Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 112/2012-T
Data da decisão: 2013-04-01  IRC  
Valor do pedido: € 4.316,52
Tema: Derrama; Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades
Versão em PDF

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 112/2012-T

Tema: Derrama e Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Requerente: …, Unipessoal, Lda.

Requerida: Autoridade Fiscal e Aduaneira (“AT”)

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.         A …, Unipessoal, Lda. (de ora em diante identificada apenas por Requerente), Pessoa Colectiva nº …, com sede na Rua …, …, …, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante identificado apenas pelas iniciais RJAT).

2.         No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente declarou não pretender proceder à designação de árbitro, pelo que a constituição do Tribunal Arbitral se processou em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º e no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, mediante decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foi designado árbitro o Dr. António Rocha Mendes, ora signatário.

3.         A reunião, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 11ºdo RJAT, teve lugar no dia 7 de Dezembro de 2012, data a partir do qual se deve considerar o Tribunal Arbitral devida e regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

* * * * * * * * * * *

4.         Em síntese, a Requerente sustenta a sua pretensão no seguinte:

(i)         Que integra um grupo de sociedades (“Grupo”), de que é a sociedade dominante e o qual está sujeito ao Regime Geral de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto e regulado nos artigos 69º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - IRC (artigo 63º à data dos factos tributários invocados pela Requerente);

(ii)        Que em 25 de Maio de 2010, a Requerente entregou a sua Declaração Modelo 22 (a declaração do Grupo), relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2009 (a qual foi junta ao processo mediante requerimento apresentado a 5 de Dezembro de 2012) tendo procedido à autoliquidação da Derrama Municipal considerada devida.

(iii)      Que a Derrama Municipal foi calculada individualmente por cada sociedade integrante do Grupo, tendo sido apurada uma matéria colectável no valor de € 352.705,58 e uma liquidação de Derrama Municipal no montante de € 8.548,99.

(iv)      Que a Derrama Municipal desta forma autoliquidada pela Requerente redundou num excesso de € 4.316,52, correspondente à diferença entre a Derrama Municipal liquidada de acordo com os montantes declarados e autoliquidados (€ 8.548,99) e o lucro tributável do Grupo (que, multiplicado pela taxa de derrama, perfaz a quantia de € 4.232,47).

(v)        Que a 27 de Julho de 2010 a Requerente foi notificada da nota de liquidação n.º 2010 … referente a IRC e Derramam Municipal do exercício de 2009, a qual constitui o objecto imediato dos presentes autos.

(vi)      Que em 26 de Maio de 2011, e por considerar que a referida autoliquidação não estava correcta, a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 131º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), uma reclamação graciosa daquela autoliquidação, reclamação esta que foi indeferida pelo Director de Finanças Adjunto de …, por despacho proferido em 2 de Julho de 2012 (o qual foi anexado ao Requerimento apresentado).

(vii)     Que os montantes relativos à Derrama Municipal foram, erradamente (no entendimento da Requerente), apurados tendo em atenção os lucros tributáveis individuais das sociedades que compõem o Grupo e não lucro tributável do Grupo.

(viii)   Que tal entendimento tem merecido o acolhimento constante da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) sobre esta matéria e encontra eco expresso na alteração legislativa introduzida pelo artigo 57.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012, o qual alterou o n.º 8 do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais (“LFL”) de modo a consagrar de forma expressa o entendimento propugnado pela Requerida nos presentes autos.

(ix)      Que, no entanto, não dispondo tal norma de carácter interpretativo e face à proibição de aplicação retroactiva das normas de incidência tributária, entende a Requerente que o referido preceito apenas produz efeitos após a data da sua entrada em vigor, não sendo aplicável à liquidação de derrama em apreço nos presentes autos. 

(x)        Que, nestes termos, no entender da Requerente, a liquidação objecto do presente processo está inquinada do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, pelo que é a mesma ilegal e deve ser, como tal, anulada na medida dessa mesma ilegalidade.

5.         A Requerente termina a sua petição pedindo: (i) a anulação do acto tributário de liquidação da Derrama Municipal relativa ao exercício de 2009, na parte correspondente ao montante de € 4.361,52, por vício de lei, em particular do disposto no n.º 1 do artigo 14.º da LFL; (ii) a condenação da Requerida à devolução à Requerente do referido montante; (iii) acrescido de juros indemnizatórios a computar entre a data do pagamento da quantia referida e a emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente.

6.         Na sua contestação a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), invocou, primeiramente, determinadas excepções, a saber:

(i)         A AT é, neste processo, parte ilegítima, pois a legitimidade passiva para intervir em processos em que se discuta a legalidade de um acto de liquidação de uma Derrama Municipal cabe aos Municípios, pois são eles a entidade competente para administrar este tributo e os seus sujeitos activos.

(ii)        Daqui – qualidade de sujeito activo e competência de administração – resulta também, um interesse premente dos Municípios em agir o que reforça a sua legitimidade para ser parte no processo.

(iii)      Por isso, deve ser ponderada a verificação de uma intervenção provocada dos Municípios nos processos que tenham por objecto a Derrama Municipal.

(iv)      Essa intervenção provocada justifica-se ainda porque os Municípios, sendo os beneficiários directos da Derrama Municipal (pois, o Estado transfere para eles o produto da cobrança), terão um interesse directo no resultado da acção por ficarem obrigados ao reembolso das quantias recebidas em caso de um eventual decaimento do presente litígio.

(v)        A AT não tem capacidade de representação dos Municípios, porque essa competência é, nos termos do artigo 7º do DL 433/99 (diploma que aprovou o CPPT), atribuída ao representante da Fazenda Pública.

(vi)      Até porque nem o RJAT nem a Portaria 112-A/2011 (Portaria de Vinculação) conferem, no entendimento da Requerida, ao dirigente máximo da AT o papel de representante de outra entidade que não a própria AT (anteriormente DGCI e DGAIEC).

(vii)     Não estando os Municípios vinculados às decisões do Tribunal Arbitral este será incompetente para dirimir o mérito da questão.

(viii)   Em resumo, o representante da AT suscitou, essencialmente, a excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, bem como, em face da natureza da Derrama Municipal, a ilegitimidade da AT para estar presente em juízo e representar os Municípios (essa competência caberia ao representante da Fazenda Nacional).

7.         À cautela, mas sem conceder, a AT, impugnando, sustenta a legalidade da autoliquidação da Requerente, rebatendo os argumentos invocados por esta, nomeadamente questionando a base legal que sustenta que os prejuízos tributáveis de algumas das sociedades do grupo possam influenciar a base tributável das Derramas das demais sociedades dominadas que integram o perímetro do grupo, em particular com os seguintes argumentos:

(i)         Após analisar a base legal, o mecanismo de liquidação e a relevância da Derrama Municipal no ordenamento jurídico-fiscal nacional, especialmente a sua relevância para a autonomia financeira e fiscal dos municípios – desígnios constitucionalmente consagrados – a Requerente pronuncia-se sobre a natureza jurídica da Derrama Municipal.

(ii)        Assim, e considerando a tipologia dos impostos dominante na Doutrina portuguesa, a Requerida conclui que a Derrama Municipal assume a natureza de um imposto geral, ordinário, directo, real, periódico e não estadual (o sujeito activo do imposto é o Município, enquanto pessoa colectiva de direito público).

(iii)      Relativamente à perspectiva imposto principal ou acessório ou independente, considera a Requerida que, à face da nova Lei das Finanças Locais – Lei 2/2007 – a Derrama deixou de assumir natureza acessória, devendo ser sufragado o entendimento do Prof. Saldanha Sanches (vertido na Revista Fiscalidade nº 38), segundo o qual se impõe “a conclusão no sentido da autonomia deste imposto”que apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para apuramento do lucro tributável.

(iv)      Em face desta posição e do disposto na LFL, conclui a Recorrida que:

*            É sujeito activo do imposto o município correspondente à área geográfica no qual é gerado o rendimento, podendo haver tantos sujeitos activos quantos os municípios onde uma sociedade gera rendimentos.

*            Quanto à incidência real, esta recai sobre o lucro tributável das sociedades, sendo que para efeitos de determinação da base de incidência da Derrama Municipal, o legislador se socorreu dos mecanismos previsto no Código do IRC.

*            Havendo um grupo de sociedades tributadas pelo RETGS, cada sociedade que integra esse perímetro deve, para efeitos de Derrama, ser tributada tendo por base o seu próprio lucro tributável.

*            Pelo que a tese assumida na jurisprudência do STA nesta matéria não tem cabimento, sendo que, na opinião da Requerida, aderir a tal posição será denegar a concretização dos desígnios constitucionalmente consagrados e legitimar o reforço das assimetrias entre Municípios, o que é contrário à Constituição.

*            A nova redacção introduzida pela Lei nº 64-B/2011 (Lei do OGE para 2012) ao artigo 14º da Lei 2/2007 (Lei das Finanças Locais) visou reparar a sua desadequação à Lei Fundamental, pois, a partir dessa alteração ficou consagrado, expressamente, que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC.”

*            O propósito desta alteração visou obstar à dimanação de jurisprudência eivada de inconstitucionalidade – violação dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 81º, 104º e 238º da CRP.

(v)        Em face do exposto na sua contestação, termina a Recorrida dizendo que a Derrama Municipal liquidada pela Requerente não padece de qualquer irregularidade, sendo manifestamente conforme à lei, razão pela qual não deve ser deferida a sua pretensão de restituição da Derrama autoliquidada.

8.         Na primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, de dia 5 de Fevereiro de 2013, a Requerente prescindiu do direito ao contraditório em relação às excepções invocadas pela Requerida.

9.         Ambas as partes prescindiram de realizar alegações.

 

 

II – FACTOS PROVADOS

1.         A Requerente encabeça um grupo de sociedades, de que é a sociedade dominante e o qual está sujeito ao RETGS, previsto e regulado nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC (artigo 63º à data dos factos tributários invocados pela Requerente).

2.         Em 25 de Maio de 2010, a Requerente entregou a sua Declaração Modelo 22 (a declaração do Grupo), relativa ao IRC referente ao exercício de 2009 e liquidou a Derrama Municipal no valor de € 8.548,99.

3.         Em 26 de Maio de 2011, e por considerar que a referida liquidação não estava correcta, a Requerente apresentou, ao abrigo do previsto no artigo 131º do CPPT, uma reclamação graciosa daquela autoliquidação.

4.         Esta reclamação foi indeferida pelo Director de Finanças Adjunto de …, por despacho proferido em 2 de Julho de 2012.

Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos anexados pelas partes, não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.

 

 

III – DECISÃO

 

1.    DAS EXCEPÇÕES INVOCADAS

1.1.       Da competência do Tribunal Arbitral

1.1.1.             Cumpre apreciar, em primeiro lugar, a excepção deduzida pela Requerente quanto à competência do Tribunal Arbitral, porquanto, a considerar-se que o tribunal é incompetente para julgar a questão suscitada, não poderá o tribunal, em virtude dessa incompetência, analisar todas as restantes questões apresentadas, quer pela Requerente, quer pela Requerida.

1.1.2.             A Requerida fundamenta a sua pretensão no facto de, no que se refere à Derrama Municipal, a AT apenas ter funções de arrecadação do imposto, o qual deve, posteriormente, entregar ao município.

1.1.3.             Pelo que, conclui, a Requerida, a legitimidade passiva para intervir no processo em litígio pertencerá, não à AT, mas aos Municípios, enquanto sujeitos activos deste imposto e titulares de um interesse directo na sua resolução.

1.1.4.             Se assim se entender, a incompetência do Tribunal Arbitral decorrerá do facto de os municípios não se encontrarem submetidos à jurisdição arbitral, por falta de vinculação.

1.1.5.             Ou seja, o Tribunal Arbitral será incompetente para a apreciação da questão colocada, porque os municípios não se encontram, nos termos legais, vinculados às decisões a proferir por Tribunais Arbitrais.

1.1.6.             Na análise desta questão, tal como na decisão tomada no âmbito do Processo 53/2012-T, seguimos de perto, a decisão tomada no âmbito do Processo 5/2012-T proferida em 26.01.2012.

1.1.7.             De acordo com a última destas decisões, que, com a devida vénia se transcreve, “…., em geral a competência do tribunal deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente da sua procedência ou não. A competência apura-se, portanto, de acordo com o quiddisputatum ou o quiddecidendum tal como o mesmo é configurado pelo auto (vd., assim, entre muitos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCE.P1.S1 e de 10.12.09, proc. 09S0470, divulgados em www.dgsi.pt).”

1.1.8.             Pelo que, também neste caso, conforme a decisão no Processo 53/2012-T, que igualmente se transcreve, com a devida vénia, “…o pedido formulado pela Requerente é a declaração parcial da ilegalidade do acto de autoliquidação da Derrama Municipal, estando, pois, relacionado com a forma de liquidação deste imposto no âmbito da existência de um grupo tributários sujeito ao RETGS. Ora, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, e em atenção ao disposto no artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, a competência dos tribunais arbitrais inclui a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação de impostos. Da referida Portaria, resulta ainda claro, que a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, quando se trate de impostos que sejam administrados pela Requerida, ou seja, pela própria AT.”

1.1.9.             Assim, é evidente que a Derrama Municipal, apesar de a receita reverter para os Municípios, é administrada pela AT.

1.1.10.          Esta conclusão resulta evidente do disposto nos n.ºs 8 a 10 do artigo 14.º da LFL, na sua redacção em 2009, bem como dos n.ºs 9 a 11 da Lei do OGE para 2012.

1.1.11.          Na verdade, é à AT que compete conduzir o procedimento de liquidação e cobrança da Derrama Municipal, confirmando os valores declarados e liquidados pelos sujeitos passivos, que cabe emitir liquidações adicionais e/ou oficiosas, e também fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias em sede deste imposto.

1.1.12.          É também à AT, aliás conforme os presentes autos demonstram, que compete apreciar e decidir sobre reclamações graciosas interpostas pelos sujeitos passivos.

1.1.13.          Desta forma, não restam quaisquer dúvidas quanto à competência exclusiva da AT para a prática dos actos de administração da Derrama Municipal, apesar dos municípios serem os credores tributários da receita arrecadada e os sujeitos activos da relação tributária.

1.1.14.          Assim, sendo o Tribunal Arbitral competente para julgar questões relativas a impostos que sejam administrados pela AT, aqui Requerida, julga-se improcedente a invocada excepção de incompetência do Tribunal Arbitral.

1.2.       Da Ilegitimidade Processual da Administração Tributária e do Incidente da Intervenção Provocada.

1.2.1.             A legitimidade activa no procedimento tributário é atribuída à “administração tributária”, como decorre do n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, pelo que no caso da Derrama Municipal é a AT que tem competência para intervir nos procedimentos respectivos, inclusivamente para apreciar reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como aliás é inegável atendendo ao papel desempenhado, e bem, pela AT nos presentes autos.

1.2.2.             Assim, a determinação de quem é o credor tributário é irrelevante para o apuramento da legitimidade processual. O aspecto relevante para este apuramento é determinar a quem a lei atribui competência para a liquidação e cobrança do tributo.

1.2.3.             O mesmo se aplica necessariamente ao processo judicial tributário, pois o n.º 4 do artigo 9.º do CPPT atribui competência para os processos judiciais “às entidades referidas nos números anteriores”, incluindo necessariamente a “administração tributária” mencionada no n.º 1 do referido artigo.

1.2.4.             Não se encontra, nas normas que regulam o processo de impugnação judicial (em relação ao qual o processo arbitral é alternativa – cfr. preâmbulo do RJAT e n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), que permita intervenção do credor tributário, como tal (quando não for simultaneamente “administração tributária” por ser quem liquida e cobra o imposto).

1.2.5.             Sendo o mencionado n.º 4 do artigo 9.º do CPPT norma especial sobre a legitimidade no processo judicial tributário, fica afastada a regra do artigo 26.º do Código do Processo Civil invocada pela Requerida.

1.2.6.             Também as demais normas invocadas pela Requerida para fundamentar a ilegitimidade passiva da AT – artigo 7º do Decreto-Lei nº 433/99 (diploma que aprovou o CPPT) e artigo 54º nº 2 do ETAF - não têm aplicação no caso em apreço.

1.2.7.             Quanto ao segundo dos citados preceitos (que determina que quando “estejam em causa as receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais, a Fazenda Pública é representada por licenciado em direito ou por advogado designado para o efeito pela respectiva autarquia”) o mesmo é afastado porque, conforme anteriormente demonstrado, não compete aos municípios o lançamento e liquidação da Derrama Municipal.

1.2.8.             Pelo mesmo motivo não será de aplicável o disposto no artigo 7º do Decreto-Lei 433/99, já que, conforme resulta evidente do seu conteúdo e epígrafe, este se aplica exclusivamente a “tributos administrados por autarquias locais”, o que, como já se demonstrou, não é o caso da Derrama Municipal.

1.2.9.             Assim, tal como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 22/2011-T do CAAD, e que, com a devida vénia se reproduz, “assegurando a AT, nos termos legalmente previstos, a administração da Derrama Municipal relativamente a cujos actos intermédios ou finais (administrativos) detém a competência decisória, parece ser de concluir assistir a essa entidade os poderes para a representação da entidade credora em juízo arbitral no que tange à legalidade de actos de liquidação ou de autoliquidação da receita tributária a que se reportam os autos.”

1.2.10.          Ora, actuando a AT, em sede de Derrama Municipal, ao abrigo de um mandato de natureza pública, cabendo a esta os poderes de representação em juízo e estando em causa apenas a legalidade do acto praticado pela AT (e definir o eventual direito a juros indemnizatórios), não é necessária a intervenção dos municípios no presente processo arbitral “para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal”, como é requisito do litisconsórcio necessário, quando não está especialmente previsto na lei, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do CPC. 

1.2.11.          Ora, não havendo tal disposição, conclui-se pela legitimidade passiva, em exclusivo, da AT para estar em juízo no presente processo.

1.2.12.          E, em base da conclusão quando a essa competência exclusiva da AT, considera-se prejudicada a apreciação prévia da intervenção principal provocada dos Municípios.

 

2.    DA ILEGALIDADE PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO DA DERRAMA MUNICIPAL E DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

2.1.       Da questão da base de incidência da Derrama Municipal no contexto de um grupo de sociedades sujeitas ao RETGS

2.1.1.             A questão principal neste processo é a de determinar se a tributação da Derrama Municipal, no caso particular de sociedades sujeitas ao RETGS, previsto nos artigos 63.º e seguintes do CIRC, na redacção vigente em 2009, se faz com base no lucro tributável individual de cada uma das sociedades ou com base no lucro tributável global do grupo.

2.1.2.             Dispunha o artigo 63º do CIRC, na redacção vigente em 2009, que “Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.”

2.1.3.             O artigo 64º do CIRC dispunha no seu nº 1, por seu lado, que “… o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.”

2.1.4.             Igualmente relevante para a apreciação desta questão é o disposto no artigo 14º da Lei 2/2007 (Lei as Finanças Locais), que, à data dos factos, estabelecia que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma Derrama, até ao limite de 1.5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza …”.

2.1.5.             Com base nestas disposições, em particular a menção na última destas à possibilidade da Derrama Municipal poder ser lançada “sobre o lucro tributável sujeito e não isento” de IRC, justificava-se a interpretação de que a Derrama Municipal tinha como base de incidência o lucro tributável global do grupo e não aquele correspondente a cada sociedade individualmente considerada.

2.1.6.             Esta conclusão resulta do facto dos lucros individuais de cada uma das sociedades não estarem sujeitos a IRC, servindo apenas de base para determinação do lucro consolidado do grupo, esse sim sujeito a IRC.

2.1.7.             Ainda assim, a AT adoptou o entendimento oposto, o qual foi explanado no Ofício Circulado nº 20.132 que estabelece que “No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais. Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento da colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável. Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual. Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a Derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso.”

2.1.8.             No entanto, foi no sentido de a Derrama Municipal incidir sobre o lucro tributável global do grupo de sociedades que se pronunciou uniformemente o STA, em particular nos acórdãos proferidos nos processos n.º 909/10 e n.º 309/11.

2.1.9.             Posteriormente, a Lei do OGE para 2012, veio consagrar para a Derrama Municipal uma norma autónoma de apuramento do lucro tributável estatuindo que, sendo aplicável, o RETGS “…a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC.”

2.1.10.          A Requerente e a Requerida têm um entendimento diametralmente oposto quanto à natureza desta alteração, argumentando a Requerida que esta norma é meramente interpretativa, ao passo que a Requerente entende que contém uma alteração às regras de cálculo da Derrama Municipal.

2.1.11.          De facto, entende a Requerente, com base no então artigo 64º do CIRC, que o Grupo de sociedades era tributado numa base agregada, como se de um único sujeito passivo se tratasse. E, sustentada neste princípio, considera que, apenas após a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais é que a Derrama passou a ser calculada com base no lucro tributável do Grupo e não nos lucros tributáveis de cada uma das sociedades que integram esse Grupo.

2.1.12.          A posição da Requerente tem suporte – unânime - na jurisprudência do STA e deste Tribunal Arbitral, facto que foi enunciado no seu requerimento.

2.1.13.          Na verdade, o STA tem vindo a manter o entendimento que, nos casos a que se aplica a redacção inicial do artigo 14.º da LFL, a Derrama Municipal incide sobre o lucro tributável global do grupo, afirmando que a nova redacção do referido preceito “não tem natureza interpretativa”, tendo antes um carácter totalmente inovador (cfr. acórdãos proferidos nos processos n.º 234/12 e 265/12).

2.1.14.          No mesmo sentido têm vindo a ser proferidas diversas decisões arbitrais, nomeadamente (entre outros) nos processos n.º 22/2011-T, n.º 5/2012-T e n.º 82/2012-T.

2.1.15.          Assim sendo, a alteração ao artigo 14.º da LFL é aplicável apenas para o futuro, não sendo aplicável aos actos tributários praticados antes da sua entrada em vigor.

2.1.16.          Dessa forma se respeitando, aliás, o princípio, constitucionalmente consagrado da não retroactividade da lei fiscal (consagrado no artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa).

2.1.17.          Assim, acompanhando a jurisprudência do STA e deste Tribunal Arbitral, somos do entendimento que, não tendo, à data dos factos, o regime legal da Derrama Municipal normativo que dispusesse especificamente sobre a determinação da sua matéria colectável, deve esta, quando se trata de um Grupo de sociedades, ser determinada pela aplicação das regras do IRC no que tange à tributação dos grupos de sociedades.

2.1.18.          Pelo que, é convicção deste Tribunal que, em 2009, i.e. à data a que se reportam os actos tributários, o cálculo da Derrama devida por um grupo de sociedades sujeita ao RETGS, deverá incidir sobre o lucro tributável global desse grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram, assim se acolhendo a tese invocada pela Requerente.

2.1.19.          Com base no acima exposto, em particular com base na ilegalidade parcial acima reconhecida, conclui-se que a Requerente autoliquidou e pagou Derrama Municipal em excesso no ano de 2009, no montante de € 4.316,52.

2.1.20.          Conclui-se, assim, que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa enferma de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de direito, ao não reconhecer a ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação da Derrama Municipal relativa ao ano de 2009, no que concerne à utilização que nelas foi feita dos lucros tributáveis das empresas que constituem o grupo, como base de cálculo da Derrama Municipal.

2.2.       Juros indemnizatórios

2.2.1.             A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, relativamente à quantia de € 4.316,52, que deve ser-lhe reembolsada.

2.2.2.             Os n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária estabelecem que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e que “considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.

2.2.3.             No caso em apreço, foi a Requerente quem efectuou a autoliquidação, mas aplicou o entendimento indicado em orientação genérica da AT, pelo que se está perante uma situação enquadrável n.º 2 do artigo 43.º da LGT, em que se considera haver erro imputável aos serviços.

2.2.4.             Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, entre a data em que efectuou o pagamento da quantia referida e a data em que for efectuado o eventual reembolso, nos termos do n.º 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, n.ºs 2, 3, 4, e 5 do artigo 61.º do CPPT e artigo 559.º do Código Civil.

 

3.     CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, decide-se pela improcedência das excepções dilatórias suscitadas pela Requerida relativas à incompetência do tribunal arbitral e da ilegitimidade processual passiva da autoridade tributária, bem como pela improcedência do pedido de desencadeamento do incidente de intervenção provocada, julgando-se procedente o pedido de anulação parcial do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e de correcção da autoliquidação efectuada pela Requerente, condenando-se a autoridade tributária e aduaneira a restituir à Requerente o valor de € 4.316,52 (quatro mil trezentos e dezasseis euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios calculados com base nessa quantia, à taxa legal, desde a data do pagamento da quantia referida e a emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente. 

 

 

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC e n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 4.316,52. 

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixo o montante das custas em € 612 (seiscentos e doze euros), calculadas em conformidade com a Tabela I do RCPAT em função do valor do pedido, a cabo da Requerida.

 

 

Notifique-se

 

Lisboa, 1 de Abril de 2013

 

O ÁRBITRO

 

António Rocha Mendes