Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 115/2018-T
Data da decisão: 2018-10-16   Outros 
Valor do pedido: € 211.723,26
Tema: EIF - Contribuição financeira. Âmbito da jurisdição arbitral. Competência dos tribunais arbitrais.
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Rui Duarte Morais e Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A... LDA, com o número único de pessoa colectiva e registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-..., Lisboa (doravante designada como “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

A Requerente pede anulação dos actos de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (doravante “CEIF”) do primeiro trimestre de 2017 e do segundo trimestre de 2017 CEIF efectuados pela Requerente e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os manteve.

A Requerente pede ainda a condenação da Administração Tributária ao reembolso do valor pago pela Requerente e ao pagamento, nos termos do artigo 43.° da LGT, de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-03-2018.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 15-05-2018.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 05-06-2018.

A AT apresentou resposta em que suscitou as excepções de «insusceptibilidade de, quer a Requerida, quer o próprio Tribunal, procederem à apreciação da pretensão da Requerente» por estar em causa a inconstitucionalidade de normas, da «ilegitimidade passiva», da «incompetência material do tribunal» por a Requerente pretender a apreciação de inconstitucionalidade de normas e por o tributo ser uma contribuição e não um imposto.

A AT defende ainda que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 13-07-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar previamente as exceções suscitadas, começando pelas de incompetência, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

2. Questão da competência para apreciar a inconstitucionalidade de normas

 

A AT defende, em suma, que a pretensão da ora Requerente visa «não a apreciação da legalidade dos actos de liquidação, mas a apreciação da constitucionalidade das normas subjacentes aos actos de liquidação (não ao próprio acto)» e que «AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral que não contenda à apreciação da legalidade do acto de liquidação».

A título de «questão prévia», a AT defende ainda que a administração está obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, não podendo recusar a apreciação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, sem declaração com força obrigatória geral, o que entende ter como consequência não ser ilegal a aplicação pela AT de normas inconstitucionais.

É manifesto que a aplicação de uma norma inconstitucional num acto tributário implica a ilegalidade deste, pois constitui um vício de violação de lei, para efeitos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Por outro lado, quando está em causa a apreciação da legalidade de um acto que aplicou uma norma inconstitucional não se está perante a fiscalização abstracta da inconstitucionalidade (cujo conhecimento é da exclusiva competência do Tribunal Constitucional, em processo próprio, como resulta do disposto no artigo 281.º da CRP), mas sim sobre a fiscalização concreta da inconstitucionalidade, imposta a todos os Tribunais pelo artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

De resto, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a inconstitucionalidade de normas está explicitamente referida no artigo 25.º, n.º 1, do RJAT que estabelece que «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada».

Por isso, as restrições à desaplicação de normas inconstitucionais que possam ser impostas à AT não se estendem aos Tribunais.

Improcede, assim, esta excepção de incompetência.

 

3. Questão da competência para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação de contribuições
 

A CEIF foi criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015) e alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

Foi mantida em vigor para os anos de 2016, 2017 e 2018, pelos artigos 2.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de Dezembro, 141.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, e 281.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, respectivamente.

Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, da CEIF, «a contribuição incide sobre o volume de vendas e tem por objetivo garantir sustentabilidade do serviço nacional de saúde (sns) na vertente dos gastos com medicamentos».

 

3.1. Posições das Partes

 

A AT suscita esta questão de incompetência por entender que a sua vinculação à jurisdição arbitral operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não inclui a apreciação pretensões relativas a contribuições, mas apenas a impostos, como resulta seu teor literal do n.º 1 do seu artigo 2.º.

Para além disso, a autoridade tributária e aduaneira defende que a CEIF é uma contribuição e não um imposto, invocando posições doutrinais em apoio desta tese.

Defende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que «se assim não se entender, tal interpretação ser não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT».

A Requerente respondeu nas suas alegações, concluindo da seguinte forma:

(i) O artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, deve ser interpretado no sentido de que o âmbito da jurisdição arbitral abrange a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com excepção dos casos enunciados nas alíneas do referido artigo 2.º, abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas, como sucede com a contribuição em causa nos presentes autos.

(ii) A interpretação do artigo 2.º mencionado que restringe o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos, mesmo que estejam em causa outros tributos cuja administração seja conferida por lei à AT, é inconstitucional, por violação flagrante do princípio da igualdade, conjugado com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, com assento, respectivamente, nos artigos 13.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca para todos os efeitos.

(iii) Estando em causa uma opção entre duas interpretações possíveis da mesma disposição, o Tribunal deverá optar, no âmbito de uma interpretação conforme à Constituição, por aquela que assegura a respetiva conformidade com os princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, isto é, pela interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 no sentido de que o âmbito da sujeição da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais abrange todos os tributos cuja administração lhe esteja cometida, incluindo os tributos com natureza de contribuições.

 

3.2. Apreciação da questão

 

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».

O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.

No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que se fosse restringido o âmbito da arbitragem tributária de harmonia com a vinculação.

Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:

 

Artigo 1.º

Vinculação ao CAAD

 

     Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

 

     Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Artigo 3.º

Termos da vinculação

 

     1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.

     2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:

a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;

b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.

     3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.

 

            Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:

– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;

– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efectuada por portaria;

– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;

– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.

 

A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação a que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:

 

Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[1]

A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:

 

A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». [2]

 

Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.

A arbitragem tributária pode vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.

Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correcção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.

Por isso se justificava em 2011 e justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.

A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.

Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar.

Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, como bem evidenciam as seis dezenas de páginas do Parecer do Senhor Prof. Doutor Casalta Nabais junto aos autos e abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada, tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada.

Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CEIF a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas» que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir das suas características, devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos (como poderá suceder com a CEIF, à luz do Parecer do Senhor Prof. Doutor Casalta Nabais junto aos autos).

No caso da CEIF, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.

Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.

Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.

Pelo exposto, não há razões para aceitar a tese da Requerente de que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 deva ser «interpretado no sentido de que o âmbito da jurisdição arbitral abrange a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com excepção dos casos enunciados nas alíneas do referido artigo 2.º, abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas».

Pelo contrário, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados, com as excepções arroladas naquela norma.

Pelo exposto, é de concluir que não se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CEIF.

 

3.3. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente

 

A Requerente aventa que, caso se entenda que a interpretação correta das disposições em causa é, afinal, a que «restringe o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos, mesmo que estejam em causa outros tributos cuja administração seja conferida por lei à AT, então tal interpretação será inevitavelmente inconstitucional, por violação flagrante do princípio da igualdade, conjugado com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, com assento, respectivamente, nos artigos 13.º e 20.º da Constituição».

 

3.3.1. Princípio da tutela jurisdicional efectiva

 

No que concerne ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, com assento no artigo 20.º da CRP, é de realçar, desde logo, que a nossa Constituição não impõe sequer a existência de tribunais arbitrais, admitindo apenas a possibilidade de existirem, no artigo 209.º, n.º 2 («Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz»).

Isto é, na perspectiva do legislador constitucional não é necessário que os litígios possam ser apreciados em tribunais arbitrais para ser assegurado o princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Assim, o legislador ordinário, que pode, sem violar a Constituição, nem sequer admitir a existência de tribunais arbitrais, também pode limitar a sua existência e as suas competências, no exercício da sua discricionariedade legislativa.

Por outro lado, em todos os casos em que não estiver legalmente previsto o acesso aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, os contribuintes dispõem dos tribunais tributários estaduais.

A existência destes é constitucionalmente imposta, pelos artigos 209.º, n. 1, alínea b) e 212.º, n.º 3, da CRP, o que, conjugado com a não obrigatoriedade de tribunais arbitrais, impõe que se conclua que, na perspectiva constitucional, os tribunais tributários são suficientes para assegurar adequadamente a tutela jurisdicional efectiva.

Assim, a não inclusão na jurisdição arbitral dos litígios referentes à CEIF não implica violação do direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva.

 

3.3.2. Princípio da igualdade

 

 Não se detecta também violação do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [3] )

Os limites à arbitrabilidade de litígios fiscais previstos no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 são aplicáveis a todos os cidadãos, sem qualquer discriminação, pelo que, sob esta perspectiva, não se detecta violação do princípio da igualdade.

Por outro lado, como se referiu, na arbitragem em matéria tributária está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas necessárias para funcionamento global do Estado, pelo que se justificava e justifica que a vinculação seja cautelosa, designadamente com limitação dos tipos de litígios e de tributos (para além de outras, como valor máximo dos litígios e requisitos de composição dos tribunais arbitrais que possam reforçar as garantias da sua imparcialidade).

Por isso, não é arbitrária ou injustificada a limitação da arbitrabilidade dos litígios.

Para além disso, a distinção entre os tipos de tributos, designadamente afastando aqueles a que é atribuída legislativamente a designação de «contribuições», pode justificar-se pela natureza especializada destas e pelas disponibilidades da Administração Tributária assegurar adequadamente a sua representação perante os tribunais arbitrais. A representação da Autoridade Tributária e Aduaneira em processos que versam sobre tributos especiais poderá exigir a disponibilidade de meios humanos com formação especializada, justificando-se que a vinculação seja definida com base em considerações de praticabilidade.

Por isso, não se podem considerar arbitrárias ou injustificadas as limitações à arbitrabilidade de litígios que resultam da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais.

            No que concerne à alegada arbitrariedade por, eventualmente, «podermos ter situações em que perante a mesma figura tributária um tribunal arbitral julga do mérito por considerar estar perante um imposto e um outro julga-se incompetente por considerar estar perante uma contribuição ...», trata-se situações que, lamentavelmente, podem ocorrer em relação a quaisquer tribunais e quaisquer tipos de processos e que são indissociáveis da sua independência (artigo 203.º da CRP), imprescindível num Estado e Direito. Mas, também sob esta perspectiva, a interpretação mais próxima do teor literal, que é único e objectivo, tenderá a gerar menores divergências jurisprudenciais do que uma interpretação baseada em longas considerações doutrinais, que podem ser múltiplas.

Pelo exposto, não viola o princípio da igualdade a não arbitrabilidade de litígios que tenham por objecto questão relativas à CEIF.

 

            4. Questões de conhecimento prejudicado

 

De harmonia com o exposto, é de julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por a pretensão da Requerente versar sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Sendo de julgar procedente a excepção de incompetência suscitada ela Autoridade Tributária e Aduaneira, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

Julgar procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 211.723,26.

 

Lisboa, 16-10-2018

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Rui Duarte Morais)

(vencido nos termos de declaração anexa)

 

 

 

 

(Fernando Araújo)

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

 

Entendo não poder subscrever a posição que fez vencimento, no relativo à (in)competência em razão da matéria deste tribunal arbitral, pelas razões que, sinteticamente, passo a expor.

Sob o ponto 3.1 (posição das partes), a decisão vencedora sintetiza a argumentação da Requerente no sentido da afirmação da competência do tribunal arbitral, transcrevendo, para tal, o constante do n.º 69 das alegações por esta apresentadas.

Só que tais “conclusões” referem-se apenas ao constante dos n.º 43 e ss de tal peça processual, nos quais a Requerente sustenta que “Mesmo que se considerasse que a CEIF era uma contribuição financeira, o que apenas por dever de patrocínio se admite e sem conceder, o presente tribunal arbitral constituído sobre a égide do CAAD seria em todo o caso competente (…)”.

Antes (n. 11 e ss das suas alegações), a Requerente apresenta as razões pelas quais considera que a CEIF reveste a natureza de imposto (e não de contribuição financeira), concluindo, sob o n.º 42, “Pelo que, sendo a CEIF um imposto e não uma contribuição financeira, afigura-se que o tribunal arbitral é competente.”

Diga-se, ainda, que a sistematização das alegações da Requerente acompanha de perto a do seu requerimento inicial. As razões pelas quais a Requerente entende ser a CEIF um imposto aparecem desenvolvidas nos n. 42 a 68 de tal requerimento.

Assim sendo, haveria duas questões a apreciar: primeira, a de saber se a CEIF deve ser qualificada como sendo um imposto, sendo que uma conclusão neste sentido ditaria, necessariamente, a conclusão de o Tribunal arbitral ser competente para apreciar dos vícios de legalidade que a Requerente imputa às liquidações impugnadas.

Ora, a decisão vencedora não analisou a questão da natureza jurídica da CEIF (se deve ser qualificada como imposto ou como contribuição financeira), limitando-se a afirmar que “utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal” e que não se pode concluir que “o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada, tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada”.

Estendo que estas afirmações são insuficientes para fundamentar o decidido. No meu entender, este Tribunal Arbitral estava obrigado, como pressuposto da sua decisão relativa à competência material, a indagar e concluir fundamentadamente sobre se os traços caraterizadores do tributo em causa conduzem à sua qualificação como imposto ou como contribuição financeira.

 

A segunda questão, que surge neste processo como subsidiária relativamente á anterior, consiste em saber se, tendo-se previamente concluído ser a CEIF uma contribuição financeira, o Tribunal Arbitral seria competente de apreciar da sua legalidade.

Entendo não subscrever a posição vencedora também quanto a esta questão pelas razões constantes do Ac. Arbitral 312/2015-T, que subscrevi, no qual, aliás, a Requerente em muito se louva para defender o que deixou sustentado quanto a este ponto.

Resta acrescentar que a posição então por mim assumida não resultou abalada pelos argumentos “novos” (no sentido de não constantes de acórdãos arbitrais anteriores) constantes da decisão vencedora, relativos ao intuito restritivo que esteve presente quando da vinculação da AT à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Mesmo aceitando ser uma realidade tal intuito, o certo que a questão da competência dos Tribunais Arbitrais para apreciarem da legalidade de contribuições financeiras administradas pela AT não se colocava ao tempo, porquanto esta entidade não administrava quaisquer tributos com esta designação ou que como tal pudessem ser qualificados. Ou seja, trata-se de uma questão que o legislador não podia ter previsto, sobre a qual não poderia ter exercido uma opção, o que impede uma interpretação fundada na mens legislatoris. No quadro de uma interpretação objetivista (atualista), existem argumentos, a meu ver determinantes, no sentido de se considerar que as pertinentes normas legais devem ser entendidas no sentido do reconhecimento da competência dos Tribunais Arbitrais para apreciarem da legalidade das liquidações das contribuições financeiras, argumentos esses que me dispenso de referir por, no essencial, constarem do já referido Ac. Arbitral 312/2015-T.

 

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

 



[1] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.

[2] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.

[3]     Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

  • n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;
  • n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;
  • n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;
  •  n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;
  • n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
  • n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
  • n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
  • n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
  • n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
  • n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.