Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 112/2016-T
Data da decisão: 2016-09-11  Selo  
Valor do pedido: € 12.781,00
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; Terrenos para construção.
Versão em PDF

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

I.              RELATÓRIO

 

A…, S.A., NIPC …, com sede na Av. …, n.º…, …-… Lisboa (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 26-02-2016, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com as alíneas a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

A Requerente pede a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) do ano de 2014, com referência ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Guimarães, sob o artigo…, com consequente reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 29-02-2016 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 27-04-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 12-05-2016.

Notificada para se pronunciar, a Requerida apresentou requerimento em que sustenta a legalidade do acto de liquidação impugnado, pugnando, assim, pela improcedência do pedido deduzido pela Requerente.

Por despacho de 27-06-2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido concedido às partes prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas.

 

+++

A Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) do ano de 2014, com referência ao terreno inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Guimarães, sob o artigo… .

A Requerente sustenta o pedido alegando que a norma em causa tem o seu âmbito de incidência delimitado aos terrenos para construção (i) cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e (ii) cujo valor patrimonial tributário seja superior a € 1.000.000. Torna-se, assim, imperativo demonstrar que a realidade fáctica a tributar corresponde a um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e não para outra realidade diferente, como sejam edificações, autorizadas ou previstas, para serviços, comércio e / ou outros. Do alvará emitido em 2007 resultava que as edificações autorizadas para o terreno em causa poderiam destinar-se a habitação colectiva, comércio e serviços, ficando a concreta edificação dependente da vontade da Requerente à data da construção. É, portanto, manifesto que àquela data não se poderia considerar que daquele terreno iria ser erigida uma edificação com afectação unicamente habitacional. Acresce que, à data da liquidação do imposto, a licença de construção emitida em 2007 já se encontrava caducada pelo que a Autoridade Tributária se limitou a tributar um mero terreno para construção sem demonstrar que a edificação futuramente a erigir no mesmo seria para habitação e que, nessa medida, estariam preenchidos os requisitos legais para tributação nos termos efectuados. Nessa medida, por não se poder concluir e demonstrar que o terreno sobre o qual foi liquidado imposto tinha edificação, autorizada ou prevista, destinada a habitação não se verificam os pressupostos legais de incidência pelo que a liquidação contestada é ilegal. Subsidiariamente, a Requerente invoca a inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS por violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

Na resposta apresentada, a Requerida contesta as alegações da Requerente, defendendo a legalidade da liquidação contestada e a conformidade constitucional da verba 28.1 da TGIS que, por isso, não merece qualquer reparo. Conclui, assim, a Requerida pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente.

 

II.          SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III.         MATÉRIA DE FACTO

 

                        A. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.             A Requerente é proprietária de um terreno na freguesia de …, concelho de Guimarães, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo …, com valor patrimonial tributário de € 1.278.100.

2.             Para o prédio em causa foi emitido, em Maio de 2007, o Alvará de Licenciamento de Construção n.º …/07 que autorizava a construção de edifício destinado a habitação colectiva, comércio e serviços.

3.             A licença era válida até 25-05-2010.

4.             A 21-03-2015 a Autoridade Tributária procedeu à liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS com referência ao prédio indicado, no valor total de € 12.781,00.

5.             O imposto liquidado foi pago pela Requerente em 30-05-2015, 30-07-2015 e 15-12-2015.

 

B. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada.

 

IV.         MATÉRIA DE DIREITO

 

              A. Da liquidação de Imposto do Selo

 

O pedido de pronúncia arbitral prende-se com a interpretação da verba 28.1 da TGIS, na redacção da verba 28 da TGIS introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e a sua aplicação em concreto ao terreno de que a Requerente é proprietária em …, concelho de Guimarães.

A referida norma delimita o respectivo âmbito de incidência nos seguintes termos:

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI: 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%

A alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, terá sido a resposta do legislador à extensa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e deste Centro de Arbitragem que sempre considerou que a versão inicial da dita norma não incluiria a figura de “terrenos para construção”. Foi, por isso, alargado o âmbito de incidência objectiva do imposto, passando também a sujeitar-se a tributação os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou esteja prevista edificação para habitação. De realçar que o legislador optou expressa e inequivocamente por tributar apenas os terrenos que se destinem à construção de edifícios de habitação e não de quaisquer outros tipos de edifícios ou construções. Estão, assim, expressamente excluídos de tributação os terrenos para construção cujas edificações previstas ou autorizadas se destinem a fins comerciais, industriais ou para serviços.

Sucede que, conforme refere a Requerente, ficou por demonstrar e comprovar que, à data da verificação do facto tributário – 31-12-2014 -, haveria uma autorização ou previsão válida de que as edificações a erigir no referido terreno se destinariam a habitação.

O alvará que terá justificado a inscrição do prédio na matriz como “terreno para construção” já se encontrava caducado pelo que não poderá – como pretenderá a Requerida – fazer prova de que a construção a efectuar no terreno em causa se destinava, naquela data, a habitação. Em tempos, o terreno teria tal finalidade, mas ficou por demonstrar que seria esse o seu destino a 31-12-2014, data da ocorrência do facto tributário.

Como se refere no acórdão arbitral proferido no proc. 578/2015-T[1], cujo teor subscrevemos, “Em síntese, afigura-se claro, no caso que se vem tratando, que a incidência do imposto aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efectiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada pela existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES”.

Falta, assim, a verificação de um pressuposto essencial para efeitos de incidência e tributação, não podendo este pressuposto presumir-se unicamente do teor da inscrição matricial do prédio.

Em complemento, cumpre também referir que, de acordo com o alvará de licenciamento de construção junto pela Requerente e já caducado, o edifício cuja construção terá sido, em tempos, autorizada pelo município de Guimarães destinava-se a habitação colectiva, comércio e serviços. Deste documento resulta inequívoco que o edifício a construir não teria afectação exclusiva a habitação, tendo antes uma afectação potencial mista.

Trata-se, por conseguinte, de uma situação não prevista, tendo por referência quer o elemento literal, quer a razão de ser da norma de incidência de imposto, que imporia um maior cuidado e controlo no momento da determinação da incidência. À luz do princípio da legalidade, da verdade material, da justiça e da imparcialidade que pautam a conduta da Autoridade Tributária, caberia a esta demonstrar e comprovar (i) se, no caso em concreto, haveria alguma autorização ou previsão de construção em vigor, (ii) se essa construção se destinava em exclusivo a habitação e (iii) em caso de afectação autorizada ser mista, qual a repartição do valor patrimonial tributário do terreno em função das diversas afectações. Nada disto foi feito pela Autoridade Tributária.

Face ao exposto, assiste razão à Requerente porquanto o imposto do ano de 2014 foi liquidado com referência ao terreno identificado apesar de não existir, à data do facto tributário, qualquer autorização ou previsão, em vigor, de que a construção a realizar no mesmo se destinaria a habitação e a medida ou proporção dessa afectação face ao valor patrimonial tributário total em caso de edifício de afectação mista. Falta, assim, um requisito essencial de incidência que implica a invalidade do acto contestado.

O pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente merece, pois, provimento, concluindo este tribunal que o acto de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano de 2014, é ilegal, devendo ser anulado, com as demais consequências legais.

            Concluindo-se pela anulação da liquidação contestada com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação da alegada inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS.

 

B. Do direito a juros indemnizatórios

 

            A par do reembolso do imposto pago em excesso, a Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT. A Requerida contesta, alegando que não se verificam os pressupostos legais para tal pagamento, em especial o erro imputável aos serviços.

O pedido é legalmente admissível ao abrigo do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, em conjugação com o art. 100.º da LGT.         

Nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

          Ora, no caso concreto, está inequivocamente justificado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerente uma vez que a liquidação de imposto contestada se mostra enfermada de ilegalidade pelo que deverá ser anulada. Para além do reembolso, a Requerente tem, assim, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, sobre a quantia de € 12.781,00, contados desde a data de pagamento até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.

 

V.          DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral declarar ilegal a liquidação de Imposto do Selo contestada, no valor de € 12.781,00 que deverá ser anulada, condenando-se a Requerida a reembolsar à Requerente os montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios até à data de processamento da respectiva nota de crédito.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 12.781,00, correspondente ao valor da liquidação impugnada.

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 11-09-2016

 

O Árbitro Singular

 

 

(Maria Forte Vaz)

 

 

 

 



[1] Disponível para consulta na página www.caad.org.pt.