Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 109/2012-T
Data da decisão: 2013-04-11  IRC  
Valor do pedido: € 69.462,97
Tema: Falta de fundamentação, ónus da prova, definitividade da liquidação e ilegalidade específica da liquidação de juros compensatórios
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Arbitragem Tributária

Proc. nº 109/2012 –T

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ACÓRDÃO

 

I - RELATÓRIO

 

… –, SA, contribuinte n.º …, com sede na Rua … - doravante designada também por “Requerente” ou “Autora”,

veio requerer, em 10-10-2012, a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 10º e seguintes, do RJAT (DL nº 10/2011) e 99º e seguintes, do CPPT formulando pedidos de anulação das liquidações de IRC com o nº 2011 …, de 9 de maio de 2011 e de juros compensatórios com o nº 2011 …,  de 16 de maio de 2011, no montante total de € 69.462,97 (Docs 1 e 2, juntos com o requerimento inicial) e, subsidiariamente, a declaração de suspensão do procedimento arbitral até prolação de decisão final em causa pendente cujo pedido é a elisão do valor de transmissão dos imóveis objeto das liquidações em apreço.

A Requerente invocou designadamente os seguintes vícios dos citados atos tributários:

A – Falta de fundamentação da liquidação de IRC nos termos do artigo 77º, da LGT [Cfr. arts 90 a 110, do requerimento];

B – Incumprimento do ónus da prova – artigo 74º, da LGT [Cfr. arts 111 a 126];

C – Não definitividade da liquidação [Cfr. arts 127 a 144];

D – Ilegalidade específica da liquidação de juros compensatórios [Cfr. arts 145 a 159].

Requereu ainda a suspensão da instância fundada na pendência de causa no Tribunal Administrativo e Fiscal de … cujo objeto é o pedido de elisão do valor de transmissão dos imóveis objeto dos atos tributários em causa nestes autos (artigos 139º, do CIRC e 279º, do CPC, aplicável por remissão do artigo 2º, do CPPT).

Alegou, no essencial, o seguinte quadro factual:

 

  1. A parte correspondente a 90/100 avos do prédio descrito sob o artigo … da freguesia de …, … e …, concelho de …, foi alienada pela Requerente pelo valor de €24.690,50.
  2. A parte correspondente a 10/100 avos do mesmo prédio, que pertencia à sociedade B…, foi alienada pelo valor de €2.473,38, o que significa que o valor de venda da totalidade do mesmo prédio foi de €27.433,88.
  3. Em Dezembro de 2007 o referido imóvel foi avaliado pela AT, nos termos das regras de avaliação de imóveis previstas no Código do IMI, tendo sido atribuído o valor patrimonial tributário de €63.170,00.
  4. Uma vez que a Requerente transmitiu a parte correspondente a 90/100 avos do prédio, o valor patrimonial tributário correspondente à parcela do imóvel transmitida é de €56.853,00.
  5. A diferença entre o valor de transmissão da parcela correspondente a 90/100 avos do imóvel e o valor resultante da avaliação da mesma, correspondente ao valor total de € 32.162,50.
  6. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  7. Em 5 de Março de 2007 a Requerente alienou a parte correspondente a 90/100 avos do prédio urbano composto por parcela de terreno para construção urbana, com a área de 524,7 m2, designado pelo lote 252, situado em …, freguesia da …, … e …, concelho de …, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz predial da mesma freguesia sob o artigo ….
  8. O preço total de venda do imóvel foi no valor de €65.000,00.
  9. A Requerente apenas recebeu a parte correspondente a noventa por cento do preço de venda do imóvel, ou seja, apenas recebeu o valor de €58.500,00.
  10. Em Maio de 2007 o prédio foi avaliado pelo Serviço de Finanças de …, por aplicação das regras do CIMI, pelo valor total de €71.180,00.
  11. O valor patrimonial resultante da avaliação, correspondente à parcela de 90/100 avos do prédio transmitido tem o valor total de €64.062,00.
  12.  Subtraindo ao valor correspondente ao valor patrimonial da parcela transmitida, o valor de transmissão do imóvel, apuramos uma diferença positiva correspondente a €5.562,00.
  13. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  14. Em 26 de Março de 2007, a Requerente alienou o prédio urbano constituído por lotes de terrenos para construção, sito na …, designado por lote …, na freguesia da …, … e …, concelho de …, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, da referida freguesia, com a aquisição registada pela inscrição …, apresentação …, de 5 de Novembro de 1996, inscrito na matriz predial da mesma freguesia com o n.º ….
  15. Conforme resulta do mesmo documento, o referido prédio foi transmitido pelo valor total de €70.000,00,
  16. Sendo que, tendo a Requerente transmitido a parcela correspondente a 90/100 avos do valor do imóvel, o valor de venda da parcela de terreno da Requerente é de €63.000,00.
  17. O referido prédio foi avaliado pelo 1.º Serviço de Finanças de … pelo valor de €79.100,00, o que significa que a parte correspondente a 90% do valor do imóvel corresponde ao valor de €71.190,00,
  18. O que significa que existe uma diferença correspondente a €8.190,00 entre o valor correspondente à parcela transmitida, e o valor patrimonial tributário resultante da avaliação nos termos do CIMI.
  19. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  20. Em 23 de Março de 2007 o Requerente alienou a parte correspondente a 90/100 avos do prédio urbano constituído por lote de terreno para construção, sito na …, designado por lote 266, da freguesia de …, … e …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, de inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia.
  21. O prédio foi transmitido pelo valor total de €39.903,83 sendo que, ao valor correspondente a 90% (noventa por cento) do prédio corresponde o valor total de €35.913,45.
  22. O prédio foi objecto de avaliação pelo 1.º Serviço de Finanças de …, de acordo com as regras previstas no CIMI, apenas em 2010 (oficio n.º … de 11 de Maio de 2010).
  23. O referido Serviço de Finanças fixou ao imóvel o valor patrimonial tributário de €82.260,00.
  24. É de €74.034,00 o valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário total do imóvel, determinado nos termos do CIMI.
  25. Neste sentido, existe uma diferença positiva correspondente a €38.120,55 entre o valor correspondente a 90% do patrimonial tributário do imóvel e o valor de transmissão do imóvel.
  26. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  27. Em 26 de Março de 2007 a Requerente alienou o prédio urbano composto por uma parcela de terreno para construção, urbana, designada por lote n.º 207, com a área de 523,5 m2 sito em …, freguesia de … e …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … e descrito sob o artigo matricial com o n.º … da mesma freguesia.
  28. Conforme consta da mesma escritura, o valor de transmissão do imóvel foi de €65.000,00.
  29. Uma vez que a Requerente apenas transmitiu a parte correspondente a 90/100 avos do imóvel (que lhe pertencia), o valor de transmissão do prédio para a Requerente foi de €58.500,00.
  30. Em Março de 2008 o prédio foi objecto de avaliação pelo 1.º Serviço de Finanças de …, que fixou ao mesmo o valor patrimonial tributário correspondente a €69.930,00.
  31. Neste sentido, o valor patrimonial tributário correspondente à parcela de terreno que foi transmitida pela Requerente (90/100 avos) é de €62.937,00.
  32.  Por conseguinte, existe uma diferença de €4.437,00 entre o valor patrimonial tributário da parcela de terreno transmitida pela Requerente e o valor de transmissão praticado, correspondente a €4.437,00.
  33. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  34. Por escritura pública outorgada em 1 de Outubro de 2007, a Requerente transmitiu o prédio urbano composto por uma parcela de terreno para construção urbana, designado pelo lote 209, sito em …, freguesia de …, … e …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, de 7 de Setembro de 1999, e inscrito na matriz com o n.º … da mesma freguesia.
  35. O preço de venda da totalidade do imóvel foi de €65.000,00, conforme resulta da referida escritura de compra e venda.
  36. Também no que respeita a este prédio a Requerente transmitiu a título oneroso apenas a parte correspondente a 90/100 avos do imóvel, por ser proprietária apenas da parte do terreno correspondente àquela parcela de terreno.
  37. Neste sentido, o preço recebido pela Requerente com a transmissão do imóvel foi de €58.500,00.
  38. O referido prédio foi objecto de avaliação pelo 1.º Serviço de Finanças de … em Outubro de 2007, que fixou ao mesmo o valor patrimonial tributário de €78.580,00.
  39. O valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do imóvel corresponde a €70.722,00,
  40. O que significa que existe uma diferença positiva entre o valor correspondente a 90/100 avos do valor de avaliação do imóvel e o valor de transmissão do mesmo pela Requerente de €12.222,00.
  41. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  42. Em 2 de Janeiro de 2007 a Requerente alienou o prédio urbano constituído pelo lote de terreno para construção, sito em …, designado por lote …, da freguesia de …-…, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, inscrito na matriz predial da mesma freguesia sob o artigo ….
  43. O prédio foi transmitido pelo valor total de €50.000,00, o que significa que a parte correspondente a 90/100 avos transmitida pela Requerente foi alienada pelo valor de €45.000,00.
  44. Em 4 de Abril de 2007 o 1.º Serviço de Finanças de … avaliou o prédio, tendo fixado ao mesmo o valor patrimonial tributário de €72.970,00,
  45.  O que significa que o valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do imóvel corresponde ao valor de €65.673,00.
  46. Neste sentido, existe uma diferença positiva de €20.673,00 entre o valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do imóvel, e o valor correspondente a 90/100 avos do valor de transmissão do imóvel.
  47. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  48. Em 20 de Agosto de 2007 a Requerente transmitiu a parcela de terreno para construção urbana, designada pelo lote 108 sito em …, freguesia de … e …, concelho de …, descrito na 2ª Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.º …, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia, sob o artigo ….
  49. O valor de transmissão do imóvel foi de €55.000,00, o que significa que a parte correspondente a 90/100 avos do prédio foi transmitida pelo valor de €49.500,00.
  50.  Em Outubro de 2007 o prédio foi avaliado pelo 1.º Serviço de Finanças de …, que fixou o valor patrimonial tributário de €65.980,00 ao referido prédio urbano.
  51. O valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do referido prédio corresponde ao valor de €59.382,00.
  52.  O que significa que existe uma diferença de €9.882,00 entre o valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial resultante da avaliação, e o valor correspondente ao valor de transmissão do imóvel.
  53. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  54. Em 16 de Janeiro de 2007 a Requerente alienou o prédio urbano composto por uma parcela de terreno para construção, sita em …, lote 218, freguesia de …-…, concelho de …, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ….
  55. O preço total de transmissão do imóvel foi de €65.000,00, o que significa que o preço da transmissão da parte correspondente a 90/100 avos do imóvel corresponde ao preço de €58.500,00.
  56. Em Fevereiro de 2007 o prédio foi avaliado pelo 1.º Serviço de Finanças de …, que fixou ao mesmo o valor patrimonial tributário de €83.880,00.
  57. O valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do imóvel, corresponde ao valor de €75.492,00,
  58. O que significa que existe uma diferença positiva de €16.992,00 entre o valor correspondente a 90/100 avos do valor de avaliação do imóvel e o valor de transmissão do mesmo.
  59. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  60. Em 19 de Outubro de 2007 a Requerente transmitiu a parte correspondente a 90/100 avos do prédio do prédio urbano composto por uma parcela de terreno para construção, sita em …, lote 320 da freguesia de … e …, concelho de …, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … da dita freguesia, inscrito na respectiva matriz da freguesia referida sob o artigo …, a qual foi transmitida pelo preço de €24.690,50.
  61. Em Dezembro de 2007 o 1.º Serviço de Finanças de … avaliou nos termos do CIMI o prédio descrito, tendo fixado ao mesmo o valor patrimonial tributário de €58.840,00.
  62. Uma vez que a Requerente apenas transmitiu a parte correspondente a 90/100 avos do imóvel (que lhe pertencia), o valor patrimonial tributário correspondente à parcela referida é de €52.956,00.
  63. Existe uma diferença positiva de €28.266,00 entre o valor patrimonial tributário fixado, a qual não corresponde a qualquer ganho efectivamente obtido pela Requerente, uma vez que o prédio foi transmitido pelo preço declarado na escritura pública.
  64. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  65. Em 18 de Setembro de 2007 a Requerente transmitiu o prédio urbano, composto por 90/100 avos da parcela de terreno para construção, sito em Serralheira, lote 103 da freguesia da … e …, concelho de …, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo …, a qual foi transmitida pelo preço de €49.500,01.
  66.  O referido prédio foi avaliado pelo 1.º Serviço de Finanças de … pelo preço de €58.790,00, o que significa que o valor patrimonial correspondente à parcela de terreno transmitida (correspondente a 90/100 avos) corresponde o valor de €52.911,00.
  67. Neste sentido, existe uma diferença positiva de €3.411,00 entre o preço da parcela correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do imóvel, e o valor de transmissão da mesma parcela, mas que não corresponde a um ganho efectivo por parte da Requerente,
  68. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  69. Em 23 de Agosto de 2007 a Requerente alienou o prédio urbano composto por parcela de terreno para construção, designado por lote 120, sito em …, freguesia da … e …, concelho de …, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … com o n.º …, inscrito na matriz predial urbana com o n.º … da mesma freguesia, o qual foi transmitido pelo preço total de €29.927,87.

70.  A Requerente transmitiu uma parcela correspondente a 90/100 avos da totalidade do prédio, da qual era proprietária, o que significa que o preço de venda da parcela que pertence à Requerente é de €26.935,08.

  1. Em Outubro de 2007 o prédio foi avaliado pelo 1.º Serviço de Finanças de …, que fixou o valor patrimonial tributário de €56.170,00.
  2. Porquanto, o valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do imóvel corresponde a €50.553,00.
  3. Nos termos expostos, existe uma diferença positiva entre o valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário fixado por avaliação, e o valor de transmissão da mesma parcela de terreno no valor total de €23.617,92,
  4. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  5. A parcela correspondente a 90/100 avos do prédio descrito na matriz predial urbana da freguesia da … e …, concelho de …, com o n.º … foi transmitido pela Requerente pelo valor de €26.935,09.
  6. O referido prédio foi avaliado pelo 1.º Serviço de Finanças de … em Outubro de 2007, pelo valor patrimonial de €58.090,00.
  7. O valor correspondente a 90/100 avos do valor patrimonial tributário do prédio descrito nos presentes autos é no valor de €52.281,00.
  8. Porquanto, existe uma diferença no valor de €25.345,92 entre o valor patrimonial tributário resultante da avaliação do imóvel nos termos do CIMI, e o valor de transmissão da parcela de terreno correspondente a 90/100 avos do mesmo prédio.
  9. Tal diferença não correspondeu a um ganho efectivamente obtido pela Requerente com a transmissão.
  10. Diversamente do que consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no artigo 1.º da presente petição, a Requerente interpôs tempestivamente acção administrativa especial da decisão de indeferimento indeferido o requerimento de prova do valor efectivo por si apresentado com referência à transmissões dos prédios urbanos em causa nos presentes autos.
  11. A liquidação de juros compensatórios está errada, uma vez que a AT não considerou a data em que cada uma das declarações modelo 22 de IRC, de substituição, deveria ter sido apresentada pela Requerente, Já que liquidou juros compensatórios sobre o valor correspondente à correcção, indistintamente, a partir de 1 de Junho de 2008.

 

Em 23-10-2012, a Requerente veio aos autos juntar 26 dos 28 documentos que protestou juntar, bem como a procuração forense.

Em 22-11-2012 a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou ao CAAD a manutenção do acto impugnado.

Aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral pelo presidente do CAAD e cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no Decreto-Lei 10/2011, de 20/01 e na Portaria 112-A/2011, de 22/03, foi constituído em 04-12-2012 (Cfr. ata de constituição) este Tribunal Coletivo, após prévia designação dos árbitros pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD e consequente aceitação do encargo pelos mesmos.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou resposta, alegando no essencial o seguinte quadro factual:

 

1. No exercício de 2007 a Requerente alienou os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos n.ºs …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, da freguesia da … em ….

2. Os referidos imóveis foram, ao abrigo do artigo 37.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI), objecto de avaliação, tendo o resultado da mesma sido notificado à Requerente, nas seguintes datas:

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 28/12/2007;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 08/05/2007;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 03/07/2007;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 19/05/2010;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 20/03/2008;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 08/11/2007;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 11/07/2008;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 11/12/2007;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 06/03/2007;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 07/01/2008;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 21/06/2010;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 12/11/2007;

·         Art. Matriz …, Freguesia … e …, do Concelho de … em 23/10/2007.

3. O valor patrimonial tributário atribuído aos imóveis alienados, na sequência do procedimento de avaliação, foi superior ao declarado nos contratos de compra e venda dos imóveis.

4. A ora Requerente não solicitou, dentro do prazo previsto para o efeito, a abertura do procedimento a que alude o artigo 129.º do CIRC (actual artigo 139.º), nem considerou, para efeitos de determinação do lucro tributável, o valor resultante da avaliação, mediante a entrega de declaração de substituição modelo 22.

5. Através do ofício n.º … de 13/04/2010, foi a Requerente notificada para proceder à entrega da declaração de rendimentos modelo 22, de substituição, do ano de 2007, com a correcção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial definitivo dos imóveis avaliados e o valor constante nos contratos.

6. Não tendo procedido à entrega da declaração de substituição, dentro do prazo indicado, foram promovidas pela Inspecção Tributária, a coberto da ordem de Serviço n.º OI2010… de 13/01/2010, as correcções ao lucro tributável nos termos do n.º 2 do artigo 58.º-A do CIRC (actual artigo 64.º).

7. Após a conclusão do procedimento de inspecção e emitida a respectiva liquidação, em 19/10/2011 foi apresentado, pedido de revisão, nos termos do n.º 1 do artigo 139.º do CIRC, pedido este indeferido por extemporâneo.

8. Simultaneamente, foi apresentada reclamação graciosa, nos termos do artigo 68.º da LGT tendo a mesma, por despacho de 09/07/2012, sido deferida parcialmente (por relativamente ao artigo … da freguesia da … ter sido considerado o valor total da propriedade ao invés dos 90/100 detidos pela ora Requerente), o que foi notificado através de carta registada com aviso de recepção em 12/07/2012.

 

Invocou ainda a inexistência da questão prejudicial suscitada pela Requerente, com a consequente ausência de justificação para a suspensão do presente processo arbitral.

 

Por excepção, defendeu que não tendo sido promovido no prazo e pela via legalmente prevista a reclamação do procedimento gracioso não pode a Requerente pretender sindicar posteriormente tais questões por via contenciosa.

Por impugnação sustentou a inexistência do vício de falta de fundamentação que a Requerente assaca ao acto de liquidação ora em crise.

Quanto ao incumprimento do ónus da prova, refere que os elementos juntos ao relatório da inspecção são as declarações modelo 1 apresentadas pelo adquirente dos imóveis, sendo a sua veracidade atestada pela junção das escrituras públicas, também elas enviadas pelos notários em cumprimento do artigo 49.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao abrigo do dever de cooperação entre entidades publicas, e plantas de localização dos prédios, bem como toda a identificação do prédio, a identificação dos alienantes e o preço da alienação, bem como fichas de avaliação preenchidas por peritos avaliadores. Refere ainda que não foi, em momento algum, questionada a sua veracidade ou o seu conteúdo.

Por fim, quanto à ilegalidade do acto de liquidação de juros compensatórios invocada pela Requerente, com referência aos imóveis inscritos na matriz predial urbana sob os artigos n.º …, n.º … e n.º …, cujas avaliações foram notificadas em 11/06/2010, 02/07/2008 e 08/06 2010, respectivamente, a Autoridade Tributária Aduaneira contraria a tese sustentada pela Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não considera que, no caso destas três avaliações, o retardamento da liquidação do imposto se tenha verificado apenas no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que avaliação se tornou definitiva. Sustenta, por outro lado, que não tendo a Requerente lançado mão dos meios de que dispunha nesse prazo, ou apresentando o pedido de prova do preço efectivo, ou, apresentando a declaração modelo 22 de substituição, os juros devem ser calculados a partir de 01/06/2008.

 

 

 

Conclui a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pedindo, a procedência da exceção invocada, a absolvição do pedido ou, se assim se não entender, a improcedência do pedido por não verificação e prova do alegado vício de falta de fundamentação.

Em 10-01-2013 realizou-se a reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT) tendo aí sido designado e concretamente deliberado:

a) Decidir as exceções e questões prévias suscitadas pelas partes por acórdão interlocutório;

b) Admitir a junção de documentos apresentados pela Requerente;

c) Notificar a Requerente para, em 10 dias:

- juntar os dois documentos que havia protestado juntar no  requerimento inicial e que não veio juntar;

- juntar ao processo as notificações de segunda avaliação decorrentes dos pedidos de segunda avaliação apresentado pela Requerente e

- indicar a concreta matéria de facto a ser objeto de prova testemunhal.

Em 22-01-2013, a Requerente veio apresentar um requerimento aos autos, pedindo uma prorrogação, por 10 dias, do prazo que lhe havia sido concedido, conforme acima referido.

Admitido o requerimento, por despacho de 26-01-2013 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, a mesma veio, em resposta, sustentar que o prazo não deveria ser prorrogado, na medida em que o pedido de prorrogação foi apresentado já após a preclusão do prazo.

Por despacho de 01-2-2013, foi indeferido o requerimento para prorrogação do prazo supra, considerando a sua extemporaneidade e concedido um novo e improrrogável prazo para a Requerente cumprir o que havia sido deliberado na sobredita reunião de 10-01-2013 (Cfr. despacho nos autos).

Em 05-02-2013 veio a Requerente juntar aos autos os dois documentos que havia protestado juntar no requerimento inicial e solicitar a correcção de um erro material, constante do artigo 82.º do requerimento inicial, devendo o valor da transmissão a considerar ser de € 29.927,87, em vez de € 26.935,09.

Por acórdão interlocutório de 6-2-2013, foi deliberado pelo Tribunal:

a) Indeferir a suspensão da instância;

b) Julgar improcedente a exceção invocada pela AT na resposta;

c) Determinar o prosseguimento do processo e

d) Aguardar o cumprimento pela Requerente do despacho de 1-2-2013.

Por novo acórdão interlocutório de 25-2-2013, o Tribunal deliberou não admitir a produção de prova testemunhal e considerar desnecessárias as alegações finais.

            Este Tribunal é competente para dirimir o litígio.

            O processo é o próprio e as partes são legítimas e têm personalidade e capacidade jurídica, estando devidamente representadas.

            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo.

            Não há outras questões prévias ou exceções para além das já apontadas e decididas.

            Cumpre apreciar o mérito dos pedidos.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

A – OS FACTOS PROVADOS

Não há matéria factual alegada controvertida estando designadamente provados os seguintes factos essenciais:

 

1. No decurso do exercício de 2007 a Requerente alienou, por venda, a sua quota parte indivisa de 90/100 nos prédios que a seguir se indicam, com indicação do respetivo preço (dessa quota indivisa de 90/100):

- prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos n.ºs … (€ 24.690,50), … (€ 58.500,00), … (€ 63.000),  … (€ 35.913,45), … (€  58.500,00), … (€ 58.500,00), … (€ 45.000), … (€  49.500), … (€ 58.500), … (€ 24.690,50), … (€ 49.500), … (€ 26.935,08) e … (€ 29.927,87),  todos da freguesia da … em … [conforme relatório da inspecção junto ao processo administrativo (PA) e que se dá por integralmente reproduzido e cópias das escrituras juntas pela Requerente aos autos];

 

2. Os referidos imóveis foram [[ao abrigo do artigo 37.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI)]], objecto de avaliação [[ cfr fls 7 a 9/156, do PA]], tendo a Requerente sido notificada dos respetivos resultados, nas seguintes datas:

·         Art. … - € 63.170,00 (90/100 = € 56.853,00) - 28/12/2007;

·          Art. … - € 71.180 (90/100 = 64.062) - 08/05/2007;

·         Art. … - € 79.100 (90/100 = € 71.190) - 03/07/2007;

·         Art. … - € 82.260 (90/100 = € 74.034) - 19/05/2010;

·         Art. … - € 69.930 (90/100 = € 62.937) -  20/03/2008;

·         Art. … - € 78.580 (90/100 = € 70.722) -  08/11/2007;

·         Art. … - € 72.970[1] (90/100 = € 65.673) -  11/07/2008;

·         Art. … - €  65.980 (90/100 = €  59.382) - 11/12/2007;

·         Art. … - €  83.880 (90/100 = € 75.492) -  06/03/2007;

·         Art. … - € 58.840 (90/100 = € 52.956) -  07/01/2008;

·         Art. … - € 58.790 (90/100 = € 52.911) -  21/06/2010;

·         Art. … - € 56.170 (90/100 = € 50.553) -  23/10/2007;

·         Art. … - € 58.090,00 (90/199 = € 52.281) - 23/10/2007.

 

3. A Requerente não considerou, para efeitos de determinação do lucro tributável do ano de 2007, os valores resultantes da avaliação a que se alude em 2. deste elenco de factos provados.

4. A Requerente, apesar de notificada, em 22/04/2010, para entregar declaração de rendimentos para substituição da anterior (modelo 22) assinalando as diferenças entre os valores declarados e os resultantes das sobreditas avaliações, não o fez [[Cfr Proc Administrativo – fls 148/156]].

5. Pela Ordem de Serviço 012010…, de 13-01-2010, foi determinada uma ação inspetiva à Requerente e, em consequência, a Autoridade Tributária promoveu as correções meramente aritméticas no valor de € 230.239,38, nos termos do artigo 58º-A, nº 2, do CIRC (redação de 2007 e atual 64º).

6. O projeto de correções e, posteriormente o relatório da ação inspetiva, com 156 folhas, foi notificado à Requerente , não tendo a mesma exercido o direito de audição prévia sobre o projecto de correcções.

7. Em consequência foi a Requerente ulteriormente notificada, em junho de 2011, da liquidação de IRC com o nº 2011 …, de 9 de maio de 2011 e da liquidação de juros compensatórios com o nº 2011 …, de 16 de maio de 2011 [[cfr docs 1 e 2, juntos com a petição e processo administrativo]].

8. A Requerente suscitou em 18-10-2011 o procedimento de “prova do preço efetivo na transmissão de imóveis” a que alude o artigo 129º, do CIRC (redação de 2007 e 139º, na redação atual), que foi indeferido por extemporaneidade.

9. Em 12-7-2012, foi a Requerente notificada do despacho, de 09-07-2012, de deferimento parcial da reclamação graciosa nº … que tinha por objeto a liquidação supra nº 2011 …, na medida em que tinha sido considerado na liquidação o valor total do artigo matricial nº … e não apenas a quota parte indivisa de 90/100 que era propriedade da Requerente, o que em concreto resultou numa anulação parcial do acto de liquidação pelo montante de € 1.358,00 [[Cfr Proc Adm. e documentos aí incorporados]].

10. A Requerente propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de … (Unidade Orgânica 2 – Proc nº …) uma ação administrativa especial, ainda não decidida, que tem como objeto o despacho de indeferimento do requerimento de pedido de prova de preço efetivo a que se alude em 8., deste elenco de factos provados.

           

B – FACTOS ESSENCIAIS NÃO PROVADOS

Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão e não provados.

 

C – MOTIVAÇÃO

Para a convicção do Tribunal Arbitral relativamente aos factos provados, relevaram os elementos documentais a que se faz alusão supra nas diversas alíneas e, em geral, todos os demais documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com os articulados em que se surpreende a inexistência de controvérsia quanto à realidade dos factos.

 

D – O DIREITO

Questões a decidir.

São, em síntese e se bem entendemos, as seguintes as questões a apreciar e decidir[2]:

1ª Se enfermam de ilegalidade por violação do dever de fundamentação (artigo 77º, da LGT), os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios;

2ª Se houve violação das regras relativas ao ónus da prova (artigo 74º, da LGT), designadamente em matéria de verificação dos pressupostos legais no relatório de inspeção tributária;

3ª Se se verifica Ilegalidade das liquidações por alegadamente se encontrar pendente processo de elisão da presunção do valor de transmissão (CIRC – artigo 139º);

4ª Se ocorre ilegalidade específica da liquidação de juros compensatórios por alegada desconsideração do disposto no artigo 64º, do CIRC (prazo para apresentação da declaração de IRC de substituição).

 

Apreciar-se-ão tais questões e/ou vícios à luz do disposto no artigo 124º do CPPT. Assim sendo, será de seguir a ordem de apreciação supra. Vejamos então:

 

1ª Se enfermam de ilegalidade por violação do dever de fundamentação (artigo 77º, da LGT), os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios.

O acto de liquidação de IRC ora em crise contem a seguinte menção “Fica V. Ex.ª notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao exercício a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida. Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT.”

A citada fundamentação já remetida consubstancia a fundamentação constante do relatório de inspecção, anteriormente notificado à Requerente.

A Requerente assaca ao acto o vício de ausência de fundamentação, por considerar que a remissão para a fundamentação constante do relatório de inspecção tributária, colide com o disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, pois entende que a fundamentação tem que integrar o próprio acto, ou seja, a liquidação deveria ter sido acompanhada da fundamentação.

Vejamos se o vício invocado tem fundamento.

A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o contribuinte em condições de conhecer e compreender o "iter" cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto.

É sabido que a administração tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente - cfr. os artigos 268.º n.º 3 da Constituição, 1.º do Dec. Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo - bem como os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, especialmente daqueles que não pertençam ao tipo de actos "em série" ou "em massa", como hoje acontece, por força daquelas normas e das dos artigos 77.º da LGT e 60.º do CPPT.

Exigem estas normas que a fundamentação acompanhe a notificação do acto, ou pode a mesma ser anterior ao acto, fazendo este remissão à sobredita fundamentação previamente disponibilizada ao contribuinte?

O n.º 1 do artigo 77.º da LGT estabelece que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”

Temos aqui desde logo a resposta à primeira questão suscitada pela Requerente sobre a remissão para o relatório de inspecção. Com efeito, o legislador terá pretendido que a fundamentação possa consistir em mera concordância com fundamentos do relatório da fiscalização tributária, pelo que nessa parte o acto impugnado não padece de qualquer vício.

Por outro lado, estabelece o n.º 6 do citado normativo, que “a eficácia da decisão depende da notificação”, o que também resulta do disposto nos artigos 36.º, n.º 1 do CPPT e do artigo 268.º, n.º 3 da CRP, que exigem a notificação dos actos em matéria tributária que afectem direitos e interesses legalmente protegidos, como condição da sua eficácia.

Ora, o facto desta exigência legal de notificação do acto estar, também prevista na norma que estabelece o dever de fundamentação, não significa, em nosso entender, que a notificação do acto tenha de ser acompanhada da fundamentação, como pretende a Requerente.

Acresce que o propósito da imposição deste dever legal de fundamentação foi alcançado, porquanto resulta evidente em todas as peças processuais, constantes dos autos, que a Requerente tomou conhecimento dos fundamentos que estão na base do acto impugnado, na medida em que a sua argumentação contra o acto impugnado só foi possível porque a Requerente conhece as razões de facto e de direito que sustentam o acto.

Neste sentido, decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 06/10/2010, no processo n.º 667/10: “A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. É também pacificamente aceite que não preenche a exigência legal de fundamentação o recurso a meras fórmulas tabelares que não esclareçam devidamente a motivação de facto e de direito que presidiu ao acto da administração. Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que a lei exige uma exposição apenas sucinta dos fundamentos da decisão a fundamentar; que, por isso, não deve ser um “máximo” o conteúdo exigível da declaração fundamentadora; e que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».”, posição que acolhemos.

Termos em que, no que concerne ao vício de ausência de fundamentação invocado, entendemos que o acto impugnado não padece do mesmo, pelo que improcede o pedido.

 

2ª  Se houve violação das regras relativas ao ónus da prova (artigo 74º, da LGT), designadamente em matéria de verificação dos pressupostos legais no relatório de inspeção tributária.

A Requerente alega que a Autoridade Tributária e Aduaneira violou o disposto no artigo 74.º da LGT, na medida em que “anexou ao relatório de inspecção um conjunto de documentos que constituem apenas informações oficiais, as quais não estão fundamentadas, nem justificadas com recurso a documentos. Designadamente, a AT não juntou ao relatório de inspecção as escrituras públicas, os documentos de liquidação do IMT, os documentos comprovativos da notificação da avaliação, não indicando tão pouco, em que datas as avaliações se tornaram definitivas (…).” (cfr. página 17 do requerimento inicial)

Estabelece o n.º 1 do artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” E o n.º 2 que “Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.”

Efectivamente, no caso em apreço, recai sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova dos factos que invoca para corrigir o IRC da Requerente, por aplicação da presunção constante do artigo 58.º-A do Código do IRC, à data dos factos tributários em apreciação (correspondente ao actual artigo 64.º do CIRC).

A referida presunção está prevista no citado artigo 64.º, cuja redacção era a mesma em 2007, e que se transcreve:

1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

(…)”

Resumidamente e para o que interessa aos presentes autos, esta norma estabelece obrigações aos alienantes de imóveis cujos valores patrimoniais tributários (VPT) venham a ser alterados, sempre que haja uma diferença positiva entre o VPT e o valor constante do contrato.

Não tendo a Requerente, alienante, como ficou demonstrado nos autos, apresentado a declaração de substituição, foi a mesma notificada para tal pela AT e posteriormente objecto de uma acção de inspecção que culminou com a emissão do acto impugnado. O vício de violação do princípio da distribuição do ónus da prova que a Requerente aponta verificou-se, segundo a mesma, no relatório de inspecção tributária.

Pergunta-se, a AT fez prova, no relatório de inspecção, de que houve uma diferença positiva entre o VPT definitivo dos imóveis e os valores constantes dos contratos em que é alienante a Requerente?

Julgamos que sim. Senão vejamos:

A AT fez no relatório um levantamento exaustivo dos imóveis alienados pela Requerente e juntou 77 documentos para prova do que alegou (cfr. anexo 1 do relatório de inspecção tributária, constante do PAT).

Apresentou um resumo em que identifica o artigo matricial, a freguesia, o NIF e nome do aquirente, a data da celebração da escritura, o preço, o VPT definitivo e a diferença positiva entre o preço e o valor do contrato, para cada um dos imóveis alienados pela Requerente.

O facto de os documentos de prova terem sido obtidos através da base de dados da DGCI – Sistema do Património, não lhe retira idoneidade, uma vez que a própria Requerente confessa os factos e junta as escrituras públicas que, efectivamente, a AT não anexou ao relatório.

Entendemos que, em obediência ao disposto no artigo 72.º da LGT, todos os meios de prova são admissíveis, pelo que a AT cumpriu o seu dever de provar os factos em que assentou a correcção que deu origem ao acto impugnado.

Termos em que, também nessa parte não se verifica o vício assacado pela Requerente ao acto impugnado, pelo que improcede o pedido.

 

3ª Se se verifica Ilegalidade das liquidações por alegadamente se encontrar pendente processo de elisão da presunção do valor de transmissão (CIRC – artigo 139º).

Vem a Requerente sustentar a ilegalidade do acto impugnado, por se encontrar pendente acção referente ao processo de prova do preço efectivo das transmissões.

Para além do que sobre esta matéria já foi tratado no despacho interlocutório de 07/02/2013, a propósito da questão prévia da pendência de causa prejudicial, importa analisar se a pendência de uma acção administrativa especial no âmbito de um processo de elisão da presunção constante do artigo 64.º do CIRC, tem como consequência a ilegalidade do acto de liquidação de IRC e juros compensatórios ora em apreço.

Estabelecia o n.º 4 do artigo 129.º do CIRC (a que actualmente corresponde o artigo 139.º do CIRC), que “O pedido referido no número anterior [de prova do preço efectivo] tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Direcção-Geral dos Impostos”.

Tendo sido apresentado em data posterior à emissão do acto de liquidação (cfr. ponto 8. dos factos assentes), tal pedido não teve, obviamente, tal efeito suspensivo da liquidação de IRC.

No entanto, nada obsta a que - se vier a ser julgada totalmente procedente a acção administrativa especial, por o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada entender que, por um lado, o pedido foi tempestivo e, por outro, a Requerente logrou provar que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto - a Requerente venha a obter a anulação do acto de liquidação ora impugnado por força da execução da sentença aí proferida.

Termos em que, não pode a existência de uma acção ferir de ilegalidade um acto praticado em momento anterior, de acordo com os trâmites legais aplicáveis.

Assim, o acto impugnado não está ferido de ilegalidade, improcedendo também nesta parte o pedido.

 

4ª Se ocorre ilegalidade específica da liquidação de juros compensatórios por alegada desconsideração do disposto no artigo 64º, do CIRC (prazo para apresentação da declaração de IRC de substituição).

Sustenta a Requerente a ilegalidade do acto de liquidação de juros compensatórios, por erro no cálculo dos mesmos, uma vez que a contagem dos juros foi iniciada em 01/06/2008, independentemente do momento em que se tornaram definitivos os VPT.

A Requerente considera que no que respeita ao imposto resultante da alienação do artigo matricial … os juros compensatórios só são devidos desde 01/01/2009, e dos artigos … e … desde 01/01/2011.

Os VPT’s destes artigos matriciais foram notificados à Requerente nas seguintes datas:

… – 11/07/2008

… – 19/05/2010

… – 21/06/2010

Vejamos como calculou e como deveria a AT ter procedido à contagem dos juros compensatórios, atendendo ao momento do início do retardamento, previsto na lei.

O regime dos juros compensatórios encontra-se previsto no artigo 35.º da LGT, do qual se transcrevem os números que interessa analisar:

1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

(…)

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

4 - Para efeitos do número anterior, em caso de inspecção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia.

(…)

7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão.

(…).”

Desde logo o legislador exigiu que o retardamento fosse imputável ao sujeito passivo.

Pergunta-se: em 01/06/2008, antes de ser notificado do resultado das avaliações com referência aos três artigos ora em apreço, pode considerar-se que o retardamento da entrega do imposto é imputável ao contribuinte? Parece-nos que não.

Só a partir do momento em que a Requerente conhece o resultado das avaliações, verificando a existência de uma diferença positiva entre os VPT’s fixados e os valores dos contratos, podemos imputar-lhe qualquer conduta, uma vez que até então a Requerente estava convicta da correcção da sua declaração modelo 22, no que respeita aos ganhos resultantes das vendas dos imóveis em causa.

E não se diga que o número três do citado artigo 35.º da LGT manda contar os juros desde a data para a entrega da declaração, pois em primeiro lugar, têm que estar preenchidos os pressupostos previstos no número um, para que a AT possa exigir o pagamento de juros compensatórios.

Neste caso, a norma do n.º 3 tem que ser interpretada em conjugação com a do n.º 1, devendo os juros contar-se a partir da data em que a Requerente deveria ter entregue o imposto.

Ora, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 64.º do CIRC, “Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.”

Assim, deveria a AT ter contado os juros a partir de 31/01/2009 e 31/01/2011, sob pena de violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º da LGT e, ainda, do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 266.º da CRP.

A jurisprudência dos tribunais judiciais é unânime sobre o requisito da culpa do sujeito passivo, para legitimar a cobrança de juros compensatórios, senão vejamos:

“A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, além do mais, com um juízo de censura, a titulo de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido e, nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil.” (cfr. acórdão do 2º Juizo do TCA Sul, proferido em 12/01/2010, no processo n.º 3177/09).

I - A liquidação de juros compensatórios pela Administração Fiscal está umbilicalmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devido pelo contribuinte.
II - O retardamento da liquidação de imposto só dá origem a juros compensatórios, se estiver demonstrada a culpa do contribuinte em tal situação de retardamento.

III - A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta.

IV - A compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não concorre para a integração do dito conceito de culpa – pelo que, por tal via, não se dá azo à cominação de juros compensatórios. (cfr. acórdão da 2ª Secção do STA, proferido em 11/03/2009, no processo n.º 0961/08).

Assim, o acto de liquidação de juros compensatórios padece de vício de violação de lei, na parte respeitante aos juros sobre o imposto referente à alienação dos artigos …, … e …, pelo que se determina a sua anulação, sendo nesta parte procedente o pedido.

 

III - DECISÃO

 

Destarte, acordam os Árbitros neste Tribunal Arbitral:

a) em julgar totalmente improcedente o pedido de anulação do acto de liquidação do imposto formulado pela Requerente, absolvendo desse pedido a Autoridade Tributária e Aduaneira;

b) em julgar procedente o pedido de anulação do acto de liquidação de juros compensatórios formulado pela Requerente, na parte peticionada, que se cinge aos juros compensatórios calculados sobre o imposto decorrente das vendas dos artigos matriciais …, … e ….

 

  • Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 69.462,97

 

  • Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira na proporção do decaimento.

 

Lisboa, 11 de Abril de 2013

Os juízes-árbitros

 

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

(Júlio Landeiro Vaz)

 

 

(Susana Soutelinho)

 

 

 



[1] Em resultado de 2ª avaliação

[2] Nos acórdãos interlocutórios citados foram já decididas as demais questões suscitadas pelas partes.