Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1/2019-T
Data da decisão: 2020-01-28  IRS  
Valor do pedido: € 356.691,54
Tema: IRS – Cláusula Geral anti-abuso (artigo 38.º, n.º 2, da LGT); artigo 13.º do RJAT e incompetência em razão da hierarquia.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros Maria Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente), Luís Menezes Leitão e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 2 de janeiro de 2019, A..., contribuinte n.º..., residente na ..., ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016..., referente ao ano de 2012, no montante de € 356.691,54 (trezentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e noventa e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), e a revogação da decisão no sentido do indeferimento do recurso hierárquico com o n.º ...2017....

2.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

3.            O presente Tribunal foi constituído no dia 14 de março de 2019, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.

4.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 29 de abril de 2019.

5.            Por despacho de 16 de maio de 2019, o Tribunal designou o dia 17 de junho de 2019, pelas 14h para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e para a produção de prova testemunhal arrolada pela Requerente.

6.            No dia 17 de junho de 2019, realizou-se a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual, no uso da palavra, a Requerente solicitou o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo n.º 184/2017-T, que correu termos no CAAD, tendo, adicionalmente, e, caso a gravação da prova no âmbito desse processo não esteja em condições, requerido, subsidiariamente, o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo n.º 177/2017-T, que também correu termos no CAAD. A Requerida nada opôs quanto ao aproveitamento da prova. O Tribunal determinou que a prova produzida no âmbito do processo n.º 184/2017-T fosse enviada às partes e ao Tribunal, bem como a correspondente Ata.

7.            Na referida reunião o Tribunal notificou a Requerente e Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, designou o dia 13 de novembro de 2019 para o efeito de prolação de decisão arbitral, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, e, por último, advertiu a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

8.            Nesta sequência, no dia 28 de junho de 2019, a Requerente apresentou alegações escritas, tendo, a Requerida apresentado as suas no dia 5 de setembro de 2019.

9.            No dia 9 de novembro de 2019, o Tribunal, por despacho, atento o facto de o período de seis meses incluir férias judiciais, ter havido lugar a audiência de julgamento e dada a complexidade do processo, prorrogou o prazo de decisão por dois meses, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, indicando como data limite para prolação da decisão o dia 13 de janeiro de 2020, posteriormente prorrogado, com os mesmos fundamentos, que se dão por reproduzidos,  indicando-se como data limite de prolação da Decisão a data de 13 de março de 2020.

10.          Em 20/12/2019, foi proferido despacho para que a Requerida juntasse aos autos o PA e o despacho de ratificação de 4.5.2017 do Diretor de Finanças, que protestara juntar com a Resposta, no prazo de cinco dias. 

11.          Em 10 de janeiro de 2020, a Requerida solicitou a prorrogação do prazo, que lhe foi conferida.

12.          Notificada deste despacho, veio a Requerente arguir que o pedido de prorrogação se encontrava fora do prazo, pelo que não podia ser objeto de prorrogação. Mais alegou a Requerente que mesmo que o despacho de ratificação em causa viesse a ser junto aos autos, o mesmo seria ineficaz do ponto de vista jurídico, já que nunca foi objeto de notificação, nos termos das disposições conjugadas constantes dos artigos 77.º, n.º 6 da LGT, 36.º, n.º1, do CPPT e 66.º, n.º 1,do CIRS. Além do mais, por um lado, a sua tardia junção violaria o princípio da concentração da defesa, em especial na sua dimensão de proibição de novos meios de defesa após a apresentação da resposta da Requerida e, por outro, tendo sido a data do suposto despacho de ratificação – 4/5/2017, tal ato teria sido praticado posteriormente à data da liquidação impugnada nos presentes nos presentes autos.

13.          A Requerida juntou o PA em 20 de janeiro de 2020.

14.          O Tribunal, por despacho de 24 de janeiro, ao abrigo do disposto no artigo 16.º alíneas c) e e) do RJAT, admitiu a junção aos autos do PA.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

1.            A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016..., referente ao ano de 2012, no montante de € 356.754,23 (trezentos e cinquenta e seis mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e vinte e três cêntimos), em diversos vícios, a saber:

 

a)            Vício de incompetência relativa, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 65.º do Código do IRS, na medida em que «o ato de alteração do rendimento líquido (…) foi praticado por órgão ou agente que não dispunha de competência própria, delegada ou subdelegada para a sua prolação, gerando a anulabilidade do ato por ela viciado, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.»

b)           Caducidade do direito de liquidação, em virtude de «(…) não [ter sido] validamente notificado à Requerente dentro do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT. Aliás, em rigor, não o foi ainda, pois o mandatário constituído jamais foi notificado da liquidação aqui controvertida, ou pelo menos não o foi até 31.12.2016.»

c)            Caducidade do procedimento tributário de aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2 do Código do IRS, porquanto «o ato foi proferido após o termino do prazo máximo de duração», por via da aplicação do disposto no artigo 57.º da LGT – quatro meses – ou do artigo 128.º, n.º 6 do CPA – 180 dias - , o que aconteceu quanto ao primeiro, a 24.06.2016, e quanto ao segundo, em 21.08.2016,

d)           Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, quanto à aplicação da cláusula geral anti-abuso, por entender que não se verifica nenhum dos elementos exigidos para a aplicação da cláusula geral anti-abuso: «não se verifica o elemento meio porquanto através dos atos tributários em causa não se obtiveram quaisquer vantagens fiscais, que configurem um abuso de formas jurídicas. Não se verifica o elemento resultado porque os atos em apreço não produzem efeitos equivalente à venda direta das ações da B... SGPS pela Requerente, não podendo esta ser tributada por um rendimento que não obteve (a Requerente – Doadora – não recebeu o preço da venda, mas sim os seus filhos). Não se verifica o elemento intelectual, porquanto não houve qualquer tipo de motivação fiscal por parte da Requerente no ato de doação das ações, tendo este sido efetuado com espírito de liberalidade, visando dar início a um processo de sucessão geracional na detenção e gestão da B... SGPS. A AT não comprovou a verificação do elemento normativo, uma vez que não justificou em que medida os atos levados a cabo merecem a reprovação do Direito. Pelo contrário, eles decorrem de opção consciente do legislador.» Mais referindo quanto a este aspeto que « [a] AT considera que a sucessão de atos (alegadamente) abusiva teve como objetivo distribuir lucros da B... SGPS à Requerente, existindo, portanto, uma gritante incongruência entre as razões invocadas para decidir e a sanção aplicada, o que resulta em vício de falta de fundamentação ( e vício de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 153.º, n.º 2 do CPA, 77.º da LGT e 63,.º, n.º 3 do CPPT). A AT sugere que os atos tributários levados a cabo configuram uma simulação relativa subjetiva, a qual na verdade inexiste, sendo que ainda que existisse, tal nunca poderia fundamentar a aplicação da CGAA, mas antes o disposto no artigo 39.º, n.º 1 da LGT, o que resulta em vício de falta de fundamentação ( e vício de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 153.º, n.º 2 do CPA, 77.º da LGT e 63,.º, n.º 3 do CPPT).»

e)           Vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º, n.º 1 da CRP e 4.º, n.º 1 da LGT, princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, princípio da reserva de lei em matéria fiscal, previsto no artigo 165.º, n.º 1 alínea i) da CRP e princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º, n.º 1 da CRP e princípio constitucional da propriedade privada previsto no artigo 62.º, n.º 1 da CRP.

 

2.            Em consequência, requer a anulação do referido ato, com todas as consequências legais.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

1.            Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, nomeadamente quanto aos vícios invocados, impugnando pela improcedência dos mesmos, concluindo no sentido de que «(…) se encontram preenchidos todos os pressupostos para a aplicação da CGAA, que a decisão da sua aplicação se encontra correta, sucinta e claramente fundamentada e que a decisão não padece de qualquer vício de ilegalidade.»

 

2.            Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

 

a.            Factos dados como provados

 

1.            Com interesse para a decisão, dão-se como provados os seguintes factos:

A.           A B... SGPS (adiante designada como “B...SGPS”) é uma sociedade anónima com o NIPC ... que apresenta como objeto social a gestão de participações sociais. – Doc. n.º 3 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral ;

B.            A B... SGPS foi constituída, a 1 de julho de 1998, com o capital social inicial de € 6.000.000,00 representado por 1.200.000 ações de valor nominal de € 5,00, pelos seguintes acionistas:

ACIONISTAS      PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL        N.º AÇÕES          CONS. ADM       % DO CAPITAL

C...         € 1.375.000,00   275.000                Presidente         22,92%

D...         € 1.375.000,00   275.000                Vice-Presidente 22,92%

A... (Requerente)            € 1.375.000,00   275.000                Vogal     22,92%

E...         € 1.200.000,00   240.000                Vogal    20,00%

F...         € 675.000,00       135.000                Vogal    11,25 %

Total      € 6.000.000,00   1.200.000            -              100,00%

 

C.            É uma sociedade comercial que não se encontra cotada em bolsa – cfr. Relatório de Inspeção Tributária, junto pela Requerente como doc 8, a seguir tão só denominado RIT ;

D.           No dia 11 de maio de 2012, reuniram em Assembleia Geral os acionistas da B... SGPS, tendo deliberado, entre outros, a distribuição de dividendos no montante de € 530.000,00 – doc. n.º 4 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral;

E.            Em 21 de maio de 2012 foi aprovado o aumento do capital social da B... SGPS no montante de € 3.000.000,00, mediante incorporação de prémios de emissão (€ 2.992.787,38) e incorporação de reserva legal (€ 7.212,62), tendo o capital social da B... SGPS passado de € 6.000.000,00 para € 9.000.000,00 e o valor nominal das ações de € 5,00 para € 7,50, assim distribuído:

 

ACIONISTAS      PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL        N.º AÇÕES          % DO CAPITAL

C...         € 2.062.500,00   275.000                22,92%

D...         € 2.062.500,00   275.000                22,92%

A... (Requerente)            € 2.062.500,00   275.000                22,92%

E...         € 1.800.000,00   240.000                20,00%

F...         € 1.012.500,00   135.000                11,25 %

Total      € 9.000.000,00   1.200.000            100,00%

 

F.            Em 12 de junho de 2012, foi celebrado um contrato de compra e venda de todas as ações da G... BV (G...), pelo valor de venda de € 141.577.919,00, único ativo da B... SGPS, detentora de 44,04% das ações daquela sociedade, tendo o resultado da venda da participação sido de € 61.896.457,74, o qual foi recebido parcelarmente pela B... SGPS, cfr. RIT;

G.           Em 24 de outubro de 2012, foi aprovada a redução do capital social da B... SGPS no valor de € 8.520.000,00, por redução do valor nominal das ações de € 7,50 para € 0,40, passando o capital social de € 9.000.000,00 para € 480.000,00, com o objetivo de promover "a libertação de excesso de capital (…)” e a “Direta atribuição aos accionistas da importância libertada, no montante global de 8.520.000,00 Euros". – Doc. n.º 5 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral;

H.           O capital social da B... SGPS passou a ser representado da seguinte forma:

ACIONISTAS      PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL        N.º AÇÕES          % DO CAPITAL

C...         € 110.000,00       275.000                22,92%

D...         € 110.000,00       275.000                22,92%

A... (Requerente)            € 110.000,00      275.000                22,92%

E...         € 96.000,00         240.000                20,00%

F...         € 54.000,00         135.000                11,25 %

Total      € 480.000,00       1.200.000            100,00%

 

I.             Em 2 de novembro de 2012, a Requerente doou a cada um dos seus filhos, H... (contribuinte fiscal n.º...) e I... (contribuinte fiscal n.º...) 13.750 ações da B... SGPS, num total de 27.500 ações, cfr. RIT ;

J.             A Requerente declarou que as referidas doações visavam dar início a um procedimento de sucessão geracional na detenção e gestão da B... SGPS a favor da terceira geração da Família J... (na qual os filhos da Requerente se integram), dada a relevante alteração da composição do património social da B... SGPS, em virtude da venda da participação da H...,  cfr.  RIT;

K.            Não sendo a B... SGPS uma sociedade cotada em Bolsa, como referido em C. supra, o valor da transmissão a título gratuito das ações foi calculado de acordo com as regras da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo (“CIS”); cfr.  RIT;

L.            Daí resultou, para os novos acionistas, um “valor de aquisição” fiscalmente relevante das ações doadas de €155, 14 por ação, que, na esfera da doadora, tinham um valor de aquisição de € 0,40, cfr. RIT;

M.          A referida doação, por ter sido realizada entre ascendente e descendentes, encontrava-se isenta de Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 6.º do CIS, cfr.  RIT;

N.           Em 23 de novembro de 2012, a Assembleia Geral da B... SGPS aprovou um balanço especial reportado a 30 de setembro 2012, bem como a aquisição de ações próprias com o número máximo de ações a adquirir (120.000), determinando-se, ainda, que o preço de aquisição deve corresponder ao seu valor na data da reunião (23.11.2012), ainda que se faça em momento posterior e a indicação das pessoas a quem adquirir (ali se fazendo menção aos filhos da Requerente), tendo autorizado o Conselho de Administração a proceder à aquisição de ações próprias. – cfr. processo administrativo -;

O.           Segundo o Relatório de Inspeção, a certificação do balanço intercalar, reportado a 30 de setembro de 2012, foi pedida ao Revisor Oficial de Contas em momento anterior a 30 de outubro de 2012 – cfr. e-mail trocado entre a B... SGPS e SROC -;

P.            Em 18 de dezembro de 2012, o Conselho de Administração da B... SGPS deliberou a aquisição de ações próprias, ao preço de € 43,50, aos filhos da Requerente, cfr. RIT;

Q.           No dia 20 de dezembro de 2012 cada um dos filhos da Requerente alienou a totalidade das 13.750 ações que possuía, à B... SGPS, que as adquiriu, como ações próprias, pelo valor estabelecido entre as partes, e na sequência da deliberação da assembleia geral, no montante de € 598.125,00 para cada um, um total de € 1.196.250,00 – cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral;

R.            A 23 de maio de 2013, foi liquidado o imposto do selo resultante da participação de ISTG (Imposto do Selo-Transmissões Gratuitas) n.º..., ocorrida em virtude das doações da Requerente aos seus filhos, H... e I... (beneficiários das transmissões gratuitas), da qual resulta o valor de avaliação das ações da B... SGPS no montante de € 2.133.163,18 para cada verba (lote 13.750 ações) – e Doc 8 junto pela Requerida (RIT) ;

S.            Em 31 de maio de 2013, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Mod. 3 IRS (n.º...), referente ao ano de 2012, da qual resultou o apuramento de imposto a pagar no montante de € 62,69 (sessenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos);

T.            Com base na Ordem de Serviço n.º 0I2016..., no âmbito parcial de IRS, para o ano de 2012, foi levada a cabo a ação inspetiva à contabilidade da Requerente, no âmbito da qual foi desencadeado, igualmente, o procedimento de aplicação de cláusula geral anti-abuso (CGAA), previsto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT por recurso ao procedimento do artigo 63.º do CPPT;

U.           Os atos inspetivos decorreram entre o dia 26 de janeiro de 2016 e o dia 04 de fevereiro de 2016;

V.           Em fevereiro de 2016, a Requerente foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção, através do Ofício n.º .../... de 05.02.2016;

W.          Em março de 2016, a Requerente exerceu o direito de audição;

X.            No início de novembro de 2016, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, através do Ofício n.º 2016..., de 31.10.2016 – cfr. Doc. n.º 8 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral;

Y.            Na sequência das conclusões do procedimento inspetivo, em 24.10.2016, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira elaboraram a declaração oficiosa modelo 3 de IRS n.º ... referente ao ano de 2012, em nome da Requerente, A..., mantendo os dados constantes no Anexo A e B, incluindo, complementarmente, no anexo G, as mais-valias apuradas pela venda das participações sociais por si detidas, como resultado da aplicação da cláusula geral anti-abuso; 

Z.            Posteriormente, foi a Requerente notificada do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016..., referente ao ano de 2012, demonstração de acerto de contas e demonstração da liquidação de juros n.º 2016..., tudo num total de € 356.754,23 (trezentos e cinquenta e seis mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e vinte e três cêntimos);

AA.        No dia 21 de dezembro de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 356.691,54 (trezentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e noventa e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), apurados pela AT, a título IRS de 2012. – cfr. Docs 1 e 9 juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral;

BB.         No dia 18 de abril de 2017, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2012, no montante de € 356.691,54 (trezentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e noventa e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), à qual foi atribuído o n.º ...2017..., e sobre a qual recaiu um despacho no sentido do seu indeferimento;

CC.         Posteriormente, a Requerente apresentou Recurso Hierárquico, ao qual foi atribuído o n.º..., o qual foi indeferido por despacho de 20.09.2018, da Senhora Subdiretora-Geral para a área o IR da AT, por subdelegação;

DD.        No dia 2 de janeiro de 2019 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral;

EE.          A Requerida, depois de notificada para o efeito, juntou aos autos o Processo Administrativo, onde consta a fls. 163 o Despacho de ratificação do Diretor de Finanças do  ... de 14-5-2017, em 20 de Janeiro de 2020.

 

b.            Factos dados como não provados

 

Não consta dos autos que o despacho de ratificação do Diretor de Finanças do ..., de 4/5/2017, incluído no PA, tenha sido notificado à Requerente. A menção ao referido despacho é feita de forma inovadora na Resposta apresentada pela Requerida, nada constando sobre o mesmo quer no indeferimento do recurso hierárquico, quer no relatório de inspeção, ambos notificados à Requerente.  

 

c.            Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

 

Relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, nº 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, e o Relatório de Inspeção, junto pela Requerente aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em relação ao Relatório de inspeção, cumpre realçar que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, sendo certo que, no caso,  algumas foram expressamente aceites pela Requerente.

O depoimento testemunhal produzido no presente processo não logrou provar factos suscetíveis de influenciar a decisão da causa, que não estivessem já comprovados por outros meios de prova, nomeadamente a documental.

 

VI. DO DIREITO

 

1.            Em face das posições assumidas e dos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, as questões a decidir no âmbito do presente processo arbitral

prendem-se com a apreciação da legalidade da liquidação de IRS (retenção na fonte)

n.º 2016...,  referente ao ano de 2012, no montante de € 356.691,54 (trezentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e noventa e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como do indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Requerente contra o referido ato de liquidação, na sequência do indeferimento da respetiva reclamação graciosa, em atenção aos seguintes vícios invocados pela Requerente:

a)            incompetência relativa no Chefe de Divisão de Inspeção para a prática de atos de apuramento, fixação, alteração de atos tributários, por violação do disposto no artigo 65.º do Código do IRS;

b)           caducidade do ato de liquidação, por violação do disposto no artigo 45.º da LGT;

c)            caducidade do procedimento tributário, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e do artigo 63.º do CPPT;

d)           falta de preenchimento dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso (CGAA), prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

f)            Vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º, n.º 1 da CRP e 4.º, n.º 1 da LGT, princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, princípio da reserva de lei em matéria fiscal, previsto no artigo 165.º, n.º 1 alínea i) da CRP e princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º, n.º 1 da CRP e princípio constitucional da propriedade privada previsto no artigo 62.º, n.º 1 da CRP.

 

2.            Para além da apreciação da legalidade dos atos tributários impugnados nos termos acima indicados, cabe ainda, dado o correspondente pedido formulado pela Requerente, decidir sobre a condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização, nos termos do artigo 43.°, n.º 1, da LGT.

 

1.º § DA ILEGALIDADE DO ATO TRIBUTÁRIO 

 

Atendendo aos factos dados como provados, cabe, agora, apreciar as questões controvertidas, que constituem objeto do presente litígio, começando pela apreciação da alegada incompetência relativa em razão da hierarquia.

 

DA ALEGADA ILEGALIDADE DO ATO TRIBUTÁRIO DECORRENTE DA INCOMPETÊNCIA RELATIVA DO ÓRGÃO DA AT QUE O PRATICOU

 

1.            Invoca a Requerente, a ilegalidade do ato tributário em causa, decorrente da incompetência relativa para a prática do mesmo por parte do órgão da AT que o praticou, porquanto, «nos termos do n.º 5 do artigo 65.º do CIRS, a competência para a prática dos atos de apuramento, fixação ou alteração referidos neste artigo é exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, ou seja, no caso dos autos, o diretor de finanças do ... .»

 

2.            Mais refere a Requerente que «[p]orém, o ato de alteração foi praticado pelo funcionário tributário Dr. ..., que exerce o cargo de Chefe de Divisão da Divisão de Inspeção Tributária V da Direção de Finanças do ... . É certo que o diretor de finanças do ... delegou tal competência na diretora de finanças adjunta Dr.ª ..., que por sua vez subdelegou no referido chefe de divisão, mas apenas até ao limite de EUR 1.000.000,00 por cada exercício.»  em conformidade com o Despacho n.º 5619/2016, de 27 de abril da Diretora de Finanças-Adjunta, ... .

 

3.            Menciona, ainda, a Requerente que «(…) considerando que o montante alterado foi de EUR 1.255.274,25, a referida competência, no caso concreto, não foi delegada, nem subdelegada, devendo ser exercida pela entidade competente, ou seja, pelo diretor de finanças do ..., ou quando muito pela diretora de finanças adjunta do ... .»

 

4.            Concluindo no sentido de que «[a]ssim, o ato de alteração do rendimento líquido, proferido nos termos do artigo 65.º, n.º 4 do CIRS, está ferido de vício de incompetência, na medida em que foi praticado por órgão ou agente que não dispunha de competência própria, delegada ou subdelegada para a sua prolação, gerando a anulabilidade do ato por ela viciado, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.»

 

5.            Contrapõe a Requerida, a este argumento da incompetência relativa referindo, na resposta,  que, «por despacho de 04.05.2017, o Diretor de Finanças do ... ratificou a alteração/fixação de rendimentos atrás referida, retroagindo os seus efeitos a data do ato em causa, nos termos dos n.ºs 3 e 5 do art.º 164.º do CPA» pelo que, «(…) considera-se sanado o vício invocado». A requerida protestou juntar o PA onde alegadamente estaria incluído o referido despacho, mas, como ficou dito, só o veio a fazer, depois de duas vezes notificada para o efeito, em 20 de janeiro de 2020.  

 

Vejamos.

 

6.            Para Diogo Freitas do Amaral , a incompetência pode ser definida como “[o] vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da Administração”, sendo relativa quando “um órgão de uma pessoa colectiva pública pratica um acto que está fora da sua competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva ” e em razão da hierarquia quando “se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico, nomeadamente quando o subalterno invade a competência do superior, ou quando o superior invade a competência própria ou exclusiva do subalterno ”. 

 

7.            Nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CPA, a incompetência relativa gera a anulabilidade do ato por ela viciado, prevendo que: “[s]ão anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção”. Acarretando como consequência, por via do princípio da impugnação autónoma prevista no artigo 54.º do CPPT, a anulabilidade do ato de liquidação que dele deriva.

 

8.            Dispõe o artigo 164.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) sob a epígrafe “Ratificação, reforma e conversão” que:

«1. São aplicáveis à ratificação, reforma e conversão dos atos administrativos as normas que regulam a competência para a anulação administrativa dos atos inválidos e a sua tempestividade.

2 – Os atos nulos só podem ser objeto de reforma ou conversão.

3 – Em caso de incompetência, o poder de ratificar o ato cabe ao órgão competente para a sua prática.

4- A reforma e a conversão obedecem às normas procedimentais aplicáveis ao novo ato.

5 – Desde que não tenha havido alteração ao regime legal, a ratificação, a reforma e a conversão retroagem os seus efeitos à data dos atos a que respeitam, mas não prejudicam a possibilidade de anulação dos efeitos lesivos produzidos durante o período de tempo que as tiver precedido, quando ocorram na pendência de processo impugnatório e respeitem a atos que envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou restrições de direitos e interesses legalmente protegidos.»

 

9.            Por seu turno, o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido no processo n.º 01070/13, de 8 de janeiro de 2014, consagra o seguinte:

«I – A ratificação-sanação do acto contenciosamente impugnado pode ter lugar na pendência do processo até à contestação da entidade demandada.

II – O art. 64º do CPTA não revogou o art.141º/1 (parte final) do CPA.»

 

10.          Por outro lado, nos termos dos artigos 83.º, n.º3, do CPTA e 753.º, n.º1, do CPC, toda a defesa deve ser deduzida na contestação ou resposta no caso do Tribunal arbitral,  excetuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado (princípio da concentração da defesa) e a teleologia do artigo 168.º, n.º3, do CPA, que impõe que o Tribunal tome conhecimento da prolação do ato anulatório  (ou do ato convalidante) antes de encerrada a discussão da causa de modo que lhe seja possível extrair da prática de um tal ato todas as necessárias consequências em matéria de subsistência da instância e de utilidade da decisão a proferir (princípio da estabilidade da instância).

 

11.          Acresce que, no caso da Arbitragem Tributária, refere o artigo 13.º do RJAT que “Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma, ou conversão do ato tributário cuja legalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, o ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.

 

12.          No caso em apreço, resulta dos autos que a liquidação impugnada com o n.º 2016..., respeitante ao IRS do ano de 2012, teve por base o rendimento líquido no montante de € 1.255.274,25, alterado pelo Chefe da Divisão de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças do  ...– Dr. ...-, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

 

13.          Sucede, na verdade, que, ao abrigo do disposto no n.º 5 da supramencionada norma legal, “[a] competência para a prática dos atos de apuramento, fixação ou alteração referidos no presente artigo é exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique”, o que significa que, no caso em apreço, tal competência seria do Diretor de Finanças do ... .

 

14.          Na resposta veio a Requerida alegar  que  «por despacho de 04.05.2017, o Diretor de Finanças do ... ratificou a alteração/fixação de rendimentos atrás referida, retroagindo os seus efeitos a data do ato em causa, nos termos dos n.ºs 3 e 6 do art.º 164.º do CPA (em anexo e que se dá por integralmente reproduzido) » .

 

15.          Acontece que tal despacho, não consta em anexo à resposta da Requerida, não é mencionado nas alegações apresentadas pela Requerida, tendo sido junto aos autos com o PA, enquanto parte integrante do mesmo, apenas em 20 de janeiro de 2020. 

 

16.          Assim sendo, além da violação das normas que estabelecem o princípio da estabilidade da instância e do artigo 13.º do RJAT, tendo sido o despacho que consta do PA proferido em 4/5/2017, foi o mesmo praticado em data posterior à data da liquidação impugnada nos presentes autos. (10.11.2016)

 

17.          Neste contexto e atentas as razões supra expostas, para o referido despacho poder relevar enquanto ato de ratificação/sanação, com efeitos retroativos, do despacho proferido pelo Chefe da Divisão de Inspeção Tributária, cabia à Requerida fazer prova da notificação à Requerente do referido despacho de ratificação, o que não acontece no caso dos autos.

 

18.          Como vimos, tal despacho foi apenas invocado e de forma inovadora na Resposta da Requerida, não constando qualquer referência ao mesmo nem do indeferimento do recurso hierárquico nem do relatório de inspeção, ambos notificados à Requerente. Assim sendo, ainda que pudesse ser praticado posteriormente, atenta a sua eficácia retroativa, cabia à Requerida o ónus de prova da sua notificação autónoma à Requerente.  

 

19.          Assim sendo, não podendo produzir na esfera da Requerente quaisquer efeitos, tudo se passa como se tal despacho de ratificação não tivesse sido proferido, mantendo-se na ordem jurídica a correção do rendimento no valor de € 1. 255. 274,25 proferida, por subdelegação, pelo Chefe de Divisão da Inspeção Tributária da Direção de Finanças do ..., que lhe foi notificada.

 

20.          Ora, como refere a Requerida na Resposta, a Diretora de Finanças Adjunta, subdelegou a competência ao Chefe de Divisão, por Despacho n.º 5619/2016 de 27/4, apenas até ao limite de € 1.000.000,00 do rendimento líquido.

 

21.          Assim sendo, assiste razão à Requerente quando conclui que, «o ato de alteração do rendimento líquido, proferido nos termos do artigo 65.º, n.º 4 do CIRS, está ferido de vício de incompetência, na medida em que foi praticado por órgão ou agente que não dispunha de competência própria, delegada ou subdelegada para a sua prolação, gerando a anulabilidade do ato por ela viciado, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.»

 

22.          Termos em que procede o vício invocado de incompetência relativa em razão da hierarquia (do autor do ato), com todas as legais consequências.

 

23.          Ante a procedência do vício de ilegalidade por incompetência relativa invocado pela Requerente, que implica a anulação do ato de liquidação adicional impugnado, fica prejudicada a pronúncia dos restantes.

 

2.º§ QUANTO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

24.          A requerente pede, ainda, que lhes sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado que o pagamento da quantia liquidada, no valor de €356.691,54, ocorreu em 21 de dezembro de 2016.

 

25.          Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

26.          Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).

 

27.          Deste modo, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT; artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios (20-12-2016) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

VII. DECISÃO

 

Termos em que, acorda-se neste Tribunal Coletivo:

 

a)            Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º..., e, nesta sequência ,

b)           Julgar ilegal o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016..., de 10 de novembro de 2016, referente ao período de tributação de 2012, no montante € 356.691,54 (trezentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e noventa e um euros e cinquenta e quatro euros cêntimos), por incompetência em razão da hierarquia, com a consequente anulação;

c)            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos legais.

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 356.691,54 (trezentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e  noventa e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX. CUSTAS

 

Custas a cargo da Requerida, de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 6.120,00 (seis mil, cento e vinte euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de janeiro de 2020

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Os Árbitros

 

Maria Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente),

(Luís Menezes Leitão)

(Jorge Carita)