Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 115/2016-T
Data da decisão: 2016-10-10  Selo  
Valor do pedido: € 12.493,10
Tema: IS - Verba 28.1 TGIS – Propriedade Total; Pedido Arbitral extemporâneo
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Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

1. A…, Lda, contribuinte fiscal n.º…, com sede na Rua…, nº…, … - … Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade de 41 liquidações de Imposto do Selo (IS), emitidas em aplicação do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS). As liquidações impugnadas, referentes ao ano de 2014, correspondem ao montante global de €12.493,10 e são referentes ao prédio urbano, em propriedade total, composto por Rés-do Chão e 3 andares, com 16 unidades suscetíveis de utilização independente.

 

2. No presente pedido arbitral, em síntese, a Requerente impugna, conjuntamente, as 41 liquidações de Imposto do Selo, devidamente identificadas no pedido arbitral (PI), que se dá por integralmente reproduzido, correspondentes à 1ª, 2ª e 3ª prestação do imposto, todas com datas limite de pagamento, respetivamente, até ao fim dos meses de março, julho de 2016 e de novembro de 2016.

Do montante global em causa, no valor de €12.493,10, a Requerente pagou a 1ª e 2ª prestação. Não pagou as liquidações constantes dos documentos número 28 a 43 juntos em anexo ao PI, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, encontrando-se esse montante cativo na conta da sociedade ora Requerente. Pretende a anulação de todas as liquidações impugnadas que entende serem ilegais, com os fundamentos expostos no pedido arbitral.

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 28-02-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 29-02.2016 e de seguida notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 27-04-2016, a ora signatária como árbitro a constituir o Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13-05-2016.

 Em 17-05-2016 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

Em 16-06-2016 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), que se dão por integralmente reproduzidos. Na sua resposta a Requerida invoca a extemporaneidade do pedido arbitral apresentado, refuta as razões de ilegalidade apontadas às liquidações e entende que as questões em discussão nos autos são meramente de direito e que por isso se pode dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

Em 27-06-2016 foi proferido despacho arbitral para que as partes se pronunciassem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, seguindo o processo para alegações escritas, tendo aí, querendo, a possibilidade de responder à exceção suscitada pela AT. Ambas se pronunciaram favoravelmente à proposta de dispensa. Assim, por despacho arbitral proferido em 12-07-2016, nos termos do disposto nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º2 do RJAT, foi dispensada a realização da aludida reunião, fixado o prazo igual e sucessivo de 10 dias, para as partes, querendo, apresentarem as suas alegações por escrito e fixada data para prolação de decisão arbitral até 30-09-2016, a qual posteriormente foi prorrogada por mais 15 dias. Foi, ainda, notificada a Requerente para efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

As partes não apresentaram alegações.

 

 

B) Da Fundamentação do PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, com cumulação de pedidos, pugnando pela ilegalidade das liquidações de IS, determinadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, conforme consta do pedido arbitral, aqui integralmente reproduzido. A Requerente não se conforma com os termos em que a AT aplica o disposto na verba 28.1 da TGIS, considerando o VPT total do prédio, calculado com base no somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão independente. O critério utilizado pela AT, tem o propósito de fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS, aplicável a prédios cujo VPT tenha um valor superior a €1.000.000,00. Em conformidade com este entendimento, assente no somatório dos VPT atribuídos a cada uma das partes ou divisões independentes, o VPT total do prédio em causa é de 1.249.310,00 e o IS devido é de € 12.493,10. Este entendimento é, do ponto de vista da requerente, ilegal o que fundamenta o presente pedido arbitral. Entende que se deve considerar que a incidência do IS prevista na verba 28.1 da TGIS, se deve aferir em função – e apenas em função – de cada divisão suscetível de utilização independente e não do prédio em que estas se integram, tendo-se exclusivamente em conta a sua afetação e VPT. Invoca em favor da sua tese o disposto nos artigos 12.º, n.º 3 do Código do IMI, 67.º, n.º 2, do Código do IS e a própria verba 28.1 da TGIS, conforme desenvolvidamente expôs no seu pedido arbitral que se dá por integralmente reproduzido.

Conclui peticionando a anulação de todas as liquidações de imposto impugnadas, a condenação no reembolso do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

C – A POSIÇÃO DA REQUERIDA VERTIDA NA SUA RESPOSTA

 

5. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual:

a) por exceção, veio alegar a extemporaneidade da apresentação do pedido arbitral;

b) e, por impugnação, alegou que as liquidações impugnadas se devem manter, por legais, já que correspondem ao cumprimento do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efetuada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 e cuja respetiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, com afetação habitacional.

Alega que o artigo 44.º, n.º 5, do Código do Imposto do Selo (CIS), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, veio estabelecer que, havendo lugar a liquidação, o imposto a que se refere a verba 28 da TGIS é pago, nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI. Entende ainda que, o que está em causa é uma liquidação que resulta da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos.

O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio. Entende, por último, a Requerida que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios. Conclui pela legalidade das liquidações de IS impugnadas e pela improcedência do pedido arbitral.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

6. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a) do RJAT. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

Tendo em conta todos os elementos constantes dos autos e a prova documental junta pelas partes cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

A)    Factos Provados

 

 

7- Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

 

a.       A Requerente é uma sociedade civil de habitações de responsabilidade limitada, com sede na Rua…, nº…, …-… Lisboa;

b.      A Requerente é proprietária de um prédio em propriedade total constituído por rés-do-chão e três andares, com 16 unidades independentes, suscetíveis de utilização independente, conforme certidão junta aos autos como documento nº2 em anexo ao PA;

c.       Sobre este prédio foi liquidado imposto de selo, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano de 2014, tendo sido emitidas 41 liquidações de imposto, todas juntas aos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;

d.      O valor do imposto de selo foi calculado tendo como referencia o valor total do prédio, correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão independente com afetação habitacional, tendo atingido um VPT total de €1.249.310,00;

e.       Todas as 16 partes independentes que constituem este prédio se destinam a habitação e têm um VPT individual, atribuído a cada uma, muito inferior a €1.000.000,00;

f.       Para efeitos de IMI cada parte ou divisão suscetível de utilização independente tem um VPT individual atribuído, como consta das respetiva caderneta predial junta aos autos como documento nº2 anexo ao PA;

g.      O valor de imposto de selo liquidado à Requerente, no valor de 12.493,10, foi processado em três prestações, a primeira com data limite de pagamento até ao fim de Março de 2015, a segunda até ao fim do mês de julho e 2015 e, por fim, a terceira e última prestação com data limite de pagamento até final de novembro de 201, como resulta do teor dos documentos nºs 3 a 43 juntos em anexo ao PA.

h.      Em 31 de julho de 2015 a Requerente apresentou reclamação graciosa para impugnação administrativa do imposto liquidado;

i.        A reclamação graciosa foi indeferida, por despacho datado de 25-09-2015;

j.        Para pagamento da 1ª e da 2ª prestação do imposto a Requerente utilizou os créditos existentes sobre a AT, provenientes dos valores liquidados em sede imposto de selo referentes aos anos de 2012 e 2013, e que a AT foi condenada a devolver à requerente;

k.      A 3ª prestação não se encontrava paga, à data da apresentação do pedido arbitral, mas a Requerente tinha valores cativos na própria conta, uma vez que foram instauradas as respetivas execuções fiscais e foram cativados os valores a crédito da Requerente.

l.        O presente pedido arbitral foi apresentado em 28-02-2016.

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

8. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

9. Os factos supra descritos foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

 

IV – DECISÃO

 

 

10. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IS previsto na verba 28 da TGIS, no caso concreto dos prédios em regime de propriedade total (ou vertical), compostos por diversos andares, com divisões ou partes suscetíveis de utilização independente.

 

As questões a decidir são:

A) Exceção de extemporaneidade da apresentação do pedido arbitral;

B) Ilegalidade das liquidações impugnadas.

 

 

A) Quanto à exceção de extemporaneidade de apresentação do pedido arbitral:

 

 

11. Alega a AT a extemporaneidade do presente pedido arbitral porquanto, considera que não tendo sido pagas voluntariamente a 1ª e 2ª prestação, venceram-se as seguintes, por força do disposto no artigo 120º nº 4 do CIMI, aplicável por remissão do CIS e, assim sendo, o prazo para impugnação ou dedução do PA conta-se desde a data limite de pagamento da 1ª prestação. Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria extemporâneo porquanto a Requerente apresentou Reclamação graciosa, a qual foi indeferida em 25-09-2015, pelo que o prazo de 90 dias para deduzir o pedido arbitral há muito se havia esgotado, dado que o pedido só foi apresentado a 28-02-2016.

 

Não parece assistir razão à AT, porquanto, tendo a Requerente sido notificada para pagamento da terceira prestação do imposto de selo, no período próprio e com data limite de pagamento até final de novembro de 2015, não pode a própria AT vir invocar que a Requerida não tendo pago da 1.ª prestação do imposto as restantes prestações imposto venceram-se imediatamente. Por um lado, se assim fosse, não teria emitido a 3ª prestação para pagamento. Mas, a este argumento acresce um outro e que é o da Requerente ter pago as ditas prestações, embora utilizando para o efeito o saldo credor que tinha a seu favor, por força de decisões judiciais anteriores que a obrigaram a AT a devolver à Requerente os valores de IS liquidados sobre este mesmo prédio, nos anos de 2012 e 2013. Assim sendo, não se pode afirmar que a Requerente não tenha pago as ditas prestações. A compensação ou acerto de contas é uma via própria e adequada para proceder ao pagamento da obrigação tributária, bem assim como para a sua cobrança, frequentemente utilizada pela AT.

 

Dispõe o artigo 120.º n.º 4 do CIMI:

 

4- "No caso previsto nos nºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes."

 

Mas, se assim é, o não pagamento da primeira prestação do Imposto de Selo, por aplicação do artigo 120.º n.º 4 do CIMI, devia ter como consequência a imediata exigência das restantes prestações de Imposto de Selo, o que não se verificou, uma vez que todas foram notificadas ao sujeito passivo, nos períodos previstos, conforme documentos juntos. A própria AT parece ter reconhecido o pagamento através da compensação do crédito em saldo de conta corrente, não podendo agora vir invocar o contrário, para tentar demonstrar a extemporaneidade do pedido.

 

 

12. Quanto ao argumento extraído do indeferimento da Reclamação Graciosa, apresentada em 31-07-2015 e indeferida por despacho datado de 25-09-2015 e notificado a 28-09-2015, não há dúvida que, a aceitar o argumento da AT, e atendendo ao prazo de 90 dias para impugnação do indeferimento da Reclamação Graciosa, a data de apresentação do Pedido Arbitral (28-02-2016) excedeu largamente tal prazo. Mas, apesar disso, a AT também não tem razão neste ponto. Em primeiro lugar porque a Requerente não veio impugnar o indeferimento dessa reclamação, como evidencia a análise do pedido. O que a Requerente veio impugnar, sem dúvida, foi o Imposto do Selo, do ano de 2014, e as respetivas liquidações do imposto, considerando como data para início da contagem do prazo para deduzir o PA a data limite de pagamento da última prestação, ou seja, 30 de novembro de 2015.

A contagem do prazo de 90 dias, segue as regras previstas no artigo 20º da LGT e 279º do Código Civil, pelo que, iniciou-se a 1 de dezembro de 2015 e terminou a 28 de fevereiro de 2016, dia da apresentação em juízo do presente pedido arbitral. Face a esta regra a conclusão é que o pedido arbitral não é extemporâneo.

 

Mas, ainda assim, vejamos se estaria a Requerente obrigada a impugnar o ato de indeferimento da Reclamação Graciosa.

Em princípio seria assim se a própria liquidação do imposto não lhe permitisse um prazo de reação mais alargado. O próprio texto da lei (art. 102º, nº1 a) do CPPT) prevê como primeiro critério de contagem do prazo para a impugnação do ato de liquidação a data limite de pagamento do imposto. Na situação do IS, como do IMI, quando, nos termos legais o seu valor se divide por prestações a pagar, a data limite de pagamento que deve servir de referência é a da última prestação, embora o sujeito passivo possa reagir contra o ato antes disso, se assim o entender. Mas, quer o faça tendo como referência a 1ª prestação ou a última, o que impugna não é a prestação em si, mas o ato tributário que lhe está subjacente: o ato de determinação da coleta que conduz à liquidação do imposto de selo anual. A sua divisão em prestações é mero procedimento de cobrança, em si mesmo inimpugnável.

            A jurisprudência arbitral tem vindo a pronunciar-se neste sentido. Vejamos:

“Trata-se de um ato indivisível de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 120.º e 113.º, n.º 1, ambos do Código do IMI, aplicáveis por remissão do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto de Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, resulta que, nas situações a que se refere a verba 28 da TGIS, é efetuada uma liquidação anual, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial.“ (vd. Decisão arbitral 260/2013 T – sublinhados nossos)

 

Por ser assim, o pedido de anulação do ato de liquidação de I.S., se apresentado com referência a qualquer uma das três prestações, tem como alcance a impugnabilidade do ato de determinação da coleta que determinou a liquidação anual do imposto e não a do imposto a pagar nessa prestação. Assim o pedido de anulação do ato pode ser requerido em qualquer momento a contar da data de notificação de qualquer uma das prestações ou do indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico. No caso concreto, é certo que apresentou Reclamação Graciosa em Julho de 2015 (quando a 1ª e a 2ª prestação já haviam sido notificadas), a qual veio a ser indeferida em setembro de 2015, mas essa circunstância não retira à Requerente o direito a impugnar o Imposto, contando-se o prazo para deduzir tal impugnação a partir da data limite de pagamento da 3ª prestação (final do mês de novembro de 2015).

 

Assim sendo, o ato de liquidação de Imposto de selo que pode ser anulável e impugnável é o ato de determinação da coleta, o qual não pode ser divisível e impugnável autonomamente. A sua anulação reporta-se, necessariamente, a um ato de liquidação de IS, anual, cuja modalidade de pagamento e cobrança pode ser dividida em três prestações. A anulação do ato é que implica a anulação dos atos de pagamento, respetivamente, as três prestações. Logo, a Requerente pode impugnar pela via arbitral, até 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto de qualquer uma das prestações, podendo fazê-lo após a data limite de pagamento da última prestação. (Neste sentido vd., ainda, Decisão Arbitral nº 108/2016-T de 26 de junho)

 

Nestes termos, considera esta Tribunal arbitral improcedente a invocada exceção de extemporaneidade invocada pela Requerida AT.

 

 

B) Quanto à ilegalidade do imposto

 

13. Em causa nos autos está, em primeira linha, a questão de saber se o(s) proprietário(s) de um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suscetíveis de utilização independente, cujo VPT foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do CIMI, está(ão) sujeito(s) à incidência de IS, por força da previsão da verba 28.1 da TGIS, sobre o somatório dos VPT daquelas divisões, quando nenhuma das referidas divisões possua um VPT superior a €1.000.000,00, mas a soma dos respetivos VPT exceda este montante.

 

14. Do quadro argumentativo exposto pelas partes, conclui-se que para a AT, o critério de determinação da incidência do IS, previsto na verba 28.1 da TGIS, dos prédios em propriedade total (ou vertical), com andares e divisões com utilização independente com afetação habitacional, corresponde ao somatório dos respetivos VPT atribuídos às partes ou divisões. Foi este entendimento que conduziu às liquidações de IS aqui impugnadas e que a Requerente contesta, por entender que tal juízo é ilegal, o que motivou a apresentação do presente pedido de constituição de Tribunal arbitral.

Esta questão foi já objeto de apreciação recorrente em sede arbitral, sendo consistente a jurisprudência no sentido de uma resposta negativa, podendo ver-se, a título exemplificativo, as decisões proferidas nos processos n.º 48/2013-T, 49/2013-T, 50/2013-T, 53/2013-T, 132/2013-T, 181/2013, 183/2013-T 248/2013-T e 280/2013-T, 30/2014-T, 497/2014-T, 575/2014-T, entre outras, incluindo a recente decisão arbitral supra mencionada proferida no Processo nº 108/2016-T.

No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA), em Acórdão de 09-09-2015, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Francisco Rothes, no qual se decidiu:

“I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” [1]

 

15. Não obstante o supra exposto, a Requerida AT tem vindo a manter o entendimento plasmado nos presentes autos, pugnando por uma interpretação assente em conceitos formais, nomeadamente no que respeita ao conceito de prédio para efeitos de incidência do IS.

Sobre a questão fundamental em apreço, dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, embora não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da ratio legis subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal” [2]. Dito de outro modo “o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir”.[3] A questão centra-se na interpretação da norma de incidência, tal como se encontra expressa na previsão legal das verbas 28 e 28.1 da TGIS, referindo-se à “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, com afetação habitacional (28.1) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

Ora, o disposto na lei não acolhe o entendimento perfilhado pela AT, segundo o qual os prédios com afetação habitacional em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de IS, deve ser o VPT total, correspondente ao somatório dos VPT atribuídos individualmente a cada fração, parte ou divisão independente. Tal entendimento é, desde logo, contrariado pela própria letra da lei, quando inequivocamente remete para a aplicação dos princípios vigentes em sede de IMI. A Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença. Mas dispõe o artigo 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela referida Lei, que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.” (sublinhado nosso)

 

16. Acresce que, analisado o disposto no IS e no CIMI a este propósito, facilmente se conclui que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. Conclusão que se impõe, sem dúvida, por força da remissão que o legislador introduziu em matéria de IS para o CIMI, porquanto este imposto estabelece como critério para os prédios em propriedade vertical a atribuição de um VPT a cada uma das partes ou divisões independentes. O que releva é, pois, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização ou afetação habitacional.

Utilizando, assim, o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do CIS, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.” Do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, resulta que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.” Acrescentando ainda o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI que “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

Esta remissão não deixa qualquer dúvida sobre o propósito do legislador, ou seja, só pode significar que a incidência para efeitos de IS – verbas 28 e 28.1 da TGIS – se efetiva sobre cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, à semelhança do que acontece em sede de IMI. Para todos os efeitos, nomeadamente o da incidência de IS ou de IMI, as partes de um prédio em regime de propriedade total têm o mesmo tratamento que as frações dos prédios em regime de propriedade horizontal. O legislador assim ditou quando, precisamente, para esse efeito, impõe a fixação de um VPT para cada parte ou fração suscetível de utilização independente, sem distinção quanto à forma de constituição do regime de propriedade (total ou horizontal). Para efeitos do IMI, cada parte ou divisão suscetível de utilização independente é, pois, tributada individualmente, em função do VPT individual atribuído para este efeito. A remissão para o CIMI, que o legislador introduziu, expressa e inequivocamente, na letra da lei (verbas 28 e 28.1 da TGIS) só pode ter como significado que é esse mesmo VPT individual, de cada parte ou divisão independente, a referência para efeitos de incidência do IS consagrado nas verbas 28 e 28.1 da TGIS.

A este propósito, recorde-se a fundamentação contidas nas decisões arbitrais já proferidas sobre esta questão, destacando-se a decisão 50/2013 T e a Decisão arbitral n.º 280/2013-T, às quais se adere.

 

17. No que toca ao conceito prédio, deve atender-se ao prescrito no artigo 2º e seguintes do CIMI, dos quais resulta que o legislador, usando critérios de afectação e localização, estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos. Já no nº 2, do artigo 5º, o legislador estabelece o conceito de prédios mistos que serão aqueles em que existam realidades económicas rústicas e urbanas distintas e não haja subordinação de uma à outra. No artigo 6º do citado CIMI, o legislador divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros. Em nenhum dos normativos de referência faz distinção entre prédios em propriedade vertical ou horizontal, nem tinha de o fazer, dado que tal distinção tem estritamente a ver com o regime jurídico aplicável e não com a natureza intrínseca do prédio. Ora, para efeitos de tributação, atendendo aos princípios da capacidade contributiva, da justiça fiscal e da legalidade o que releva é a natureza intrínseca do prédio, o seu nível de qualidade construtiva, o ser ou não ser um prédio de luxo, tudo expresso na determinação do seu VPT.

No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e outras com afectação comercial, trata-se de um prédio com partes enquadráveis na divisão habitacionais da alínea a) do nº 1 do artigo 6º e com partes enquadráveis na alínea b) do mesmo nº e artigo, mas de forma alguma será um prédio misto no conceito estabelecido no já citado artigo 5º do CIMI. Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, elas são física e economicamente independentes.

Aliás, a AT ao expurgar o VPT das partes ou divisões com afetação diversa da habitacional, para efeitos de incidência de IS, como tantas vezes se impõe fazer, recorre e aplica o critério definido no nº 4 do artigo 2º do CIMI para os prédios no regime de propriedade horizontal. Nem podia deixar de o fazer. Mas, então, considera que as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente são verdadeiras partes autónomas de prédio em propriedade vertical preenchendo o conceito de prédio. Ora, não pode considerar nus casos o que desconsidera noutros, por mero critério de conveniência.

O mesmo se diga quando utiliza esse mesmo critério em sede de tributação de IMI, tributando separadamente o VPT de cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente.

Por fim, na verdade, a AT utilizou esse mesmo critério na tributação em sede de IS, ao fazer o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a seguir procedeu ao somatório de tais valores (algo que a lei não prevê), para determinar VPT global (mais uma vez, algo que a lei não prevê), apenas e só para poder atingir um valor superior a €1.000.000,00 e a partir daí operacionalizar a incidência do Imposto, de forma totalmente diversa do que a lei determina, sem qualquer suporte legal, quer na letra quer na ratio da lei.

Tal pretensão de tributação, em sede de IS, considerando o VPT global do prédio, como pretende a requerida, não encontra suporte no CIMI, conforme remissão do nº2 do artigo 67º do CIS;

 

18. Como bem se afirma em diversas decisões arbitrais, “nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, como já se disse, a legislação aplicável é a mesma”. Cfr. Decisão 230/2013 – T, entre muitas outras que poderíamos citar)

Considerando que, no caso em apreciação, nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1.000.000,00 forçoso é concluir que os atos de liquidação do IS são ilegais, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, definidos na verba 28 da TGIS e no CIMI, por remissão, nos termos já supra explanados.

Idêntico entendimento resulta do Acórdão do STA, de 09-09-2015, já supracitado. A tese defendida pela AT não pode vingar. Uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o n.º 7 do artigo 23.º do CIS permite concluir quanto à determinação da matéria coletável e sequente operação de liquidação do imposto. Como bem se afirma neste Acórdão:

 “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”

 

19. Por último, dispõe, ainda, o n.º 3 do artigo 11.º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”. No caso em apreço, a correta interpretação dos normativos jurídicos em presença impõe que se atenda à “substância económica dos factos tributários”. É o que decorre da vontade do legislador, objetiva e racionalmente expressa na letra da lei e, ainda, do respeito pela “unidade do sistema jurídico”, o qual se impõe, desde logo, pela coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica.

O legislador expressou de forma coerente o seu pensamento nesta matéria, ao introduzir uma remissão abrangente para os princípios contidos no CIMI. A delimitação do alcance da norma de incidência deste novo tributo deve seguir a orientação da letra e do espirito da lei. Num primeiro plano, deve atender-se, pois, ao disposto expressamente nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, com as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, como resulta do disposto no n.º 7, do artigo 23.º, do CIS.

Assim, o entendimento adotado pela AT afigura-se desconforme à letra e ao espirito da norma, logo não se afigura conforme à lei, nem ao princípio da legalidade fiscal, pelo que as liquidações impugnadas estão inquinadas por vício de violação de lei, por manifesto erro quanto aos pressupostos de facto e de direito.

De resto, o seu resultado prático conduziria, por exemplo, à tributação de um prédio em propriedade vertical por força do somatório dos valores individuais das suas partes ou divisões independentes (como sucede no caso dos autos) sendo que, se estivesse constituído em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações seria tributada. Acresce que, pelo entendimento da AT seriamos levados a tributar andares ou divisões (frações) suscetíveis de utilização independente de valores modestos (exemplo dos autos) sabendo que o mesmo legislador excluiu da tributação frações de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, ainda que cada fração tivesse um VPT de €999.999,00. Tal interpretação, além de absurda, é totalmente contrária ao propósito que levou o legislador a inserir a verba 28 a TGIS, justificada pelo propósito de tributar “as casas de luxo”. Dito de outro modo, também o elemento histórico nos conduz a um entendimento diverso do que vem defendido pela AT.

Acresce ainda que, pelo critério da AT, muitos dos prédios urbanos existentes em propriedade vertical, apesar de mais antigos, facilmente poderiam alcançar o valor de referência para a incidência do IS, enquanto prédios de construção recente e, por vezes, luxuosa, em regime de propriedade horizontal, mas cujo VPT por fração não iguale ou ultrapasse o valor de €1.000.000,00 não ficam sujeitos ao imposto. Ora, fere a sensibilidade e o mínimo ético fundamental uma interpretação e aplicação da norma jurídica que conduzisse a tal solução.

 O recurso à ratio legis e aos princípios de interpretação supra expostos, apontam no sentido oposto ao que vem defendido pela Requerida. Se os prédios em causa nos presentes autos se encontrassem em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do imposto que pretende tributar os prédios ou habitações de luxo.[4] E, como já se disse, o pensamento do legislador expresso na norma de incidência, ao remeter para a aplicação do CIMI, foi claro e inequívoco, seguindo o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal e da uniformidade do sistema jurídico.

 

 Por último, acrescentar-se-á apenas isto: ainda que, hipoteticamente, fosse concedível que nos casos de prédios em propriedade total (ou vertical), constituídos por divisões suscetíveis de utilização independente, se pudesse considerar exigível IS pela totalidade do prédio, se atingido o valor fixado na verba 28.1 da TGIS, sempre tal valor haveria de ser fixado autonomamente, através de uma avaliação própria, e não através da soma dos valores em que cada uma das partes suscetíveis de utilização independente foi, autonomamente avaliada. Efetivamente, e como é bom de ver, o “valor de mercado” do todo, não será necessariamente – e não o será, por regra – igual à soma das partes, sendo consabidamente mais fácil e lucrativa (o que até constituirá parte do fundamento económico do instituto da propriedade horizontal) a venda “às partes” do que a venda global do todo, desde logo pelo alargamento de mercado, que o preço substancialmente mais baixo das partes em relação ao todo aporta. Aliás, será este acréscimo de valor económico decorrente da divisão, que justificará uma avaliação independente de cada parte autónoma do prédio em propriedade total, de modo a assegurar que não haja menos receita fiscal, em sede de IMI e IMT, pelo facto de a divisão do prédio não ter correspondência jurídica na forma de propriedade horizontal. Dito de outro modo, a partição do prédio acarreta sempre um acréscimo de valor do todo, uma vez que o valor “de mercado” do todo será, (pelo menos) por regra, inferior ao valor “de mercado” das partes, separadamente. Pelo que, no limite, caso a AT pretendesse, legitimamente, aplicar a verba 28.1 da TGIS a um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suscetíveis de utilização independente, sempre estaria obrigada a uma avaliação do mesmo como um todo (que fosse uma aproximação credível ao seu valor “de mercado” por “grosso”) e não como mera soma das partes (a “retalho”), desde logo porque, estas não são suscetíveis de ser, de forma válida, colocadas no “mercado” separadamente.

 

Retornando ao caso dos presentes autos os prédios em causa encontram-se em propriedade vertical e contêm andares e divisões com utilização independente, destinados a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na verba 28.1 da TGIS e pela ilegalidade de todas as liquidações impugnadas nos presentes autos.

Termos em que se decide considerar procedente o pedido arbitral e anular todas as liquidações de IS impugnadas.

 

V – Quanto ao pedido de juros indemnizatórios

 

20. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios. Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituído à Requerente os valores pagos, relativamente aos atos tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou por compensação com créditos que tinha a receber da AT, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, reiterou na sua prática, sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados (no caso isso impõe um encontro de contas entre entidade requerente e requerida, por força dos créditos que a Requerente tem a receber e por força da necessária compensação de créditos) calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos art.ºs. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”. No presente caso o pagamento dos juros indemnizatórios impõe-se, ainda, por força do comportamento reiterado por parte da AT, de incumprimento da lei, sobre a mesma questão de direito, já suficientemente escrutinada em inúmeras decisões arbitrais e pela Jurisprudência emanado do Supremo Tribunal Administrativo.

 

Deverá, pois, a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, e restituir à Requerente os valores que se verifiquem pagos por compensação ou por qualquer outro meio, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos art.ºs. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados (ou respetiva compensação de créditos) até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

VI - DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar improcedente a exceção de extemporaneidade do pedido arbitral, invocada pela AT;

b)      Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, anular todos os atos tributários objeto dos presentes autos;

c)      Condenar a AT a restituir à Requerente os valores de imposto do selo pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento (ou compensação) até integral restituição;

d)     Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €918,00.

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €12.493,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

   

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Outubro de 2016

 

 

 

O Tribunal Arbitral,

 

 

___________________________

(Maria do Rosário Anjos)

 

 



[1] Vd. Ac. STA, de 09-09-2015, proferido no processo n.º 047/15, disponível in www.dgsi.pt)

[2] Neste sentido, vd. BAPTISTA MACHADO (1983) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, págs. 181 e ss.

[3] Neste sentido, vd. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis – traduzido por Manuel A. Domingues de Andrade (1978) 3ª edição, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, pág.137 e ss. Ou ainda, no mesmo sentido, vd. Manuel a. Domingues de Andrade, in Ensaio sobre a teoria da interpretação das Leis. Colecção Stvdivm, Temas Filosóficos, Jurídicos e Sociais (1978) 3ª edição, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, pág. 23 e ss.

[4] Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, n.º 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”