Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 110/2017-T
Data da decisão: 2017-09-11  IRC  
Valor do pedido: € 513.685,33
Tema: IRC – Gastos /Fusão Inversa
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                                                     DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Tomás Castro Tavares e Jorge Carita (que votou vencido a decisão principal, conforme declaração de voto junta), designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 13 de Fevereiro de 2017, A…, S.A., contribuinte…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de Liquidação de IRC e juros nº…, relativo ao exercício de 2011, e nº…, relativo ao exercício de 2012, no valor total de € 513.685,33.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, por meio de fusão por incorporação, a incorporante (Requerente) assumiu, por efeito da lei e de modo imediato, a globalidade do património das sociedades incorporadas, incluindo os gastos de financiamento incorridos pela sociedade incorporada para adquirir as suas participações sociais, pelo que a dedutibilidade dos gastos na esfera jurídica da Requerente não pode ser questionada, a menos que haja prova de fraude ou abuso.

 

  1. No dia 14-02-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Professor Doutor Tomás Castro Tavares, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. Jorge Carita.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos. Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT e do artigo 5.º do Regulamento de Seleção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, foi nomeado para presidir a este Tribunal Arbitral o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em 17-04-2017, as partes foram notificadas desta última designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 04-05-2017.

 

  1. No dia 08-06-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação, alegando, em síntese, que a dedução pela Requerente de encargos de natureza financeira relacionados com a sua própria aquisição, decorrentes da fusão com a sociedade sua adquirente, não podem ser aceites fiscalmente, por não indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

 

  1. Por despacho de 12-06-2017, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações pelas partes.

 

  1. No mesmo despacho, foi fixado o prazo de 60 dias para a prolação de decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente encontrava-se, em 2011 e 2012, colectada para o exercício da actividade de «Fabricação de caldeiras e radiadores para aquecimento central, CAE principal – 25210 e Fabricação de aparelhos não eléctricos para uso doméstico, CAE secundário – 27520».

2-      A Requerente iniciou a sua actividade em 01-07-1978, estando enquadrada naquelas mesmas datas, para efeitos de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável.

3-      No dia 2 de Maio de 2008, a Requerente foi transformada em sociedade anónima, com um capital social €2.400.000,00.

4-      A 28 de Julho de 2008, os accionistas da Requerente e o Fundo de Investimento de Capital de Risco para Investidores Qualificados C…, celebraram um contrato-promessa de compra e venda das acções da Requerente.

5-      Em 22 de Setembro de 2008, foi constituída a sociedade B…, SGPS, SA tendo como objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas.

6-      Esta sociedade foi constituída apenas com a finalidade de constituir uma outra sociedade, a D…, S.A.

7-      Em 25 de Setembro de 2008, foi constituída a D…, S.A. tendo como objecto social o fabrico de utilidades domésticas e equipamentos para aproveitamento de energias renováveis do ramo metalúrgico, bem como toda e qualquer actividade conexa ou relacionada.

8-      A D…, S.A. foi criada pela B…, SGPS, com a finalidade única de adquirir a Requerente.

9-      Em 1 de Outubro de 2008 foi celebrado contrato de compra e venda das acções da Requerente com a D…, SA, pelo valor de €15.250.000,00.

10-  No mesmo dia 1 de Outubro de 2008, foram celebrados os seguintes contratos:

                                                              i.            Dois contratos de suprimento, entre a B…, SGPS e a D…, S.A., o primeiro, no valor de € 4.000.000,00, a uma taxa de juro anual de 8%, com a finalidade de dotar os meios financeiros necessários ao normal funcionamento da D… (necessidades de tesouraria e de financiamento), e o segundo, no valor de € 2.880.000,00, a uma taxa de juro anual de 15%, com a finalidade satisfazer as necessidades de tesouraria e de financiamento da D…, de forma a viabilizar a aquisição das acções da A…, suprimentos que ascenderam ao valor total de € 6.880.000,00;

                                                            ii.            Um contrato de financiamento entre a Caixa de Aforros de Vigo, Ourense e Pontevedra (E…) e a D…, S.A. no valor de €8.000.000,00, destinado à aquisição da totalidade das acções da A… pela D…, S.A.

11-  Na cláusula 12.1, alínea f) do contrato de mútuo entre a D… e a E… ficou estipulado como obrigação adicional da mutuária (D…) “Proceder à fusão com a sociedade A…, por incorporação desta, no prazo máximo de 1 (um) ano”.

12-  O capital social da Requerente passou, na sequência da aquisição assim financiada, a ser detido, a 100%, pela D…, S.A., sendo que nessa altura o capital social da D…, S.A. era detido, a 100%, pela B…, SGPS. e esta era detida, em 88,73%, pela C…, Fundo de Investimento de Capital de Risco para Investidores Qualificados.

13-  A 29 de Junho de 2009 foi elaborado um projecto de fusão por incorporação, aprovado a 31/08/2009, entre a Requerente (sociedade incorporante) e a sociedade D…, S.A. (sociedade incorporada), mediante a transferência global para a Requerente do património da incorporada.

14-  Uma vez inscrita a fusão no registo comercial, a D…, S.A. foi extinta e o conjunto dos respectivos direitos e obrigações foi transmitido para a sociedade incorporante, a Requerente.

15-  No referido projecto de fusão, fizeram-se constar os seguintes motivos:

                                                              i.            as sociedades intervenientes pertencerem ao mesmo grupo;

                                                            ii.            racionalização de custos administrativos e de aproveitamento das sinergias existentes.

16-  O projecto de fusão fez retroagir os efeitos daquela fusão a 1 de Janeiro de 2009.

17-  As sociedades intervenientes no projecto de fusão optaram por manter a Requerente, por considerarem, em suma, que a mesma actua no mercado há mais de 30 anos e tem um valioso goodwill que se traduz, em particular, na manutenção de relações comerciais duradouras com fornecedores, clientes e instituições financeiras, na confiança de que a sociedade granjeia no mercado e, bem assim, na notoriedade do nome e marcas associadas aos seus produtos.

18-  Com a incorporação da D…, S.A. na Requerente, as acções daquela foram extintas, e ocorreu uma troca de participações sociais mediante a entrega da totalidade das acções (96.000) em que se encontrava dividido o capital social da Requerente à accionista única da D…, S.A., a B…, SGPS.

19-  A AT considerou que a operação de fusão por incorporação em causa cumpriu com as condições para aplicação do regime da neutralidade fiscal.

20-  Posteriormente à aquisição de 100% do capital da A…, esta passou a partilhar com a sua acionista D… o mesmo objecto social e os administradores.

21-  Do ponto de vista contabilístico, as operações da sociedade incorporada (D…, S.A.) foram consideradas como efectuadas por conta da sociedade incorporante, a Requerente, a partir de 1 de Janeiro de 2009, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 98.º do CSC.

22-  A estrutura societária relevante para o caso sub judice era a seguinte:

23-  A D…, S.A. não exerceu actividade operacional, consistindo a actividade que exerceu em investimentos financeiros com recurso a empréstimos bancários junto de terceiros e da sua detentora, a B…, SGPS.

24-  Após o registo da fusão por incorporação, a contabilidade da Requerente, a 31/12/2009, apresentava os seguintes registos:

                                                              i.            No Passivo, a rubrica de dívidas a terceiros de médio e longo prazo – dívidas a instituições de crédito, no valor de € 7.000.000,00, correspondente ao empréstimo bancário contraído pela D…, S.A., no total de € 8.000.000,00;

                                                            ii.            Foram contabilizados € 1.000.000,00, como dívidas a terceiros de curto prazo – dívidas a instituições de crédito;

                                                          iii.            da dívida a accionistas (B…, SGPS) relativa a suprimentos, no valor total de € 6.880.000,00, € 2.880.000,00 foram contabilizados como uma dívida de médio e longo prazo e € 4.000.000,00, como dívida de curto prazo.

25-  Quer o empréstimo bancário, quer os suprimentos recebidos, tiveram como finalidade única e exclusiva a aquisição das partes sociais da Requerente pela D…, SA, em 2008.

26-  A demonstração de resultados de 2009 da Requerente denota, para além do aumento da actividade operacional face ao ano anterior, um valor na rubrica custos financeiros que ascende a € 954.106,11 (cerca de 15% do total dos custos), comparativamente ao ano de 2008, que foi, apenas, de € 88.828,56.

27-  O referido aumento dos custos financeiros resultou da contabilização dos encargos financeiros decorrentes, quer do empréstimo bancário, quer dos contratos de suprimentos celebrados, em 2008, pela sociedade incorporada, a D…, S.A.

28-  Por causa da fusão, a Requerente passou a deter um passivo correspondente à assunção da responsabilidade de financiamentos antes contraídos pela D…, S.A..

29-  Como resultado da referida operação de fusão, o lucro tributável da Requerente, em 2009, foi de € 1.603.718,12, enquanto que no exercício de 2008 foi de € 2.158.879,07.

30-  No seguimento de uma acção de inspeção externa de âmbito geral levada a cabo pela AT ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2014…, foram efectuadas correcções à matéria colectável de IRC dos exercícios de 2011 e 2012 da Requerente.

31-  Nos exercícios de 2011 e 2012 a Requerente efectivamente suportou os seguintes encargos, que antes da fusão estavam na esfera da D…:

32-  O montante de € 860,006,99 apurado para 2012 foi reduzido para € 814.324,73 no seguimento do exercício do direito de audição prévia por parte da ora Requerente, tendo a AT aceite que do saldo da conta 69111 (juros de financiamentos obtidos) indicado no anexo 7 do projeto de relatório (€ 157.527,66) deveria ser subtraído o montante a crédito de € 45.682,26 relativo a juros do mútuo concedido pela E… .

33-  Em resultado da inspecção tributária e das conclusões vertidas no RIT, a AT promoveu as seguintes correcções à matéria colectável de IRC apurada pela Requerente em relação a 2011 e 2012:

34-  A AT considerou que os referidos custos com financiamentos não podiam ser aceites como custos fiscais, por não serem custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

35-  Na sequência foram emitidas as liquidações de IRC e juros nº…, relativa ao exercício de 2011, e nº…, relativa ao exercício de 2012, respectivamente nos valores de € 253.848,00 e de € 259.837,33.

36-  A Requerente pagou o IRC adicionalmente liquidado em relação a 2011, bem como os acréscimos legais, num total de € 253.848,00, em 3 de Dezembro de 2015

37-  O IRC adicionalmente liquidado em relação a 2012, bem como os acréscimos legais, num total de € 259.837,31, foi pago pela Requerente em 4 de Dezembro de 2015.

38-  As liquidações de IRC e juros referentes a 2011 e 2012 acima identificadas foram objeto de reclamação graciosa apresentada em 4 de Abril de 2016 no Serviço de Finanças de … .

39-  A reclamação graciosa referida foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária - Contencioso da Direção de Finanças de … datado de 10 de Novembro de 2016, notificado aos mandatários da Requerente por correio registado com aviso de recepção em 15 de Novembro de 2016.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A situação em causa no presente processo é de relativamente simples configuração e poderá ser, sumariamente e nos seus traços essenciais, descrita da seguinte forma:

-          A Requerente, em 2009, foi a sociedade incorporante numa operação de fusão por incorporação (conhecida por fusão inversa), na qual foi incorporada a sociedade que detinha 100% das suas participações sociais;

-          A referida sociedade incorporada detinha, no seu passivo, dívidas provenientes de financiamentos e contratos de suprimento, que tinham sido contraídos para a adquirir, e cujos montantes tinham sido aplicados na aquisição da totalidade das participações sociais da sociedade incorporante;

-          Por efeito da operação de fusão, a sociedade resultante da mesma (ora Requerente) sucedeu à sociedade incorporada nas referidas obrigações (dívidas de financiamentos e suprimentos), e teve, nos anos (ora em causa) de 2011 e 2012, de suportar os correspondentes encargos, sendo certo que, por efeito daquela mesma operação, as participações da Requerente que integravam o activo da sociedade incorporada (sua participante), não passaram para a sua titularidade, e foram atribuídas participações da ora Requerente à entidade sócia daquela sociedade incorporada, por troca com as participações que detinha nesta, e que também por força da mesma operação, se extinguiram.

A questão que se coloca é, igualmente, de simples configuração, e prende-se unicamente com aferir se, como sustenta a AT, os gastos correspondentes aos encargos com os financiamentos e suprimentos suportados pela ora Requerente nos exercícios em causa cumprem os requisitos do artigo 23.º/1 do CIRC, relativos à sua indispensabilidade para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, e, consequentemente, se podem ser deduzidos na determinação do lucro tributável daquela, nos respectivos exercícios.

É, no fundo, isto que se apresenta a este Tribunal arbitral para decidir.

Vejamos então.

 

*

De um ponto de vista geral, Requerente e Requerida confluem naquilo que tem sido o trajecto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, e cujos traços essenciais se podem sintetizar da seguinte forma:

-          o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;

-          “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11[1]);

-          “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Ac. STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

-          “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

-          o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico, e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto;

-          “a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Ac. TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

-           “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Ac. TCA-Norte, proferido a 20-11-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

-          “da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

-          “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (Ac. STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05);

            Sendo, deste modo, consensuais os critérios de decisão, resta, unicamente, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto, tarefa que, essa sim, se eleva já para outros patamares de dificuldade.

            Esta operação de aplicação dos referidos critérios ao tipo de situação em causa nos presentes autos foi já ensaiada nos processos arbitrais n.º 14/2011-T, 101/2013-T, 87/2014-T, 42/2015-T, 92/2015-T, 93/2015-T, e 88/2016-T, todos do Centro de Arbitragem Administrativa[2].

            Nos três últimos processos, dada a pertinência para o enquadramento da questão decidenda, efectuou-se uma análise de cada uma das decisões precedentes, em termos que ora se seguirão muito de perto.

 

*

            No processo 14/2011-T, o Tribunal, entre outras matérias, debruçou-se, então, sobre questão idêntica à que ora se coloca sub iudice[3].

            Do muito doutamente expendido na decisão em causa, ora destaca-se:

-          “para decidir sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros advenientes do empréstimo em questão, o que importa, no ponto, é a objetividade da operação documentalmente provada nos autos e a sua relação com os tópicos constantes do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, não cabe aqui senão verificar, como refere a própria Requerente, se os fundos obtidos foram concretamente aplicados em fins estranhos à atividade da empresa que deles é devedora. Elementos hipotéticos, como são as opções, com muita frequência copiosas e diversas, que a empresa poderia ter tomado, ou as possibilidades de estruturação das operações de outras formas, também elas muitas vezes numerosas, não relevam para a apreciação da matéria sub judice, dado que não se cuida aqui de situações virtuais, de situações que poderiam ter acontecido mas não aconteceram, mas sim de ocorrências verificadas na realidade da vida, tal como se consideraram provadas. Efetivamente, o que cabe desenvolver por este Tribunal é a fiscalização da legalidade do ato tributário impugnado tendo em atenção os elementos concretos do caso submetido à sua apreciação e o complexo das avaliações feitas e das justificações apresentadas pela Administração Tributária.”;

-          “a dedutibilidade fiscal dos juros suportados depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (corpo do n.º 1), explicitando mesmo a al. c) do n.º 1 desta disposição que esses juros de capitais alheios são “aplicados na exploração”.”;

-          “Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração, tendo em atenção à atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros. Essa dedutibilidade fiscal supõe, então, que os custos incorridos com os encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida, maxime sirvam ao desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora. Consequentemente, como observa MARIA DOS PRAZERES LOUSA, “O problema da dedutibilidade dos juros para efeitos da determinação do lucro tributável” in Estudos em homenagem à Dr. Maria de Lourdes Correia e Vale, Lisboa, 1995, p. 349, não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são “desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma”. Noutra fórmula que encontramos em RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, p. 87, “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc), então tal custo não deve ser havido por indispensável”;

-          “para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, cabe verificar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do empréstimo de que os juros suportados são a remuneração, por outras palavras, importa ponderar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou.”;

-          “retira-se, com evidência, da matéria de facto dada como provada que os fundos em apreço possuem como finalidade, destino e uso a aquisição das próprias participações sociais da Requerente pela sociedade D... SGPS, pelo que a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que dele é devedora, a aqui Requerente, mas sim com ativos detidos pela sua própria sócia.”;

-          “As participações sociais em causa fazem, então, parte do património da D..., sócia da Requerente, e não da própria Requerente (caso em que constituiriam ações próprias), pelo que a titularidade e o aproveitamento de tal ativo, a cuja aquisição é imputável o financiamento ocorrido e os encargos financeiros com ele suportados pela Requerente, sem qualquer contrapartida, redunda exclusivamente em benefício da sócia D... e não da Requerente.”;

-          “Precisamente, verifica-se no caso que a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos este ativo não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo (a Requerente), mas sim uma entidade distinta, no caso a sua única sócia (a D...).

Ativo este que, importa frisar, é constituído pelas próprias ações da Requerente, incorrendo esta, assim, em custos com empréstimo que serviu para a própria aquisição do seu capital por outra entidade. Não é possível, por isso, deixar de lembrar aqui o desfavor com que o próprio legislador olha para este tipo de situações nos termos que decorrem do art. 322.º do Código das Sociedades Comercial, que dispõe, no seu n.º 1, que: “Uma sociedade não pode conceder empréstimos ou por qualquer outra forma fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquira ações representativas do seu capital”.

Temos, pois, que os custos incorridos com o empréstimo em apreciação não são aplicados na exploração da própria Requerente, na sua atividade empresarial, nem servem à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na contabilidade da Requerente, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro, no caso a sua sócia única D... SGPS.

Inexiste, pois, aqui o “balanceamento ou matching” entre os custos suportados com os encargos financeiros e os respetivos proveitos, que se deve considerar como relevante em sede de exigência da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais conforme disposto pelo art. 23.º do CIRC”.

            Este aresto integra, ainda, um voto de vencido, do qual se destaca o seguinte:

-          “A primeira questão é a de saber se a indispensabilidade dos encargos financeiros deve ser julgada quanto à sociedade fundida ou quanto à sociedade beneficiária da fusão. Tal juízo tem que ser feito, num primeiro momento, na perspetiva da sociedade que contraiu o encargo financeiro e não pode ser feito na perspetiva individualizada da sociedade beneficiária da fusão. Não é questionado que os encargos assumidos pela sociedade fundida são dedutíveis por esta, nos termos do art.º 23.º n.º 1 alínea c) do CIRC (juros de capitais alheios aplicados na exploração).”;

-          “A partir do momento em que o património da sociedade fundida é globalmente transferido para a sociedade beneficiária da fusão (ex-art.º 67.º n.º 1 alínea a) do CIRC, aplicável ao caso) com extinção das sociedades fundidas, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros assumidos devem ser avaliados, para efeitos jurídico-fiscais, no contexto da fusão.

A fusão implica a transferência de direitos e obrigações para a sociedade beneficiária (art.º 112.º a) do CSC), e, neste caso, temos duas linhas interpretativas possíveis para julgar o requisito de indispensabilidade de um custo: uma linha é considerar que desde que o custo tenha sido considerado dedutível na esfera da sociedade fundida, continua, em princípio, a ser dedutível na esfera da sociedade beneficiária da fusão, dado que a dívida é transferida para esta última sociedade e a sociedade fundida perdeu a sua existência; e só assim não acontecerá se tiver existido um comportamento abusivo ou uma transferência de dívida que viole a lei (por exemplo, porque não é observado o princípio da intangibilidade do capital da sociedade beneficiária). A outra linha interpretativa implica ponderar a perspetiva da exploração comercial do conjunto das entidades envolvidas, numa interpretação que valoriza a substância sobre a forma (art. 11.º n.º 3 da LGT). A relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, deve ter em conta as finalidades conjuntas das entidades envolvidas na fusão.

Em casos de aquisição alavancada, ambas as linhas referidas têm sido seguidas noutros ordenamentos jurídicos: a primeira linha, a de aplicação em princípio do regime regra, seguida por correção com base em abuso, é adotada pela administração fiscal e a aplicação da cláusula geral antiabuso controlada pelos tribunais franceses (V. Casos com aquisição alavancada: veja-se por exemplo um caso de permuta de ações, com distribuição excecional de dividendos: Conseil D’État n. 320313, de 27.1.2011, Relatora Mme Cécile Isidoro; LBO et abus de droit, Procédures Fiscales, Revue de Droit Fiscal, n. 15, de 14.4.2011, pp. 36-42; cfr. Também, um caso de permutas de ações: Conseil D’État n. 301934, 08.10.2010, Relator M. Jean-Marc Anton; e um caso de entrada de ativos: Conseil D‘ État n. 313139, de 8.10.2010,Relator M. Patrick Quinqueton);

A segunda linha interpretativa é adotada no ordenamento jurídico alemão explicitamente para os casos de fusão inversa: desde que o capital social fique salvaguardado, entende-se que não há distribuição oculta de dividendos e a dívida é transferida para a sociedade beneficiária da fusão (a sociedade-afiliada): veja-se a este propósito Thomas Rödder/Peter Wochinger “Downstream Merger mit Schuldenübergang”, DStR, 2006, pp. 684-689, e a jurisprudência e doutrina aí citadas).

No caso dos autos, entendo que os juros suportados pelos sujeitos passivos de IRC como remuneração de empréstimos contraídos e demais encargos financeiros associados são, em princípio, dedutíveis como custos no apuramento do lucro tributável em conformidade com o disposto no art. 23.º do CIRC, n.º 1, al. c), segundo o qual, na redação em vigor em 2007, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nomeadamente “encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. No caso dos autos, a “indispensabilidade” e a “aplicação na exploração“, estiveram associadas à operação de fusão, dado que esta operação foi acordada com a banca financiadora do empréstimo (cfr. ns. VII. e VIII do acórdão dos factos dados como provados), pelo que a interpretação na perspetiva da exploração comercial do conjunto das entidades envolvidas, implica o reconhecimento da dívida e juros como custos fiscais da sociedade beneficiária da fusão.

Em geral, na fusão inversa, mesmo que a indispensabilidade dos juros relativos a um empréstimo tivessem sido originariamente avaliados só ao nível da sociedade-mãe (o que não foi o caso), devem passar a ser avaliados, para efeitos fiscais, no contexto do conjunto negocial da empresa (V. Thomas Rödder/Peter Wochinger “Downstream Merger mit Schuldenübergang”, DStR, 2006, p. 685).”;

-          “Admitindo então que o art.º 23.º n.º 1 alínea c) do CIRC tem que ter em conta a atividade do conjunto da empresa que participa na operação de fusão e não apenas a beneficiária da mesma (a Requerente), caberia de seguida averiguar se as motivações para a fusão inversa foram essencial ou principalmente fiscais, aplicando-se o art.º 38.º n.º 2 da LGT quanto à dedutibilidade dos juros.”.

No processo ora em causa, considerou-se que “a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos este ativo não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo (a Requerente), mas sim uma entidade distinta, no caso a sua única sócia (a D...).”, e que “os custos incorridos com o empréstimo em apreciação não são aplicados na exploração da própria Requerente, na sua atividade empresarial, nem servem à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na contabilidade da Requerente, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro”.

Ressalvado o (muito) respeito, afigura-se que a posição que fez vencimento no aresto em análise, dá-se à crítica em alguns aspectos que lhe são estruturantes.

Assim, a consideração de que “os custos incorridos com o empréstimo em apreciação não são aplicados na exploração da própria Requerente, na sua atividade empresarial, nem servem à manutenção da fonte produtora de rendimentos”, enfermará, desde logo, de alguma imprecisão com consequências relevantes nas conclusões a retirar.

É que, salvo melhor opinião – e sempre ressalvado o muito respeito devido – os “custos” não são, ontologicamente, susceptíveis de “aplicação”. Aquilo que será, isso sim, passível de aplicação é a contrapartida desses custos, o que, no caso e na terminologia da al. c) do n.º 1 do CIRC, serão os “capitais alheios” obtidos por via dos financiamentos e suprimentos. Sucede que, no quadro argumentativo em que se situa o considerando em causa, a menção a “custos” não é – crê-se – fungível com a menção a “capitais alheios[4].

Efectivamente, os capitais alheios obtidos pela sociedade incorporada, a título de financiamentos e suprimentos, foram integralmente aplicados (exaurindo-se) aquando da aquisição das participações sociais da sociedade, posteriormente, sua incorporante. No(s) caso(s) é essa a realidade: os montantes obtidos através dos financiamentos e suprimentos (os “capitais alheios”, na terminologia da al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC), não perduraram até um momento pós-fusão, sendo, então, redirecionados na sua finalidade, mas, aquando daquela, estavam já integralmente aplicados.

Não obstará à conclusão formulada, julga-se, a constatação de que as obrigações pecuniárias de pagamento de juros pelo capital mutuado perduram no momento pós fusão, o que é uma evidência, estando em questão, justamente, da sua dedutibilidade. Com efeito, a aplicação a que se refere a al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, reporta-se aos “capitais alheios”, e não a quaisquer obrigações.

Assim, julga-se que, em qualquer das suas possíveis significações, a afirmação acima referida não é susceptível de acolhimento. Com efeito, no seu teor literal, não serão os custos susceptíveis de aplicação. Reportando-a aos “capitais alheios”, retribuídos pelas obrigações pecuniárias de pagamento de juros, os mesmos encontravam-se já integralmente aplicados, pelo que não pode ter como válida a afirmação de que os “capitais alheios” remunerados com “os custos incorridos com o empréstimo em apreciação não são aplicados na exploração da própria Requerente, na sua atividade empresarial, nem servem à manutenção da fonte produtora de rendimentos”, uma vez que não houve qualquer alteração na aplicação daqueles, sendo certo que nem a decisão em causa, nem a própria AT, em momento algum, questionaram que, no momento que os “capitais alheios” foram aplicados, o foram no interesse empresarial da entidade que os aplicou.

Deste modo, pensa-se, não será susceptível de validação o juízo segundo o qual houve um desvio na aplicação da contrapartida dos gastos cuja dedutibilidade é questionada, porquanto essa aplicação, no momento em que são contabilizados os gastos estava, como se vem de ver, totalmente consumada[5].

Poderia, então, ser questionado se o produto mediato dos gastos (as participações da sociedade subsequentemente incorporante) foram “desviadas”, sendo que de algum modo, a afirmação de que “a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos este ativo não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo”, poderá apontar para uma argumentação nesse sentido, que se deverá, todavia, ter por substancialmente distinta da anterior[6].

Não se subscreve, em todo caso, a supra-referida afirmação, desde logo, porquanto se considera que não existe uma identidade (embora exista uma semelhança) entre o “activo” que era detido, pré-fusão, pela sociedade fundida e o “activo” que passou, pós-fusão, para a sociedade accionista daquela, dado que o efeito da fusão por incorporação não é a transmissão das participações detidas pela sociedade incorporada para o(s) respectivo(s) accionista(s), mas a atribuição pela sociedade incorporante de acções suas ao(s) accionista(s) da sociedade incorporada[7].

Daí decorre então, para além do mais, que a aquisição das participações da sociedade incorporante (ora Requerente) pelo(s) accionista(s) da sociedade incorporada não é contrapartida dos financiamentos contraídos por esta, nem sequer do produto da aplicação de tais financiamentos, mas – antes – das participações que detinha(m) naquela e da qual fica(m) privado(s) por força da sua extinção, efeito da fusão[8].

Dito de outro modo: as acções da Requerente que, no caso, a B… passou a deter, na sequência da fusão, não são as acções da Requerente que a D… deteve, e em cuja aquisição foram aplicados os financiamentos discutidos, nem sequer lhe advêm por troca com tais acções, mas são contrapartida das acções da D… que a B… detinha, e que, em virtude da fusão, deixou de deter.

            A compreensão do que vem de se expor, aponta também para uma outra conclusão, com a qual o decidido no processo ora em análise será incompatível: a circunstância de a atribuição das acções da sociedade resultante da fusão ao(s) accionista(s) da sociedade fundida não ter como causa o produto dos financiamentos e suprimentos contraídos por esta, implica que não houve qualquer “desvio”, sequer, do produto mediato daqueles financiamentos e suprimentos para o(s) accionista(s) da fundida.

            Eventualmente, poderia ser questionado – e não o é - o montante de acções da sociedade incorporante, atribuído ao(s) accionista(s) da sociedade incorporada. Todavia, mesmo aí é possível detectar um equilíbrio de princípio, traduzido na circunstância de o valor atribuído àquele(s) ser, precisamente, o mesmo que detinha(m) antes. Com efeito, pré-fusão, as acções da sociedade incorporada teriam, grosso modo, o valor correspondente às acções da sociedade incorporante (que, na medida em que é detida a totalidade do capital social desta, se equipara, precisamente, ao seu valor)[9], deduzido do passivo constituído para a sua aquisição[10]. Pós-fusão, as participações atribuídas ao(s) accionista(s) da sociedade incorporada têm, portanto, precisamente o mesmo valor, inexistindo qualquer benefício injustificado para aqueles.

Não será então, por tudo o que se expôs, exacto afirmar-se, no fundo, que haverá uma empresa que possui e beneficia do activo e outra que suporta os gastos, pelo menos não em sentido distinto daquilo que já ocorria antes da fusão, em que o(s) accionista(s) da sociedade incorporada é que, em última análise, por via da valorização das suas participações, beneficiava(m) do pagamento, por aquela, do custo de aquisição da sociedade incorporante, sendo a sociedade incorporada quem suportava os gastos propiciadores de tal valorização. Será esta, precisamente, a situação pós-fusão, em que as participações atribuídas ao(s) accionista(s) da sociedade incorporante têm – exactamente, como se viu – o mesmo valor que tinham as participações que antes detinha(m) na sociedade incorporada, e serão valorizadas, tal como anteriormente à fusão, à medida que os financiamentos contraídos forem sendo reembolsados.

            Assim, em suma e pelo exposto, não se podem ratificar as conclusões do Acórdão em questão quanto a, nas situações que nos ocupam, verificar-se que:

-          a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos este activo não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do activo (a Requerente), mas sim uma entidade distinta, no caso a sua única sócia;

-          os custos incorridos com o empréstimo em apreciação não são aplicados na exploração da própria Requerente, na sua atividade empresarial, nem servem à manutenção da fonte produtora de rendimentos;

-           os custos incorridos com o empréstimo antes aproveitam a um terceiro.

Fica por abordar a consideração globalmente subjacente à decisão em causa, de a Requerente, quando neles incorre, não ter já na sua posse o produto mediato dos gastos que suporta, que é questão distinta daquela em que se fundamentou o aresto em análise, ao entender existir um terceiro o beneficiário desse produto (o que, como se vem de ver, não será o que ocorre), e que será apreciada mais adiante.

            No que concerne ao voto de vencido da vogal Ana Paula Dourado, assinala-se que o seu carácter sintético deixa, também ele, alguma margem a crítica.

            Com efeito, referindo-se que “a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros assumidos devem ser avaliados, para efeitos jurídico-fiscais, no contexto da fusão.”, associando-a à necessidade de “ponderar a perspetiva da exploração comercial do conjunto das entidades envolvidas”, e concretizando que “a “indispensabilidade“ e a “aplicação na exploração“, estiveram associadas à operação de fusão, dado que esta operação foi acordada com a banca financiadora do empréstimo”, sugere que na avaliação que se haja de fazer se haja de abrir as portas à consideração de perspectivas que não se restrinjam à das empresas directamente participantes no processo de fusão (incorporantes ou incorporadas), o que, conforme também se verá, se entende não ser o caso.

 

*

            No processo 101/2013-T, ao Tribunal foi, igualmente, cometido proferir decisão sobre questão idêntica à que ora se coloca.

            Do também muito doutamente expendido na decisão em causa, ora destaca-se:

- “Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos.

Uma conclusão no sentido da dispensabilidade das despesas para a obtenção do lucro tributável terá de assentar numa demonstração de que mesmo que não tivessem sido efectuadas as despesas em causa poderiam ser obtidos os proveitos ou ganhos que foram efectivamente obtidos.

O que significa que só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente.

Assim, não é necessário para atribuir relevância fiscal aos encargos financeiros, demonstrar que eles produziram efectivamente um resultado positivo.

Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento.

Nesta matéria, o controle da Administração Tributária tem de ser um controle pela negativa, rejeitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora»”;

- “o que está em causa passa a ser apenas apurar se uma hipotética falta de indispensabilidade desses encargos para a realização da actividade de análises clínicas levada a cabo pela Requerente no ano de 2008, pode conduzir à irrelevância desses custos para a determinação da sociedade resultante da fusão.”;

- “a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao efectuar a correcção da matéria tributável da Requerente, que se traduziu em apurar a relevância dos encargos financeiros para a actividade de análises clínicas que a Requerente levou a cabo no ano de 2008, reconduzir-se-ia a que fossem relevantes para a formação do lucro tributável da Requerente proveitos obtidos pela D ..., S.A, durante o ano de 2008, sem a correspondente relevância negativa dos custos suportados para os obter, o que está manifestamente ao arrepio do princípio da relevância do «resultado líquido do exercício».

Assim, desde logo se conclui, por esta via, que é errada a interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e materializada na determinação do lucro tributável da Requerente no sentido de a indispensabilidade dos encargos financeiros suportados pela D ..., S.A., ser de aferir à face da actividade da Requerente e não à daquela.”;

- “Esta transferência dos resultados é, por força do artigo 17.º do CIRC, a dos resultados líquidos da sociedade ou sociedades a fundir, pelo que é inequívoco que os custos que sejam de considerar indispensáveis para a sociedade incorporada obter os respectivos proveito ou manter a sua fonte produtora são transferidos para a sociedade incorporante, sendo tratados com custos desta, para efeitos de determinação do lucro tributável desta no ano em que ocorre a fusão.

Diga-se, finalmente, que esta é a também a interpretação que impõem o princípio constitucional de que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e o princípio de que os impostos sobre o rendimento assentam essencialmente na capacidade contributiva (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), pelo que é esta a interpretação a adoptar numa perspectiva conforme à Constituição e que tenha em mente a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Conclui-se, assim, que a correcção efectuada, ao entender que a relevância dos encargos financeiros suportados pela D ... S.A. relativamente ao ano de 2008, deveria ser aferida em face da sua relevância par a actividade de análises clínicas levada a cabo pela Requerente nesse ano e ao não considerar como custos da Requerente os custos da D ..., S.A. relevantes para determinação do seu próprio lucro tributável, enferma de vício de violação de lei, designadamente do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, que justifica a sua anulação [artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária].”

            No que diz respeito ao decidido neste processo, haverá, desde logo, de ter em conta que a situação aqui em causa, se restringe ao ano em que ocorre a fusão, situação que explica o teor do critério decisório fundamental ali eleito, que se prende com o entendimento de que “a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, (...) reconduzir-se-ia a que fossem relevantes para a formação do lucro tributável da Requerente proveitos obtidos pela D ..., S.A, durante o ano de 2008, sem a correspondente relevância negativa dos custos suportados para os obter, o que está manifestamente ao arrepio do princípio da relevância do «resultado líquido do exercício»” e que, como tal, “os custos que sejam de considerar indispensáveis para a sociedade incorporada obter os respectivos proveito ou manter a sua fonte produtora são transferidos para a sociedade incorporante, sendo tratados com custos desta, para efeitos de determinação do lucro tributável desta no ano em que ocorre a fusão.”.

            Esta última conclusão, desligada do caso concreto, expõe-se à crítica, na medida em que parece perfilar-se numa linha simplista, posta de lado no voto de vencido do processo 14/2011-T, e que aqui se perfilha, segundo a qual assente a dedutibilidade de um gasto na esfera da sociedade incorporada, ter-se-á, automaticamente, de reconhecer essa dedutibilidade na esfera da sociedade incorporante.

            Para além disso, o referido critério decisório fundamental, apresenta, ele próprio, como penhor da sua coerência interna, limitações. Assim, e por um lado, a justificação da relevância dos gastos incorridos pela fundida, em função da paralela relevância dos ganhos por ela obtidos, na esfera da sociedade resultante da fusão, apenas será procedente até ao momento em que se executou a fusão; ou seja, justificam-se os gastos suportados pela fundida, ainda enquanto tal, com os ganhos por ela gerados, também ainda enquanto tal, não se podendo transpor directamente tal critério para a fase pós fusão (que, note-se, no processo em análise se limitava a pouco mais de uma semana), já que aí estão já em causa gastos que não têm correspondência em ganhos na esfera da sociedade resultante da fusão.

 

*

            No processo 87/2014-T, ao Tribunal foi, uma vez mais, chamado a emitir pronúncia sobre questão idêntica à que ora se coloca.

            Do também muito doutamente expendido na decisão em causa, ora destaca-se:

- “o facto de os financiamentos com os encargos e as responsabilidades correspondentes terem sido objecto de transmissão no âmbito de fusão por incorporação (...) não implica que o seu tratamento fiscal na sociedade incorporante tenha que ser, sem mais, o exato espelho do que ocorria na sociedade incorporada.

Note-se, desde logo, que para chegar a alguma conclusão sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros na sociedade incorporante nenhum elemento se obtém da concepção que se adopte, em termos gerais, quanto à natureza jurídica da fusão, quer se considere que se trata de um fenómeno de sucessão universal da sociedade incorporada para a sociedade incorporante quer se considere que se trate da modificação das sociedades envolvidas mediante transformação. (...)

Mas também nenhuma conclusão se retira do próprio regime de neutralidade fiscal (...) porquanto este regime não contemplava, em momento algum, a transmissibilidade para a incorporante do tratamento fiscal conferido aos custos na sociedade incorporada”;

- “a dedução fiscal dos encargos financeiros incorridos no ano de 2009 tem que ser aferida no contexto empresarial próprio da Requerente, em atenção aos critérios normativos resultantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que é, efetivamente, o quadro legal decisivo em face do qual se tem de resolver a matéria dos autos.

Daí que, em cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, tenha perfeito cabimento verificar, como fez a AT na inspeção tributária ao exercício de 2009 a que procedeu e que aqui se encontra em apreciação, se os pressupostos de dedutibilidade fiscal dos custos com juros se mostravam satisfeitos em atenção à atividade da Requerente e ao período de tributação em causa (cfr. art. 18.º do CIRC), independentemente do que sucedia na sociedade incorporada.(...)

Conclui-se, pois, que o facto de certos encargos financeiros serem fiscalmente dedutíveis anteriormente no âmbito da determinação da matéria colectável de uma certa sociedade não significa, só por si, que o sejam necessariamente nos mesmos termos no âmbito da sociedade que, por fusão, incorporou aquela.

Aliás, tanto é assim que a própria Requerente reconhece que a manutenção da dedutibilidade dos juros de um certo financiamento inicialmente contraído depende do pressuposto de que “o financiamento se mantém alocado à mesma finalidade”(...)

Por isso, a matéria que efetivamente importa decidir para a solução do caso sub judice respeita à verificação no ano de 2009, em atenção à situação da Requerente, do nexo de causalidade económica entre a assunção dos custos financeiros em causa e a sua realização no interesse da empresa.”;

- “Tendo em conta esta diretriz, para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração ou, por outras palavras, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou.(...)

Como tal, a Requerente suportou no ano de 2009 encargos financeiros em relação à totalidade dos financiamentos em causa (...), mas as participações sociais relativas ao capital da própria Requerente, a que esses financiamentos também se destinaram (...), não pertencem, naturalmente, à Requerente, mas são sim da titularidade da “B” BV, que não suporta os correspondentes custos desse financiamento (...).”

- “Significa isto que os encargos financeiros suportados no exercício de 2009 imputáveis à aquisição do capital do “A” não encontram nexo de causalidade económica com o interesse e a atividade da própria Requerente, não tendo potencialidade para geração de lucros na esfera jurídica desta.

Essas participações sociais, na verdade, só podem gerar rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações) na esfera jurídica da sociedade titular das participações (a “B” BV), não na esfera jurídica da devedora dos encargos financeiros (a aqui Requerente). Como tal, os encargos financeiros em causa não têm como destino o financiamento da atividade empresarial da própria Requerente, designadamente o investimento em participações sociais da sua titularidade, mas respeitam antes a participações sociais em titularidade alheia.

Ora, como acima se referiu (n.º 14), a dedutibilidade fiscal dos custos, por força do princípio da indispensabilidade previsto pelo art. 23.º do CIRC, pressupõe um nexo de causalidade económica entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa.

É, pois, necessário, para efeitos da respectiva relevância fiscal, que os gastos incorridos com encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida, maxime sirvam ao desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora, em ordem à obtenção de lucros. Consequentemente, como observa MARIA DOS PRAZERES LOUSA, [“O problema da dedutibilidade dos juros para efeitos da determinação do lucro tributável,” in Estudos em homenagem à Dr. Maria de Lourdes Correia e Vale, Lisboa, 1995, p. 349], não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são “desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma”.

Nesta sequência, convoque-se igualmente o que se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1BEBRG: “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.”.

- “os encargos financeiros indicados possuem como finalidade, destino e uso a aquisição das próprias participações sociais da Requerente pela sociedade “C”, SGPS, pelo que, nessa parte, a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que é devedora desses encargos, a aqui Requerente, mas sim com ativos que passaram a ser detidos pela “B” BV, como sócia única da Requerente.”.

            Neste processo retomou-se a linha decisória do processo 14/2011-T, desenvolvendo-a.

            Assim, aditando ao ali expendido, refere-se na decisão ora em análise que “o facto de os financiamentos com os encargos e as responsabilidades correspondentes terem sido objecto de transmissão no âmbito de fusão por incorporação (...) não implica que o seu tratamento fiscal na sociedade incorporante tenha que ser, sem mais, o exato espelho do que ocorria na sociedade incorporada.”, que “para chegar a alguma conclusão sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros na sociedade incorporante nenhum elemento se obtém da concepção que se adopte, em termos gerais, quanto à natureza jurídica da fusão” e que “também nenhuma conclusão se retira do próprio regime de neutralidade fiscal”, conclusões que se subscrevem inteiramente.

            Subscreve-se, igualmente, a conclusão de “que o facto de certos encargos financeiros serem fiscalmente dedutíveis anteriormente no âmbito da determinação da matéria colectável de uma certa sociedade não significa, só por si, que o sejam necessariamente nos mesmos termos no âmbito da sociedade que, por fusão, incorporou aquela”, não se subscrevendo, todavia, e como se verá mais adiante, os pressupostos em que a mesma assenta, não de um ponto de vista abstracto, concordando-se que “a dedução fiscal dos encargos financeiros incorridos (…) tem que ser aferida no contexto empresarial próprio da Requerente, em atenção aos critérios normativos resultantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC”, e que “para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar (…) a afetação efetiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração ou, por outras palavras, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou”, mas de um ponto de vista da sua aplicação ao caso concreto, onde foi entendido que “a Requerente suportou no ano de 2009 encargos financeiros em relação à totalidade dos financiamentos em causa (...), mas as participações sociais relativas ao capital da própria Requerente, a que esses financiamentos também se destinaram (...), não pertencem, naturalmente, à Requerente, mas são sim da titularidade da “B” BV, que não suporta os correspondentes custos desse financiamento (...).” que “Essas participações sociais, na verdade, só podem gerar rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações) na esfera jurídica da sociedade titular das participações (a “B” BV), não na esfera jurídica da devedora dos encargos financeiros (a aqui Requerente).”, que “os encargos financeiros em causa não têm como destino o financiamento da atividade empresarial da própria Requerente, (…) mas respeitam antes a participações sociais em titularidade alheia.”, e que “a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que é devedora desses encargos, a aqui Requerente, mas sim com ativos que passaram a ser detidos pela “B” BV, como sócia única da Requerente.”

            É que, como se viu já, a propósito do processo 14/2011-T, as participações da sociedade incorporante detidas, a final, pelo(s) sócio(s) da sociedade incorporada, não são contrapartida dos (não têm a sua causa nos) financiamentos por esta contraídos, mas, antes, são contrapartida das (têm a sua causa nas) participações sociais da sociedade incorporada, que se extinguem no processo de fusão.

            Pelo que não se pode subscrever, assim, o entendimento de que a sociedade resultante da fusão está a suportar os encargos de financiamentos que são contrapartida de benefícios obtidos por terceiros.

            Do mesmo modo, e conforme também já acima explicado, não se considera que a situação sub iudice seja caso de aplicação do critério citado a MARIA DOS PRAZERES LOUSA, segundo o qual “não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são “desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma”, dado que – manifestamente – os fundos obtidos não foram “desviados” da esfera da sociedade resultante da fusão, uma vez que os mesmos estavam já integralmente aplicados (exauridos) quando se operou o processo de fusão.

            Resta, ainda, aqui como, anteriormente, a propósito do processo 14/2011-T, apurar da relevância decisória, à luz dos critérios já assentes, da constatação de que a Requerente não ter já na sua posse o produto mediato dos gastos financeiros que suporta, o que se fará adiante.

 

*

            Por fim, foi o Tribunal arbitral constituído no processo 42/2015-T chamado a emitir pronúncia sobre questão análoga à que ora se coloca (sendo que neste caso a fusão não era inversa).

            Dali se destaca o seguinte:

-          “A interpretação legal do conceito de "indispensabilidade", ao tempo constante do artigo 23.º do CIRC, tem sido, como a doutrina e jurisprudência mostram, equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os gastos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.”;

-          “Ora o STA, no âmbito do Processo 0779/12, em Acórdão recente, de 24-09-2014, afasta a interpretação do artigo 23.º' do CIRC como tendo que implicar uma obrigatória conexão, um balanceamento ou conexão entre custos e proveitos.”;

-          “Julga-se ser visível que a tese da AT, segundo a qual apenas os encargos financeiros decorrentes de capitais aplicados na exploração seriam dedutíveis (e ainda assim faltaria definir o que se entende por "exploração") não resulta da lei. Os termos "nomeadamente" e "tais como", que sublinhámos, vincam que os encargos financeiros de capitais aplicados na exploração são dedutíveis, mas não esgotam o universo de encargos financeiros dedutíveis.

Estes sê-lo-ão, mesmo que não aplicados na dita exploração; desde que passem o teste geral da indispensabilidade, estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal.

Ora, o conceito de indispensabilidade, já se viu, é consensualmente interpretado como implicando que os gastos digam respeito à atividade ou interesse da empresa. Assim, os encargos financeiros que aqui se enquadrem, mesmo não sendo aplicados em atividades consideradas operacionais ou de "exploração", podem reunir condições de indispensabilidade.

E, como adiante se verá, os encargos aqui controvertidos, estão relacionados com a atividade da Requerente, pois resultam do financiamento de ativos por esta detidos e que até geram rendimentos de natureza operacional.”;

-          “Não tem razão a AT quando põe em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros, em sede da Requerente, com o fundamento de que estes estão desligados da sua atividade, do seu interesse próprio, e que os fundos obtidos não foram aplicados na exploração.

Com efeito, em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os ativos e passivos da sociedades operativas (...) e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais.(...)

Em suma a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional.”;

-          “Mesmo numa perspetiva estrita de nexo económico entre rendimentos e gastos, ele existe. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. Numa ótica patrimonial há, até, maior aproximação entre ativos e capitais que os financiam, agora inscritos na mesma entidade.”.

            Este processo arbitral, não obstante coincidir com aquilo que se entende ser o adequado sentido da decisão, contém, na respectiva fundamentação, matéria que, transposta sem mais para o presente caso, se dá, também ela, a crítica.

            Assim, quando se refere que “que a tese da AT, segundo a qual apenas os encargos financeiros decorrentes de capitais aplicados na exploração seriam dedutíveis (e ainda assim faltaria definir o que se entende por "exploração") não resulta da lei. Os termos "nomeadamente" e "tais como", que sublinhámos, vincam que os encargos financeiros de capitais aplicados na exploração são dedutíveis, mas não esgotam o universo de encargos financeiros dedutíveis.”, sugere-se que a justificação da dedutibilidade dos gastos em questão se obtém fora do âmbito da previsão da al. c) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, na parte em que refere a dedutibilidade dos “juros de capitais alheios aplicados na exploração”, o que, como se verá adiante, não se nos afigura ser o caso.

            Por outro lado, o considerando de que “a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional”, não será directamente transponível para o caso sub iudice, face à circunstância – facticamente incontornável – de que, aqui, o financiamento cujos custos são suportados na esfera da sociedade resultante da fusão, se destinou, imediatamente, à aquisição das participações sociais da sociedade que, na fusão, viria a ser incorporante e de que, na esfera jurídica da sociedade resultante daquele processo de reorganização societária, tais participações estão ausentes.

 

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Tendo em conta que a fundamentação da presente decisão segue, essencialmente, na linha do decidido nos processos arbitrais 92 e 93/2015-T, posteriormente acolhida no processo arbitral 88/2016-T, cumprirá, ainda, apreciar a declaração de voto lavrada nesta última decisão, que, por superveniente àquelas, não foi nelas ponderada.

Desde logo, tal como, de uma forma geral, todas as posições que se pronunciam no mesmo sentido de tal declaração, não assume cabalmente qual a sua posição relativamente às situações de fusão por incorporação não inversa, ou seja, situações precisamente iguais à situação sub iudice (e à apreciada naquele processo 88/2016-T), mas em que, em lugar de ser a entidade participada a incorporar a incorporar a participante, como é o caso, é a entidade participante a incorporar a participada.

Este esclarecimento, do ponto de vista das posições que, em situações como a presente, sustentam a indedutibilidade dos encargos financeiros decorrentes de financiamentos aplicados na aquisição das participações de uma das entidades intervenientes na fusão, por outra das entidades também nela intervenientes, é de particular importância, porquanto a posição que relativamente a tal questão seja tomada, seja ela qualquer for, invalidará uma parte substancial dos fundamentos em que assentam tais posições, evidenciando a contradição essencial em que tais posições assentam.

É também esse o caso, salvo o muito respeito devido, da declaração de voto em apreço, que, muito claramente, se sintetiza no respectivo ponto 7, onde se refere que “todo o iter operativo desde o contrato promessa entre os sócios da Requerente e o Fundo H… é subordinado ao seguinte objetivo: aquisição da totalidade do capital social da Requerente pelo grupo E… e colocação da dívida resultante do respetivo financiamento na própria sociedade adquirida - a Requerente - única entidade com atividade operacional relevante e com rendimentos que, como se disse, possibilitem a dedução fiscal dos encargos suportados em resultado das dívidas contraídas por terceiro para a aquisição das suas próprias ações.”.

Ora, a declaração em causa, como se referiu, não assume qual seria o resultado da sua aplicação a uma situação de fusão não inversa, ou seja, se nessa situação julgaria o mesmo tipo de gastos dedutíveis ou não, sendo que:

-          no primeiro caso, ou seja, se nessas situações de fusão não inversa admitisse o mesmo tipo de gastos como dedutíveis, estaria a desconsiderar um dos pilares estruturantes da sua argumentação, designadamente a circunstância de, também nesse caso, se verificar o objectivo da aquisição da totalidade do capital social de uma sociedade por outra (veículo) com a colocação da dívida resultante do respectivo financiamento na própria sociedade adquirida, única entidade com atividade operacional relevante e com rendimentos que possibilitem a dedução fiscal dos encargos suportados;

-          no segundo caso, ou seja, se nessas situações de fusão não inversa não admitisse também a dedutibilidade do mesmo tipo de gastos, estaria a desconsiderar outro dos pilares estruturantes da sua argumentação, designadamente a circunstância de nesse caso, não se verificar a existência de dívidas contraídas por terceiro para a aquisição das próprias acções da sociedade que suporta os encargos financeiros[11].

O que vem de se expor deixa claro, crê-se, que a posição ora em apreço assenta estruturalmente em fundamentos substancialmente incompatíveis, e cujo enquadramento, como se viu atrás, e se desenvolverá de seguida, deverá ser outro.

Tais posições, sempre ressalvado o muito respeito que creditam, justificar-se-ão essencialmente, crê-se, por uma repulsa, de algum modo instintiva e, também, ideológica, ao resultado decorrente da posição a que se opõem – a circunstância de os gastos suportados com os financiamentos para a “aquisição do negócio” serem fiscalmente subtraídos aos lucros gerados pelo próprio negócio – sem que logrem apresentar argumentos concludentes que invalidem a conclusão de que tal resultado foi, efectivamente querido pelo legislador.

Assim, e desde logo, não se pode perder de vista que está em causa uma operação de fusão, legalmente admitida e regulada no nosso ordenamento jurídico, nos termos que o legislador, incluindo o legislador fiscal, entendeu por bem fazer.

Não se verifica, tanto quanto os dados concretos do processo, e a fundamentação da AT exterioriza, qualquer abuso ou outro uso anormal de tal operação jurídica. Daí que os efeitos decorrentes da mesma, devam ser os que decorrem da lei, ainda que, subjectivamente, cada um possa entender que se trata - no quadro da respectiva normalidade legal - de uma operação que justifica ou não o tratamento jurídico que o legislador lhe deu.

Por outro lado, concordando-se ou não, é de notar que situações como a referida – de os gastos suportados com os financiamentos para a “aquisição do negócio” serem fiscalmente subtraídos aos lucros gerados pelo próprio negócio – não têm nada de estranho ao direito fiscal, tendo o legislador perfeita consciência disso mesmo, há muitos anos, sendo consabido que a fiscalidade actuou durante muitos anos, e continua a actuar, como um incentivo ao endividamento das empresas.

Começando pelo exemplo mais simples, pense-se na situação de uma sociedade a ser criada e que, para o exercício da sua actividade, careça de um investimento de 1M€ para estabelecer as estruturas necessárias à criação da sua capacidade produtiva. O(s) respectivo(s) sócio(s) - sendo que muitas vezes existe apenas um efectivo sócio - pode dotar a empresa a criar de capital social no montante necessário, ou criar a nova sociedade com o capital social mínimo, e financiá-la naquele mesmo montante. Neste caso, os custos com o financiamento serão dedutíveis na sociedade criada, e, caso a entidade sócia se tiver financiado para obter o capital com que financiou a nova sociedade, será também o custo de tal financiamento dedutível na esfera desta, sendo que, quer num quer noutro caso, pago o financiamento, necessariamente com o produto (“lucro”) da entidade criada, a entidade criadora, terá passado a ficar proprietária de uma sociedade geradora de lucros, com o produto do financiamento (1M€) no respectivo património, tudo pago com os lucros gerados pelo próprio negócio.

            Desenvolvendo o mesmo exemplo, no mesmo cenário, se a sociedade criadora decidir vender a sociedade criada a uma terceira sociedade, antes de iniciado o reembolso do financiamento, a custo zero, vendendo igualmente o financiamento pendente (pelo respectivo valor nominal ou, por exemplo, por tal valor acrescido dos juros contratados em tal financiamento), os encargos com o financiamento pré-existente continuarão a ser dedutíveis na esfera da sociedade criada, e, caso a sociedade terceira adquirente se tenha financiado para adquirir o financiamento a reembolsar, serão dedutíveis os encargos daquele na esfera daquela. No final e em ambos os casos, reembolsado o financiamento, a sociedade terceira adquirente ter-se-á tornado proprietária da sociedade criada, tendo tal aquisição sido paga com os lucros gerados pelo próprio negócio.

Do mesmo modo, e prosseguindo, se o financiamento tiver sido reembolsado à sociedade adquirente (ou se não o tiver, para o caso será igual, sendo o exemplo mais impressivo na hipótese que se desenvolve), e esta decidir vender o estabelecimento da sociedade criada (entendendo-se por aquele todos os activos e passivos desta) a uma quarta sociedade, que se financiou para a respectiva aquisição e que, por exemplo, não tivesse qualquer outro activo no seu património, os gastos com aquele financiamento seriam dedutíveis na esfera desta quarta sociedade, não obstante o pagamento do mesmo ser efectuado à custa do “estabelecimento” adquirido. Pago o financiamento, a quarta sociedade torna-se dona da materialidade da sociedade criada, tendo, uma vez mais, tal aquisição sido paga com os lucros gerados pelo próprio negócio.

Ou seja, e em suma: são comuns e aceites situações de utilização de uma “actividade operacional e geradora de rendimentos”, para pagar os custos da aquisição da mesma. A partir daqui, poder-se-á argumentar que as situações de fusão, de fusão invertida, ou ambas, apresentam diferenças e/ou especificidades justificadoras de tratamento distinto das restantes. No entanto ficará claro que o argumento que está em causa, não tem a relevância ou essencialidade que lhe é atribuída, e que deverão ser aquelas diferenças e/ou especificidades dos processos de fusão a justificar ou não o tratamento que se conclua ser de dar aos encargos financeiros em causa.

Ora, isto conduz ao segundo dos pilares da tese em apreço – a existência de dívidas contraídas por terceiro para a aquisição das próprias acções da sociedade que suporta os encargos financeiros – que, como se viu já e se desenvolverá infra, para além de não ser relacionável/conciliável com o anterior, não corresponde a uma correcta compreensão da realidade subjacente às fusões (não abusivas e/ou fraudulentas).

Assim, quando se fala em terceiros que adquiriram as acções da sociedade que suporta os encargos financeiros, é necessário esclarecer antes de mais quem, em concreto, serão esses terceiros, já que:

-          se o terceiro é a sociedade detentora da entidade que contraiu os financiamentos e que, na sequência do processo de fusão inversa passa a deter as acções da sociedade que suporta os custos com os financiamentos discutidos, estar-se-á a ignorar que estas acções, no caso, e como se viu já, não são contrapartida das acções que foram adquiridas com aqueles financiamentos, mas contrapartida das acções da sociedade extinta na fusão, ignorando-se ainda que, nos casos de fusão não inversa – que conduzem ao mesmo resultado financeiro e fiscal – as participações detidas por esse terceiro (sociedade detentora da entidade que contraiu os financiamentos) não sofrem qualquer alteração;

-          se o terceiro é a sociedade que em primeira mão adquiriu as acções, está-se então a desconsiderar totalmente os efeitos da fusão, tratando-se a situação como se esta não tivesse existido – ou seja, aplicando-se encapotadamente a cláusula geral antiabuso – e ignora-se  então que, devidamente entendidos os efeitos da fusão, nos termos da doutrina e jurisprudência expostos infra, as entidades intervenientes no processo de fusão (incluindo as fundidas) integram a entidade dele emergente, são partes desta, pelo que não poderão, por definição, ser qualificáveis como terceiros.

Posto tudo isto, compreender-se-á de tudo quanto se disse nos processos arbitrais 92 e 93/2015-T, e 88/2016-T, que ali, tal como aqui, se subscreve o ponto 3 da declaração de voto ora em apreço, que sustenta que “No caso do pagamento de encargos com empréstimos, (...) é o uso dos activos adquiridos com os fundos assim obtidos que determina a caracterização e regime que cabe - indispensabilidade e dedutibilidade fiscal, ou não - aos juros concomitantes”.

Simplesmente, e como se vem de ver, assentam aquelas referidas decisões, a que se opõe a declaração em análise, na constatação de que os activos adquiridos com os financiamentos discutidos, pereceram, no âmbito da actividade normal do sujeito passivo que os contraiu, sendo que a intervenção de forma legal e não abusiva num processo de fusão, não pode deixar de se considerar como integrando a actividade normal de uma sociedade comercial.

Já a declaração de voto em causa, comungando com as outras posições da mesma corrente, não deixa claro qual a leitura que faz relativamente ao destino do produto da aplicação dos financiamentos em crise, parecendo entender que os mesmos foram desviados para um terceiro não cabalmente determinado, numa leitura que, como se viu atrás, não terá correspondência na realidade.

Não se afigura igualmente susceptível de acolhimento o sintetizado no ponto 8 da declaração em causa, onde se refere que “Todos os passos da operação estão inseridos na mesma “unidade de intenção e ação” e são, desde o início, unicamente dirigidos ao objectivo referido no número anterior. Objetivo esse estranho ao interesse empresarial da Requerente, não sendo o financiamento e o pagamento dos concomitantes encargos necessários à sua atividade, nem indispensáveis para a prossecução do seu interesse empresarial específico concretizado na produção dos seus rendimentos sujeitos a imposto ou na manutenção da sua fonte geradora. A obrigação de pagamento dos encargos em análise nunca foi, desde a primeira hora, contraída no interesse empresarial da Requerente, sendo para mim claro que não poderia, após a fusão, passar a considerar-se que tais financiamentos eram para si indispensáveis para efeitos do nº 1 do artigo 23º do CIRC”.

Assim, sendo óbvio, que no início, os financiamentos em questão não foram contraídos no interesse da sociedade adquirida – nem o podiam ser, já que nesse caso não seriam os respectivos encargos dedutíveis, por não terem sido incorridos no interesse da entidade que contraiu o financiamento – é também tal circunstância irrelevante, quer na óptica da declaração onde o ponto referido se insere, quer na óptica da decisão a que aquela se opõe, já que, como se viu, ambas concordam que o juízo de dedutibilidade ou não dos gastos se deve operar face à realidade existente na altura do facto tributário respectivo.

Por outro lado, a conclusão final, de que será “claro que não poderia, após a fusão, passar a considerar-se que tais financiamentos eram para si indispensáveis”, desconsidera, sem fundamentar, os efeitos próprios e normais da fusão.

Assim, e desde logo, a Requerente (como se tem reiterado e não é infirmado fundadamente nas posições contrárias à ora sustentada) emergente da fusão não é a mesma Requerente existente anteriormente, e passa a integrar, também enquanto centro de imputação interesses, a sociedade incorporada que contraiu o financiamento cujos encargos se discutem[12].

Por outro lado, ignora-se ainda que a causa da vinculação jurídica da Requerente à obrigação de reembolso e retribuição dos financiamentos em questão radica no processo de fusão, que, como se referiu, é um acto normal da actividade comercial das sociedades, e, no caso, nada se apurou que indicie alguma anormalidade ou desvio na finalidade própria de tal operação, sendo que, como ainda recentemente se escreveu no Ac. do STA de 28-06-2017, proferido no processo 0627/16, não pode a AT desconsiderar um gasto “com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes” do mesmo, mais se podendo ler no mesmo aresto que “o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos (...) independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram”.

No ponto 9 da mesma declaração de voto, considera-se ainda, que “a assinalada “unidade de intenção e ação” em que se inserem os factos acima referidos faz toda a diferença relativamente à situação de continuação de pagamento e dedução de juros para além da existência de um ativo cuja aquisição gerou encargos, que o Acórdão utilizou para, exemplificando, suportar a sua decisão. No exemplo usado no Acórdão, a vicissitude posterior que determina o desaparecimento do bem – uma viatura que é retirada do ativo – não se insere na “linha de intenção e ação” que determinara a sua aquisição com recurso ao crédito. A unidade de ação que resulta da factualidade constante dos autos, acima assinalada, coloca igualmente em crise a pedra de toque do Acórdão que assenta na ideia de fazer relevar o facto de a compra das ações da Requerente ter ocorrido, na íntegra, antes da fusão”.

Ora, ressalvado sempre o muito respeito devido, não se tem por fundamentado o afastamento da bondade do exemplo utilizado, já que não se conhece doutrina ou jurisprudência que sustentem que o juízo do art.º 23.º tem subjacente factores de ordem subjectiva (“linha de intenção e ação”), por um lado, e que sempre tal objecção seria ultrapassada, reformulando o exemplo e estatuindo que a aquisição do automóvel ocorreu numa “linha de intenção e ação” de utilização exclusivamente particular do mesmo, mas que, por qualquer vicissitude, tal propósito foi alterado, após a aplicação dos capitais alheios na aquisição do automóvel, passando temporariamente (durante a integralidade de um exercício) para uma utilização exclusivamente empresarial.

Em todo o caso, a abordagem do exemplo utilizado passa ao lado do essencial da questão, que é a circunstância – não contestada na declaração de voto – de as participações, em que foi aplicado o financiamento cujos encargos se discutem, terem efectivamente, por efeito da fusão, desaparecido, o que é incompatível com os entendimentos de que tenha havido uma transferência daquelas para terceiros, ou um desvio na aplicação do produto dos capitais alheios mutuados.

De resto, a invocada “linha de intenção e ação”, direcciona-se já no sentido proscrito pelo Ac. do STA de 27-01-2016, proferido no processo 01720/13, assentando-se “todo o raciocínio (...) na ideia de que foi feito um uso (abusivo) não só da figura jurídica [da fusão inversa] (...), e que tal foi feito para que as regras de incidência tributária se aplicassem de modo mais favorável à impugnante, já que a substância económica subjacente às intenções desta não exigia, de todo, o recurso a essas formas jurídicas”, sendo que, nos termos de tal aresto, essas são precisamente as situações em que tal só é possível se, previamente, se desconsiderar a figura jurídica da fusão, sendo que “se, como invoca a AT, o objectivo da utilização dessas figuras jurídicas foi apenas o de possibilitar” um benefício fiscal, “não sendo tais figuras, em si mesmas, necessárias (...), então não podemos deixar de concluir que o normativo a que a AF devia ter subsumido a situação e a correcção que introduziu era a constante do art.º 38º, nº 2, da LGT (cláusula geral anti-abuso)”, ou seja “suspeitando a AT da existência de uma prática abusiva, impunha-se-lhe a instauração do procedimento prévio e obrigatório previsto no art.º 63º do CPPT”.

Entende-se, por todo o exposto, que as conclusões formuladas no ponto 10 da declaração de voto em causa, não têm sustentação nem factual nem na argumentação que as pretende sustentar, já que não se tem em conta que a Requerente, no momento relevante para o juízo em causa, integra em si a sociedade que contraiu os financiamentos em causa, por um lado, e que, mesmo cingindo-nos à parte da Requerente que corresponde unicamente à sociedade incorporante, a responsabilidade pelos pagamentos em questão decorrem da sua participação na fusão, no quadro da sua (própria) actividade normal, fusão esta que pela sua natureza comercial e na óptica da actividade empresarial normal é apta a gerar proveitos[13], sendo que no caso, como é consensual, nenhuma anormalidade ou desvio são invocados.

Ainda relativamente à declaração de voto em causa, note-se, por fim, que embora aí se afirme contundentemente que o decidido em oposição ao sentido da mesma não atende “à jurisprudência do STA e dos TCA – antes suportando a sua argumentação em decisões do Tribunal Arbitral – desatende ao papel conformador da jurisprudência daqueles tribunais superiores e é susceptível de recurso nos termos do nº 2 do artigo 25º do RJAT”, crê-se que, também nessa parte, não tem razão, dado não se verificarem os pressupostos que o STA tem, esmagadoramente, entendido como necessários à oposição de acórdãos, designadamente que “os acórdãos em confronto assentam em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e está em causa o mesmo fundamento de direito, não tendo havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente e tendo sido perfilhada solução oposta, por decisões expressas e antagónicas.” (Acórdão de 21/1/2013, proferido no processo 0945/12).

 

*

Tendo presente tudo quanto se veio já dizendo, e não esquecendo que – consensualmente e como resulta da matéria de facto – estão exclusivamente em causa juros de capitais alheios, considera-se, então que o ponto de partida do processo decisório do litígio que ora cumpre dirimir se situa no quadro do art.º 23.º/1/c) do CIRC.

            Tal norma dispõe, para além do mais e naquilo que diz respeito ao que ora importa, que “Consideram-se gastos (…) nomeadamente: c) juros de capitais alheios aplicados na exploração.”.

            Deste modo, e antes de avançar no sentido de apurar se do normativo em questão resulta, ou não, uma limitação da dedutibilidade dos juros de capitais alheios, à sua aplicação na exploração, ou se, como se concluiu no Ac. 42/2015-T, serão no seu âmbito dedutíveis juros de capitais alheios aplicados noutros fins, cumpre aferir se, no caso, é essa, ou não, a situação que se verifica.

            Em tal juízo, e salvo melhor opinião, dever-se-á ter em conta, como referentes decisórios, para além do mais já devidamente tratado, quatro aspectos que se têm por fundamentais, a saber:

-          O primeiro, é a circunstância de as participações sociais da sociedade incorporante, que integravam o activo da sociedade incorporada, não existirem no património da sociedade resultante do processo de fusão;

-          O segundo, é o de que os “capitais alheios” a que se reportam os juros suportados e cuja dedutibilidade é questionada se encontrarem, em momento anterior à fusão, já integralmente aplicados;

-          O terceiro, é o de que a sociedade resultante do processo de fusão não se identifica materialmente (sob o prisma da realidade económica) com a sociedade beneficiária da fusão, tal como se configurava previamente à mesma;

-          O quarto, é o de que as acções atribuídas, no processo de fusão, aos accionistas da sociedade incorporada, serão contrapartida, não dos capitais por aquela obtidos, por via dos financiamentos cujos juros têm a respectiva dedutibilidade em crise, mas, como se viu já, das acções daquela mesma sociedade incorporada e que, por força do processo de fusão, se extinguem.

            À luz destes referentes, tem-se por boa a conclusão de que, efectivamente, no caso se preenchem os pressupostos da supra-referida alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, por os gastos com juros em questão, corresponderem a capitais alheios que foram aplicados na exploração da entidade que os suporta.

            Esta afirmação, que à primeira vista poderá constituir-se como contraintuitiva, será assimilável se se tiver, devidamente, presente o terceiro dos critérios decisórios fundamentais acima elencados.

Com efeito, e como se escreveu no Ac. do STA de 13-04-2005, proferido no processo 01265/04[14]:

A fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA nos lugares citados na sentença recorrida – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.

Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica."

Também no Ac. do TCA-Sul de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10[15] se escreveu que “a fusão de sociedades é o acto pelo qual duas ou mais sociedades reúnem as suas forças económicas para formarem, com os sócios de todas elas, uma só personalidade colectiva, um novo sujeito económico e jurídico.

Daí que se possa afirmar, como parece tê-lo feito a A., que a fusão é, regra geral, e a situação em análise não constitui excepção, recomendada por interesses comuns às sociedades nela intervenientes, e não apenas a uma delas.

E mais adiante: “É certo que se poderia argumentar que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão; todavia, também o certo é que não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.

Numa outra formulação, põe afirmar-se que com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica.”.

            Compreendido isto, será compreensível então, a afirmação de que os gastos com juros em questão, correspondem a capitais alheios que foram aplicados na exploração da entidade que os suporta. Com efeito, compreendida devidamente a realidade pós-fusão (não fraudulenta), dever-se-á aceitar que a entidade daí resultante, embora contida na “casca” jurídica da sociedade incorporante, não corresponde mais a esta, tal como se configurava antes do referido processo de reorganização societária, sendo antes uma síntese entre a sociedade incorporada e a incorporante, sob pena de, entendendo-se de outra forma, se estar, sem suporte legal, a desconsiderar efectivamente a fusão ocorrida.

            Citando a jurisprudência que antecede, continua “a existir a mesma realidade económica”, o “mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva”, em cuja exploração foram aplicados os capitais alheios cujos gastos em juros vêm a sua dedutibilidade questionada, uma vez que não decorreu da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que com a perda de personalidade jurídica.

            Assim, à luz desta compreensão dos efeitos da fusão por incorporação – incluindo a inversa – não se poderá concluir de outra forma que não pelo preenchimento dos pressupostos da supra-referida al. c) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Torna-se, assim, aplicável a passagem do Ac. 42/2015-T acima citada, segundo a qual  “a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional”. Com efeito, a perspectiva do acórdão em questão, que será inquestionável nos casos de fusão por incorporação “ordinária” (não inversa ou upstream), onde é evidente que a sociedade incorporante troca as participações que detém pela realidade económica em que se traduz a sociedade participada, dever-se-á considerar igualmente válida nos casos de fusão inversa, uma vez que a realidade material pós-fusão (a “realidade económica”, o “conjunto (...) de meios afectos a uma actividade produtiva”), será, pelo menos no que constituam aspectos relevantes para a problemática em discussão, precisamente a mesma[16].

            Não invalida, diga-se, esta conclusão que, como se afirma no Acórdão arbitral 87/2014-T, “a dedução fiscal dos encargos financeiros incorridos (…) tem que ser aferida no contexto empresarial próprio da Requerente, em atenção aos critérios normativos resultantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC”, e que “para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar (…) a afetação efetiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração ou, por outras palavras, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou”.

            Antes pelo contrário. Compreendido que a Requerente, tal como se apresenta pós-fusão, não é já o mesmo centro de interesses que existia antes daquele processo, mas um outro diferente que se sintetizou com a sociedade incorporada e que, portanto, o contexto empresarial da Requerente integra, também, a realidade económica antes corporizada autonomamente pela sociedade nela incorporada, estar-se-á então – verdadeiramente – a aferir os “critérios normativos resultantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC” “no contexto empresarial próprio da Requerente”.

            Por outro lado, e como se referiu já, também não se verifica que tenha ocorrido qualquer alteração na “(…) a afetação efetiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração”, ou desvio no “no destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou”, porquanto, por um lado e como se viu, o financiamento foi integralmente aplicado em momento prévio à fusão, e, por outro e como igualmente se viu já, não foi, sequer, o produto dessa aplicação desviado para um terceiro, mormente para a accionista (antes da incorporada e, depois, da incorporante), na medida em que as acções da incorporante de que aquela se tornou titular derivam, não dos financiamentos cujos juros estão em questão, mas das acções da sociedade incorporada que detinha, e que foram extintas pelo processo de fusão.

            A posição adoptada é igualmente compatível com a asserção que se pode ler no mesmo acórdão que se vem de referir, segundo a qual “o facto de certos encargos financeiros serem fiscalmente dedutíveis anteriormente no âmbito da determinação da matéria colectável de uma certa sociedade não significa, só por si, que o sejam necessariamente nos mesmos termos no âmbito da sociedade que, por fusão, incorporou aquela”.

            Com efeito, e como referia já o Prof. Teixeira Ribeiro, à luz do CCI[17], as alíneas do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC não poderão ser entendidas de outra maneira que não a de que quando os custos ou perdas estão especificamente elencados no artigo 23.º, presume-se a sua essencialidade, dispensando-se, consequentemente, o contribuinte da correspondente prova, sendo, precisamente esse o propósito da enumeração (retirado, para além do mais, da utilização da expressão «nomeadamente»).

            Não quer dizer o preenchimento, no caso, da al. c) do n.º do art.º 23.º do CIRC, que a AT não possa questionar o requisito geral da dedutibilidade dos gastos, constante do corpo do artigo, demonstrando que, apesar de preenchida uma alínea do mesmo (no caso a al. c)), a fusão foi realizada por interesses não empresariais próprios das sociedades parte naquela.

            Do mesmo modo poderia a AT demonstrar que, apesar de preenchida uma alínea do n.º 1 do art.º 23.º, e que a fusão foi determinada por interesses próprios das sociedades parte naquela, a mesma foi realizada num contexto fraudulento, em termos de não produzir efeitos fiscais, tal como prescrito pelo art.º 38.º/2 da LGT[18].

            Sucede que, no caso, nem uma nem outra das vias foi encetada pela AT, pelo que não cumprirá ao Tribunal aferir da sua bondade.

            Não se considera, por fim, que assuma relevância a circunstância, também acima individualizada, de, no momento em que são suportados os juros, os activos nos quais foram aplicados os capitais alheios, a que se reportam aqueles, não integrarem já a esfera jurídica da sociedade resultante da fusão.

            Efectivamente, aplicados os capitais alheios na exploração (situação diferente do “desvio” de parte dos capitais para aplicações estranhas ao interesse empresarial, que, como se viu já, não se verifica nos autos), concorda-se que seria, ainda assim, possível recusar a dedutibilidade fiscal dos correspondentes encargos financeiros, demonstrando-se (e, assim, elidindo a presunção de dedutibilidade decorrente da al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, detectada na senda do Prof. Teixeira Ribeiro), que o produto daquela aplicação – no caso, as participações sociais e já não os capitais alheios - teriam sido desviados para finalidades extra-empresariais.

O que vem de se afirmar será de fácil compreensão com recurso ao exemplo de uma sociedade que, com recurso a capitais alheios adquira uma viatura, a qual afecta, desde logo, à exploração no âmbito da respectiva actividade, mas que, a partir de dado momento, passa a permitir a utilização da mesma exclusivamente no interesse de terceiros (v.g.: sócios; outras empresas).

Nesta situação, julga-se, a presunção de indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição da viatura, decorrente da aplicação dos capitais alheios na exploração da sociedade em causa, ver-se-á afastada[19], pelo que a dedutibilidade daqueles encargos deverá ser recusada. Não é, contudo, uma vez mais, essa a situação dos autos.

Antes, o que acontece na situação que nos ocupa, como se viu já, é que, por via da operação de fusão realizada, houve um desaparecimento do objecto da aplicação dos capitais alheios. Ou seja: tal objecto, que existia, deixou de existir (o que é diferente e, repete-se uma vez mais, não é o que acontece na situação sub iudice, de continuar a existir na esfera de terceiros).

Retomando o exemplo da viatura, a situação será a mesma que ocorreria no caso de, por via de uma decisão empresarial, aquela ficar inutilizada antes de terminar o período de pagamento dos encargos financeiros relacionados com a sua aquisição (p. ex.: a utilização da mesma numa campanha publicitária que a destrua).

Ainda assim, crê-se, aqueles encargos manter-se-ão dedutíveis, não obstante o desaparecimento – por via de uma decisão empresarial – do objecto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. Tal só não aconteceria, na sequência do que vem de se dizer, se se demonstrasse que a decisão que deu causa ao desaparecimento de tal objecto foi motivada por interesses alheios à empresa ou, então, que foi abusiva. O que – uma vez mais – não é o que está em causa no presente processo.

A situação é assim, semelhante, também, à situação de uma sociedade que contraia um financiamento para adquirir uma outra, que se venha a extinguir por qualquer razão (por exemplo, por insolvência), antes de reembolsado o referido financiamento. Neste caso, não haverá dúvidas que a sociedade endividada, estará a incorrer em custos, que, a partir da extinção das participações adquiridas, não têm qualquer balanceamento nos seus proveitos. Não obstante, crê-se, ninguém duvidará da dedutibilidade daqueles encargos.

 

*

            Diga-se, por fim, que se considera que não invalidará nem os referentes decisórios de que se partiu, nem as conclusões que se vêm de retirar, o regime relativo à proibição de assistência financeira à aquisição de participações próprias essencialmente regulado nos artigos 322.º/1 do CSC, e 23.º da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976.

            Não obstante tal questão não ter sido nem fundamento do acto tributário objecto da presente acção arbitral[20], nem suscitada pelas próprias partes[21], sempre se dirá, em abono da integridade da decisão, que não se descortina que tenha sido praticado qualquer acto que, concretamente, se possa apontar como ocorrido em violação da referida proibição.

            De facto, o próprio n.º 1 do artigo 23.º da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, vigente à data do facto tributário[22], e à luz do qual deverá, no caso, ser lida a norma do artigo 322.º/1 do CSC[23], considera assistência financeira o adiantamento de fundos, a concessão de empréstimos ou a prestação de garantias, sendo certo que, no caso, não se apura que tenha ocorrido qualquer dessas situações.

            Com efeito, os fundos utilizados para a aquisição das participações sociais da Requerente foram fornecidos por entidades bancárias, e não adiantados ou concedidos a crédito pela Requerente, e esta, tanto quanto se apura, não prestou qualquer garantia a favor dos credores do financiamento utilizado para a aquisição das referidas participações, pelo que, ressalvada a ocorrência de fraude, não se poderá considerar que, no caso, a Requerente tenha prestado assistência financeira, proscrita pelas normas referidas.

            Ou seja e em suma: não se tem dúvidas que não foram adiantados fundos, concedidos créditos ou prestadas garantias pela Requerente, com vista à aquisição de acções próprias. Se – e no caso, julga-se, esta é uma discussão que não caberá prosseguir, pelo que não interessará se tal é questionável ou inquestionável – os mesmos resultados foram obtidos por outras vias não proibidas, estaremos então perante uma actuação fraudulenta, a tratar como tal.

            É que, para se considerar verificada qualquer violação da proibição de assistência financeira, sempre a mesma se teria que retirar da conjugação da globalidade dos actos jurídicos praticados pela Requerente, e da intenção – nesse caso, fraudulenta - de, por essa via, obter um resultado que a lei proíbe.

            Com efeito, uma conclusão de violação da proibição de assistência financeira pela Requerente terá – crê-se – sempre de assentar na conjugação do complexo de actos praticados, desde a organização societária grupal inicialmente instituída, até à realização da fusão por incorporação invertida, passando pela operação de financiamento realizada, sendo certo que todos esses actos, em si considerados, se apresentarão como lícitos e próprios da diversas entidades empresariais envolvidas nos mesmos, e apenas um propósito e um resultado fraudulentos efectivamente demonstrados serão susceptíveis de fazer cair o manto de legalidade que os cobre.

            Ora, salvo melhor opinião, sendo então cada um dos diversos actos jurídicos praticados pelos diferentes intervenientes na actuação complexa em causa no presente processo, lícitos e empresariais, o meio próprio de realizar a referida demonstração, e dela retirar os efeitos próprios em sede fiscal, será por meio da cláusula antiabuso[24].

            Esta conclusão não será, julga-se, susceptível de ser afectada, por meio da consideração – de resto não efectuada pela própria AT – da proibição de assistência financeira em sede de densificação do critério geral da indispensabilidade do artigo 23.º/1 do CIRS, desde logo porquanto se entende que não só seria necessário, previamente, que se demonstrasse uma efectiva (e não meramente genérica ou potencial) violação da referida proibição, como que, estando em causa – no caso concreto, como se disse – uma actuação global de fraude à lei, a utilização da cláusula geral da indispensabilidade constituiria – salvo o devido respeito e, passe a expressão – ela própria uma “fraude à lei”, na medida em que se trataria de um meio expedito de subtrair as garantias que lei pretendeu conferir ao contribuinte, nos casos em que a AT entende que as formas jurídicas utilizadas por aquele não têm correspondência na realidade económica prosseguida.

            Em todo o caso, nota-se ainda que não restando dúvidas que no caso se processou uma, chamada, “fusão alavancada” (“merger leveraged buy-out”, MLBO), menos certo não será que tal figura é conhecida, de data que se pode considerar já longa, do legislador, que – até ao presente – entendeu não retirar desse conhecimento nem a sua ilegalização em geral (não se tendo notícia, de resto, que tal haja ocorrido em qualquer ordenamento comunitário), nem quaisquer outros efeitos no plano fiscal[25].

            De resto, nos regimes, como o italiano, onde se regularam já as operações de mLBO, a regulação instituída insiste especialmente nas obrigações de comunicação e auditoria, evidenciando-se, assim, que a operação em si não é intrinsecamente ilícita e/ou fraudulenta, mas que, unicamente, encerra em si um potencial de ilicitude/fraude, superior ao normal. Assim sendo, considera-se que a simples ocorrência de uma operação de fusão alavancada, não será, só por si, susceptível de ser considerada fraudulenta e, menos ainda, antiempresarial.

            Por fim, sempre se dirá que a aplicação ao caso, por via do critério geral da indispensabilidade dos gastos, da proibição de assistência financeira à aquisição de acções próprias, sob o argumento de que todos os actos e contratos realizados se caracterizaram pela finalidade de que fosse o património da Requerente a suportar os custo da aquisição das suas próprias participações sociais, esbarrará igualmente contra a constatação de que esse mesmo resultado seria obtido caso a fusão por incorporação se tivesse realizado em sentido oposto.

 

*

            Concluindo, e como referia o Prof. Saldanha Sanches[26], se “As operações de cisão e fusão são uma área onde se verificam com muita frequência tentativas de obter economias fiscais mediante práticas abusivas, o que motiva as legítimas preocupações do legislador.”, não se pode é partir de uma “insanável desconfiança (...) em relação à fusão inversa, como se esta operação só pudesse ser realizada para contornar a lei fiscal ou fosse, em si própria, uma operação abusiva”.

Deste modo, considerando-se que, no caso, se verificam os pressupostos do artigo 23.º/1/c), maxime, que os capitais alheios a que se referem os encargos financeiros cuja dedutibilidade é questionada pela AT, foram efectivamente aplicados na exploração da Requerente, tal como ela se apresentava à data em que suportou aqueles encargos (pós-fusão), em questão no presente processo, e que não se demonstra (nem tal facto constituiu, sequer, fundamento dos actos tributários objecto do presente processo arbitral) que a operação de fusão, da qual resultou o desaparecimento das participações sociais em que haviam sido aplicados os referidos capitais alheios, tenha sido exclusiva ou principalmente motivada por interesses extra-empresariais, ou fraudulenta, deverão proceder integralmente os pedidos arbitrais anulatórios formulados.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os erros que afectam a liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os actos de liquidação ilegais por sua iniciativa.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)      Anular os actos tributários de Liquidação de IRC e juros nº…, relativo ao exercício de 2011, e nº…, relativo ao exercício de 2012, no valor total de € 513.685,33;

b)      Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente em cumprimento das liquidações ora anuladas, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 513.685,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 11 de Setembro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Tomás Castro Tavares)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Jorge Carita – vencido, conforme declaração)

 

 

 

 

Voto de Vencido

 

Votei vencido, porque os argumentos para dar suporte à tese da não indispensabilidade dos custos referentes ao preço que uma sociedade paga para se adquirir a si própria, não me convenceram.

 

Mas revejo-me na primeira onda de Decisões Arbitrais (Proc. 14/2011-T, 87/2014-T) e do mesmo modo nos votos de vencido mais recentes (Proc. nº. 92/2015-T, 93/2015-T e 88/2016-T) que não conseguiram vislumbrar a absoluta indispensabilidade de tais gastos, suportados relativamente a um activo, a propriedade dela própria, infelizmente desaparecido aquando da fusão face à sua própria natureza.

 

Torna-se evidente que em todas estas decisões participaram dos melhores especialistas em direito fiscal actualmente em colaboração com o CAAD.

 

Não consigo compreender que numa empresa que revelava num exercício normal cerca de 80 mil euros de custos financeiros, passe, após uma operação de fusão invertida de um grupo (para além de tudo o que foi feito antes para ali se chegar), a suportar quase 1 milhão de euros, que a Autoridade Tributária tem que aceitar como dedutíveis para efeitos fiscais, face a esta decisão do Tribunal.

 

E pagar os juros devidos pelos empréstimos contraídos pela “mãe” para comprar a “filha” e aceitar fiscalmente como custo da filha, é tal e qual o mesmo que comprar matéria prima para fabricar e vender caldeiras e radiadores!!!

 

Tudo se passa, efectivamente, como se a actividade da Requerente fosse a sua própria aquisição, como refere e bem a AT na sua Resposta (art.º 15 da Resposta), ou melhor, os custos “dizem respeito à sua Auto-aquisição” (art.º 93 da Resposta).

 

E toda a gente sabe que isto é mesmo assim e que é próprio, é inerente a qualquer uma aquisição de leveraged buyout (LBO), que constitui um mecanismo utilizado para tornar custos inadmissíveis em eficiência fiscal. (Não é preciso ir pela aplicação do CGAA, bastava não aceitar estes juros como custo).

 

E também não se diga que o caráter de indispensabilidade dos custos, deve ser aferido quando a dívida é contraída, esquecendo por completo o momento em que os juros são efectivamente suportados (adeus princípio da especialização dos exercícios, e para já não falar do sempre necessário nexo de causalidade entre custos e proveitos).

 

Efetivamente, tenho dificuldade em aceitar que os juros contraídos por uma sociedade para adquirir outra sociedade na qual ela própria se veio a incorporar, possam vir a ser aceites para efeitos fiscais.

 

E, se não tenho dúvidas de que no momento em que a dívida foi contraída os respectivos encargos eram um custo para efeitos fiscais, já tenho dúvidas que o possam continuar a ser após a fusão (invertida) e que ainda para mais que haja quem entenda que se o eram nesse momento, em que foram contraídos “terão que o ser para sempre…” (posição da Requerente no Proc. n.º 88/2016-T, pág. 7), independentemente das mudanças que ocorrerem, incluindo a fusão, ainda para mais invertida (ninguém dúvida que a fusão é uma operação prevista na lei e não está aqui em causa a aplicação de uma CGAA, mas sim a aplicação do art.º 23 do CIRC).

 

Como é que se pode referir que “… os gastos com juros em questão, correspondem a capitais alheios que foram aplicados na exploração da entidade que os suporta” (Proc. n.º 88/2016-T, pág. 9), quando eles serviram para que terceiros adquirissem precisamente a sociedade que actualmente os suporta.

 

Custa-me a compreender!!! Confesso.

 

Seria o mesmo que no âmbito de uma reestruturação societária, abrangida pelos benefícios fiscais no art.º 60.º do Estatutos dos Benefícios Fiscais, da qual constam uma fusão invertida, depois das isenções de IMT, IS, etc., ainda se viessem a considerar os juros de um idêntico endividamento, como custo fiscal da sociedade filha, que incorpora a mãe que a comprou.

 

Como é que se afirma que os capitais alheios foram aplicados na exploração pela sociedade incorporante, quando ela não comprou o capital social de qualquer outra sociedade!!!

 

Diz-se que importa averiguar “… a afectação efectiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração ou, por outras palavras importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, …, os juros e demais encargos associados que suportou.” (Decisão citada, pág. 11/12)

 

Mas qual é a dúvida?

 

Não serviram os financiamentos para pagar o preço de aquisição da Requerente por parte da sociedade que nela se veio a incorporar. Os juros decorrem do endividamento de terceiros, tendo a dívida sido contraída antes da fusão.

 

Desse modo, a sociedade está a pagar aos seus próprios accionistas (ou parte deles, dependendo da relação de troca de fusão) o preço de aquisição das acções dela própria.

 

Nos processos do CAAD que analisei e que estão escalpelizados na presente Decisão, não posso, por isso, deixar de subscrever a Declaração de Voto subscrito pelo Dr. António Brás Carlos (Proc. n.º 88/2016-T), nomeadamente quando ele manifesta a sua discordância relativamente à tese do prolongamento da existência da sociedade incorporante.

 

Por seu turno, a síntese factual ali efectuada deixa a nu o propósito de toda a operação, colocando naturalmente em causa que os juros suportados possam continuar a ter relevância fiscal no período pós-fusão.

 

Categórico o ponto 8 desta declaração de voto, que aqui transcrevo, com a devida vénia:

 

“8. Todos os passos da operação estão inseridos na mesma “unidade de intenção e ação” e são, desde o início, unicamente dirigidos ao objectivo referido no número anterior. Objetivo esse estranho ao interesse empresarial da Requerente, não sendo o financiamento e o pagamento dos concomitantes encargos necessários à sua atividade, nem indispensáveis para a prossecução do seu interesse empresarial específico concretizado na produção dos seus rendimentos sujeitos a imposto ou na manutenção da sua fonte geradora. A obrigação de pagamento dos encargos em análise nunca foi, desde a primeira hora, contraída no interesse empresarial da Requerente, sendo para mim claro que não poderia, após a fusão, passar a considerar-se que tais financiamentos eram para si indispensáveis para efeitos do nº 1 do artigo 23º do CIRC.”

 

 

Razão tem o Dr. António Brás Carlos quando refere em síntese final (ponto 10) que a decisão ali em causa naquele processo não respeita, antes contrariando ostensivamente, a jurisprudência dos Tribunais Superiores (STA/TCA).

 

Importa, igualmente, ter em conta neste contexto o Voto de Vencido do Prof. João Menezes Leitão nos Processos n.ºs 92/2015-t e 93/2015-T.

 

Aqui se reitera a referência à jurisprudência dos Tribunais Tributários que consagram que “os custos (…) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades” (Acórdão do STA de 30.05.2012, Proc. 0171/11).

 

É por isso vasta a análise da jurisprudência que fazendo uso da leitura correcta do princípio da indispensabilidade de custos, leva a que da sua aplicação resulta a não indispensabilidade daqueles que em tais Decisões estão em causa (92/2015-T e 93/2015-T)

 

“… que esses gastos não respeitam à actividade desenvolvida pela própria sociedade contribuinte, carecem de relação com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, não foram incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades, são estranhos à actividade da empresa, não é possível descortinar neles qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica, foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial.” (sublinhado meu). Será que não chega!!!

 

Também tenho que concordar com o Prof. Menezes Leitão quando ele refere que:

“… assumir os indicados gastos de financiamento a Requerente fica obrigada a desviar recursos extraídos do seu património, que deveriam ser destinados à prossecução da sua actividade e à realização do seu objecto social, para o pagamento da dívida e dos encargos financeiros respeitantes à aquisição das participações sociais no seu capital por outrem.” (pág. 62 e 63 da Decisão)

 

Com aplicação ipis verbis ao caso nos autos!!!

 

E se a empresa não tiver suporte financeiro para suportar encargos desse montante (de 80 mil euros de juros passou para 1 milhão) e entrar em processo de insolvência?!!

 

“Sendo assim, os referidos custos financeiras não têm enquadramento na definição de custos e perdas (gastos) para efeitos de determinação do lucro tributável, uma vez que a assunção dos encargos em causa foi determinada por motivações empresariais no âmbito de uma política de interesses particulares ditada pelos responsáveis das sociedades interligadas e que só a eles diz respeito, e, nessa conformidade, tais custos não devem ser havidos por indispensáveis, em harmonia com o estatuído no art. 23° do CIRC”.

 

Razão pela qual não posso acompanhar a douta decisão proferida.

 

Lisboa, 11 de Setembro de 2017

 

 

Jorge Carita

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, assim como toda a restante jurisprudência citada sem menção específica de proveniência.

[2] E disponíveis para consulta em www.caad.org.pt.

[3] Cfr. alínea f) da fundamentação de direito (pontos 64 e ss.).

[4] Não estará aqui em causa, julga-se, uma mera imprecisão conceitual ou vocabular, já que o termo empregue decorre de um entendimento de direito – que não se subscreve – segundo o qual a al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC explicitaria a exigência de “que esses juros de capitais alheios são “aplicados na exploração””, pelo que se deverá ter por deliberada a utilização do termo “custos”, na frase transcrita, reportando-se aos juros suportados pela Requerente. De resto, da própria decisão em análise, previamente, consta que “não cabe aqui senão verificar, como refere a própria Requerente, se os fundos obtidos foram concretamente aplicados em fins estranhos à atividade da empresa que deles é devedora.”, bem como que “cabe verificar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do empréstimo de que os juros suportados são a remuneração”. Contudo, objectivamente, não houve qualquer alteração na aplicação/afectação dos “fundos obtidos”/“empréstimo”/“capitais alheios” (termo utilizado pela al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC que se poderá considerar equivalente àqueles) entre a altura em que, na própria lógica do texto, os custos eram dedutíveis (na esfera da fundida), e a data do facto tributário (período pós-fusão). Daí que, no processo argumentativo se transmutem as expressões inicialmente utilizadas (“fundos obtidos”; “empréstimo”) na expressão “custos” (que não tem com aquelas qualquer equivalência), de modo a estabelecer uma ligação fenomenológica com o presente (tempo utilizado na proposição transcrita) do facto tributário, onde o único evento relacionável com o problema decidendo é a dedução dos custos/juros. Esta transmutação é perfeitamente perceptível na ligação estabelecida entre a proposição de que a “dedutibilidade fiscal supõe, então, que os custos incorridos com os encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida” (sublinhado nosso), e a citação de MARIA DOS PRAZERES LOUSA, segundo a qual “não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são “desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma”” (sublinhado nosso). Face à evidência factual de que os “fundos obtidos”/“empréstimo”/“capitais alheios” tinham já sido aplicados, foi então empregue a expressão “custos”, referindo-se aos juros suportados, em lugar daquelas.

[5] Note-se contudo que, como infra se verá, considera-se distinta a questão da aplicação dos "capitais alheios" (que relevará ao nível da al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC), da questão do desvio do produto de tal aplicação (que relevará ao nível do corpo do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).

[6] Cfr. a este propósito, a nota 19, infra.

[7] Não é, pelo exposto, exacto o afirmado pela AT, quando refere que ocorreu “uma troca de participações sociais” (artigo 26º. da resposta). De facto, as acções da Requerente não são entregues à acionista da sociedade nela incoroporada por troca com as que eram detidas por esta, mas por troca com as acções da própria sociedade incorporada, que a acionista desta detinha, e as quais, por via do processo de fusão, viu extinguirem-se.

[8] Do critério operativo elegido no acórdão em análise decorre que assim que para ser aceitável, à luz daquele, a dedutibilidade dos gastos em causa, os accionistas da sociedade incorporada teriam de abdicar das suas participações nesta, a troco de nada.

[9] Mais o valor próprio da sociedade incorporada, se o houver.

[10] E de outros passivos, igualmente se os houverem.

[11] Já que no caso de fusão não inversa, a forma jurídica que subsiste é a da sociedade que contraiu os financiamentos, e que, nesses casos, não existem outras entidades, para além da sociedade que contraiu os financiamentos, que passem a deter participações da sociedade adquirida.

[12] Emergindo aqui, uma vez mais, a relevância do lado lunar da posição em apreciação, relativamente à fusão não inversa, já que este tipo de considerandos não são transponíveis para aquela, não obstante o resultado essencial, como se viu, ser idêntico.

[13] Não sendo matéria em discussão, sempre se notará que, notoriamente, as operações de fusão têm implícitos, por natureza, ganhos de eficiência, que justificam a existência do próprio instituto, e que se podem traduzir, como se traduzem frequentemente, para além do mais, na diminuição dos encargos de gestão nas participadas.

[14] Disponível para consulta em www.dgsi.pt.

[15] Idem.

[16] Note-se que não se está aqui a trabalhar um cenário hipotético em que a operação de fusão teria de ser realizada noutros termos. O que se está é a afirmar uma identidade de situações, na óptica dos tópicos relevantes para a abordagem da questão decidenda, entre a situação verificada e uma outra, relativamente à qual não se colocam dúvidas sobre a resposta a dar à mesma questão.

[17] Comentário ao acórdão do Supremo de 9 de Outubro de 1985, RLJ n.º3743, p. 39-43.

[18] Onde, salvo melhor opinião, se situaria a sede própria para considerações relativas a uma possível situação de, em fraude à lei, se estar a colocar uma sociedade a financiar a sua própria aquisição, em violação do disposto no art.º 322.º/1 do CSC, e na Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976 (art.º 23.º), vigente à data do facto tributário, conforme, a final, se desenvolverá.

[19] Considera-se, assim, que a questão do desvio do produto da aplicação dos capitais alheios mutuados, será distinta da questão de tal aplicação. Uma coisa será, então, a aplicação dos capitais alheios na exploração da entidade que contraiu o financiamento, que, verificada, determinará o preenchimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que produzirá os respectivos efeitos, nomeadamente no que diz respeito à presunção de indispensabilidade dos gastos “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Outra coisa será o desvio do produto da aplicação dos capitais alheios mutuados, para fins não empresariais, que poderá relevar, não já ao nível da al. c) referida, mas – antes – ao nível do corpo do n.º 1 da mesma norma, enquanto infirmação da presunção decorrente daquela al. c).

O que desencadeia a presunção de indispensabilidade é a aplicação dos capitais; mas o juízo de dedutibilidade reporta-se aos juros suportados. Assim, estes presumir-se-ão dedutíveis se os capitais alheios a que respeitam tiverem sido aplicados na exploração. Esta aplicação, contudo, não equivale nem se identifica com a indispensabilidade daqueles; trata-se, antes, de um facto conhecido do qual se retira um facto desconhecido (presumido): o de que os encargos financeiros, no momento em que o são, são suportados no interesse da empresa. Daí que a demonstração de que o produto da aplicação dos capitais alheios foi “desviado”, na sua utilização, para fins extra-empresa, não signifique que, afinal, aqueles (os capitais alheios) foram aplicados fora da exploração. Aquela demonstração significa, isso sim, que, não obstante os capitais alheios terem sido aplicados na exploração, os encargos suportados, no momento em que o são, não o são no interesse da empresa, pelo que a (presumida) indispensabilidade, no caso e nesse período, então, não se verifica. Assim se demonstra, igualmente, que, na perspectiva adoptada, o teste da indispensabilidade dos gastos, como propugna a AT, é efectuado em cada período de tributação, não sendo este exercício apenas efectuado no momento em que o empréstimo é contraído. Com efeito, o referido teste, é efectuado em todos os exercícios, não obstante o facto conhecido em que assenta a presunção que responde, em primeira linha, a tal teste, se reporte ao momento em que o empréstimo foi contraído.

[20] De onde decorrerá, desde logo, salvo melhor opinião, estar vedado ao Tribunal considerá-la. Com efeito, como tem sido repetidamente afirmado pelo STA, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.” (Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11), pelo que o Tribunal se terá de ater, na apreciação da legalidade do acto em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naquele.

[21] A não ser pela citação de jurisprudência precedente.

[22] Correspondente ao n.º 1 do artigo 25.º da actual Directiva 2012/30/EU do Conselho, de 25 de Outubro de 2012.

[23] Que, de resto, contém-se na epígrafe “Empréstimos e garantias para aquisição de acções próprias”, e proscreve a concessão de empréstimos ou a prestação de garantias.

[24] Estando-se a falar de fraude, aqui, como na nota 18, supra, não haverá, julga-se, qualquer sobreposição entre a norma, no caso, do artigo 322.º do CSC e do artigo 38.º/2 da LGT, na medida em que por meio desta se visará realizar a proibição consagrada no primeiro, que por uma meio de actuação fraudulenta possa ter sido formalmente evitada. Com efeito, uma coisa será a prática de um acto de assistência financeira proibida, que será nulo nos termos do artigo 322.º/3 do CSC e, como tal, não convocará a aplicação da cláusula geral antiabuso. Outra coisa serão situações em que, sem que haja qualquer acto praticado em violação daquela norma, fraudulentamente, são obtidos os mesmos resultados económicos que a mesma visa proibir. Evitada, dessa forma a proibição legal, e a nulidade daquela decorrente, será, crê-se, a CGA o meio próprio de realizar a legalidade tributária.

[25] Note-se que, não obstante se vir já a discutir esta questão desde, pelo menos, o ano de 2011, e existirem decisões em sentido contrário ao sustentado pela AT desde 2013 (processo arbitral 101/2013T), o certo é que o legislador não teve qualquer intervenção na matéria, com ou sem intenções interpretativas, ao contrário do que tem ocorrido nos últimos anos noutras matérias, como tributações autónomas e imposto do selo, o que indicia que a intenção legislativa não é, aqui, como naquelas matérias atrás apontadas, contrária ao efeito resultante da operação de aplicação das normas legais atrás efectuada.

[26]Fusão Inversa e Neutralidade (Da Administração) Fiscal”, Fiscalidade N.º 34 – Revista de Direito e Gestão Fiscal.