamação graciosa, para efeitos de aceder ao pedido de pronúncia arbitral, foi, certamente, porque não o pretendeu fazer;

– foi afastada a apreciação da legalidade dos actos administrativos que não comportem a apreciação dos actos de liquidação;

– esta última parte do preceito não pode, sob pena de manifesta ilegalidade/inconstitucionalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se a referência específica a um concreto procedimento administrativo não existisse, fazendo o intérprete tábua rasa da distinção provida pelo legislador.

 

A Requerente respondeu à excepção nas suas alegações, dizendo o seguinte, em suma:

– a fórmula do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT admite a declaração de ilegalidade de actos de segundo e terceiro grau;

– conforme resulta da jurisprudência uniforme do STA proferida a propósito do meio processual a adoptar para reagir contra o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de acto tributário: "O acto contenciosamente impugnado é aquele que o Director-Geral requerido deixou de praticar no lapso de tempo de que dispunha, e que, nos termos do artigo 57º n.º 5 da LGT, fez presumir o indeferimento do pedido de revisão da liquidação que a recorrente perante ele formulara [...]." - Acórdão do STA, de 02-02-2005, proferido no âmbito do processo n.º 1171/04;

– nos termos da jurisprudência do STA:"[...] ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão da recorrente, a autoridade recorrida indeferiu-a, ou seja, não reconheceu, no acto de liquidação em causa, as ilegalidades que a requerente lhe imputava. Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido - saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) -implica sindicar a legalidade da liquidação" pelo que: "O meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial" - Acórdão do STA, de 08-07-2009, proferido no âmbito do processo n.º 0306/09;

– a referência ao procedimento de revisão que consta da alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 reporta-se ao procedimento de revisão da matéria colectável.

 

2.1. Decisão da questão da incompetência

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

            Nas alíneas a)e b) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e as «pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão».

A alínea a) deste artigo 2.º nada tem a ver com a situação que se depara nestes autos, pois reporta-se a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e, no caso em apreço, são impugnados actos de liquidação praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, como refere a Requerente, a alusão ao «procedimento de revisão», no contexto de uma norma em que se faz referência a actos de determinação da matéria colectável e da matéria tributável por métodos indirectos e se diz que no âmbito do afastamento da competência se inclui a decisão do procedimento de revisão, é de interpretar como reportando-se à decisão do procedimento de «revisão da matéria colectável», previsto no artigo 91.º da LGT, pois é essa que se inclui no âmbito da determinação da matéria tributável e colectável, e não a decisão do procedimento de revisão dos actos tributários previsto no artigo 78.º da LGT.

            Ainda por outro lado, o sentido da autorização legislativa em que se baseou a aprovação do RJAT pelo Governo é o de as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrangerem as competências que são atribuídas aos tribunais tributários em processo de impugnação judicial (artigo 124.ºç, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), incluindo as decisões de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário e actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação [n.º 4, alínea a), do mesmo artigo].

Por isso, estando em causa no presente processo a impugnação do indeferimento tácito de um pedido de revisão de actos de liquidação, que se considera ter indeferido a pretensão da Requerente por razões substantivas, com pronúncia silente no sentido da improcedência das razões invocadas no pedido (como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplos os acórdãos de 02-02-2005, proferido no processo n.º 1171/04, e de 08-07-2009, proferido no processo n.º 0306/09, citados pela Requerente) conclui-se a apreciação da legalidade pretendida pela Requerente se enquadra nas competências deste Tribunal Arbitral.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea b) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, não inviabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de liquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Desta perspectiva, não se colocam as questões de inconstitucionalidade que a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita com base na errada interpretação que fez daquela norma, pelo que o seu conhecimento fica prejudicado.

Pelo exposto, improcede a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·         A Requerente é uma sociedade comercial, cujo objecto social consiste na promoção de investimento imobiliários, a compra e venda de prédios rústicos e urbanos, gestão dos mesmos, a revenda dos por ela adquiridos e demais operações conexas permitidas por lei (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A Requerente foi declarada insolvente, por sentença proferida no âmbito do processo n.º …/12….T…, pelo Tribunal do Comércio de …, …º Juízo de …, de … -…-2012 (doc n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         No âmbito deste processo de insolvência, a Fazenda Pública reclamou vários créditos, alguns dos quais considera serem créditos detidos sobre a massa insolvente e entre os quais se encontram os créditos relativos às referidas neste processo (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as seguintes liquidações de Imposto do Selo, tendo como sujeito passivo a Requerente, com fundamentos na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) (documentos n.ºs 1 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, tendo em conta que ao prédio com o artigo matricial U-… corresponde o anterior artigo…, o artigo matricial … corresponde ao anterior artigo … e o artigo matricial … corresponde ao anterior…,como consta dos documentos n.ºs 26, 27 e 28 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

PRÉDIO

LIQUIDAÇÃO

VALOR

ANO DO

IMPOSTO

Documento da petição

U- … - …

2012 …

€ 10.915,35

2012

1

U- …. - …

2013 …- 1.ª prestação

€ 7.276,90

2012

2

U- …- …

2013 … - 2.ª prestação

€ 7.276,90

2012

3

U- …- …

2013 … - 3.a prestação

€ 7.276,90

2012

4

U- … - …

2013 …

€ 26.138,30

2012

5

U- …- …

2014 … - 1.ª prestação

€ 8.712,78

2013

8

U- …- …

2014…- 2.ª prestação

€ 8.712,76

2013

9

U- …- …

2014 … - 3.a prestação

€ 8.712,76

2013

10

U- … - …

2013 …

€ 45.633,40

2012

6

U- …- …

2014 …- 1.ª prestação

€ 15.211,14

2013

11

U- … - …

2014 … – 2.a prestação

€15.211,13

2013

12

U-…- …

2014 … – 3.ª prestação

€15.211,13

2013

13

U- … - …

2013 …

€ 11.197,30

2012

7

U- … - …

2014 … – 1.a prestação

€ 3.732,44

2013

14

U- … - …

2014 …- 2.a prestação

€ 3.732,43

2013

15

U- … - …

2014 … - 3.ª prestação

€ 3.732,43

2013

16

U- …- …

2014 … - 1.ª prestação

€ 7.276,90

2013

17

U- …- …

2014 … - 2.a prestação

€ 7.276,90

2013

18

U- …- …

2014 … - 3.a prestação

€ 7.276,90

2013

19

 

 

·         Os prédios referidos são terrenos para construção (documentos n.ºs 25 a 29 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         O prédio com o artigo matricial U-… tem diferentes afectações com as seguintes áreas máxima de construção: habitação = 5314,00 m2; comércio = 1748,00 m2; estacionamento = 3000,00 m2 (documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         O prédio com o artigo matricial U-… tem como afectação habitação (documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         O prédio com o artigo matricial U-… tem como afectação habitação (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         O prédio com o artigo matricial U-… tem como afectação habitação (documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 03-08-2015, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de … um pedido de revisão oficiosa das liquidações de Imposto do selo referidas (documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Por algumas liquidações se reportarem a prédios sitos em …, a Requerente enviou uma cópia do pedido de revisão oficiosa ao Serviço de Finanças de…, que foi por este recebido em 10-08-2015 (d9c n.º 31 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A Requerente não pagou as liquidações referidas, tendo sido instaurados processos de execução fiscal para a cobrança coerciva das quantias liquidadas;

·         Até 02-03-2016, não foi notificada à Requerente qualquer decisão dos pedidos de revisão oficiosa;

·         Em 02-03-2016 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo.

Os anos a que se reportam as várias liquidações são os indicados no quadro referido na alínea D), como consta das próprias liquidações, embora estas sejam efectuadas no respectivo ano seguinte.

 

3. Matéria de direito

 

As liquidações de Imposto do Selo cuja ilegalidade é discutida no presente processo têm por fundamento a verba 28.1 da TGIS, que foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

A redacção desta verba 28.1 foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas as liquidações que são objecto do pedido de pronúncia arbitral, emitidas nos anos de 2012, 2013 e 2014, reportam-se a imposto relativo os anos de 2012 e 2013, em que estava vigente a redacção inicial.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que aquela verba 28.1., na redacção inicial, vigente nos anos de 2012 e 2013, se aplica a terrenos para construção.

Esta questão foi já apreciada em várias decisões arbitrais no sentido da ilegalidade da aplicação da verba 28.1., na redacção inicial, a terrenos para construção, sendo também nesta linha a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre muitos, pelos seguintes acórdãos:

– de 02-07-2014, processo n.º 0467/14, em que se entendeu que «no ano de 2012 um terreno para construção não pode ser tributado em sede de Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional»;

– de 23-04-2014 e de 14-01-2015, processos n.ºs 0272/14 e 0541/14, respectivamente, em que se entendeu que «não tendo o legislador definido o conceito de "prédios (urbanos) com afectação habitacional", e resultando do artigo 6.º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre "prédios urbanos habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional».

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:

 

            28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %.

 

            Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:

 

1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.

 

Utilizou-se na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária, nestes precisos termos, que é o de “prédio com afectação habitacional”.

Designadamente no CIMI, que em várias normas do Código do Imposto do Selo introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28 [artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], não é utilizado um conceito com aquela designação.

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alterou aquela verba n.º 28.1, dando-lhe a seguinte redacção:

 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %

 

3.1.1. Conceitos de prédios utilizados no CIMI

 

No IMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º nos seguintes termos:

 

Artigo 2.º

 

Conceito de prédio

 

1Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

 

Artigo 3.º

 

Prédios rústicos

 

1São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

 

Artigo 4.º

 

Prédios urbanos

 

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

 

Artigo 5.º

 

Prédios mistos

 

1Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

 

Artigo 6.º

 

Espécies de prédios urbanos

 

1Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)

4Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

 

3.1.2. Normas sobre interpretação das leis

 

O artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

 

Artigo 11.º

 

Interpretação

 

            1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

            2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

            3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

            4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

 

Os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 9.º

 

Interpretação da lei

 

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

3.1.3. Hipóteses de interpretação do conceito de «prédio com afectação habitacional»

 

Como se vê pelas normas do CIMI transcritas, não é utilizado na classificação dos prédios o conceito de «prédio com afectação habitacional».

Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.

O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.

 

3.1.4. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais

 

O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos por aquele n.º 2 do artigo 6.º para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

3.1.5. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»

 

A palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». ( [1] )

«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento». ( [2] )

A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos reveses da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª ([3]), em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

À face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados.

Para tal, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.

Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.

Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional, pois nele se dá tal classificação aos «edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins».

Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.

Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante. ( [4] )

De resto, o texto da lei ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação.

No caso em apreço, está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência.

Por outro lado, a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:

«Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013». ( [5] )

 

A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa.

Por outro lado, não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção».

No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, não visou esclarecer o elemento lógico subjacente à redacção inicial da verba n.º 28.1, antes veio confirmar, indirectamente, a interpretação de que ela não abrangia os terrenos para construção.

Na verdade, se a primitiva redacção daquela verba n.º 28.1, ao falar de «prédio com afectação habitacional» já pretendesse abranger os edifícios e construções que constituíam «prédios habitacionais» (nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do CIMI), e os terrenos para construção para que estivesse autorizada ou prevista habitação, seria natural que se atribuísse à nova redacção natureza interpretativa, à semelhança do que a mesma Lei n.º 83-C/2013 faz noutras disposições [artigo 177.º, n.º 7, relativamente às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 17.º-A do Código do IRS, e artigo 185.º, n.º 1, relativamente ao artigo 3.º-A do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado] e é usual fazer-se nas leis orçamentais, quando se pretende que as novas redacções se apliquem às situações potencialmente abrangidas pelas anteriores redacções.

Por isso, o facto de não se ter atribuída natureza interpretativa à nova redacção aponta no sentido de que se ter pretendido alterar o âmbito de incidência da referida verba n.º 28.1 da TGIS e não mantê-lo, esclarecendo-o.

Pelo exposto, as liquidações impugnadas, relativas a Imposto do Selo dos anos de 2012 e 2013, enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação da verba n.º 28.1 da TGIS, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo). ( [6] )

 

3.2 Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de anular as liquidações impugnadas, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado, por ser inútil, a apreciação dos restantes vícios que lhes são imputados.

 

4. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2012…, 2013 … - 1.ª prestação, 2013 … - 2.ª prestação, 2013 … - 3.ª prestação, 2013…, 2014 … - 1.ª prestação, 2014 … - 2.ª prestação, 2014 … - 3.ª prestação, 2013…, 2014 … - 1.ª prestação, 2014 … – 2.a prestação, 2014 … – 3.ª prestação, 2013..., 2014 … – 1.ª prestação, 2014 … - 2.ª prestação, 2014…- 3.ª prestação, 2014 …- 1.ª prestação, 2014…- 2.ª prestação, 2014…- 3.ª prestação

– anular as liquidações referidas.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 220.514,75.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 01-09-2016

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Diogo Feio)

 

 

 

(Fernando Borges de Araújo)

 

 



[1]              ( [1] )         Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I volume, página 102.

                O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define «afectação», num contexto próximo a este, como «acto que dá destino a um bem público».

                O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de JOSÉ PEDRO MACHADO, indica como «destinar» e «aplicar» entre os significados de «afectar».

[2]              ( [2] )         BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

[3]              ( [3] )         A Proposta de Lei n.º 99/XII/2.ª está disponível em:

                http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37245

[4]              ( [4] )         Outras normas do CIMI, deixam perceber que o termo «afectação» é utilizado para referenciar situações já existentes e não meramente futuras, mesmo que previsíveis, como o «destino».

                É o caso do artigo 9.º do CIMI, que, depois de estabelecer que «o imposto é devido a partir» «do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda» ou «do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda» [alíneas d) e e) do n.º 1], determina que «para efeitos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1, devem os sujeitos passivos comunicar ao serviço de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afectação dos prédios àqueles fins».

                A «afectação dos prédios àqueles fins», no contexto deste artigo 9.º, reconduz-se à atribuição concreta aos prédios do fim «para venda», materializado pela sua inventariação, não bastando que tenham sido construídos ou adquiridos tendo em vista a sua venda.

[5]              ( [5] )         Página 32 do Diário da Assembleia da República, n.º 9 da 2.ª Sessão Legislativa da XII Legislatura, relativo à Reunião Plenária de 10-10-2012, disponível em

                http://app.parlamento.pt/darpages/dardoc.aspx?doc=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a5355786c5a79394551564a4a4c305242556b6c42636e463161585a764c7a497577716f6c4d6a42545a584e7a77364e764a5449775447566e61584e7359585270646d4576524546534c556b744d4441354c6e426b5a673d3d&nome=DAR-I-009.pdf

[6]              ( [6] )         Neste sentido tem vindo a decidir o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 09-04-2014, proferidos nos processos n.ºs 01870/13 e 048/14, e de 23-04-2014, proferidos nos processos n.ºs 0271/14, 0270/14 e 0272/14, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/2eae0bd4de5026e80256b480065970d?CreateDocument..