Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 113/2017-T
Data da decisão: 2017-10-16  IRC  
Valor do pedido: € 1.325.669,98
Tema: IRC – RETGS - incompetência do Tribunal Arbitral
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Acórdão Arbitral

 

 

Os árbitros Conselheira Doutora Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Professora Doutora Luísa Anacoreta e João Menezes Leitão (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 19.4.2017, acordam no seguinte:

 

I. Relatório[1]

 

1. A…, LDA (abreviadamente A…), pessoa coletiva n.º…, com sede social no Lugar de …, freguesia de …, … e B…, LDA (abreviadamente B…), pessoa coletiva n.º…, com sede social na Rua …, n.º…, …, em Viana do Castelo (a seguir, designadas conjuntamente por Requerentes), apresentaram em 14.2.2017, em coligação de autores e em cumulação de pedidos, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), relativamente às decisões de indeferimento expresso dos pedidos de revisão de ato tributário apresentados em relação às autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) subjacentes, objeto dos ofícios a seguir identificados:

i) Ofício n.º … emitido no processo n.º …/2016, respeitante à liquidação n.º 2011… referente ao período de tributação de 2010 da A…;

ii) Ofício n.º … emitido no processo n.º …/2016, respeitante à liquidação n.º 2013… referente ao período de tributação de 2011 da A…;

iii) Ofício n.º … emitido no processo n.º …/2016, respeitante à liquidação n.º 2015… referente ao período de tributação de 2012 da A…;

iv) Ofício n.º … emitido no processo n.º …/2016, respeitante à liquidação n.º 2012…  referente ao período de tributação de 2011 da B…;

v) Ofício n.º … emitido no processo n.º …/2016, respeitante à liquidação n.º 2013… referente ao período de tributação de 2012 da B… .

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo a Conselheira Doutora Fernanda Maçãs, como árbitro-presidente, a Professora Doutora Luísa Anacoreta e João Menezes Leitão, como árbitros-vogais, que aceitaram o encargo.

 

3. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Por força do preceituado na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 19.4.2017.

 

5. No requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), as Requerentes peticionaram (conforme petitório final, constante do ponto n.º VI da PI, precisamente epigrafado “Do pedido”) o seguinte:

“a) Anulação das decisões de indeferimentos dos Pedidos de Revisão dos Atos Tributários e, em consequência disso, a anulação dos atos de liquidação de IRC número 2011…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2010; 2013…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2011; 2015…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2012; 2012…, emitida à Requerente B…, referente ao período de tributação de 2011; 2013…, emitida à Requerente B…, referente ao período de tributação de 2012, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade;

b)  Admissibilidade do direito à opção pela aplicação do RETGS às ora Requerentes, por referência ao período de tributação de 2010, 2011 e 2012, i.e. com efeitos retroativos a todo o período de tributação de 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2010, 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2011 e finalmente 1 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2012 e

c)  Suprimento do cumprimento de requisitos formais inexistentes, à data de início do RETGS referente aos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, para a constituição desse mesmo RETGS; e

d)  Considerar como válida a aplicação, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, do RETGS, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.° e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis”. 


 

6. A AT, ao abrigo do disposto no art. 17.º do RJAT, apresentou, em 24.5.2017, resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, peticionando a final o seguinte:

“a) Julgar-se verificada a existência da exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral e/ ou a exceção da ilegitimidade, as quais obstam ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) e e) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT,

b) Deve ainda ser declarada a litispendência quanto ao exercício de 2010 e à requerente B…, caso assim não se entenda,

c) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.

 

7. Por despacho do Tribunal Arbitral de 25.5.2017, foram as Requerentes notificadas para exercer, querendo, o contraditório em relação à matéria excetiva alegada pela Requerida, o que foi realizado pelo requerimento de resposta às exceções de 5.6.2017.

 

8. Por despacho de 2.7.2017, dada a inexistência de prova a produzir em audiência e a pronúncia já realizada por escrito pelas Requerentes à matéria de exceção, foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o art. 18.º do RJAT e determinada a produção de alegações escritas sucessivas, o que foi concretizado pelas Requerentes em 7.7.2017 e pela Requerida em 11.9.2017.

O Tribunal Arbitral fixou, no seu despacho de 2.7.2017, como prazo limite para a prolação da decisão arbitral o dia 19.10.2017.

 

9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

As demais matérias atinentes a pressupostos processuais, por contenderem com as exceções invocadas pela Requerida, serão apreciadas, de seguida, de modo específico e autónomo, sem prejuízo, claro está, de a solução conferida a certa matéria poder prejudicar a apreciação das restantes questões suscitadas pelas partes (cfr. art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil - CPC).

 

II. Questões a decidir

 

10. Em face das alegações constantes da PI e das exceções deduzidas pela Requerida na sua resposta (cfr. acima n.ºs 5 e 6), as questões sujeitas, no quadro do litígio formulado, à cognição do Tribunal Arbitral, as quais são definidas pelos factos alegados e pelas pretensões processualmente formuladas que exijam decisão específica, incluindo as matérias atinentes aos pressupostos processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso, são as seguintes (sempre sem prejuízo de a decisão de certa questão poder prejudicar a apreciação de outras):

- incompetência material do tribunal arbitral;

- ilegitimidade das Requerentes por falta de litisconsórcio necessário;

- litispendência quanto ao exercício de 2010 e à Requerente B…;

- reconhecimento da aplicação às Requerentes, nos exercícios de 2010 a 2012, do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), ao abrigo do disposto no artigo 69.º-A do Código do IRC, que foi aditado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31.12;

- consequente ilegalidade das autoliquidações de IRC sindicadas por violação dos Princípios da Liberdade de Estabelecimento, do Direito da União Europeia e do Princípio do seu Primado face ao Direito Nacional e da Subsidiariedade, previstos nos arts. 49.º e 54.º do TFUE e no art. 5.º do Tratado da União Europeia, e dos Princípios da Legalidade e da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses do Cidadão, assim como os Princípios da Justiça e da Imparcialidade, consagrados nos n.ºs 1 e 2 do art. 266.º e no n.º 1 do art. 269.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos arts. 3.º, 4.º e 6.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);

- determinação da emissão de novas notas de liquidação de IRC das Requerentes tendo por base o RETGS com apuramento do IRC a pagar ou a reembolsar pelo RETGS B… nos seguintes termos: i) período de tributação de 2010: emissão de nota de liquidação donde resultaria um valor consolidado a pagar de Euro 6.512,47; ii) período de tributação de 2011: emissão de nota de liquidação donde resultaria um valor consolidado a ser reembolsado de Euro 45.451,19; período de tributação de 2012: emissão de nota de liquidação donde resultaria um valor consolidado a ser reembolsado de Euro 606.826,40; e correspondentes consequências tributárias.

 

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

11. Examinadas as alegações constantes das peças processuais apresentadas, a prova documental produzida, quer a que foi apresentada com a PI, quer a que resulta dos cinco procedimentos administrativos de revisão oficiosa juntos aos autos (a seguir PA), o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

I. As Requerentes são sociedades de direito português que integram, a partir de 2015, um grupo de sociedades que optou pela tributação de acordo com o RETGS, previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC, conforme comunicação apresentada em 31.3.2015 de opção pelo RETGS demonstrando cumprir as condições legais previstas nos artigos 69.º e 69.º-A CIRC (cfr. doc. n.º 16 junto à PI e factualidade alegada nos arts. 43.º, 47.º e 48.º da PI reconhecida pela Requerida nos arts. 62.º e 63.º da resposta).

II. O perímetro do grupo abarca, na qualidade de sociedades dominadas, as Requerentes e na qualidade de sociedade dominante a C… AG, sociedade de direito alemão, residente fiscal na Alemanha (cfr. doc. n.º 16 junto à PI e factualidade alegada no art. 44.º da PI reconhecida pela Requerida no art. 64.º da resposta).

III. As Requerentes ou a sociedade dominante C… AG não formularam ou requereram, por qualquer modo, a opção pela aplicação do RETGS anteriormente a 2015, designadamente até ao final do 1.º trimestre do período de tributação de 2010 (factualidade reconhecida pelas partes nos arts. 30.º, 52.º, 53.º, 136.º da PI e 107.º e 108.º da resposta).

IV. As Requerentes apresentaram, nos exercícios de 2010 a 2012, as seguintes declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC:

- Requerente A…:

(i) Período de tributação de 2010: declaração com a identificação n.º…, com apuramento de lucro tributável no montante de €515.363,35, conforme doc. n.º 11 junto à PI;

(ii) Período de tributação de 2011: declaração com a identificação n.º…, com apuramento de lucro tributável no montante de €2.885.191,91, conforme doc. n.º 12 junto à PI;

(iii) Período de tributação de 2012: declaração com a identificação n.º … com apuramento de lucro tributável no montante de €4.110.599,79 [que substituiu a declaração anteriormente entregue com a identificação n.º…], conforme doc. n.º 13 junto à PI;

- Requerente B…:

(i) Período de tributação de 2011: declaração com a identificação n.º … com apuramento de prejuízo fiscal no montante de €345.443,26, conforme doc. n.º 14 junto à PI;

 (ii) Período de tributação de 2012: declaração com a identificação n.º … com apuramento de prejuízo fiscal no montante de €53.300,80, conforme doc. n.º 15 junto à PI.

V. A A… apresentou em 29.5.2015 relativamente à autoliquidação de IRC n.º 2011 … referente ao exercício de 2010, conforme demonstração de liquidação junta como doc. n.º 6 à PI, pedido de revisão oficiosa, conforme doc. n.º 18 junto à PI e fls. 2 e segs. do correspondente PA, no qual requereu o seguinte: “Proceder-se à anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas número 2011…, referente ao exercício de 2010, bem como determinar a devolução do montante a reembolsar indevidamente autoliquidado na sequência da sua emissão, em Maio de 2011, de Euro 48.328,47 (...) ou a compensação de tal montante na esfera da liquidação a emitir para a A… após o deferimento do reconhecimento da existência, em 2010, do RETGS B…, com o montante a receber pela B… Viana, de Euro 62.571,39 (...) peticionado em processo paralelo de Pedido de Revisão de Ato Tributário (...) e Considerar como válida a existência, no exercício de 2010, do acima descrito como RETGS B…, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis (...)”.

VI. Pelo Ofício n.º…, datado de 15.11.2016, a A… foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de IRC relativo à autoliquidação de IRC do exercício de 2010 emitido no processo n.º …/2016, junto como doc. n.º 1 à PI e constante a fls. 87 e segs. do correspondente PA, indeferimento que se sustentou nas seguintes razões:

- “Relativamente à possibilidade da constituição retroativa do grupo ao período de 2010, aqui solicitada pela requerente no presente procedimento de revisão, a Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro menciona no n.º 1 do artigo 5.º, quanto à produção de efeitos que: “O disposto na subalínea 2)  da alínea a)  do n.º 4  do artigo 6.º, no  n.º 2 do artigo 28.º-A, nos artigos 28.º-C e 69.º-A e no n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2015”;

- “Face à clareza da redação da norma, e não sendo atribuída à mesma qualquer natureza interpretativa, teremos de concluir que tal hipótese encontra-se desde logo inviabilizada, pelo que o regime traduzido pelo artigo 69.º-A do Código do IRC só é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2015”;

- “Assim sendo, as sociedades dominadas A… [requerente] e B… Viana, residentes fiscais em Portugal devem passar a ser consideradas como estando inseridas num perímetro de sociedades tributadas pelo RETGS com as consequências daí decorrentes relativamente ao IRC liquidado por ambas (...) mas apenas a partir do período de tributação de 2015” .

VII. A A… apresentou, em 29.3.2016, relativamente à autoliquidação de IRC n.º 2013 … referente ao período de tributação de 2011, conforme demonstração de liquidação junta como doc. n.º 7 à PI, pedido de revisão oficiosa, conforme doc. n.º 19 junto à PI e fls. 2 e segs. do correspondente PA, no qual requereu o seguinte: “Proceder-se à anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas número 2013…, referente ao exercício de 2012, e Considerar como válida a existência, no exercício de 2011, do acima descrito como RETGS B… e considerando-se a sua constituição no exercício de 2010, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis (...)”.

VIII. Pelo Ofício n.º…, datado de 21.11.2016, a A… foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de IRC relativo à autoliquidação de IRC do exercício de 2011 emitido no processo n.º …/2016, junto como doc. n.º 2 à PI e constante a fls. 165 e segs. do correspondente PA, indeferimento que se sustentou nas mesmas razões acima transcritas em VI e que aqui se dão por reproduzidas.

IX. A A… apresentou em 29.3.2016 relativamente à autoliquidação de IRC n.º 2015 … referente ao período de tributação de 2012, conforme demonstração de liquidação junta como doc. n.º 8 à PI, pedido de revisão oficiosa, conforme doc. n.º 20 junto à PI e fls. 2 e segs. do correspondente PA, no qual requereu o seguinte: “Proceder-se à anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas número 2015…, que substitui a liquidação número 2013…, referente ao exercício de 2012, e Considerar como válida a existência, no exercício de 2012, do acima descrito como RETGS B… e considerando-se a sua constituição no exercício de 2010, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis (...)”.

X. Pelo Ofício n.º…, datado de 21.11.2016, a A… foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de IRC relativo à autoliquidação de IRC do exercício de 2012 emitido no processo n.º …/2016, junto como doc. n.º 3 à PI e constante a fls. 166 e segs. do correspondente PA, indeferimento que se sustentou nas mesmas razões acima transcritas em VI e que aqui se dão por reproduzidas.

XI. A B… apresentou em 22.3.2016, relativamente a autoliquidação de IRC n.º 2012 … referente ao período de tributação de 2011, conforme demonstração de liquidação junta como doc. n.º 9 à PI, pedido de revisão oficiosa, conforme doc. n.º 21 junto à PI e fls. 1 e segs. do correspondente PA, no qual requereu o seguinte: “Proceder-se à anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas número 2012..., referente ao exercício de 2011, e Considerar como válida a existência, no exercício de 2011, do acima descrito como RETGS B… e considerando-se a sua constituição no exercício de 2010, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis (...)”.

XII. Pelo Ofício n.º…, datado de 25.11.2016, a B… foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de IRC relativo à autoliquidação de IRC do exercício de 2011 emitido no processo n.º …/2016, junto como doc. n.º 4 à PI e constante a fls. 93 e segs. do PA, indeferimento que se sustentou nas mesmas razões acima transcritas em VI e que aqui se dão por reproduzidas.

XIII. A B… apresentou em 22.3.2016 relativamente à autoliquidação de IRC n.º 2013 … referente ao período de tributação de 2012, conforme demonstração de liquidação junta como doc. n.º 10 à PI, pedido de revisão oficiosa, conforme doc. n.º 21 junto à PI e fls. 1 verso e segs. do PA, no qual requereu o seguinte: “Proceder-se à anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas número 2013…, referente ao exercício de 2012, e Considerar como válida a existência, no exercício de 2011, do acima descrito como RETGS B… considerando-se a sua constituição no exercício de 2010, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis (...)”.

XIV. Pelo Ofício n.º…, datado de 25.11.2016, a B… foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de IRC relativo à autoliquidação de IRC do exercício de 2012 emitido no processo n.º …/2016, junto como doc. n.º 5 à PI e constante a fls. 119 e segs. do correspondente PA, indeferimento que se sustentou nas mesmas razões acima transcritas em VI e que aqui se dão por reproduzidas.

XV. A B… apresentou ação administrativa de condenação à prática de ato devido em atenção a indeferimento de recurso hierárquico apresentado quanto ao exercício de 2010 tendo igualmente por objecto a aplicação do RETGS (factualidade reconhecida no art. 144.º e na nota 11 da PI, tendo sido junta aos autos como doc. 27 à PI apenas a página inicial da respectiva petição inicial).

 

12. Não existe factualidade dada como não provada que se considere relevante para a decisão do litígio em apreciação.

 

13. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos juntos aos autos pelas Requerentes, igualmente constantes dos cinco procedimentos de revisão oficiosa juntos pela Requerida, bem como do reconhecimento de factos efetuado pelas partes, tudo conforme se especifica em cada um dos pontos do probatório acima enunciado.

 

IV. Do Direito

 

a) Da competência do Tribunal Arbitral

 

14. Segundo a diretriz consolidada constante do artigo 608.º, n.º 1 do CPC, as questões processuais que sejam susceptíveis de determinar a absolvição da instância devem ser conhecidas segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

Resulta daqui a necessidade de apreciar, em primeiro lugar, a matéria da competência do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento precede o de qualquer outra questão (cfr. os artigos 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 278.º, n.º 1, al. a) do CPC), já que, com ressalva precisamente da sua própria competência, o tribunal que seja incompetente está impedido, não apenas de apreciar o mérito da causa, mas todos os demais pressupostos processuais.

Deste modo, de acordo com o princípio da competência-competência (Kompetenz-Kompetenz), por força do qual o tribunal tem competência para verificar a sua própria competência, seja qual for o critério de que ela derive, ainda que para concluir pela sua incompetência, cabe, de modo preliminar, proceder à apreciação desta matéria.

 

15. Como se indicou, a Requerida, na sua resposta (arts. 8.º a 48.º), o que reiterou nas suas alegações, invocou a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para apreciar e decidir os pedidos formulados pelas Requerentes, fundando-se nos seguintes motivos:

-  “nos termos do disposto no art. 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do art. 2.º do RJAT, “com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, sendo que: “No caso em concreto, as Requerentes não recorreram, em tempo, à reclamação graciosa prevista no nº 1 do art. 131º do CPPT que, no caso, era necessária visto as mesmas suscitarem também questões de facto, como se comprova pelas revisões oficiosas apresentadas, onde as mesmas invocam que cumprem os pressupostos, também de facto, para integrarem um grupo ao qual se pode aplicar o RETGS e, portanto, a serem tributadas de acordo com tal regime” e “a revisão oficiosa, nos termos do art. 78º da LGT, não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo”;

- “no presente caso, atenta a decisão de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, não esteve em causa a apreciação da legalidade de qualquer liquidação, mas apenas a questão de saber se as requerentes podiam beneficiar, retroativamente, da aplicação de uma norma que lhes permite optar por uma tributação segundo o regime fiscal da tributação dos grupos de sociedades, cfr. arts. 69º e 69º-A do CIRC”;

- a incompetência resulta ainda da causa de pedir e dos pedidos formulados perante o Tribunal Arbitral, dado que “o que as requerentes pretendem é obter o reconhecimento de um direito que, nos termos previstos na legislação em vigor no ordenamento jurídico nacional, não lhes assistia à data dos factos”, “tentando, por via do pedido de pronúncia arbitral, obter o reconhecimento desse direito: a serem tributadas segundo um regime especial de tributação de grupos de sociedades, com um cálculo, desde já, do imposto devido, isto é, fazendo elas próprias o que compete à AT fazer: a liquidação do imposto”; “Ora, admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação deste pedido representaria (...) a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT”, o que: “Nem em sede de ação administrativa especial, meio processual no qual se prevê a condenação da administração à prática de um ato devido, cfr. arts. 66º e segs. do CPTA, se permite ao Tribunal Judicial ir tão longe”;

- “a pretensão jurídica formulada pelas requerentes se reconduz ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um ato devido, que não poderão ser obtidos por esta via”, pelo que “o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral, para reconhecer o direito que as requerentes pretendem obter, ou para, em alternativa à ação administrativa especial, condenar a AT à prática de um ato devido”, pois, “não está aqui em causa a apreciação de um qualquer ato de liquidação, mas antes, de um pretenso e hipotético direito que é sempre prévio a tal liquidação, não sendo o Tribunal arbitral competente para apreciar o indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa que negam o reconhecimento de tal direito”.

 

16. Na resposta às exceções apresentada pelas Requerentes, sustentam estas, no que concerne à questão da incompetência material do Tribunal (arts. 15.º a 54.º), o seguinte:

- “os atos de liquidação cuja legalidade ora se discute foram efetivamente precedidos de “impugnação administrativa” por via do mecanismo de revisão oficiosa”, “não podendo ser admitida a interpretação restritiva propalada pela AT, em torno do disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março”, pelo que “atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º a 133.º do CPPT para efeito da subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento”, devendo, por isso, “entender-se que a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, apresentados ao abrigo do artigo 78.º da LGT, se encontra incluída no âmbito de competências atribuídas aos tribunais arbitrais”;

- “a AT reconduz erradamente a pretensão jurídica formulada pelas Requerentes ao reconhecimento de um direito ou ao pedido da condenação à prática de um ato devido”, sendo que: “o que as Requerentes efetivamente peticionam é a anulação das decisões de indeferimento dos Pedidos de Revisão dos Atos Tributários e, em consequência disso, a anulação dos atos de liquidação de IRC (...) emitidos às Requerentes B… e A… quanto aos períodos de tributação de 2010 a 2012”, “Pedido este diretamente imbricado na discussão da aplicabilidade do RETGS (...) às Requerentes no exercícios fiscais supra indicados”, pelo que “a partir do momento em que se coloca à sindicância do tribunal arbitral a apreciação da ilegalidade de atos de liquidação de tributos necessariamente terá esse objecto de se considerar susceptível de apreciação pelo tribunal arbitral”, “Independentemente do motivo alegado para que os mesmos se encontrem feridos de ilegalidade”.

    

17. Cabe, então, apreciar esta questão prévia da competência em razão da matéria deste Tribunal Arbitral, questão, aliás, que é de conhecimento oficioso, sendo que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT).

A competência do tribunal para julgar a causa que perante ele foi instaurada, que constitui pressuposto processual essencial e, como tal, condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, é a medida da sua jurisdição, pelo que um certo tribunal é competente para o julgamento de uma certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação.

Ora, a competência do tribunal deve ser aferida, em geral, em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente de qualquer indagação sobre a respectiva procedência. A competência apura-se, portanto, de acordo com o quid disputatum ou quid decidendum (por oposição ao que virá a ser o quid decisum), tal como o mesmo é configurado pelo autor (vd., assim, os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 5.5.2011, proc. n.º 29/10 e de 2.2.2016, proc. n.º 045/15).

 

18. Atentando nos termos como as Requerentes estruturaram a presente causa na sua PI e exprimiram neste juízo arbitral as suas pretensões, mediante o binómio pedidos/causa de pedir, verifica-se que se procedeu a uma cumulação de pedidos, os quais, como acima se transcreveu (n.º 5), surgem formulados nos seguintes moldes:

“a) Anulação das decisões de indeferimentos dos Pedidos de Revisão dos Atos Tributários e, em consequência disso, a anulação dos atos de liquidação de IRC número 2011… , emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2010; 2013…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2011; 2015…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2012; 2012…, emitida à Requerente B…, referente ao período de tributação de 2011; 2013…, emitida à Requerente B…, referente ao período de tributação de 2012, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade;

b)  Admissibilidade do direito à opção pela aplicação do RETGS às ora Requerentes, por referência ao período de tributação de 2010, 2011 e 2012, i.e. com efeitos retroativos a todo o período de tributação de 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2010, 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2011 e finalmente 1 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2012 e

c)  Suprimento do cumprimento de requisitos formais inexistentes, à data de início do RETGS referente aos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, para a constituição desse mesmo RETGS; e

d)  Considerar como válida a aplicação, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, do RETGS, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.° e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis”.

Esta cumulação de pedidos, no que concerne à sua estrutura, constitui uma cumulação simples, porquanto as Requerentes pretendem a procedência de todos os pedidos formulados e a produção de todos os seus efeitos (vd. TEIXEIRA DE SOUSA, “Cumulação de pedidos e cumulação aparente no contencioso administrativo” in CJA, n.º 34, p. 35; VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa. Lições, 16.ª ed, 2017, p. 277).

 

19. Sobre a cumulação de pedidos em sede de processo arbitral tributário dispõe-se no artigo 3.°, n.º 1 do RJAT o seguinte: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Atendendo simplesmente a este dispositivo, a cumulação de pedidos exige uma certa “conexão objectiva” – justamente, a apreciação dos mesmos factos ou a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito no exame da respectiva procedência. Todavia, para além deste requisito material, é ainda indispensável (cfr. o n.º 3 do art. 5.º do CPTA) uma “compatibilidade processual entre os pedidos”, pela qual “o tribunal tem que ser materialmente competente para todos os pedidos cumulados”, pelo que se “restringe a admissibilidade da sua cumulação em função da competência do tribunal para a apreciação de cada um deles” (TEIXEIRA DE SOUSA, loc. cit., p. 36; no mesmo sentido, vd. CECÍLIA ANACORETA CORREIA, “O princípio da cumulação de pedidos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos em especial em sede executiva” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. IV, 2012, p. 223).

Deste modo, por força da delimitação de competências dos tribunais arbitrais tributários, não podem ser objecto de apreciação, em cumulação de pedidos, a pluralidade das pretensões jurídicas que possuam conexão objectiva se o tribunal não tiver competência para todas elas. Ou seja, só podem ser cumuladas no processo arbitral tributário as pretensões materialmente conexas para as quais o tribunal seja competente.

Em suma, a cumulação de pedidos admitida pelo art. 3.º, n.º 1 do RJAT só é viável e legal se todos os pedidos cumulados se enquadrarem no âmbito das competências legalmente atribuídas aos tribunais arbitrários. 

 

20. O âmbito da jurisdição arbitral tributária afere-se, antes de mais nada, pelos critérios de determinação material da competência que se mostram estabelecidos pelo art. 2.º, n.º 1 do RJAT, segundo o qual:

A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Seguidamente, de acordo com o disposto no n.º 1 artigo 4.º do RJAT (nos termos do qual: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”) importa atender ao disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que, relativamente à apreciação das pretensões, relativas a impostos cuja administração esteja cometida a serviços e organismos da AT, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, excepciona, no que aqui mais releva, “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” e “Pretensões relativas a atos de determinação da matéria colectável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

Em atenção ao preceituado nestes dispositivos, cabe entender, em termos de critério delimitativo básico, que a competência dos tribunais arbitrais restringe-se a pretensões de impugnação de atos atinentes à liquidação de tributos ou à fixação da matéria tributável, que visam a declaração da sua nulidade ou anulação (sem prejuízo dos elementos não estritamente anulatórios associados ao processo impugnatório, como sucede com a condenação em juros indemnizatórios ou em indemnização por garantia prestada).

Assim, quando se confronta o art. 2.º, n.º 1 do RJAT com o art. 97.º, n.º 1 do CPPT (vd. igualmente art. 101.º da LGT) facilmente se conclui que as pretensões que não respeitem à impugnação de atos de liquidação, mas ao reconhecimento de um direito ou interesse em matéria tributária (al. h) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT; cfr. igualmente art. 145.º do CPPT), não se encontram compreendidas na competência dos tribunais arbitrais tributários.   

Em consequência, pedidos que não sejam atinentes à validade do ato tributário em si mesmo considerado, mas que se destinem antes ao reconhecimento de um direito resultante da relação jurídica tributária ou à obtenção da condenação da entidade competente à prática de um ato que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, escapam à jurisdição dos tribunais tributários.

 

21. Nos termos da demanda formatada pelas Requerentes, os pedidos formulados atinentes a “Admissibilidade do direito à opção pela aplicação do RETGS às ora Requerentes, por referência ao período de tributação de 2010, 2011 e 2012, i.e. com efeitos retroativos a todo o período de tributação de 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2010, 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2011 e finalmente 1 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2012”; ao “Suprimento do cumprimento de requisitos formais inexistentes, à data de início do RETGS referente aos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, para a constituição desse mesmo RETGS”; e “Considerar como válida a aplicação, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, do RETGS, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.° e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis” (vd. supra n.º 5), que se prendem globalmente com as Requerentes pretenderem que lhes seja reconhecido o direito à tributação pelo RETGS, cuja aplicação depende de opção a ser realizada pela sociedade dominante e da satisfação de requisitos de carácter material e formal legalmente impostos (cfr. arts. 69.º e 69.º-A do CIRC), respeitam a matéria autónoma e prévia às liquidações de IRC, matéria essa que tem de ser objeto de declaração formal da sociedade dominante e está sujeita a apreciação específica pela AT (cfr., designadamente, n.ºs 1, 2, 3, 7 e 12 do art. 69.º do IRC).

Impõe-se, mesmo, notar que, diferentemente do que as Requerentes referem na sua resposta às exceções (vd. supra n.º 16), é esta pretensão de aplicação do RETGS aos exercícios de 2010 a 2012 que surge como o conteúdo essencial e primário do objeto processual definido pela Requerentes.

Repare-se, com efeito, que, muito embora afirmando que os pedidos em causa no presente processo respeitam a atos de liquidação de IRC, as Requerentes declaram expressamente que: “Na realidade, o que está em discussão em todos os pedidos de revisão do ato tributário é – na essência – a aplicabilidade do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, às Requerentes, nos exercícios fiscais em causa” (arts. 16.º e 19.º da PI). Daí que se consigne no art. 130.º da PI que “o que se pretende no presente pedido é o reconhecimento da aplicação do RETGS a um grupo de sociedades, cuja sociedade dominante se encontra sediada noutro Estado-Membro da UE”, para o que, como se escreve no art. 143.º da PI, “de forma a aferir a aplicação do RETGS às ora Requerentes, por referência aos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, cumpre fazer prova dos requisitos previstos no artigo 69.º do Código do IRC”. Da mesma forma, indica-se igualmente nos arts. 38.º, 41.º e 51.º das alegações das Requerentes, que se pretende que este Tribunal reconheça “por referência aos períodos de tributação de 2010 a 2012, a existência de um grupo fiscal que possa ser tributado ao abrigo das regras do RETGS, o qual deverá integrar as Requerentes, sendo as mesmas consideradas sociedades-irmãs residentes em Portugal, detidas indiretamente pela C… AG (residente fiscal na Alemanha), na medida em que todas são cumpridoras dos requisitos legais impostos por tal regime especial” e que supra, “relativamente ao cumprimento dos requisitos formais para a aplicação do RETGS, que o não exercício do direito, até ao final do 3.º mês no período de tributação a que se pretende iniciar a aplicação, não invalida o reconhecimento posterior do referido direito”.

Assim, é apenas na decorrência do reconhecimento antecedente pelo Tribunal da aplicação do RETGS que as Requerentes se reportam aos atos de liquidação de IRC e aos despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa – veja-se o que se consigna nos arts. 151.º e 152.º da PI e igualmente nos arts. 51.º e 52.º das alegações, em que se pede que se conclua “que as Requerentes, enquanto sociedades dominadas residentes fiscais em Portugal, detidas indiretamente pela C… AG, devem passar a ser consideradas, nos referidos exercícios, como estando inseridas num perímetro de sociedades tributadas pelo RETGS com as consequências daí decorrentes relativamente ao IRC liquidado por ambas, nomeadamente, atendendo ao prescrito pelos artigos 70.º, 71.º e 115.º do Código do IRC”, devendo, depois, “considerar-se ilegais as autoliquidações de IRC juntas com o pedido de pronúncia arbitral sob os Documentos n.ºs 6 a 10, por violação dos Princípios da Liberdade de Estabelecimento, do Direito da União Europeia e da Subsidiariedade (previsto nos Tratados da União Europeia) e os Princípios da Legalidade e da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses do Cidadão (consagrados na CRP)”.

 

22. Nestes termos, o presente litígio incide diretamente sobre a pretensão das Requerentes a que lhes seja reconhecido pelo Tribunal o direito à constituição de um grupo fiscal ao abrigo do RETGS para os exercícios de 2010, 2011 e 2012, o que, porém, diga-se, conforme acima enunciado no n.º III do probatório, independentemente do seu cabimento à face da legislação interna e do Direito Europeu, não foi objeto de qualquer declaração de opção ou requerimento anteriormente a 2015.

Na sequência do acima exposto, na medida em que se peticiona neste processo o reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária, impõe-se declarar que tal pedido não possui enquadramento na competência material atribuída pela lei aos tribunais arbitrais tributários, porquanto os poderes de cognição que lhes cabem correspondem, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, ao conhecimento da legalidade de atos de liquidação de tributos, de acordo com o esquema típico da impugnação judicial, excluindo-se, pois, os pedidos para cuja apreciação corresponde a forma processual da ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária.

Como se escreveu no acórdão proferido por Tribunal Arbitral deste CAAD no processo arbitral tributário n.º 693/2014-T:

o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) apenas incluiu no âmbito da arbitragem tributária competências para a apreciação da legalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, n.º 1, próprias dos processos de impugnação judicial. 

Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm poderes de cognição limitados aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação judicial (que se tem entendido que abrangem a declaração de ilegalidade de atos e fixação de juros indemnizatórios e indemnizações por garantia indevida), mas não se incluem as que nos tribunais tributários podem ser exercidas em processos de execução de julgados e em ação para reconhecimento de direito ou interesse legítimo”. 

Assim, as concretas pretensões de tutela solicitadas pelas Requerentes a este Tribunal atinentes ao reconhecimento da aplicação do RETGS nos exercícios de 2010 a 2012 e à constituição nesses períodos de grupo fiscal entre as Requerentes e a sociedade dominante C… AG, por pertencerem ao campo de aplicação da ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, não se ajustam ao círculo da competência estabelecida pela lei para os tribunais arbitrais tributários, pelo que não podem ser conhecidas por este Tribunal.

Deve-se ainda acrescentar que, no que respeita especificamente ao pedido para “considerar como válida a aplicação, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, do RETGS” e para proceder “à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.° e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis” (vd. supra n.º 5), em cuja decorrência se submete à cognição do Tribunal a determinação da emissão de novas notas de liquidação de IRC das Requerentes, tendo por base o RETGS com apuramento do IRC a pagar ou a reembolsar pelo pretendido “RETGS  B…” nos seguintes termos: i) período de tributação de 2010: emissão de nota de liquidação donde resultaria um valor consolidado a pagar de Euro 6.512,47; ii) período de tributação de 2011: emissão de nota de liquidação donde resultaria um valor consolidado a ser reembolsado de Euro 45.451,19; período de tributação de 2012: emissão de nota de liquidação donde resultaria um valor consolidado a ser reembolsado de Euro 606.826,40; e correspondentes consequências tributárias (vd. acima n.º 10 e arts. 157.º a 160.º da PI), as Requerentes pedem mesmo ao Tribunal a condenação da AT na prática de atos tributários cuja emissão pressupõe valorações e apreciações reservadas por lei ao exercício da função administrativo-tributária, o que está inteiramente fora da jurisdição dos tribunais em razão do princípio da separação dos poderes (cfr. n.º 1 do art. 3.º do CPTA).

 

23. Relativamente aos pedidos, igualmente formulados na PI, de “Anulação das decisões de indeferimentos dos Pedidos de Revisão dos Atos Tributários e, em consequência disso, a anulação dos atos de liquidação de IRC número 2011…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2010; 2013…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2011; 2015…, emitida à Requerente A…, referente ao período de tributação de 2012; 2012…, emitida à Requerente B…, referente ao período de tributação de 2011; 2013…, emitida à Requerente B…, referente ao período de tributação de 2012, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade” (vd. supra n.º 5), entende-se, igualmente, ser de concluir pela incompetência deste Tribunal para a sua apreciação. Senão veja-se.

Preliminarmente, impõe-se notar que estes pedidos se encontram em clara relação de prejudicialidade com a pretensão, acima considerada, de aplicação do RETGS às Requerentes, sendo o conhecimento desta indispensável e prévio à decisão daqueles, para cuja procedência constitui uma premissa imprescindível. Na verdade, sem o reconhecimento do direito à opção pelo RETGS nos exercícios em causa e a condenação da Requerida na respectiva aplicação, falece a alegação deduzida sobre a ilegalidade dos atos de liquidação e dos indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa. Poder-se-á mesmo entender, no que concerne à impugnação de cada uma das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa respeitantes a cada uma das liquidações sindicadas atinentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 e à pretensão de aplicação do RETGS que se dá uma cumulação aparente de pedidos porquanto os vários pedidos referem-se a um mesmo bem em sentido económico e assim “a parte formula vários pedidos, mas ela não aufere benefícios distintos pela procedência de cada um desses pedidos” (TEIXEIRA DE SOUSA, loc. cit., p. 37). Nesta medida, a inviabilidade de apreciação dos pedidos atinentes à aplicação do RETGS implicaria a consequente improcedência dos pedidos de anulação dos indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa e das liquidações subjacentes.

Entende-se, porém, que, como este Tribunal não pode conhecer, por não possuir para tal competência, dos pedidos atinentes à aplicação do RETGS às Requerentes nos exercícios de 2010 a 2012, os quais, como se viu, são prévios e prejudiciais à própria apreciação da pretendida declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e liquidações subjacentes aqui sindicados, se deve considerar prejudicado, em razão da indicada incompetência do Tribunal, o conhecimento de tais pedidos de anulação dos atos de indeferimento e liquidações subjacentes.

 

24. Por todos estes motivos, nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e o art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do art. 29.º do RJAT, verifica-se a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento dos demais pressupostos processuais e do mérito da causa, o que determina a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto nos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

Termos em que se julga procedente a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral e se determina a absolvição da Requerida desta instância arbitral.

 

V. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral acorda em:

 

  1. Julgar procedente a exceção dilatória da incompetência deste Tribunal em razão da matéria e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
  2. condenar as Requerentes nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 1.325.669,98 (um milhão, trezentos e vinte e cinco mil seiscentos e sessenta e nove euros e noventa e oito cêntimos).

 

VII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do RCPAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €18.054,00, nos termos da Tabela I do mencionado RCPAT, a cargo das Requerentes (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT).

 

 Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de outubro de 2017.

 

Os Árbitros

 

 

 

Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

 

 

 

Luísa Anacoreta

 

 

João Menezes Leitão

 



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.