Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 117/2015-T
Data da decisão: 2015-10-26  Selo  
Valor do pedido: € 12.171,00
Tema: IS - Verba 28. 1 da TGIS; Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 117/2015-T

Tema: Verba 28. 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo; terreno para construção

 

Requerentes: A… – …, SA.

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I - RELATÓRIO

A… – …, SA, com o NIPC n.º …, com sede na Rua …, …, …, Lisboa,  apresentou, em 20-02-2015, ao abrigo do disposto no art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

-        Anulação da liquidação de Imposto do Selo (IS), referente ao ano de 2013, sobre o prédio classificado como “terreno para construção” inscrito na matriz da freguesia de ... - Lisboa sob o artigo …, sito na Rua …, …, … Lisboa;

O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi apresentado ao CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”) em 20-2-2015 e aceite em 23.2.2013, tendo a Autoridade Tributária sido notificada da apresentação do aludido pedido em 2.3.2015.

O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 30.04.2015 e o facto comunicado às partes na mesma data.

Em 14.05.2015 a Administração Tributária foi notificada para, querendo, apresentar resposta à petição da Requerente e remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo referente ao pedido de pronúncia.

A Administração Tributária apresentou resposta ao pedido da Requerente em 17-06-2015, tendo a Requerente sido notificada desse facto na mesma data.

Mediante concordância das Partes, o Tribunal deliberou, em 9-9-2015 a prescindência da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Ambas as partes prescindiram de apresentar alegações. 

Na sua petição inicial, a Requerente alega, no essencial, o seguinte:

-        A liquidação impugnada baseia-se na verba 28.1 da Tabela geral do Impsoto do Selo, a qual tinha, à data do facto tributário, a qual previa (à data do facto tributário) a sujeição a imposto, à taxa de 1%, da propriedade de prédio com afectação habitacional.

-        Um terreno para construção não é um prédio com afectação habitacional;

-        A qualificação de um prédio ou a sua afectação dependem da utilização normal que lhe pode ser dada face às suas características actuais e reais;

-        Num terreno para construção, a utilização normal não pode ser a habitação, porquanto não existe nenhum prédio edificado apto a permitir tal utilização;

Na sua Resposta, a Requerida AT - Autoridade Tributária e Aduaneira contesta a procedência da impugnação argumentando, em síntese:

-        O prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional;

-        Não existindo em sede de Imposto do Selo definição do que se entende por “prédio urbano”, “terreno para construção” e “afetação habitacional”, é necessário recorrer subsidariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS.

-        O art.º 6º, n.º 1 do CIMI integra na categoria de prédios urbanos os terrenos para construção, os quais são definidos (n.º 1 do mesmo preceito) como os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações …”.

-        A noção de “afetação do prédio urbano” encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, uma vez que a finalidade da avaliação do imóvel “é incorporar-lhe valor”, constituindo um fator de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

-        O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art.º 41º do CIMI.

-        Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, é clara a aplicação do coeficiente de afetação, decorrendo de tal asserção que a consideração para efeitos da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.

-        O legislador não se refere a “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela expressão “prédios com afetação habitacional”, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido deverá encontrar-se na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, al. a) do CIMI.

 

II – QUESTÕES A DECIDIR

A única questão a decidir é a de saber se um terreno para construção deve ser considerado um “prédio com afetação habitacional”, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com a redacção que esta disposição tinha em 31.12.2013, data na qual deveria aferir-se a verificação do facto tributário.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

A - DE FACTO

Os factos provados considerados relevantes são os seguintes:

-        A Sociedade sujeito passivo foi notificada da liquidação de Imposto do Selo através de documento com o número 2014 …, de 17.03.2014;

-         A liquidação refere-se ao prédio com o artigo matricial U-… da freguesia de ..., Lisboa;

-        O valor do imposto liquidado é de 12 171 euros.

 

B - DE DIREITO

De acordo com o n.º 1 do art.º 1º do Código do Imposto do Selo (CIS), este imposto incide “sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral”. Portanto, a incidência do Imposto do Selo (IS) é determinada pela conjugação do preceito citado com as várias verbas ou rubricas da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), as quais especificam os actos, contractos, documentos, papéis e outros factos ou situações jurídicas sobre os quais incide o imposto.

A verba 28 da TGIS, na redação em vigor até 31 de Dezembro de 2013, definia como facto tributário a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 de Euros e determina que o imposto incidirá sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.

O imposto não incidia sobre qualquer prédio urbano com o valor patrimonial referido, mas apenas sobre duas categorias de prédios urbanos, previstas nas verbas 28.1 e 28.2. Quanto à primeira – a única que releva para o caso dos autos – aí se determinava que ficavam sujeitos ao imposto os prédios urbanos com afectação habitacional.

Assim, entre outras situações, o IS incidiria sobre (a propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre) prédios que, cumulativamente, fossem urbanos, tivessem afectação habitacional e cujo valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI fosse igual ou superior a 1 000 000 de Euros.

A questão de saber se um terreno para construção, como aquele sobre o qual incidiu a liquidação do Imposto do Selo aqui impugnada, cabe na previsão da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS (na redacção que esta tinha até 31 de Dezembro de 2013) já foi por diversas vezes apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Em todas as decisões, o Tribunal considerou o conceito de “prédio com afectação habitacional”, contida na verba 28.1 da TGIS, não abrange os terrenos para construção, de nenhum tipo.

Em acórdão de 9 de Abril 2014, (processo nº 1870/13), o STA pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:

“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.”

Acompanhando esta jurisprudência, há que concluir que o terreno para construção sobre cuja propriedade incidiu o IS liquidado à Requerente não cabe na previsão da verba 28.1 da TGIS, na redacção vigente em 31 de Dezembro de 2013.

Consequentemente, a liquidação impugnada pela Requerente é ilegal na medida em que viola a norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, configurando erro sobre os pressupostos de direito, o que a torna anulável nos termos do art.º 163.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.

 

IV – DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito expostos e nos termos do artigo 2º do RJAT, o Tribunal decide:

-        Declarar a ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito, da liquidação de Imposto do Selo impugnada, documentada através dos documentos emitidos pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira com os números 2014 …, 2014 … e 2014 …, nos quais de fixa uma colecta de 12 171 Euros;

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 12 171 euros (doze mil, cento e setenta e um euros).

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918 Euros, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 26 de Outubro de 2015.

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)