Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 11/2015-T
Data da decisão: 2015-11-16  IMT  
Valor do pedido: € 17.684,26
Tema: IMT; direito à isenção; empreendimentos de utilidade turística; competência do tribunal arbitral
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DECISÃO ARBITRAL

 

Requerente: A…, Lda (doravante “Requerente”)

Requerido: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e “Requerida”)

 

 1. Relatório

A…, Lda, com o número de pessoa coletiva …, com sede em Rua…, n.º…, …, …-… Lisboa, doravante designado por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação oficiosa de IMT, constante do ofício n.º …, de 25 de Agosto de 2014.

A Requerente fundamenta a ilegalidade da liquidação de IMT e consequente anulação dos ato tributário, assente nos seguintes vícios:

A)                Caducidade do direito à liquidação;

B)                 Falta de fundamentação do ofício n.º … e do Relatório de Inspeção;

C)                 Direito à isenção de IMT nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.10;

A Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, defendeu inexistir qualquer ilegalidade porquanto em matéria de caducidade o prazo para a liquidação ser de oito anos nos termos do artigo 35º do CIMT, pelo que esta foi notificada dentro daquele prazo, a fundamentação da liquidação dar a conhecer a razão pela qual não se verificam os pressupostos para a isenção, reiterando nesta matéria de não direito à isenção, o posicionamento já assumido por diversas decisões arbitrais em casos similares, concluindo assim pela improcedência do pedido de anulação do ato tributário suscitado pelo Requerente.

O árbitro único foi designado e nomeado em 27.02.2015.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 16.03.2015.

Foram produzidas alegações escritas e simultâneas pelo Requerente e Requerida, no qual e em suma se reiteraram os posicionamentos já firmados em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral, quer de Resposta, respetivamente.

 

2. Saneamento

2.1. Exceções invocadas:

i) Da incompetência do tribunal:

Em matéria de exceções, a Requerida arguiu a incompetência deste tribunal para efeito de conhecer da invocada falta de fundamentação do ofício n.º … e do Relatório de Inspeção, na medida em que tal invocação equivale à impugnação desse mesmo ofício e relatório inspetivo, sendo que nos termos do artigo 2º do RJAT, apenas é passível de ser apreciada a ilegalidade do ato tributário, no caso de liquidação de IMT.

Relativamente a esta matéria, contraditou a Requerente, pugnando pela improcedência de tal exceção de incompetência, aduzindo que tal matéria relativa à falta de fundamentação apontada quer ao ofício, quer ao relatório de inspeção consubstanciam uma ilegalidade do ato tributário, enquadrável nos termos do disposto na al. c) do artigo 99º do CPPT.

Apreciemos,

A Requerida levou a efeito procedimento inspetivo, o qual culminou na emissão de liquidação de IMT, cujo juízo sobre a sua ilegalidade a Requerente suscitou através do Pedido de Pronúncia Arbitral que ora em apreço.

Imputa o Requerente, entre outros fundamentos, a existência de falta de fundamentação quanto à liquidação de IMT veicula através do ofício n.º …, de 25.08.2014, bem como assim ao relatório inspetivo.

Ora, se quanto à liquidação de IMT em causa, estamos perante o ato tributário objeto dos presentes autos, dificilmente se perceberia como tal ato potencialmente lesivo na esfera do respetivo sujeito passivo do imposto poderia não ter enquadramento no âmbito da competência deste tribunal para efeitos da apreciação dos vícios a este assacados.

Nos termos do artigo Artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária:

“1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; “  

Ante a leitura do preceito vindo de citar, designadamente da al. a) do seu n.º 1, fica pois verificado que o pedido de ilegalidade assente na invocada falta de fundamentação da liquidação de IMT se enquadra e indubitavelmente se subsume no âmbito da competência deste tribunal.

Igualmente vem arguido pela Requerida, idêntica incompetência deste tribunal para conhecer da falta de fundamentação referente ao relatório de inspeção de que a Requerente foi notificada.

No âmbito do contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária e nos procedimentos tributários que conduzem a um ato de liquidação de imposto, como é o caso em apreciação, a esfera jurídica do sujeito passivo contribuinte apenas é atingida com o ato de liquidação, de onde é este o ato final suscetível de impugnação, pelo que o relatório de inspeção que precede essa mesma liquidação de imposto não é, em si mesmo, um ato imediatamente lesivo dos interesses e direitos do contribuinte, uma vez que não produz quaisquer efeitos jurídicos autónomos e diversos dos efeitos jurídicos produzidos pelo ato final de liquidação.

Tal asserção resulta evidenciada do artigo 54º do CPPT, nos termos do qual: “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

Significando o exposto, que ao Requerente não era permitido, em momento anterior à liquidação de IMT, desencadear impugnação contenciosa relativamente a qualquer ato do procedimento tributário a montante desse mesmo ato tributário final, a liquidação de IMT.

Destarte, após a liquidação de IMT, esta é a primeira oportunidade processual que o Requerente tem, enquanto sujeito passivo do imposto, de colocar em crise em sede de impugnação contenciosa, qualquer ato do procedimento tributário que antecedeu aquela.

Neste sentido, não sendo o relatório de inspeção um ato destacável e suscetível de impugnação autónoma no âmbito do procedimento tributário em que se insere, a invocada falta de fundamentação do relatório de inspeção apenas poderia ser colocada em crise (através de Pedido de Pronúncia Arbitral ou de impugnação para o tribunal tributário) após o culminar desse mesmo procedimento, pelo que é esta a instância processualmente adequada para suscitar, relativamente à referida causa de pedir, a aventada desconformidade legal.

Alegada desconformidade essa que, a proceder, colocaria em crise a legalidade em concreto do ato tributário de liquidação cuja apreciação se enquadra no âmbito da competência do presente tribunal arbitral, em conformidade com a previsão decorrente da al. a) do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

Ante o exposto, não pode obter provimento a exceção de incompetência deste tribunal para conhecimento da falta de fundamentação do ofício n.º … e bem assim a relativa ao relatório inspetivo.

*

O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não padece de qualquer nulidade, não existem exceções que obstem à apreciação do mérito da causa, o pedido é tempestivo, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

  3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.      Em 11 de agosto de 2010, na sequência da apresentação pela Requerente de declaração Modelo 1, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa- … o documento n.º…, sem qualquer valor a pagar a título de IMT, de acordo com o benefício 33 –utilidade turística – artigo 20º do DL 423/83, de 5 de Dezembro.

2.      Por escritura pública celebrada em 19 de Agosto de 2010, através de escritura pública de compra e venda, a Requerente adquiriu, pelo preço de € 235.372,00, a que acresceu IVA no valor de € 49.426,02 à sociedade B…, S.A., a fracção autónoma designada pelas letras BP do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, sob o artigo provisório…, integrado no empreendimento turístico “…”.

3.       Considerando ter sido atribuída ao referido empreendimento a utilidade turística a título prévio, conforme despacho n.º …/2010, proferido pelo Gabinete do Secretário de Estado do Turismo e publicado no jornal oficial, 2ª Série, n.º…, de… de…de 2010, foi consignado na referida escritura que a transmissão se encontrava isenta de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

4.      Na mesma data da referida escritura pública, foi celebrado entre “B…, S.A” - e o Requerente um contrato de exploração turística relativo à fracção imobiliária adquirida pelo Requerente, em que este cedeu àquela sociedade o direito de exploração turística da fração em regime de exclusividade.

5.      Através de publicação em Diário da República, 2ª séria, veio a ser confirmada pelo Gabinete do Secretário de Estado do Turismo a utilidade turística anteriormente atribuída a título prévio ao Hotel …, por um prazo de sete anos, contados da data do alvará de utilização turística n.º …/2010, emitido pela Câmara Municipal de … em 19 de Abril de 2010. 

6.       Por via de acção inspectiva efectuada pela Direcção de Finanças de …, concluíram os serviços de inspecção tributária que aquela transmissão não reunia os pressupostos legais da isenção acima referida, apoiados no seguinte:

“1. A…, Ld.ª, contribuinte n.º…, representada no ato por …, NIF…, adquiriu por escritura lavrada em 19/08/2010, no Cartório do Notário … , em Lisboa, lavrada de fls. 13 a fls. 15 verso do livro n.º 34, à sociedade B…, SA, contribuinte n.º…, representada no ato por …, NIF…, pelo preço de  235.362,00 €, acrescido de IVA à taxa de 21%, no montante de 49.426,02, a liquidar pela adquirente, a fração autónoma designada pelas letras “BP”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na respetiva matriz da freguesia e concelho de … (…) sob o artigo n.º… .

Entre os documentos que a referida escritura refere como arquivados constam: - Declaração para liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis n.º…, liquidada em 11.08.2010, no montante de 0,00 € (Benefício 33 - Utilidade Turística, Art.º 20 do D.L. 423/83). – Declaração para liquidação do Imposto de Selo – verba 1.1., liquidada em 11.08.2010, no montante de 0,00 € (Benefício 25 – Não sujeição de IS – Ato sujeito a IVA – Artigo 1º, n.º 2 do CIS).

2. No que se refere ao Imposto de Selo o disposto no art.º 1º, n.º 2, do respetivo código estabelece que não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas pelo que não haverá lugar a qualquer correção.

3. No que se refere ao Imposto a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis haverá a considerar o seguinte:

a) No D.R., 2ª Série – N.º…, de …/…/2010, foi publicado o Despacho n.º …/2010, do Gabinete do Secretário de Estado do Turismo, que atribui a utilidade turística, a título prévio, ao Hotel …, requerida pela sociedade B…, SA.

b) No D.R., 2ª Série – N.º …, de …/…/2011, do Gabinete do Secretário de estado do Turismo, foi confirmada a utilidade turística atribuída a título prévio ao Hotel …, valendo pelo prazo de sete anos, contado da data do alvará de autorização de utilização turística n.º …/2010, emitido pela Câmara Municipal de … em 19 de Abril, ou seja, até 19 de Abril de 2017.

3. Na escritura acima identificada foi reconhecida isenção de IMT, pelo notário, baseando-se no n.º 1 do artigo 20º do DL 423/83, de 5 de Dezembro, o qual refere que: “São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto de selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a título prévio…”  

4. No dispositivo legal acima referido excluem-se os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados, que não sejam objeto de remodelação ou ampliação. A intenção em conceder tais benefícios a estas aquisições visa, tão-somente, fomentar o investimento e impulsionar a atividade turística para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos, e não quando se trate da mera aquisição de frações integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração. Este entendimento vai de acordo com a decisão emanada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2013, processo n.º 968/12 -2ª Secção (publicado no DR 1ª Série, n.º 44 de 4 de Março de 2013), proferido em julgamento ampliado, nos termos do artigo 148º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA), no qual se pode ler: “…O legislador pretendeu impulsionar a atividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/iniciar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar as frações existentes) e não quando se trate da mera aquisição de frações (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.” (…) “…Quem adquire as frações não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final ,…” (…) “Não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integrados no empreendimento em causa encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no n.º 1 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 423/83”

5. Pelo que foi referido concluímos que a isenção do IMT no caso presente foi indevidamente reconhecida pelo notário porque a aquisição do prédio por parte da “A…” não se destinou à instalação do empreendimento onde o mesmo se insere, uma vez que à data da aquisição o mesmo já se encontrava instalado.

6. Assim, do reconhecimento indevido da isenção resultou na falta de entrega de IMT como se demonstra no quadro seguinte.

Descrição

 

Valor de aquisição

235.362,00

Valor patrimonial, à data da transmisão

42.330,00

Matéria coletável (art.º 12º CIMT

235.362,00

IMT em falta (art.º 17º CIMT)

15.298,53

   ”

7.      Pelo ofício n.º …, de 25.08.2015, o Serviço de Finanças de…, procedeu à notificação da liquidação de IMT, através da qual constam € 15.298,53 a pagar no prazo de 30 dias a título de IMT e de € 2.385,73 referentes a juros compensatórios.

8.      Em 05.01.2015 foi apresentado, via plataforma informática, o pedido de pronúncia e de constituição de tribunal arbitral pelo Requerente.

9.      O Requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial;

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, bem como na aceitação da Requerente e Requerida quanto à matéria de facto trazida para estes autos e o posicionamento tomado por cada uma delas.

 

3.3. Factos não provados

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação das questões erigidas nestes autos, as quais se reconduzem a questões de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

4. Matéria de direito:

4.1.Objeto e âmbito do presente processo

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMT, notificado à Requerente através do ofício nº … do ano de 2013, e tem por causa de pedir a caducidade do direito à liquidação, a falta de fundamentação de tal ato tributário e a ilegalidade da interpretação (perfilhada pela Autoridade Tributária) segundo a qual a Requerente não tem direito à isenção de IMT pela aquisição da fração supra identificada.

Face ao sobredito, atento o disposto no artigo 24º do CPPT, aplicável por força da al. a) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT, importa conhecer dos vícios que vêm apontados ao ato tributário de IMT objeto destes autos arbitrais, atento tal critério.   

 

4.2. Da alegada caducidade do direito da Autoridade Tributária proceder à emissão de liquidação de IMT

Defende a Requerente que, atenta a subsunção da liquidação objeto dos autos à previsão dos artigos 78º da Lei Geral Tributária e 31º do CIMT, o prazo para a Autoridade Tributária proceder ao apuramento do IMT devido por tal aquisição imobiliária é de quatro anos e não de oito, razão pela qual a liquidação, a qual reputa de adicional, notificada para além dos versados quatro anos, através do ofício n.º … do Serviço de Finanças de Lisboa-…, é ilegal.

Vejamos,

Nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária.”

Por seu turno, dispõe o artigo 31º do versado compêndio legal que:

“1 - Em caso de omissão de bens ou valores sujeitos a tributação ou havendo indícios fundados de que foram praticados ou celebrados actos ou contratos com o objectivo de diminuir a dívida de imposto ou de obter outras vantagens indevidas, são aplicáveis os poderes de correcção atribuídos à administração fiscal pelo presente Código ou pelas demais leis tributárias.

2 - Quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional.

3 - A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º.

4 - A liquidação adicional deve ser notificada ao sujeito passivo, nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fim de efectuar o pagamento e, sendo caso disso, poder utilizar os meios de defesa aí previstos.”

Resulta assim da interpretação concatenada das normas vindas de citar a existência de dois prazos distintos para efeitos de se proceder à emissão de liquidações de IMT, a saber: quatro e oito anos.

 

Prazo de quatro anos este, aplicável quando se esteja perante liquidação adicional e sempre considerando as exceções previstas no n.º 3 do artigo 35º do CIMT, em caso de omissão de bens ou valores.

E um prazo de oito anos aplicável às situações em que não esteja em causa a correção de liquidações anteriores, isto é, que não configurem liquidações adicionais para efeitos do artigo 31º do CIMT.

Assim, a questão a decidir passa necessariamente por perceber se a liquidação emitida e notificada à Requerente pela Requerida através do ofício n.º…, configura ou não uma liquidação adicional, para a partir de tal qualificação, poder extrair o enquadramento aplicável a este ato tributário em matéria de prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT em causa.

Para tal desiderato - qualificação da liquidação objeto destes autos arbitrais – importa, antes de mais e pelo exposto, perceber se o documento extraído pelo Serviço de Finanças Lisboa- … em 11.08.2011 e a que se refere o ponto 1. dos factos provados, configura ou não uma liquidação de imposto, in casu de IMT.

Entendemos que não.

Na verdade, qualquer caraterização da liquidação tributária não poderá deixar de revelar uma operação aritmética de aplicação da taxa de imposto à matéria coletável previamente determinada.

Isto é, o conceito de liquidação encerra necessariamente uma operação de apuro quantitativo relativamente ao encargo fiscal a suportar pelo sujeito passivo da relação jurídico-tributária.

Tal não significa que desse apuro relativamente ao quantum, tenha de imprescindivelmente resultar um valor final a pagar pelo contribuinte, já que as próprias regras de apuramento do imposto podem determinar que o resultado dessa liquidação seja nulo em termos do encargo fiscal para o sujeito passivo do imposto, situação essa facilmente ilustrável, por exemplo, em sede de IRS, em que, quer por via dos concretos rendimentos auferidos, quer por via dos montantes já entregues ao credor tributário a título de retenção na fonte, o resultado final da operação aritmética de apuramento do imposto seja nula ou de zero a nível de imposto a pagar aquando da liquidação do imposto em causa.

Ora, como facilmente se alcança, a circunstância de o resultado final de tal apuramento ser de “zero” imposto a pagar (ou a receber) não elimina ou anula o elemento essencial e caraterizador dessa mesma liquidação que é a existência do próprio apuramento quantitativo através de operações aritméticas com vista a apurar sobre a existência ou não de imposto a pagar ou a ser reembolsado.

Assim mesmo, não colhe, neste entendimento, o argumento da Requerida segundo o qual, tendo a liquidação um resultado de “zero” de imposto a pagar, tal inviabilizaria a qualificação de tal documento enquanto liquidação.

Mas igual dissentimento não ocorre relativamente ao argumento da inexistência do apuro aritmético/quantitativo, na medida em que, como se demonstra através da leitura do referido documento, do mesmo não resulta a efetivação de qualquer apuro aritmético com vista à determinação do IMT, isto é, em momento algum se procede, por exemplo, à aplicação da taxa de IMT sobre a matéria coletável.

E tal não sucedeu por força do funcionamento da isenção a coberto da qual a Requerente apresentou a declaração Modelo 1: Transação isenta de IMT nos termos do n.º 1 do artigo 20º do 423/83, de 5/12.

Ou seja, o Serviço de Finanças de Lisboa- … nem sequer procedeu a qualquer apuramento do imposto que seria devido por via de tal transmissão, porquanto o acionamento (correto ou incorreto) da isenção a coberto da qual a Requerente apresentou essa mesma declaração, acabou por prejudicar a possibilidade de a Autoridade Tributária proceder a qualquer apuro quanto ao IMT eventualmente devido por via de tal transmissão da fração autónoma.

Face ao circunstancialismo vindo de expender, não é pois possível ou viável qualificar a liquidação de IMT sub judice como uma liquidação adicional, visto que esta não foi precedida de qualquer outra liquidação de imposto que esta última visasse corrigir, porque e como supra se assentou, o funcionamento da isenção prejudicou e inviabilizou qualquer apuro aritmético através da aplicação da taxa à matéria coletável previamente determinada.

Neste sentido, não podemos deixar de aqui parcialmente reproduzir jurisprudência anterior dos tribunais superiores, a qual, não obstante ainda se debruçar sobre o já revogado Código da Sisa, toma posição sobre idêntica temática de fundo.

Assim, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0153/11, de 18.05.2011, firmando: “Como resulta do probatório, o recorrente adquiriu o prédio referido nos autos em 4/6/2001, tendo ficado isento de sisa, por força do disposto no artigo 7.º do DL 540/76, de 9 de Julho.

Em virtude de ter sido objecto de um procedimento interno de inspecção, foi apurado que, afinal, o valor real da transacção foi superior ao declarado, sendo devida, por isso, sisa que foi, assim, liquidada e notificada ao recorrente em 7/7/2005.

Alega o recorrente que o facto da transmissão ter ficado isenta de sisa implica necessariamente que tenha havido uma liquidação, pois o reconhecimento da isenção implica que exista facto tributário e consequente liquidação de imposto que só não deu lugar a pagamento de imposto, por força dessa mesma isenção.

E, a ser assim, a liquidação impugnada não é uma liquidação “ex novo”, como foi considerada na decisão recorrida, mas sim uma liquidação adicional. Não tem, porém, razão o recorrente.

Com efeito, a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes.
O seu objectivo é apenas apurar a diferença de imposto de forma que ao contribuinte seja exigido, no total, importância igual à que resultaria de liquidação efectuada de uma só vez – cfr., neste sentido, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, in Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, volume II, pág. 992.
Ora, neste caso, quando foi efectuada a escritura de compra e venda não foi efectuada qualquer liquidação dado que o recorrente beneficiava de isenção de sisa ao abrigo do artigo 7.º do DL 540/76 (poupança – conta emigrante).
É certo que ocorreu o facto tributário mas daí não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação da qual não teria resultado imposto a pagar por dele estar o recorrente isento; pelo contrário, por força dessa isenção, não se procedeu, então, a qualquer liquidação de sisa.

A liquidação que veio posteriormente a ser efectuada em consequência da inspecção levada a cabo ao recorrente não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.

Daí que, como se entendeu na decisão recorrida, o artigo 111.º, § 3.º do CIMSISSD não tenha aqui aplicação e, sendo o prazo de caducidade o previsto no artigo 92.º do mesmo Código – oito anos, não se verifica a alegada caducidade do direito à liquidação, uma vez que à data em que o recorrente foi notificado da liquidação, em 7/7/2005, não tinham ainda decorrido oito anos desde a data da transmissão (4/6/2001).”

Destarte e não perdendo de vista o caso dos vertentes autos, temos que, à semelhança da situação relatada no recurso cujo trecho se acabou de citar, não houve, por força de uma isenção (correta ou incorreta) do imposto, não se levou a efeito qualquer liquidação.

Não se tendo efetuado quaisquer operações de liquidação tendentes ao apuro do IMT a pagar, por força da operacionalização de suposta causa de isenção de IMT sobre tal transmissão, não se poderá deixar de concluir que a liquidação objeto dos presentes autos arbitrais não é suscetível de ser qualificada como uma liquidação adicional, razão pela qual dispunha a Autoridade Tributária de um prazo de oito anos para a emissão da liquidação de IMT em apreço, em conformidade e respeito com o estatuído no n.º 1 do artigo 35º do Código do IMT

De onde, considerando o sobredito prazo aplicável e independentemente dos dois termos iniciais possíveis constantes da norma em apreço, a liquidação em causa foi emitida e notificada dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação de que a Autoridade Tributária dispunha, não podendo pois obter provimento o fundamento relativo à caducidade do direito à liquidação invocado pela Requerente.

 

4.3. Da Falta de Fundamentação:

Sustenta a Requerente que a liquidação de IMT emitida e notificada pela Autoridade Tributária se encontra eivada do vício de falta de fundamentação, nomeadamente por violação do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 123º do CPA, anulável nos termos do artigo 135º do CPA, porquanto a liquidação não dá a conhecer, com suficiência, os elementos essenciais que sustentam a liquidação, não permitindo assim acautelar os direitos de recurso e de impugnação da Requerente. Vejamos,

A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, de molde o sujeito passivo possa da relação jurídico-tributária consiga aferir o raciocínio seguido pela Autoridade Tributária para decidir em determinado sentido e não noutro.

O dever de fundamentação visa, deste modo, permitir a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e, a partir dessa perceção, poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação dessa mesma decisão proferida pela Autoridade Tributária.

Assim se justifica que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária imponha que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar eventual reação face a tal decisão da administração.

Ora, face ao teor da liquidação notificada à Requerente, verifica-se que a mesma contém, não só as disposições legais aplicáveis e qualificação dos factos tributários, bem como também a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo

Pese embora a liquidação colocada em crise contenha todos os elementos impostos pelo artigo 77º nº 2 da LGT, importa averiguar se esses elementos serão suficientes para se poder afirmar que os deveres de fundamentação do acto estão, in casu, devidamente preenchidos.

É que, e como bem refere a Requerente, o dever de fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto administrativo e da circunstância em que o mesmo foi praticado.

Neste sentido, tem vindo a ser defendido que as exigências de fundamentação do acto tributário não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido.

Pese embora a Requerente alegue no sentido da falta de fundamentação, a verdade é que, atendendo à fundamentação do pedido de pronúncia arbitral efetuada pela Requerente a propósito do seu direito à isenção, resulta que esta percebeu exatamente qual o caminho trilhado pela Autoridade Tributária conducente à liquidação de IMT, pelo que não vislumbramos a existência do apontado vício formal.

Isto porque, conforme é aceite de forma pacífica pela jurisprudência, “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”[1].

No caso em apreciação, verifica-se que a Requerida Autoridade Tributária deu a conhecer, através do relatório de inspeção, a fundamentação pela qual, na perspetiva daquela, a Requerente não podia beneficiar da isenção de IMT.

E tal fundamentação passou pelo facto de a Requerente não ter, através da aquisição da fração autónoma, criado ou construído um estabelecimento turístico, mas isso sim, por ter procedido à aquisição visando a exploração de um empreendimento já existente.

Concluindo a Autoridade Tributária, que face a tal factualidade, não se verificaria o pressuposto de que a aquisição teria de visar a instalação de um empreendimento turístico.

Ora, do teor do relatório de inspeção que subjaz à liquidação de IMT, resultam de forma expressa, suficiente e congruente as razões de facto e de direito em que se respalda tal posicionamento da Autoridade Tributária.

Se estes pressupostos e razões aportados pela Autoridade Tributária para o relatório inspetivo são ou não substantivamente válidos é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.

Aliás, visto o teor do argumentado pela Requerente neste particular, percebe-se que a questão é, isso sim, do domínio da interpretação do quadro legal substantivo aplicável e não tanto da omissão de quaisquer elementos essenciais para a compreensão da decisão que conduziu à liquidação de IMT sub judice.

In casu, fica patenteado o critério (mal ou bem) trilhado pela Autoridade Tributária, o qual assenta no facto de, por via da aquisição, não se ter criado ou construído um empreendimento turístico, uma vez que este já existia, assim considerando que o mesmo se encontrava já instalado.

 E, como se salienta no acórdão do STA, de 02.02.2006, in recurso nº 1114/05, «este dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.»

Como tal, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.


Socorrendo-nos da linguagem jurisprudencial, o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do autor do ato.

Sendo, assim, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.

No caso vertente, temos que a Autoridade Tributária expôs de forma expressa os fundamentos pelos quais considera não se verificarem os pressupostos para que a Requerente possa beneficiar da isenção de IMT aquando da aquisição da fração autónoma no empreendimento já supra identificado, sendo que a conjugação dos pontos 1. a 5. do relatório inspetivo superam o crivo de exigência em matéria de suficiência, clareza e congruência formal da argumentação convocada pela Autoridade Tributária para concluir como aí o fez.

Nestes termos, entende-se que, in casu, resulta suficientemente percetível para um destinatário médio, colocado na posição do destinatário concreto, qual a fundamentação do ato tributário ora colocado em crise, devendo a alegação da Requerente improceder nesta parte.

 

4.4. Do direito à isenção do IMT por aplicação do artigo 20º do DL n.º 423/83, de 05.10:

Por último, defende a Requerente ser igualmente ilegal a liquidação de IMT em apreço, porquanto a fase de instalação só se conclui quando se possa iniciar a exploração turística, o que sucedeu, na ótica desta, com a aquisição pela Requerente da fração autónoma em causa.

Vejamos,

O art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, dispõe:
“1- São isentas de IMT (…) as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.


2- A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.”
 

Desde logo, visto o teor literal do normativo vindo de citar, resulta que se está perante um isenção fiscal objetiva, dado pretender beneficiar a atividade instaladora do empreendimento, na medida em que podem apenas beneficiar da isenção as empresas que se dediquem a instalar empreendimentos turísticos e não também as entidades que pretendam dedicar-se à atividade de exploração dos mesmos. 

Considerando o vindo de expor, necessário se torna, para uma correta análise e apreciação relativamente ao direito da Requerente em beneficiar de tal isenção, proceder à densificação do conceito de instalação utilizado pelo legislador no n.º 1 do artigo 20º do DL 423/83, de 05.10.

Assim sendo, para tal efeito, não podemos deixar de levar em consideração o relevante número de arestos já proferidos pelos tribunais superiores, nomeadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, com especial relevância para a existência de uma decisão proferida em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, em 23 de Janeiro de 2013, no processo n.º 968/12, e o qual deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 4 de Março de 2013.

No âmbito do referido aresto, procedeu-se à interpretação literal do art. 20º, nº 1, do DL 423/83, em conjugação com outras normas do mesmo diploma (artigos 16º, nº 2, e 20º, nº 2), bem como se levou em consideração a legislação anterior e posterior ao DL 423/83, no intuito de densificar o conceito de "instalação".

Ante tal levantamento exaustivo, não só do ponto de vista da interpretação literal da norma, mas como também do elemento histórico e teleológico, não podemos deixar de acompanhar o posicionamento e entendimento vertido no referido aresto uniformizador de jurisprudência, ao qual coube o n.º 3 de 2013.

Face à adesão que ora se efetiva ao posicionamento aí vertido, impõe-se aqui citar o sumário do versado acórdão:

 "I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º e segs.).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante".   

 


Visto o alegado pela Requerente em matéria do seu direito à isenção, não se verifica a comprovação, nem tão pouco a invocação de qualquer matéria factual que permita subsumir a sua atuação no conceito de “instalar” para efeitos do artigo 20º do DL 423/83, de 05.10, o qual nos é dado através do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, diploma legal este que regula o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos.

Isto porque, na verdade, a Requerente se limita a referir que a instalação do empreendimento em causa se deve ter por finalizada aquando da aquisição por esta da referida fração, porquanto só aí tal fração se tornou apta à exploração turística.

Ora, não acompanhamos, pelo exposto nos pontos sumariados no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3 de 2013, a asserção efetuada pela Requerente, porquanto esta não alega qualquer factualidade que permita integrar a sua concreta atuação dentro do âmbito e do leque de atividades subsumíveis ao conceito de instalação, tal como legalmente definidas no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, sendo certo que à data da aquisição da fração já estava inclusivamente concedido o alvará de utilização turística do empreendimento, o que leva a concluir que nada obstaria a que já em 19 de Abril de 2010 o empreendimento estivesse já em funcionamento, o que, de resto, a Requerente nem sequer infirma.

Importando reter, a este propósito, que estando-se, como se está, perante benefícios fiscais, o ónus da prova quanto à verificação dos pressupostos conducentes a essa mesma não-tributação por via de isenção, constituem um ónus probatório imputável ao sujeito passivo que dessa não-tributação pretenda beneficiar, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária.

 

A este respeito, igualmente acompanhamos o sentido da jurisprudência que sobre tal questão se tem pronunciado, segundo a qual:

Mesmo em data anterior à da entrada em vigor da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de um direito à isenção do tributo ou de um outro direito pretendido exercer perante a AT, radicava-se no sujeito passivo do imposto que não nesta, tendo a causa de ser julgada contra a parte onerada com tal ónus quando a realidade dos factos, por outra via, também se não logra obter.[2]

Em idêntico sentido, Atento o disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T., é ao sujeito passivo de imposto que compete fazer prova dos pressupostos de sujeição ao regime de determinado benefício fiscal, enquanto facto impeditivo da tributação-regra.[3]


Ante o exposto, não pode deixar de se concluir que a Requerente nada aportou em matéria de prova que permita enquadrar a sua atuação no conceito de instalação a que se refere o artigo 20º do DL 423/83, de 05.10, conceito este que sempre teria de se colher do disposto no Decreto Lei 39/2008, de 07.03., antes decorrendo da prova efetuada nestes autos uma intervenção da Requerente apenas ao nível da exploração e após o licenciamento do empreendimento, logo a posteriori da instalação deste, o que, por si só, à luz da jurisprudência que supra se alinhou, não permite à Requerente beneficiar do benefício fiscal constante do artigo 20º do DL 423/83, de 05.10.

Pelo exposto, censura alguma merece a liquidação de IMT ora em apreciação.

 

 

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:

1.      Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IMT, por não verificação de qualquer dos vícios que lhe vinham apontados pela Requerente.

2.      Condenar a Requerente ao pagamento das custas nos termos da Tabela I do RCPTA, calculadas em função do valor da causa - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º, n.º 2, al. a) e 22º, n.º4, do RJAT

 Valor da causa€ 17.684,26 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa, 16 de Novembro de 2015.

O árbitro singular

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

 

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 



[1]              Acórdão do STA, de 30/01/2013, proc. 0105/12,

[2]              Acórdão n.º 05079/11 do TCA Sul , de 24.01.2012

[3]              Processo n.º 6629/13, de 02.07.2013, proferido pelo TCA Sul