Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 112/2018-T
Data da decisão: 2018-10-12  IRC  
Valor do pedido: € 211.213,27
Tema: Pagamento por conta (PEC) – Recurso prévio à via administrativa – Fusão-incorporação de sociedades comerciais e cessação de atividade – Dedução de PEC’s.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, Juiz José Poças Falcão (na qualidade de árbitro-presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (na qualidade de árbitro vogal) e Dr. Alexandre Andrade (na qualidade de árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 3 de Maio de 2018, decidem no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A. (adiante designada apenas por Requerente), com o NIPC ..., com sede em..., ...-... ..., com capital social de € 717.500.000,00 e registada na Conservatória do Registo Comercial de ..., apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).

A Requerente pretende que seja apreciada a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2017..., praticado pela Unidade dos Grandes Contribuintes – Divisão de Gestão e Assistência Tributária, assinado pela Chefe de Divisão B..., com origem no Serviço de Finanças de ...–  ... e da Liquidação de IRC n.º 2016..., referente ao exercício de 2015, com o valor a pagar de € 211.213,27, praticada pela Diretora Geral da AT, Dr.ª Helena Alves Borges.

A Requerente pretende, também, juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Resulta das próprias palavras da Requerente, nas Alegações o seguinte: Nos presentes Autos discute-se a aplicação do regime-regra de dedução do Pagamento Especial por Conta (adiante PEC) a uma situação de fusão com neutralidade, na qual se pugna pela dedução do valor de PEC suportado pela sociedade incorporada na esfera da incorporante.

Como refere a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral: Subjacente a essa Liquidação Adicional [...] encontra-se um valor de PEC – no montante global de 210 000,00 € – pago por uma sociedade (C..., NIPC...) que se fundiu, sem ter previamente à fusão tido a oportunidade de deduzir esse PEC, com uma outra sociedade (D..., NIPC...) do Grupo da Requerente, tendo esta última acabado por deduzir aquele valor, tudo nos termos da Lei Fiscal.

Defende a Requerente que o presente pedido de Constituição de Tribunal Arbitral e de Pronúncia Arbitral constitui o meio idóneo para reagir, quer contra o ato de decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2017..., quer contra a Liquidação de IRC n.º 2016... referente ao exercício de 2015, porquanto, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, a Autoridade Tributária (adiante ‘AT’) vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, vinculação essa que apenas exceciona «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa». Efetivamente o ato de liquidação cuja legalidade ora se discute foi precedido de «impugnação administrativa» por via do mecanismo de Revisão Oficiosa, cujo indeferimento igualmente se discute, sendo tal revisão, pela sua natureza administrativa, equiparada ao disposto nos artigos 131.º a 133.º do CPPT para efeito da subsequente impugnação da decisão de indeferimento, tal como já foi decidido nas Decisões 384/2017-T; 602/2016-T; 39/2017-T; 704/2015-T; 726/2015-T; 630/2017-T; 381/2017-T; 117/2013-T.

Como refere a Requerida na sua Resposta, no requerimento de pronúncia arbitral (Petição inicial ou PI) a Requerente peticiona a anulação do que designa por liquidação adicional de IRC relativo ao período de tributação de 2015 decorrente da desconsideração da dedução à coleta do grupo de sociedades a título de pagamento especial por conta (PEC) e requer o reembolso no montante dos valores indevidamente pagos. 

A Requerida defende-se, por exceção, invocando a incompetência material do Tribunal Arbitral, uma vez que, defende que a pretensão se mostra formulada sem que esse ato de autoliquidação tenha sido procedido de impugnação administrativa “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que determina, inelutavelmente, fique afastada a sua apreciação em sede arbitral.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 15 de Março de 2018 e posteriormente notificado à Requerida.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 7 de Maio de 2018, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28 de Maio de 2018.

Em 6 de Junho de 2018, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho Arbitral para notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional.

Em 6 de Junho de 2018 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional.

A Requerida apresentou Resposta em 4 de Julho de 2018, defendendo a procedência da exceção invocada ou, caso assim não entendesse o Tribunal Arbitral, a improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral e, como consequência, a absolvição da Requerida do pedido.

A Requerida apresentou o Processo Administrativo em 9 de Julho de 2018.

Por Despacho Arbitral, datado de 10 de Julho de 2018, decidiu o Tribunal Arbitral:

[...] Salvo oposição expressa e fundamentada de qualquer das partes no prazo de 5 dias, fica dispensada a reunião, considerando que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e que não há aparente necessidade de correção de peças processuais. Relativamente à exceção suscitada pela AT, será apreciada a final, depois de ouvida a parte contrária nos termos definidos infra.

[...] Ambas as partes apresentarão, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [...] alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. Esse prazo inicia-se após o decurso, silente, dos 5 dias a que se alude supra, em I. Nas alegações ou no prazo da sua apresentação, exercerá a Requerente o contraditório relativamente à matéria da exceção suscitada na Resposta.

O Tribunal Arbitral Coletivo fixou como prazo para a prolação da Decisão Arbitral o dia 15 de Outubro de 2018.

As Partes apresentaram alegações. A Requerente apresentou, ainda, no seguimento das alegações da Requerida, resposta à questão prévia referida pela Requerida nas alegações.

O Tribunal Arbitral Coletivo é competente e foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2. Matéria de Facto

2.1          Factos Provados

Analisada a prova documental produzida no âmbito do presente Processo, o Tribunal Arbitral considera provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os seguintes factos:

A.           A Requerente foi notificada da Liquidação Adicional de IRC n.º 2016..., referente ao exercício de 2015, com o valor total a pagar de € 211.213,27.

B.            Como meio de reação à Liquidação Adicional, a Requerente procedeu ao pedido de Revisão Oficiosa da mesma.

C.            A Requerente foi notificada da Informação n.º ...-AIR1/2017, com o projeto de decisão respeitante ao pedido de Revisão Oficiosa, no qual é referido pela Requerida o seguinte: 56. Não restam dúvidas de que para efeitos de IRC, a sociedade incorporada for fusão, a sociedade “C...” [...] cessou a atividade na data do registo da fusão, ou seja, em 30 de Junho de 2016, pelo que, deveria ter sido a sociedade incorporante, a sociedade “D...”, que assumiu todos os direitos e obrigações da sociedade incorporada, a solicitar o respetivo reembolso ao chefe do Serviço de Finanças no prazo de 90 dias após a cessação da atividade daquela. 57. Ou seja, face ao regime legal fiscal vigente à data dos factos ora em apreço, atenta a não dedução dos PEC’s, deveria ter sido sim requerido o respetivo reembolso. 58. Face ao exposto, não pode proceder a pretensão da Requerente, mantendo-se a correção ao montante dos PEC’s efetuada na liquidação ora em crise pelo montante de € 210.000,00.

D.           A Requente exerceu o direito de audição, no qual pugnou pela revisão (por anulação) da Liquidação Adicional.

E.            O pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido, tendo concluído a Informação n.º ...-AIR1/ 2017 concluído: Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente, o nosso parecer anterior “Projeto de Decisão” e as peças processuais carreadas pela Requerente, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do “quadro-sintese” mencionado no introito desta nossa informação, com todas as consequenciais legais [...].

F.            A Requerente é uma sociedade comercial que exerce a sua atividade nos termos do n.º 4, do artigo 3.º do Código do IRC, sendo tributada de acordo com o “Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades” (RETGS).

G.           A sociedade C... (...) suportou, nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, os seguintes PECs, no montante global de € 210.000,00:

N.º da guia         Período Data de Pagamento       Valor     Validade

...            2011      31/03/2011         € 35.000,00         2015

...            2011      31/10/2011         € 35.000,00         2015

...            2012      02/04/2012         € 35.000,00         2016

...            2012      30/10/2012         € 35.000,00         2016

...            2013      27/03/2013         € 35.000,00         2017

...            2013      27/03/2013         € 35.000,00         2017

Total                                     € 210.000,00     

H.           A sociedade C... (...) não teve oportunidade de deduzir o pagamento dos PECs, pelo que os mesmos, em 2015, se encontravam ativos (ie., não caducados).

I.             A sociedade C... (...) operou uma fusão, sob o regime da neutralidade fiscal, com a sociedade D... (NIPC...), com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2016.

J.             Na sequência da operação de fusão, a sociedade D... (NIPC...) apresentou a sua Modelo 22 para o período de tributação compreendido entre 01.07.2015 e 30.06.2016.

K.            Na Modelo 22 a D... (NIPC...) procedeu à dedução dos PECs previamente não deduzidos pela C... (...), no valor de € 210.000,00.

L.            A sociedade D... (NIPC ...), sociedade incorporante, encontrava-se, à data da fusão, abrangida pelo RETGS, razão pela qual a Requerente, na qualidade de dominante, integrou o valor de € 210.000,00 (a título de PEC pago por uma dominada do seu Grupo).

M.          A Requerente, na qualidade de dominante no RETGS, integrou os € 210.000,00 na linha “Pagamento especial por conta” (campo 356) da sua Modelo 22.

N.           A Requerente efetuou o pagamento voluntário da Liquidação Adicional em causa, no valor global de € 211.213,27.

O.           A atividade da C... (NIPC…), sociedade incorporada na fusão, na unidade fabril de ... foi prosseguida após fusão, i.e., a fábrica não cessou de laborar em virtude da fusão.

P.            Os PECs pagos por referência a 2011, 2012 e 2013 beneficiam do regime em vigor à data que determinava um período de 4 anos para efetuar a dedução, pelo que o PEC respeitante ao exercício de 2011 era ainda passível de ser deduzido até 2015.

Q.           A Liquidação Adicional em causa decorreu da desconsideração da dedução dos PECs (2011, 2012 e 2013) não deduzidos pela C... (NIPC...), deduzidos pela D... (NIPC...), que incorporou aquela por fusão e integrados, pela Requerente, na qualidade de dominante no RETGS.

R.            A Requerida emitiu uma Liquidação Adicional de IRC e de juros de mora sem fundamentação.

2.2 Factos Não Provados

                Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

2.3 Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentadas pelas Partes e nos documentos juntos ao presente Processo.

3. Apreciação da questão da incompetência (material)

Invoca a Requerida a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral decorrente da circunstância do Pedido de Pronúncia Arbitral ter sido formulado na sequência do indeferimento de Pedido de Revisão Oficiosa.

Nas próprias palavras da Requerida, O pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) relativo ao ano de 2015 [...]. Ora, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verifica-se a exceção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra , circunstância que impõe se determine a absolvição da Entidade Demandada da Instância [...]. Efetivamente, a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril [...], contemplou, [...] uma autorização legislativa relativa à arbitragem em matéria tributária prevendo-se que a mesma deverá constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagradas no CPPT. No uso de tal autorização legislativa, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que instituiu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária [...]. Nos termos do artigo 2.º do aludido diploma, sob a epígrafe “Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável”, determina-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende, designadamente (cf. alínea a) a apreciação e a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Todavia, por força do disposto pelo n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, «A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos». A aludida Portaria (n.º 112-A/2011, de 22 de Março) define, no seu artigo 2.º, alínea a), que a AT se encontra vinculada às pretensões arbitrais que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Defende a Requerida que o Pedido de Pronúncia Arbitral sub judice dirige-se, ainda que de forma mediata, à declaração de ilegalidade de um ato de autoliquidação de imposto, no caso IRC  e que a pretensão se mostra formulada sem que esse ato de autoliquidação tenha sido precedido de impugnação administrativa “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”  , o que determina, inelutavelmente, fique afastada a sua apreciação em sede arbitral.

                Concluindo a Requerida, ou dito de outro modo, a sindicância de atos de autoliquidação de imposto apenas é admitida em sede arbitral se, em momento prévio, os mesmos tiverem sido impugnados administrativamente, nos termos do artigo 131º do CPPT . [...] Em suma, deve pois entender-se que face aos citados princípios constitucionais e legais, a interpretação do disposto na Portaria n.º 112-A/2011 deve configurar-se literalmente, pois não é despiciendo que o legislador na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao ter completado a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa» com a menção «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», tenha delimitado intencionalmente a vinculação da AT a tais situações, face às razões expostas. Pelo que esta última parte do preceito não pode, sob pena de manifesta ilegalidade/inconstitucionalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se a referência específica a um concreto procedimento administrativo não existisse, fazendo o intérprete tábua rasa da distinção provida pelo legislador.

                Defende a Requerente, quanto à exceção invocada pela AT na Resposta, não entender os pedidos de revisão oficiosa como sendo equivalentes a recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, impondo-se, desde já e pela sua pertinência, chamar à colação e proceder à junção do recente Acórdão n.º 244/2018 do Tribunal Constitucional [...] a estas Alegações [...]. Efetivamente, vem o referido Acórdão do Tribunal Constitucional, de forma particularmente clara e taxativa note-se, decidir «não julga[r] inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu ‘recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (cit.). Importa ainda realçar que tal decisão foi motivada, precisamente, pela posição militantemente comprometida da AT para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo, pois, notório que a referida decisão do Tribunal Constitucional segue no sentido de considerar as reações aos pedidos de revisão oficiosa como encontrando-se abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Foi, efetivamente, decidido neste o Acórdão do Tribunal Constitucional, datado de 11 de Maio de 2018, não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) . Ou seja, o Tribunal Constitucional admite que os pedidos de revisão oficiosa são equivalentes às situações de recurso à via administrativa, pelo que sufraga a competência dos Tribunais Arbitrais nestas situações, entendimento também sufragado por este tribunal arbitral.

                Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, invocada pela Requerida, na sua Resposta.

4. Matéria de Direito

A Requerente não concorda com a posição e com o critério que a Requerida adotou no caso aqui em análise e que originou a Liquidação Adicional de IRC e de juros de mora, relativa aos PECs dos exercícios de 2011, 2012 e 2013.

Defende a Requerida, no requerimento de pronúncia arbitral (Petição inicial ou PI) a Requerente peticiona a anulação do que designa por liquidação adicional de IRC relativo ao período de tributação de 2015 decorrente da desconsideração da dedução à coleta do grupo de sociedades a título de pagamento especial por conta (PEC) e requer o reembolso no montante dos valores indevidamente pagos. Subjacente à dita liquidação adicional encontra-se o montante acumulado dos PEC pagos durante três anos (2011, 2012 e 2013), no total de €210 000,00 [...], pago por uma sociedade (C...) que foi incorporada no âmbito de uma operação de fusão, realizada  em Junho de 2016, com efeitos retroativos a 1 de janeiro do mesmo ano, pela sociedade D... . Na sequência da operação de fusão, que beneficiou da aplicação do regime especial de neutralidade fiscal, a sociedade incorporante – E...- apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 referente ao período de tributação compreendido entre 01.07.2015 a 30.06.2016, tendo assumido a dedução dos pagamentos especiais não utilizados pela sociedade incorporada, os quais foram inscritos, pela Requerente, no Quadro 10 da declaração modelo 22, referente ao grupo de sociedades abrangido pelo RETGS.

Refere a Requerida, A Requerente alega que a correção do pagamento especial por conta está ferida de ilegalidades socorrendo-se dos seguintes fundamentos:

i.             falta de fundamentação da correção ao PEC deduzido na declaração de rendimentos do grupo o que só conheceu com a notificação do projeto de decisão do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, assim violando o art.º 268.º da CRP e o art.º 77.º da LGT;

ii.            a regra geral do PEC é a dedução, conforme alínea d) do n.º 2 do art.º 90.º e n.º 1 do art.º 93.º, do Código do IRC, apenas, operando o reembolso quando a dedução deixa de ser possível, nomeadamente em caso de extinção «tout court»;

iii.           em caso de fusão por incorporação ao qual seja aplicável o regime fiscal especial da neutralidade, previsto no art.º 74.º, dada a inexistência de norma expressa que o contrarie resta à sociedade incorporante proceder à dedução do PEC e, apenas quando a dedução não seja possível, requerer o reembolso dos valores suportados;

iv.           se outra interpretação for dada aos artigos 74.º e 93.º do Código do IRC então estes normativos são suscetíveis de incorrer em violação da Diretiva 2009/133/CE, de 19 de Outubro, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro;

v.            da manifesta aplicabilidade da Diretiva e da inequívoca aplicabilidade direta das suas disposições por força do disposto no n.º 4 do art.º 8.º da CRP, resulta evidente a desconformidade do regime legal interno com o Direito Comunitário, tal como interpretado pela AT, devendo as referidas normas internas ser interpretadas à luz do direito comunitário, e anulado o ato tributário cuja revisão se solicita;

vi.           Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da união Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, restará submeter a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial ao abrigo do art.º 267.º do TFUE, sendo esse reenvio obrigatório quando o órgão jurisdicional decide em última instância.

Concluindo a Requerida, Pretende, por isso, a Requerente, naquilo que constitui a questão de fundo a decidir nos autos, se a sociedade fundida ou incorporada estava obrigada a solicitar, nos termos do n.º 2 do art.º 93.º do Código do IRC, o reembolso  dos pagamentos especiais por conta efetuados nos anos de 2011, 2012 e 2013, ainda não deduzidos, na sequência da cessação de atividade ocorrida na data de produção de efeitos da fusão, ou se, como entende a Requerente, o direito à dedução dos PEC foi transmitido para a sociedade incorporante por força da aplicação do regime especial da neutralidade que assume o pressuposto de continuidade da atividade prosseguida pela sociedade incorporada .

Entende este Tribunal Arbitral que está em apreciação saber se a Requerente tinha o direito de incorporar, como o fez, os PECs não deduzidos pela C... (NIPC...) e deduzidos pela E... (NIPC...), na qualidade de sociedade incorporante, ou se a sociedade incorporada C... (NIPC...) - estava, por efeitos da fusão, obrigada a solicitar o reembolso dos PECs (cessação da atividade).

Discute-se, aqui, se a fusão, no caso, a fusão-incorporação operada entre a C... (NIPC...) e a D... (NIPC...), configura, para efeitos do CIRC (nomeadamente, para efeitos do artigo 93.º do CRIC), uma cessação de atividade da C... (NIPC...), ou seja, a questão objeto do dissídio prende-se em saber se a fusão de sociedades (neste caso por incorporação) equivale ou se subsume no conceito de cessação de atividade, previsto no n.º 2 do artigo 93.º do CIRC.

Estão, em análise, os PECs relativos aos exercícios de 2011, 2012 e 2013.

Comecemos, por isso, por analisar o regime do Pagamento Especial por Conta (PEC) aplicável ao caso aqui em análise.

Nos termos do n.º 1 do artigo 93.º  do Código do IRC (adiante designado apenas por CIRC), A dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º.

Nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º  do CIRC, ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º.

Ora, entende este Tribunal Arbitral que a regra constante do n.º 1 do artigo 93.º do CIRC é a regra da dedução, ou seja, o primeiro caminho é a dedução. Num primeiro momento, a dedução deve ser efetuada no próprio período de tributação a que respeita. Num segundo momento, se for insuficiente, a dedução pode ser feita até ao 4.º período de tributação.  

Nos termos do n.º 2 do artigo 93.º  do CIRC, Em caso de cessação de atividade  no próprio período de tributação ou até ao terceiro período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter deduzido nos termos do número anterior, quando existir , é reembolsada  mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado nos 90 dias seguintes ao da cessação da atividade.

Ou seja, em casos de cessação de atividade, é entendimento deste Tribunal que a Lei Fiscal – n.º 2 do artigo 93.º do CIRC – estabelece o regime do reembolso (na parte que não foi deduzida nos termos do n.º 1 do artigo 93.º do CIRC).

Nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 8.º  do CIRC, Para efeitos deste Código, a cessação da atividade ocorre : a) Relativamente às entidades com sede ou direção efetiva em território português, na data do encerramento da liquidação, ou na data da fusão  ou cisão, quanto às sociedades extintas em consequência destas, ou na data em que a sede e a direção efetiva deixem de se situar em território português, ou na data em que se verificar a aceitação da herança jacente ou em que tiver lugar a declaração de que esta se encontra vaga a favor do Estado, ou ainda na data em que deixarem de verificar-se as condições de sujeição a imposto.

O n.º 3 do artigo 93.º  do CIRC estabelece também, uma regra de reembolso, em determinados casos. Veja-se: Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito desde que preenchidos os seguintes requisitos:

a)            Não se afastem, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10%, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de atividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças;

b)           A situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação.

Entende este Tribunal que o n.º 1 do artigo 93.º do CIRC estabelece a regra-geral da dedução e os números 2 e 3, estabelecem a regra do reembolso.

Como é referido pela Requerente no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, ou seja, e por ordem de preferência, a Lei Fiscal impõe:

(i)           Primeiro, a dedução do PEC na liquidação do próprio exercício de tributação a que respeita [cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º e n.º 1 do artigo 93.º, ambos do Código do IRC];

(ii)          Depois, a dedução do PEC na liquidação do(s) exercício(s) subsequente(s) até ao máximo do 6.º exercício seguinte (cfr. n.º 1 in fine do artigo 93.º do Código do IRC); e,

(iii)         Por fim, o reembolso dos valores suportados não possíveis de ser deduzidos (cfr. n.os 2 e 3 do artigo 93.º do Código do IRC).

Partilha este Tribunal Arbitral desta interpretação.

Defende a Requerida o seguinte: Devendo entender-se que a cessação de atividade ocorre com a extinção da pessoa jurídica tal como previsto na alínea a) do n.º 5 do art.º 8.º do Código do IRC, pelo que a C... extinguiu-se como sujeito passivo de IRC na data de produção de efeitos da fusão.

Como acima já referido, discute-se, aqui, se a fusão-incorporação operada e objeto da presente análise configura, para efeitos do CIRC (n.º 2 do artigo 93.º do CIRC), uma cessação de atividade da C... (NIPC...).

Cumpre começar por dizer que, no caso concreto, como é referido pela Requerente nas suas Alegações e está assente na Matéria de Facto – alínea O) -, a atividade da incorporada (C... NIPC...) na unidade fabril de ... foi prosseguida após fusão, ou, por outras palavras, a fábrica não cessou de laborar em virtude da fusão , por isso, materialmente, não ocorreu cessação de atividade, aspeto que nunca foi contestado pela AT e que as sociedades operavam no mesmo setor e tinham, praticamente o mesmo objeto social.

Nos termos do n.º 1 do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diferente, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do CSC, a fusão pode realizar-se: a) mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, ações ou quotas desta.  

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 73.º do CIRC, considera-se fusão a operação pela qual se realiza: a) a transferência global do património de uma  ou mais sociedades  (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente  (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas.

Nos termos da alínea a) do artigo 112.º do CSC, com a inscrição da fusão no registo comercial: a) extinguem-se as sociedades incorporadas, [...] transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante [...].

Como ensina ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, in Direito das Sociedades, I, Parte Geral, 3.ª Edição, Almedina, página 1125, “A fusão de sociedades é a forma jurídica – porventura a mais perfeita – que permite dar corpo ao fenómeno da concentração económica. Em termos descritivos, pode dizer-se que, na fusão, duas ou mais sociedades se juntam para formar uma só . Todos os manuais dos diversos países relatam uma contraposição entre duas modalidades básicas de fusão: a fusão por incorporação e a fusão por concentração. Na fusão por incorporação, uma sociedade preexistente mantém-se, absorvendo a outra” .

Diz-nos ainda este autor, na mesma obra que : “(…) Numa leitura simplista, a fusão seria explicável através de um jogo de extinções. Na fusão incorporação, assistir-se-ia à extinção da sociedade incorporada e à absorção do seu património pela sociedade incorporante. E a ser assim, a fusão não teria autonomia, como operação jurídica. Desde cedo, porém, se verificou que a fusão, quando entendida nestes moldes, ficava seriamente prejudicada: uma extinção verdadeira dá lugar à liquidação, que implica uma série de morosas operações. À fusão foi, pois, reconhecida autonomia conceitual e de regime .

E ainda que: “[…] na fusão, há a manutenção das entidades anteriores que, apenas, se transformaram . […] as situações jurídicas antes encabeçadas pelas sociedades envolvidas mantêm-se, ao longo da vicissitude: no termo desta, elas vão surgir, com toda a naturalidade, na entidade resultante da fusão, sem que qualquer alteração nelas se possa revelar”  

Em sentido idêntico escreve DIOGO COSTA GONÇALVES, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina, 2009 , que a tese da fusão como ato transformador das sociedades comerciais prevalece, atualmente, em Itália, França e Portugal. Com efeito, a fusão mais que operar uma extinção de sociedades com a transmissão do seu património envolve, sobretudo, uma modificação das sociedades envolvidas e a sua transformação mediante processos de concentração económica. A fusão de sociedade é, assim, um ato modificativo de sociedades as quais, alterando o seu contrato de sociedade, surgem reunidas numa mesma estrutura, sem modificação das situações jurídicas envolvidas as quais permanecem durante o processo e reaparecem, naturalmente, na sociedade beneficiária, no final do mesmo”.

E, em sentido próximo ia já JORGE HENRIQUE PINTO FURTADO, in Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 2.ª Edição, 2000 , ao escrever: O efeito fundamental da fusão exprime-se através do vocábulo que o denomina: duas ou mais sociedade fundem-se numa, quer dizer, tornam-se numa – Unificam-se. [...] Importa salientar ainda que a extinção das sociedades fundidas integra o que, na terminologia comunitária, se designa por dissolução sem liquidação, constituindo mais propriamente uma simples cessação de existência autónoma, que aproxima a fusão da transformação.

Ensina JORGE M. COUTINHO DE ABREU (e outros), in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume II, Almedina, página 160, constituem elementos definidores do conceito jurídico de fusão de sociedades: a extinção de sociedades, de todas ou exceto de uma, a transmissão a titulo universal de património de uma ou mais sociedade extintas e a integração dos sócios das sociedades extintas na sociedade resultante, mediante a atribuição de participações sociais correspondentes à transmissão efetuada.

Mais Ensina JORGE M. COUTINHO DE ABREU (e outros) , fusão incorporação, também designada por absorção, em que uma ou mais sociedades incorporadas (ou absorvidas) se extinguem, transmitindo-se o seu ativo para a sociedade incorporante (ou absorvente), preexistente, que atribui as participações sociais aos sócios daquela ou daquelas.

Sendo um dos elementos essenciais da fusão, a extinção, estipula a alínea a) do artigo 112.º do CSC, como se disse acima, com a inscrição da fusão no registo comercial, extinguem-se as sociedades incorporadas, [...], transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante. Ou seja, extingue-se juridicamente a sociedade, sendo que a totalidade do património é transmitido para uma única sociedade, a incorporante.

Ensina, ainda, JORGE M. COUTINHO DE ABREU (e outros) , segundo o n.º 1 do artigo 146.º do CSC, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, iniciando-se o processo destinado a pagar todas as dívidas e ao apuramento do saldo final, a distribuir pelos sócios. Compreende-se que não haja um processo de liquidação da sociedade incorporada ou a fundir, porquanto a sociedade incorporante [...] sucede no património da sociedade que se extingue no estado em que se encontra no momento da fusão, não sendo necessário que esse património seja liquidado para pagamento aos credores e determinação da quota dos sócios .

Distingue PAULO OLAVO CUNHA, in Direito das Sociedades Comerciais, 6.ª Edição, Almedina, página 999, a fusão pode resultar na constituição de uma nova sociedade, para a qual se transferem globalmente patrimónios das sociedades fundidas, [...], caso em que a operação se designa simplesmente por fusão, ou fusão-concentração. Contudo a operação pode ocorrer por absorção, isto é, mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra [...]. Nesta circunstância, chamamos à operação fusão-incorporação .

Ensina, ainda, PAULO OLAVO CUNHA , constitui efeito necessário da fusão a transmissão de patrimónios (artigo 112.º).

Entende este Tribunal Arbitral que Lei Societária (e a doutrina analisada) não fala em cessação de atividade na fusão. Há, efetivamente, uma extinção com transmissão de património, mas não há uma verdadeira cessação da atividade (obviamente, nos casos em que a atividade continua, depois da operação da fusão).

No caso concreto, a atividade da C... (NIPC...) foi continuada após a fusão. A unidade fabril de ... não cessou a laboração em virtude da fusão. A atividade da fábrica não cessou. Antes pelo contrário, a atividade continuou, na incorporada.

Porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, chamamos os argumentos do Acordão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 01162/03, datado de 15 de Junho de 2004, quando este diz o seguinte: Com a fusão, a personalidade jurídica da sociedade incorporada não se extingue, ela continua a existir mas desta feita, integrada na sociedade incorporante . «Como diz o Prof. Ferrer Correia, Soc. Comerc., pág. 241, nesta «fusão por incorporação» só uma sociedade se extingue, reunindo-se na outra o património e os sócios, continuando a existir, como sociedade, a mais forte, alargando as suas fileiras. Ora a «fusão» entende-se como continuação da personalidade jurídica da sociedade fundida na sociedade nova se for por incorporação. Não há, assim, uma extinção propriamente dita, pois só se extingue nominalmente, continuando a sociedade anterior a existir integrada na sociedade nova, que continua a personalidade daquela integrada na sua . (BMJ. 295, 338) e Pinto Coelho, pág. 100 - Soc. Comerc.). Há, assim, apenas, uma modificação que, em regra, não altera o complexo de direitos e deveres jurídicos que lhe corresponderá . (Prof. A. Reis, Cod. P. Civil Explicado, pág. 233, e Boletim, 295,338). Não há, pois, uma extinção de personalidade da sociedade anterior; a qual se prolonga na sociedade que a absorve  (do Ac RP de 2.12.1982, Col. Jur., 1982/5° -223)». Tal como vem sendo defendido pela Doutrina e Jurisprudência com a fusão, a personalidade jurídica da sociedade incorporada não se extingue, ela continua a existir mas desta feita, integrada na sociedade incorporante . Sobre esta questão, num Parecer do Prof. António Menezes Cordeiro apresentado pela impugnante noutro processo, refere-se que: «II. As teses tradicionais relativas á fusão de sociedades viam nela, apenas, a extinção duma sociedade e a transmissão dos seus bens para o património de outra. Essa transmissão — na evolução de tais teses — não seria, contudo uma transferência comum: antes se jogaria uma "sucessão universal", uma "transmissão universal, semelhante á "sucessão mortis causa". (...) Quando desencadeiam uma operação de fusão, as partes não têm qualquer intenção de extinguir uma sociedade. Seria irreal ver, na fusão, uma nimus destruidor, tendente a fazer desaparecer seja o que for. Na afirmação sugestiva de COTTINO, a fusão é um "...contrato de vida e não contrato de morte...". Tão pouco, na hipótese de fusão-concentração, há uma vontade de construir um ente novo, em sentido verdadeiro, procura-se, sim, o melhor aproveitamento do que já existe. As partes pretendem, antes, aproveitar o que já existe. Também o regime da fusão não passa pelas regras de extinção/transmissão universal. Não há qualquer extinção próprio sensu duma sociedade, o que implicaria a intervenção das normas sobre liquidação .» Pelo contrário, na incorporação a sociedade incorporada integra a sua existência jurídica na sociedade maior, continuando os membros dela, agregados a esta, a ser, embora indiretamente, sujeitos de personalidade jurídica extinta. O facto jurídico fundamental que essencialmente a caracteriza, é pois, como na outra espécie de fusão, a integração da personalidade jurídica extinta na coletividade maior com que se funde. É uma confusão de direitos e obrigações.». Com se vê, a sociedade incorporada não perde a sua personalidade e capacidade jurídica nem tributária, havendo apenas uma mutação desta, por se integrar na personalidade e capacidade jurídica e tributária da sociedade incorporante .

Acompanha este Tribunal Arbitral este entendimento.

O conceito utilizado pela lei para exigência de reembolso é, como vimos, o da cessação de atividade que, no entender deste Tribunal Arbitral, no caso que nos ocupa, manifestamente não ocorre, porquanto a atividade da sociedade incorporada continuou na sociedade incorporante, com a qual se reuniu.

Por outro lado, e não menos importante, com a inscrição da fusão no registo comercial, transmitiram-se os direitos da sociedade incorporada para a sociedade incorporante. Em rigor, há uma continuidade subjacente à operação de fusão por incorporação, uma vez que, a sociedade incorporante continuou a exercer a atividade da sociedade incorporada, assumindo, por isso, os direitos e obrigações desta.

Todavia, como supra se assinalou, estabelece a alínea a) do n.º 5 do artigo 8.º do CIRC, o sentido de que para efeitos deste Código, a cessação da atividade (destaque e sublinhado nosso) ocorre: a) relativamente às entidades com sede ou direcção efectiva em território português, na data do encerramento da liquidação, ou na data da fusão  ou cisão, quanto às sociedades extintas em consequência destas , ou na data em que a sede e a direcção efectiva deixem de se situar em território português, ou na data em que se verificar a aceitação da herança jacente ou em que tiver lugar a declaração de que esta se encontra vaga a favor do Estado, ou ainda na data em que deixarem de verificar-se as condições de sujeição a imposto.

Na sua literalidade, esta norma poderia levar a considerar que a fusão, para efeitos de IRC, implica cessação de atividade, para a sociedade incorporada.

Todavia, o n.º 2 do artigo 93.º do CIRC não pode deixar de merecer uma interpretação à luz dos elementos teleológico, sistemático, bem como dos pertinentes parâmetros constitucionais. Na verdade, entende este Tribunal Arbitral que a ratio subjacente à solução do n.º 2 do artigo 93.º do CSC é a circunstância de, por via da cessação de atividade, o sujeito passivo em causa não poder já efetuar a dedução à coleta. Esta situação, em rigor, não se verifica no caso da fusão, uma vez que, o titular do direito em causa – a sociedade incorporante - continua, após reunião com a incorporada, a exercer atividade (diga-se, a sua atividade e a atividade que era da incorporada) e, consequentemente, poder exercitar o direito através do mecanismo da dedução à coleta.

Mais, a norma permite assinalar uma vontade do legislador em não prejudicar o sujeito passivo que não conseguiu deduzir o PEC. Permite-lhe, em caso de cessação da atividade, solicitar o reembolso, cumprindo-se, assim, o princípio Constitucional da Tributação do Lucro Real, previsto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

Por outro lado, também o elemento sistemático aponta no mesmo sentido, dado que os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos aos lucros tributáveis da nova Sociedade, assim como, nos termos do artigo 75.º-A do CIRC, também se verifica a transmissão dos benefícios fiscais para Sociedade incorporante, que poderão assim ser deduzidos nos termos do artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Verificar-se-ia, uma contradição sistemática se os PECs suportados pela sociedade incorporada não pudessem ser, também eles, deduzidos pela Sociedade incorporante.

Finalmente, entende ainda este Tribunal que a interpretação da norma em causa neste sentido é a única que se harmoniza com o princípio da eficiência (evitando dispêndio de atividade administrativa da Requerida na apreciação de um pedido de reembolso e do sujeito passivo no pedido do mesmo) que, como escreve ANA PAULA DOURADO é de [...] grau constitucional e legal [...]    e que, consequentemente, constitui parâmetro interpretativo da norma ordinária.

Conclui-se, assim, ser manifestamente errónea a interpretação da Requerida do artigo 93.º CIRC, enfermando o ato de liquidação em causa de erro nos pressupostos de direito o que tem como consequência a sua anulação.

Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, este Tribunal Arbitral não está obrigado a apreciar todas as questões suscitadas pelas partes, quando a decisão ou solução de alguma ou algumas delas prejudique a solução a dar a outra ou outras.

In casu, com a apreciação e decisão no sentido da declaração de ilegalidade da liquidação sub juditio, prejudica, à luz do exposto supra, o conhecimento das restantes questões carreadas para os autos.

4. Juros

Peticiona, ainda, a Requerente a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Perante o exposto, a liquidação de IRC anulada resulta de erro imputável exclusivamente à Requerida, na medida em que a Requerente cumpriu os seus deveres declarativos.

Ficou demonstrado que a Requerente pagou imposto superior ao que era devido.

Assim, nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios, juros estes que devem ser contabilizados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (n.º 4 e 5 do artigo 61.º do CPPT), à taxa referida no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.

5. Decisão

Atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, invocada pela Requerida, na sua Resposta.

b)           Julgar procedente, por provado, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, declarando ilegal a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2017..., praticada pela Unidade dos Grandes Contribuintes – Divisão de Gestão e Assistência Tributária, assinado pela Chefe de Divisão B..., com origem no Serviço de Finanças de ... .

c)            Anular, em consequência, a Liquidação de IRC n.º 2016..., referente ao exercício de 2015, com o valor a pagar de € 211.213,27, praticada pela Diretora Geral da AT.

d)           Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios devidos.

e)           Condenar a Requerida na prática de todos os atos necessários ao restabelecimento da situação, nomeadamente, condenar a Requerida na devolução da quantia de € 211.213,27, quantia esta paga pela Requerente, acrescido dos respetivos juros, até efetiva e integral devolução da quantia.

f)            Julgar prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

g)            Condenar a Requerida no pagamento integral das custas atento o seu decaimento.

6. Valor do processo

O valor do processo é fixado em € 211.213,27.

7. Custas

Entende este Tribunal Arbitral que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral, i.e., o valor de € 211.213,27, correspondente ao valor pago, superior ao devido e inicialmente indicado pela Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, conforme condenação supra.

             Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de Outubro de 2018

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Juiz José Poças Falcão

(Árbitro-Presidente)

 

Dr. Marcolino Pisão Pedreiro

(Árbitro Adjunto)

 

Dr. Alexandre Andrade

(Árbitro Adjunto)