Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 117/2016-T
Data da decisão: 2016-09-30  Selo  
Valor do pedido: € 22.921,30
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

I - Relatório

 

1. A…, S.A. - anteriormente denominada B…, S.A. – contribuinte fiscal …, com sede na…, …, …-…, em …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo - Verba 28.1, da Tabela Geral - relativa ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo … da União das Freguesias de … e …, concelho de … (correspondente ao extinto artigo … de freguesia de …), no montante de € 22.921,30. Como consequência da referida declaração de ilegalidade do ato, a Requerente peticiona, ainda, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento a ela Requerente a importância de € 1 072,11, correspondente ao ressarcimento dos custos por esta incorridos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos e vincendos até efetivo pagamento.

 

2. Como fundamento do pedido, a Requerente alega, em síntese, que a tributação prevista no citado preceito da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, tem como objeto os "terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI" , circunstância que se não verifica no caso do terreno em causa, destinado a Aldeamento Turístico, conforme resulta do respetivo  alvará de loteamento. Não se subsumindo, assim, na previsão da norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, dado que segundo o referido alvará e por imposição legal o lote de terreno em questão terá afetação a serviços turísticos, considera a Requerente que a liquidação em causa se encontra ferida de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

3. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) - em resposta ao alegado contestou a pretensão da Requerente, apresentando defesa por exceção, invocando a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral bem como a incompetência material do Tribunal Arbitral, assim se pronunciando pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção do questionado ato de liquidação.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 29-02-2016, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida (AT) em 11-03-2016.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 27-04-2016.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro. nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 12-05-2016.

 

8. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais, julgado suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

II - Matéria de facto

 

11. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais:

 

11.1. À data a que se reporta o questionado ato tributário, a Requerente era proprietária e legítima possuidora do prédio urbano situado na …, em …, denominado lote…, originado pelo alvará de loteamento n.º …/…, emitido pela Câmara Municipal de … em 08-11-1988.

 

11.2. O referido prédio, da espécie terreno para construção, encontra-se descrito na … Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n.º…, e inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e …, concelho de ..., sob o artigo…, correspondente ao extinto artigo … da freguesia de … (Anexo I, Doc.2).

 

11.3. Conforme decorre do alvará de loteamento acima mencionado, o lote de terreno em causa destina-se a aldeamento turístico, denominado "C…", como tal se encontrando identificado no registo predial (Anexo I.Doc.4).

 

11.4. Para efeitos fiscais, o prédio em causa foi objeto de avaliação, realizada em 11-03-2013, sendo-lhe atribuído o valor patrimonial tributário de € 2 292 130.

 

11.5. Na determinação do referido valor patrimonial tributário foi considerado, entre outros elementos relevantes, um coeficiente de afetação correspondente a habitação, conforme consta da ficha de avaliação junta ao processo.

 

11.6. Ficando este elemento a constar da respetiva inscrição matricial, conforme se extrai a caderneta predial correspondente (Anexo I, Doc. 3), e sendo o valor patrimonial tributário do imóvel superior a € 1 000 000 (um milhão de euros), a AT procedeu à competente liquidação de Imposto do Selo, relativa a ano de 2014, ao abrigo da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

11.7. Notificada da liquidação, a ora Requerente interpôs tempestiva reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de ...-…, a que coube o n.º de processo …2015… .

 

11.8. Em síntese, a Reclamante fundamenta o pedido de anulação da liquidação na circunstância de, no caso em apreço, não se mostrarem preenchidos os pressupostos objetivos da incidência do tributo em causa, porquanto se trata de um lote de  terreno para construção destinado aldeamento turístico, conforme decorre do respetivo alvará de loteamento emitido pela entidade competente.

 

11.9. Por despacho de 25-11-2015, foi a reclamação objeto de indeferimento, com base na seguinte fundamentação:

 

"III. Análise do pedido

Analisada toda a documentação do processo e, depois de feita a consulta à base de dados do sistema informático, verificou-se que:

III.1. No caso em análise, em 2014.12.31, o imóvel encontra-se descrito na matriz como prédio urbano composto de lote de terreno destinado a construção.

III.2. De igual modo, o valor patrimonial tributário total do imóvel é de  € 2 292 130,00, constando na caderneta predial que o prédio destina-se a habitação.

III.3. Os prédios urbanos podem ser, entre outros, habitacionais ou serviços, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI.

III.4.Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

III.5. O prédio em causa foi avaliado tendo em conta o destino habitacional.

III.6. Para o cálculo do VPT, o coeficiente varia consoante o seu destino. Por tal facto, o coeficiente de afetação aplicado foi o de 1,00, ou seja, o coeficiente aplicado aos prédios afetos a habitação.

III.7. O que poderá estar em causa é a existência de erro na afetação dada ao prédio.

III.8.Se for esse o caso, a reclamação graciosa nos termos do artigo 68.º do CPPT, não é meio próprio para o efeito.

III.9. Poderá o sujeito passivo, caso assim o entenda, reclamar nos termos do n.º 3 (sic) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis."

 

11.10. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente em 30-11-2015.

 

12. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III - Matéria de direito

 

13. Sintetizados o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral bem como os elementos factuais relevantes para sua apreciação quanto ao mérito, importa, antes de mais, analisar e decidir as exceções invocadas pela Requerida quando à caducidade do direito à ação e incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

III.1. - Da  caducidade do direito à ação

 

13. Sintetizados o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral bem como os elementos factuais relevantes para sua apreciação quanto ao mérito, importa, antes de mais, analisar e decidir a exceção invocada pela Requerida quando à caducidade do direito à ação.

 

14. Quanto a esta invocada exceção, alega a Requerida, que o objeto exclusivo do pedido de pronúncia arbitral é o "ato de liquidação de Imposto do Selo de 2014, efetuada em 20mar2015, no valor de 22.921,30€, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo ("TGIS") com referência ao prédio urbano, correspondente a um terreno para construção inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e …, concelho de ..., distrito de Lisboa sob o artigo matricial … (extinto artigo … da freguesia de …)"

 

15. Assim, segundo alega a Requerida, a Requerente peticiona unicamente que seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo.

 

16. Acontece, prossegue a Requerida, que se mostra claramente ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação deste ato tributário de liquidação em concreto em sede arbitral. Sendo este prazo de 90 dias, contados nos termos do artigo 10.º do RJAT, verifica-se que a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 30-04-2015 e sendo o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral apresentado em 29-02-2016, constata-se que o mesmo é intempestivo e dele não pode o tribunal conhecer.

 

17. Desenvolvendo a fundamentação da exceção que invoca, diz a Requerida: "Efetivamente, neste quadro, tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação direta (ou seja, do ato primário), a “tempestividade” do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do ato de liquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um ato de segundo grau)."

 

18. Constata, assim, que as circunstâncias acima descritas se verificam na situação a que se refere o presente processo, na medida em que a Requerente impugnou administrativamente o ato de liquidação, tendo a Administração Tributária indeferido a reclamação na dimensão que havia sido solicitada.

 

19. Porém, "... não obstante ter feito alusão e identificado essas circunstâncias, a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente anulação do que nessa sede foi decidido." e " Não o tendo feito, inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de liquidação."

 

20. Com os fundamentos que acima se sintetizam, conclui a Requerida que " Em suma, resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação direta do ato de liquidação de IS, deve o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do ato e, consequentemente à sua anulação) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro."

 

21. Considera, pois, a Requerida que o presente pedido é manifestamente intempestivo, face ao que dispõe o artigo 10.º do RJAT, porquanto o mesmo tem como objeto o ato de liquidação de Imposto do Selo, sendo totalmente omisso no que concerne à anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa oportunamente notificado à Requerente. Segundo se extrai da fundamentação em que se suporta a invocada exceção, o pedido deveria ter como objeto imediato a decisão de indeferimento da reclamação, caso em que o prazo para impugnar se contaria, então, a partir da data da respetiva notificação.

 

22. Com o devido respeito, não se acompanha tal entendimento. Com efeito, resulta com clareza da citada norma que, nas situações, como a que se evidencia no presente processo, em que tenha havido reclamação graciosa e ou recurso hierárquico, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral se conta da notificação da decisão naqueles proferida.

 

23. Salienta-se que esta matéria tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais, recordando-se, a este propósito a Decisão Arbitral proferida no processo 419/2014-T, de que se transcreve:

 

" Como decorre da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de atos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou reclamações graciosas, quando há lugar a impugnação administrativa de atos de liquidação, estes atos de liquidação são sempre impugnáveis em prazo a contar da notificação da decisão de indeferimento, pois o artigo 10.º, n.º 1, indica-os como termos iniciais. Por isso, o requerente da arbitragem não tem que impugnar os atos de segundo ou terceiro grau e, mesmo quando impugna estes, considera-se que o objeto do processo arbitral é sempre o objeto mediato que constituem os atos de liquidação mantidos por atos de segundo ou terceiro grau sempre que o Requerente não impute a estes vícios próprios. Mas, obviamente, se o requerente da arbitragem apenas pretende ver declarada a ilegalidade de atos de liquidação, que são os que, sendo suscetíveis de execução coerciva, afetam a sua esfera jurídica, não tem que impugnar os atos de segundo ou terceiro grau, que carecem de lesividade autónoma.

 De resto, uma hipotética deficiência na formulação do pedido não teria como corolário a absolvição da instância, apenas dando lugar, se necessário, mas sempre que necessário, a uma correção, como impõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, em sintonia com o direito constitucional à impugnação contenciosa de todos os atos da Administração que lesem os direitos dos contribuintes (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP)."

 

24. No mesmo sentido, pode ler-se, em Decisão Arbitral, de 27-10-2015, no proc. 124/2015-T:

 

" Estamos uma vez mais naquele caso em que parece confundir-se o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10º, do RJAT) e também e mais uma vez, se trata aqui da abordagem da questão da recorribilidade, por intermédio da arbitragem, dos atos de segundo ou de terceiro graus. A problemática dos atos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, ao que se julga, com pelo menos duas questões distintas: uma primeira, a de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objeto do processo arbitral será a decisão que venha a ser proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta; uma segunda, que interliga questões de competência e questões de prazo, e que é a de saber se o tribunal terá competência – e, se sim, em que medida – para apreciar um ato de primeiro grau quando o pedido seja apresentado na decorrência de um indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa previamente apresentados.

 No que respeita à primeira questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava diretamente o ato de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o ato de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do ato impugnado - o ato de segundo grau. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11[1], admitindo que“(…) o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).”

 “(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário.(…)”

 Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objeto do processo arbitral é o ato de liquidação de IRS.

Questão diferente desta é a de saber se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo. Aqui entende o Tribunal que o legislador arbitral foi claro ao compartimentar questões de competência e questões de prazos.

Assim é que quanto à competência ou âmbito material em que o objeto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação IRS.

Quanto ao prazo, o contribuinte pode recorrer à arbitragem logo aquando da notificação dos atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento ou da formação do indeferimento tácito. Esta resposta encontra-se, por seu turno, no artigo 10.º. Desta norma não se deve, porém, retirar a competência para apreciação direta dos atos de segundo grau. Esta é uma norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. É uma norma que respeita portanto ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para solicitar o pedido de constituição do tribunal arbitral.

Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos atos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.

Entende-se a este propósito que os atos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos atos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará para parte da Doutrina uma interpretação teleológica, designadamente por a alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º referir expressamente a “decisão de recurso hierárquico” e está também, ao que se julga, o facto de o ato de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o ato de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objeto da arbitragem.

Defende-se aqui, por conseguinte, uma interpretação segundo a qual não são arbitráveis os vícios próprios dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses atos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do ato tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efetivamente, pretende impugnar pela via arbitral.

Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T]:

“65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os atos de indeferimento de reclamações graciosas.

66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efetivo conhecimento que tais atos tiveram da legalidade dos atos de liquidação com que estão relacionados.

67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do ato de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.

68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um ato lesivo suscetível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do ato primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.””

 

25. Acompanhando-se a posição expressa nas decisões arbitrais nos segmentos que acima se transcrevem, a que, sem reservas se adere, constata-se, no presente caso, que a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ocorreu em 30-11-2015 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado 29-02-2016, portanto dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

26. Nestes termos, considera-se improcedente a exceção invocada pela Requerida (AT) quanto à caducidade do direito à ação.

 

III.2 - Da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

27. A par da exceção consistente na caducidade do direito de ação, a Requerida invoca, ainda, uma outra, esta relativa à incompetência material do Tribunal Arbitral, nos seguintes termos:

 

" No que concerne à incompetência deste douto Tribunal para se pronunciar nos termos e para os efeitos que pretende a Requerente, quando o que aquela pretende é que em face da liquidação seja sindicada a avaliação do prédio em causa que consubstancia o facto tributário que se subsume à liquidação de imposto de selo em causa, importa tecer desde já as seguintes considerações:

- Em primeiro (1) lugar – a natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretende ver aqui questionado a Requerente) não é passível de ser discutida em sede arbitral, para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal, ademais, e como já vem ante referido, a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos.

Em segundo (2) e último lugar – os factos sobre os quais a Requerente pretende agora questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica.

Não é consentâneo com o RJAT, nem com quaisquer normas processuais tributárias, que a Requerente se proponha e ensaie contraditar, aquilo que está vertido em documentos oficiais e cujos prazos de reação já precludiram todos.

Aliás, ainda que se considerasse, por mero dever de patrocínio, que estivéssemos perante um facto suscetível de sindicância no CAAD, o mesmo haveria que, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do art.º 134.º do CPPT, ver esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não aconteceu, donde resulta clara a INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL."

 

28. Com efeito, vem a Requerida sustentar que decorre dos elementos documentais que integram o presente processo - caderneta predial, declaração modelo 1 de IMI e ficha de avaliação - que o prédio em causa foi avaliado e inscrito na matriz predial respetiva como terreno para construção com afetação habitacional.

 

29. Segundo a Requerida, a ora Requerente, enquanto sujeito passivo não pôs em causa aquela avaliação, podendo tê-lo feito através dos meios legais ao seu dispor, designadamente por via de 2.ª avaliação, nos termos do artigo 76.º do CIMI ou de reclamação da matriz, ao abrigo do artigo 130.º do mesmo Código ou, ainda, através de impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial, nos termos do artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

30. Pelo que conclui, que "uma eventual decisão que expurgue estes elementos que nunca foram contestados terão o efeito de eliminarem da ordem jurídica as avaliações feitas pela AT e que nunca foram colocadas em causa pelo sujeito passivo e ao fazê-lo, extravasam manifestamente a competência material deste Tribunal". ... "Ou seja, está fora das competências materiais do Tribunal Arbitral, a sindicância e/ou análise de atos de avaliação e inscrição matricial."

 

31. Verifica-se, pois, que, segundo a Requerida, o presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto a apreciação pelo Tribunal Arbitral da avaliação efetuada ao prédio em causa, matéria que, manifestamente, se encontra excluída da sua competência material.

 

32. Todavia, diversamente do vem alegado como fundamento da invocada exceção, o que a Requerente pretende é que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação do imposto do selo relativa ao um terreno para construção e ao ano de 2014, conforme, de resto, bem claramente expressa no pedido de pronúncia arbitral por ela apresentado.

 

33. Sendo inequívoco que o pedido formulado consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação de ato tribuário, está-se perante matéria que, sem margem para dúvidas, se situa no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais, conforme decorre do artigo 2.º, n.º1, al. a), do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03.

 

34. De acordo com o requerido, a decisão a proferir pelo Tribunal Arbitral limitar-se-á, assim, à apreciação da legalidade da questionada liquidação de imposto do selo, não implicando qualquer alteração da inscrição matricial do prédio em causa, designadamente no que concerne à respetiva afetação e valor patrimonial tributário.

 

35. Nestes termos, julga-se, assim, improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida (AT).

 

III.3 - Do mérito do pedido

 

36. Fundamentando o seu pedido, alega a Requerente que o imóvel a que respeita a liquidação cuja anulação é pedida é um terreno para construção cuja edificação autorizada não é destinada a habitação, não integrando, assim, a previsão normativa da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

37. De acordo, pois, com o alegado pela Requerente e comprovado pelos elementos juntos ao processo que integram os factos dados como documentalmente provados, constata-se que o prédio em causa é efetivamente um terreno destinado a construção e que da respetiva inscrição matricial consta ter afetação habitacional. Todavia, do alvará de loteamento, emitido pela entidade competente, consta que o terreno em causa se destina à instalação de empreendimento turístico (aldeamento turístico).

 

38. O referido documento, cuja autenticidade não é posta em causa pela Requerida, constitui, pois prova bastante de que no terreno em causa apenas poderão ser construídas edificações destinadas à indústria turística.

 

39. A norma de incidência tributária em que se suporta a liquidação contestada consta da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, com a redação que lhe foi conferida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12, em vigor à data do facto tributário, é do seguinte teor:

 

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%.”

 

40. Dos elementos do processo, designadamente face ao teor do alvará de loteamento, resulta inequívoco que no terreno para construção a que se refere a liquidação impugnada a edificação nele autorizada não tem afetação habitacional.

 

41. Não se verificando, assim, a previsão da norma de incidência, não pode deixar de se reconhecer que assiste razão à Requerente quando alega não se mostrarem verificados os pressupostos de facto e de direito em que se suporta o ato tributário impugnado, não se subsumindo naquela o prédio identificado no presente processo.

 

42. Pelo exposto, e sem necessidade de maior aprofundamento, não pode deixar de concluir-se que a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vicio de violação daquela norma de incidência, por erro nos respetivos pressupostos de facto e de direito, pelo que deve a mesma ser objeto de anulação, com as legais consequências.

 

IV - Indemnização por garantia indevida

 

43. A Requerente peticiona, ainda, indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantia com vista a obter, nos termos do artigo 169.º do CPPT, a suspensão dos processos de execução fiscal, relativos à cobrança das dívidas fiscais a que se refere a presente pronúncia arbitral, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal.

 

44. Esta matéria encontra previsão legal expressa no artigo 53.º da LGT nos termos e condições no mesmo previstas e de acordo com a regulamentação constante do artigo 171.º do CPPT.

 

45. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

 

46. Conforme decorre do n.º 2 do citado artigo, são indemnizados, sem dependência do referido prazo, todos os prejuízos suportados com a prestação das garantias prestadas para suspender a execução no caso de vencimento total em ação em que se verifique ter havido erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.[i]

 

47. Por seu lado, estabelece o artigo 171.º do CPPT que "a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência"

 

48. O processo de impugnação judicial, em que se decide sobre a legalidade do ato tributário, constitui, pois, meio processual adequado para formular o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

49. Conforme reiterada jurisprudência arbitral, " O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida." [ii]

 

50. No caso em apreço, embora o erro subjacente aos atos de liquidação de imposto do selo seja imputável à Administração Tributária, verifica-se, do teor do pedido, que a indemnização requerida se relaciona com “custos relativos a hipoteca”.

 

51. Ora, de acordo com as normas acima referidas, a indemnização por garantia indevida não abrange, no contencioso tributário, outros tipos de garantias para além da garantia bancária ou equivalente, ficando delas excluídas, designadamente, as garantias prestadas através de hipoteca voluntária,[iii] pelo que, sendo este o caso do presente processo, se julga o pedido improcedente.

 

V - Indemnização por outros danos patrimoniais

 

52. A acrescer à indemnização por garantia indevida, a Requerente, peticiona ainda a condenação da AT ao pagamento de uma indemnização relativa a custos suportados com a apresentação de meios de defesa contra a liquidação questionada, especificamente com honorários de advogados.

 

53. Trata-se, porém, de matéria de que, embora se insira no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado, extravasa o âmbito de competência deste Tribunal, tal como definida no artigo 2.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, pelo que dela se não pode tomar conhecimento.

 

VI - Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida (AT) sobre a caducidade do direito à ação e sobre a incompetência material do Tribunal Arbitral;

 

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade da liquidação questionada e determinando a sua consequente anulação;

 

c) Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida;

 

d) Não tomar conhecimento do pedido de indemnização relativamente a custos suportados com honorários a advogados.

 

Valor do processo: € 22 921,30.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 224,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 30 de setembro de 2016,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.

 

 

 

 



[i] O conceito de erro imputável aos serviços é esclarecido no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, a propósito dos juros indemnizatórios.

[ii]  Cfr. entre outras, Decisões Arbitrais de 14.5.2013, Proc. 1/2013 e de 2.4.2014, Proc. 224/2013-T

[iii]  Cfr. neste sentido, STA, Ac. de 24.10.2012, Proc. 0528/12 e Decisão Arbitral de 9.10.2013, Proc. 48/2013-T.