Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 11/2016-T
Data da decisão: 2016-05-20  Selo  
Valor do pedido: € 18.704,20
Tema: IS – Verba 28 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

1      A… Ldª, NIPC[1] … com sede na Rua … nº…, …-… …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de imposto do selo incidentes sobre a propriedade de dois terrenos para construção, dos quais é comproprietária com a quota de ½ em cada um deles, inscritos na matriz sob os artigos urbano nºs … e … da União de freguesias de … e … do concelho e distrito de Aveiro conforme documentos de cobrança 2015… e 2015… no montante global de € 18 704,20, atos contra os quais apresentou reclamação graciosa que veio a ser deferida parcialmente.

2      Que o pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT em 15/01/2016.

3      Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 11/03/2016, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

4        O tribunal foi constituído em 29/03/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5        Com o seu pedido, visa a requerente, a anulação dos atos de liquidação de IS[5] em causa, por os considerar manifestamente ilegais, ao não respeitarem os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, bem como da decisão que deferiu apenas parcialmente a reclamação graciosa oportunamente deduzida contra os referidos atos de liquidação.

6       Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no seguinte:

6.1 - No facto do VPT[6] da sua quota na compropriedade ser inferior a € 1 000 000,00 e também no facto da edificação prevista/autorizada para os lotes de terreno não ser exclusivamente destinada à habitação, estes fundamentos serviram de base à reclamação graciosa oportunamente apresentada, que veio a ser deferida parcialmente, vindo-lhe a ser reconhecida a não sujeição a IS relativamente à parte destinada a serviços.

6.2 - Não se conformando com a decisão proferida no processo de reclamação, pede ao tribunal a anulação das referidas liquidações na sua totalidade, por as considerar ilegais, uma vez que o legislador do IS, não pretende tributar os prédios em si, mas antes a propriedade, o usufruto ou direito de superfície sobre determinados imóveis habitacionais ou os terrenos para construção com essa viabilidade construtiva, cujo VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

6.3 Entende que o legislador pretende tributar contribuintes que revelem uma capacidade contributiva acrescida pela titularidade de imóveis de elevado valor, sendo certo, que se reconhecerá, que ser proprietário de um prédio com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, é diferente de ser comproprietário do mesmo imóvel, no que à capacidade contributiva respeita.

6.4 A aplicação da verba 28º da TGIS[7] deverá conciliar-se com os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, o que não foi observado no caso concreto, pelo que as liquidações postas em crise são ilegais, por erro sobre os pressupostos e na interpretação da lei, uma vez que a quota-parte da requerente nos prédios em causa é bem inferior ao limiar de tributação constante da previsão da norma.

7        Na resposta, a requerida, também em síntese, refere o seguinte:

7.1     Como questão prévia suscita que o valor atribuído à ação de € 18 704,20 deverá ser reduzido para € 14 589,28, tendo em conta o deferimento parcial da reclamação.

7.2    Que a AT deve obediência à lei e ao direito e que os atos de liquidação em questão resultam da aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei 83-C/2013 de 31 Dezembro, pelo que os mesmos consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos.

7.3   Considera que a verba 28 da TGIS respeita os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva e que da sua aplicação, no caso concreto, não resultaram atos de liquidação ilegais.

7.4   Refere-se ainda ao pedido de juros indemnizatórios que na, na sua perspetiva, não serão devidos, atendendo a que a causa de pedir se funda na desconformidade constitucional da norma, concluindo que deverá ser absolvida do pedido.

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

As partes acordaram na dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e da desnecessidade da produção de alegações escritas ou orais.

A requerida entende que o valor do processo deverá ser reduzido dado ter havido, previamente à interposição da presente ação, deferimento parcial de reclamação, porém, a requerente, pretende não só a declaração de ilegalidade das liquidações postas em crise, bem como da decisão que deferiu parcialmente a sua reclamação, atribuindo ao processo o valor de € 18 704,20 que o tribunal mantém.

Também a requerida se refere ao pedido de juros indemnizatórios eventualmente devidos mas não vislumbramos que tenham sido pedidos, abstendo-se o tribunal de se pronunciar sobre este tema.

Vistas as posições coincidentes quanto à dispensa da reunião do artigo 18º do RJAT e da desnecessidade de produção de alegações escritas ou orais e, não enfermando o processo de nulidades nem tendo sido suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa o tribunal considera estarem reunidas as condições para proferir decisão.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

a)      Saber se a sujeição a IS nos termos da verba 28.1 da TGIS, no caso de compropriedade, se deverá atender ao VPT total do imóvel e se a aplicação deste entendimento será violador dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ou se deverá atender ao VPT correspondente à quota-parte da compropriedade

b)      Saber se há motivos ou não para a revogação do deferimento parcial da reclamação graciosa oportunamente apresentada pela requerente sobre as liquidações postas em crise nos presentes autos

 

2 – Matéria de Facto

        A matéria de facto considerada relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)      A requerente era, no ano de 2014 proprietária de1/2 dos terrenos para construção inscritos, na matriz urbana da União de freguesias de … e … concelho de Aveiro, sob os artigos … e …, cada um com o VPT de € 1 870 420,00

b)      Foi notificada em Março de 2015 das respetivas liquidações conforme documentos 2015… e 2015…, cada uma no montante de € 9 352.10 para proceder ao pagamento da 1ª prestação em Abril de 2015, cada uma no montante de € 3 117.38.

c)       Contra as referidas liquidações apresentou reclamação graciosa em 05 de Agosto de 2015, com o fundamento na violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, uma vez que a sua quota-parte, por imóvel, ter um VPT inferior a € 1 000 000,00 previsto na verba 28 da TGIS e também por a edificação prevista ser habitação e serviços.

d)      A reclamação veio a ser deferida parcialmente sendo excluído da tributação o VPT correspondente à área de implantação da edificação destinada a serviços

Não existe factualidade dada como não provada que seja relevante para a decisão.

 

3        – Matéria de Direito

 

     3.1 - Quanto ao VPT sujeito a IS no caso de compropriedade

 

a)      A requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral considera, em primeira linha e em síntese, que a verba 28 da TGIS, incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios habitacionais ou terrenos para construção, cuja edificação prevista ou autorizada seja para habitação, desde que o seu VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

b)      Sustenta que os factos tributários previstos foram considerados reveladores de uma capacidade contributiva acrescida, justificando-se que os titulares dos prédios em questão sejam chamados a um contributo mais intenso com vista ao esforço de equilíbrio orçamental,

c)      Entende porém que no caso da compropriedade, dependerá do VPT da sua quota-parte ser igual ou superior a € 1 000 000,00., considerando ser diferente ser proprietário de um terreno para construção com um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, ou ser seu comproprietário.

d)     Como cada um dos lotes tem um VPT de € 1 870 420,00 o que equivale a que o VPT da sua quota ideal seja de apenas de € 935 210,00, inferior ao mínimo legalmente exigido para haver tributação em IS.

e)      Daí que se fosse proprietária singular de um terreno para construção com o VPT de € 935 210.00 e com edificação prevista ou autorizada fosse a habitação, não seria tributada em IS,

f)       Considera a sua capacidade contributiva, enquanto comproprietário, semelhante à do proprietário singular referido na alínea anterior e, ao não se entender assim, haverá uma clara violação do princípio da igualdade.

g)      Há pois que fazer uma aplicação da norma em conformidade com a constituição, por forma a conciliar a previsão da verba 28 da TGIS com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, para concluir que as liquidações do IS em questão são ilegais, por erro sobre os pressupostos e na interpretação da lei, uma vez que a quota-parte da requerente nos prédios em causa fica aquém do limiar de tributação previsto na norma, motivo pelo qual deverão ser anuladas o mesmo acontecendo com a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa.

h)      Por sua vez, a requerida considera que o quadro normativo que suporta as liquidações sindicadas, corresponde à tributação em IS ínsita na verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, resultando da mesma que a tributação é feita por prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja a habitação.

i)        A AT deve obediência à lei e ao direito, sendo a lei o fundamento e o limite da atividade administrativa, conforme decorre do princípio da legalidade, encontrando-se as liquidações em causa, por ela suportadas.

j)        Entende que a norma denota um claro respeito pelos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva conforme exemplifica quer com normativos constitucionais quer com a doutrina, concluindo que o pedido deverá ser declarado improcedente.

k)      Sintetizadas as posições da requerente e da requerida, procederemos de seguida a uma análise da norma de incidência do IS sobre prédios urbanos com afetação habitacional, ou terrenos para construção cuja edificação prevista ou autorizada seja a habitação

l)        A verba 28.1 da TGIS, na redação conferida pela Lei nº 83-C/2013 de 31 de Dezembro, sujeita a IS a propriedade, usufruto ou direito de superfície por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação prevista ou autorizada seja para habitação, quando o seu VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

m)     O legislador considerou que um terreno para construção com o VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 exterioriza riqueza suscetível de gerar uma capacidade contributiva mais elevada aos seus titulares, determinante para um contributo especial ao mesmo tempo que permitirá uma mais justa repartição do esforço fiscal exigido.

n)      Veja-se, por exemplo, que para efeitos de manifestações de fortuna a LGT no seu artigo 89º-A estabelece um montante de € 250 000,00, o que nos permite concluir que o legislador da verba 28.1 da TGIS pretendeu criar uma tributação excecional sobre terrenos para construção cujo VPT evidencie uma capacidade contributiva dos seus titulares superior à normal.

o)      A tributação é por prédio, sendo relevante o VPT total de cada um, quando igual ou superior a € 1 000 000,00´, há sujeição a IS independentemente da titularidade ser singular ou em compropriedade.

p)      A verba 28.1 da TGIS, na sua parte final, estabelece que o imposto do selo incide sobre o VPT utilizado para efeitos de IMI[8].

q)      No caso da compropriedade, cada comproprietário é responsável pelo pagamento do IS na proporção da sua quota-parte, conforme resulta do nº 1 do artigo 1405º do CC[9]., o que assegura que o seu contributo é compatível com os seus direitos sobre o imóvel em questão.

r)       Se o legislador pretendesse fazer a tributação por titular, teria optado por outra formulação para a norma, mas, como já se referiu, é perfeitamente claro que a tributação pretendida é por imóvel, quando o seu VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

s)       Entende o tribunal que o princípio da capacidade contributiva, na situação concreta, não está a ser violado, não só porque o valor escolhido pelo legislador para a tributação é manifestamente elevado e revelador de uma elevada capacidade contributiva, ao mesmo tempo que o comproprietário só é chamado a pagar o correspondente à sua quota-parte no imóvel.

t)       Quanto ao princípio da igualdade, também o tribunal entende não haver violação, na medida em que o mesmo terá de ser compatibilizado com o dever fundamental de pagar impostos, com o princípio da equidade social e com o da justiça fiscal, sendo legítimo ao Estado, com respeito pelo princípio da legalidade, criar impostos com vista à prossecução dos fins de interesse comum.

u)      Relativamente ao deferimento parcial da reclamação graciosa oportunamente apresentada pela requerente, entende o tribunal que nada há a criticar ao procedimento da AT uma vez que foi excluído da tributação o VPT correspondente à edificação respeitante a serviços

 

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:

a)      Declarar totalmente improcedente o pedido formulado pela requerente quer quanto à legalidade das liquidações quer quanto ao deferimento parcial da reclamação oportunamente apresentada pela requerente.

b)      Fixar o valor do processo € 18 704,20 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[10], artigo 97º-A do CPPT[11], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[12].

c)      Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 1 224,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, a cargo da requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Junho de 2016

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

O árbitro

 

 Arlindo José Francisco

 



[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[5] Acrónimo de Imposto do Selo

[6] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[7] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[8] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis

[9] Acrónimo de Código Civil

[10] Acrónimo de Código de Processo Civil

[11] Acrónimo de Procedimento e de Processo Tributário

[12]  Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária