Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 109/2016-T
Data da decisão: 2016-10-07  IRC  
Valor do pedido: € 203.867,47
Tema: IRC – Prejuízos fiscais não dedutíveis. Declaração Modelo 22 entregue tardiamente. Aplicação de métodos indiretos. Art. 90.º n.º 10 CIRC.
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Acórdão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Luís Oliveira e Nuno Miguel Morujão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12/5/2016, acordam o seguinte:

 

 

I.                   Relatório

 

1.      A contribuinte A…, LDA, com o NIPC … (doravante “Requerente”), apresentou, no dia 25/2/2016, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos arts 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

2.      A Requerente formula pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional de IRC n.° 2015…, notificada em 22/12/2015, que inclui a liquidação da consequente derrama municipal, de juros moratórios e de juros compensatórios, praticado pela senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”), em consequência da indicada “Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis Período de 2011”.

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 11/3/2016.

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 6.º e da al. b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  2. Em 27/4/2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
  3. Em conformidade com o preceituado na al. c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 12/5/2016.
  4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

4.      A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese:

  1. O n.º 10 do art. 90.º do CIRC, “norma fundamentante da «Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis - Período de 2011» realizada pela Autoridade Tributária (…) determina que «Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.° 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.° 2 a 4 (23.º da PI; o sublinhado é da Requerente), e tem como “âmbito objetivo de aplicação (…) situações em que os sujeitos passivos deste imposto não tenham submetido a respetiva Declaração Modelo 22 de IRC e em que a Autoridade Tributária seja forçada a liquidar oficiosamente o imposto devido com base numa matéria coletável ficcionada ou com base nos elementos de que disponha (não se exigindo, nestes casos, que as deduções à coleta de IRC a realizar pela Autoridade Tributária vão além daquelas de que tenha efetivo conhecimento)” (26.º da PI).
  2. Pelo que, “fora do âmbito de aplicação daquela norma legal ficarão, (…) todos os restantes casos em que a liquidação de IRC seja realizada com base na matéria coletável apurada pelo próprio sujeito passivo na sua Declaração Modelo 22 de IRC, nos termos previstos no artigo 90.º, n.° 1, alínea a), do Código do IRC, situações em que caberá à Autoridade Tributária, a jusante, confirmar a validade e a correção dos elementos assim declarados (em particular, determina o n.° 1 do artigo 16.° do Código do IRC que a matéria coletável é, em regra, determinada com base em declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do seu controlo por pela administração fiscal»” (27.º da PI).
  3. Dado que “a «Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis - Período de 2011» realizada pela Autoridade Tributária assentou nos valores declarados pela REQUERENTE no âmbito da sua Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2011, incidindo, em particular, sobre os prejuízos fiscais declarados e implicando a consequente correção do montante da matéria coletável apurada naquela sede” (31.º da PI), “resulta (…) que o montante objeto de correção por parte da Autoridade Tributária não foi apurado, nem nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 90.° do Código do IRC, nem nos termos da alínea c) do mesmo preceito legal, mas, pelo contrário, com base na Declaração Modelo 22 de IRC submetida pela REQUERENTE” (32.º da PI), o que “impede, liminarmente, a aplicação do regime previsto no n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC no caso concreto, por não se encontrarem preenchidos os respetivos requisitos aplicativos, ou seja, em virtude de o montante corrigido não ter resultado da aplicação da alínea b) ou c) do n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC” (33.º PI). Portanto, “o regime previsto no artigo 90.o, n.° 10, do Código do IRC, não era, ipso jure, suscetível de fundamentar a correção dos prejuízos fiscais declarados pela REQUERENTE na sua Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2011” (34.º PI);
  4. Acrescenta ainda que “o facto de não ter apresentado a sua Declaração Modelo 22 de IRC [atinente ao exercício de 2011] dentro do respetivo prazo legal não prejudica a demonstrada inaplicabilidade, no caso vertente, do n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC” (36.º PI);
  5. Não obstante, “a situação tributária da REQUERENTE relativamente ao IRC do exercício de 2011 foi posteriormente revista pela Autoridade Tributária após a submissão e o tratamento da respetiva Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2011 (…)” (41.º PI), sobressaindo “dos atos contestados que a Autoridade Tributária assumiu todos os valores declarados pela REQUERENTE na sua Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2011 - maxime, o valor do lucro tributável declarado no campo 778 do quadro 7 (…), no montante de € 1.814.918,67 (…)” (42.º PI), “...questionando, somente, o valor declarado pela REQUERENTE a título de prejuízos fiscais dedutíveis, o qual foi reduzido para € 1.204.976,64 (…)” (43º. PI), salientando a Requerente que “a correção dos prejuízos fiscais declarados pela REQUERENTE foi realizada ao abrigo do n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC, ou seja, (…) com fundamento num regime especialmente previsto para os casos em que os sujeitos passivos de IRC não tenham submetido a respetiva Declaração Modelo 22 de IRC” (44.º PI).
  6. Ora a “utilização deste regime legal para questionar apenas um dos valores declarados pelo respetivo sujeito passivo de IRC - admitindo a Autoridade Tributária, sem questionar, os restantes valores declarados, designadamente o referente ao respetivo lucro tributável- traduz uma instrumentalização do regime vertido no n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC (…)” (45.º PI), conduta que é “manifestamente violadora dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade consagrados no artigo 55.° da Lei Geral Tributária, os quais impedem a Autoridade Tributária de escolher o regime a aplicar consoante a sua maior ou menor conveniência” (47.º PI).
  7. “Acresce (…) que o regime previsto no n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC, mesmo que fosse aplicável no caso concreto - no que não se concede -, não seria, sequer, apto ou idóneo para corrigir os prejuízos fiscais dedutíveis declarados pela REQUERENTE na sua Declaração Modelo 22 de IRC” (48.º PI), visto que esse preceito “consagra uma compreensível limitação das deduções a realizar pela Autoridade Tributária à coleta de IRC apurada nos termos das alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 90.° do Código do IRC, permitindo à Autoridade Tributária, nestes casos de falta de apresentação de declarações, cingir-se às deduções de que tenha conhecimento com base nos elementos de que disponha” (49.º PI).
  8. Porém, “as deduções abrangidas pela referida norma legal são, somente, as «que possam ser efetuadas nos termos dos n..º 2 a 4» do artigo 90.° do Código do IRC, ou seja, as deduções à coleta consubstanciadas em créditos de imposto por dupla tributação internacional, em benefícios fiscais, em pagamentos especiais por conta realizados pelo sujeito passivo de IRC ou em retenções na fonte sofridas pelo mesmo e que tenham a natureza de imposto por conta (cf. elenco constante do n.° 2 da referida norma legal)” (50.º PI).
  9. Ora “não só os prejuízos fiscais não constam do elenco de deduções à coleta enunciado nos n.° 2 a 4 do artigo 90.° do Código do IRC, como, bem assim, que nunca poderiam dele constar, pela simples razão de não concretizarem deduções à coleta, mas, antes, deduções ao lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC” (51.º PI). “Perante o apuramento de lucro tributável por parte de um sujeito passivo de IRC, é-lhe conferido o direito a deduzir ao referido lucro, dentro dos limites da lei, os prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores cf. artigos 15.º, n.° 1, alínea a), e 52.° do Código do IRC)” (52.º PI).
  10. “Se os prejuízos fiscais dedutíveis não consumirem a totalidade do lucro tributável do exercício, será, então, apurada a matéria coletável sujeita a IRC” (53.º PI), sendo “sobre a referida matéria coletável, caso exista, que incidirá a taxa geral de IRC, apurando-se, em conformidade, a respetiva coleta de imposto” (54.º PI), e “somente neste último momento (…) da realização das deduções à coleta enunciadas no n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC -, que intervém a limitação consagrada no n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC” (55.º PI). Pelo que, “não se confundindo a fase de realização de deduções à coleta com a fase, localizada em momento lógico-sistemático anterior, de apuramento da matéria coletável mediante dedução de eventuais prejuízos fiscais ao lucro tributável do exercício, permite-se concluir (…) que o n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC não habilita a Autoridade Tributária a corrigir os prejuízos fiscais dedutíveis de sujeitos passivos de IRC” (56.º PI).
  11. Por outro lado, “o n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC consagra um regime aplicável apenas nos casos em que os sujeitos passivos de IRC não tenham submetido as respetivas Declarações Modelo 22 de IRC, vendo-se a Autoridade Tributária na contingência de liquidar oficiosamente o IRC devido por referência a uma matéria coletável ficcionada ou apurada com base nos elementos disponíveis (cf. alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 90.° do Código do IRC)” (57.º PI), casos em que é feito o “apuramento da matéria coletável (…) com base em métodos indiretos (…) [e] os prejuízos fiscais reportáveis, havendo-os, tornam-se automaticamente indedutíveis por força do artigo 52.º, n. ° 3, do Código do IRC” (58.º PI), razão pela qual “impõe-se concluir que [o n.º 10 do artigo 90.º CIRC] nunca poderia conferir à Autoridade Tributária (…) a competência para limitar a dedutibilidade de prejuízos fiscais dedutíveis, na medida em que, na hipótese de tal norma ser aplicável, os respetivos prejuízos fiscais seriam, já, globalmente indedutíveis por cominação expressa do artigo 52.º, n.° 3, do Código do IRC” (59.º PI).
  12. Adicionalmente, a Requerente alega que a AT não cumpriu o dever de fundamentação previsto no n.º 3 do art. 268.º da CRP e n.º 1 do art. 77.º da LGT, não referindo de forma “expressa, clara, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito determinativas da sua prática e o seu concreto conteúdo” (75.º PI), citando vários acórdãos dos tribunais superiores acerca da matéria (63.º a 67.º e 76.º a 77.º da PI).
  13. Considera que “da fundamentação subjacente à identificada correção não se permite retirar, para além do facto de o valor declarado pela REQUERENTE não corresponder aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária, qualquer conclusão acerca dos motivos que levaram a Autoridade Tributária a quantificar os prejuízos fiscais dedutíveis da REQUERENTE no apontado valor de € 1.204.976,64 (…)” (72.ºPI), e que “dos transcritos excertos fundamentantes retiram-se (…) as seguintes - e únicas premissas judicativas:

(i) que os prejuízos fiscais dedutíveis declarados pela REQUERENTE na sua Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2011, no montante de € 1.814.918,67, não correspondem aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária;

(ii) que a Autoridade Tributária corrigiu os indicados prejuízos fiscais dedutíveis para o valor de € 1.204.976,64; e, por fim,

(iii) que a correção em causa foi realizada ao abrigo do artigo 90.º, n.° 10, do Código do IRC”,

…salientando que “nada se esclareceu acerca dos motivos concretos que justificaram a preterição do valor declarado pela REQUERENTE (razões que motivaram o ato e porquê do sentido decisório)” (73.º PI), “ou, bem assim, acerca dos critérios determinativos do apuramento do valor dos prejuízos fiscais dedutíveis concretamente fixados pelo referido ato corretivo (itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, através do qual o sujeito passivo possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, deforma esclarecida, por aceitar, ou não o ato)” (74.º PI).

  1. Um outro vício de forma que identifica, com “preterição de formalidade legal essencial” (82.º PI), foi a omissão de conceder à Requerente o exercício do direito de audição prévia, cfr. al. a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT (79.º a 82.º PI), inviabilizando a “faculdade de [a Requerente] discutir os pressupostos subjacentes à correção a realizar e, sendo esse o caso, fornecer os elementos adicionais considerados convenientes para o esclarecimento da sua situação tributária (…)” (79.º PI).
  2. Por fim, “não obstante a inapIicabilidade (…) do n.° 10 do artigo 90.° do Código do IRC, (…) a Autoridade Tributária não deixava de se encontrar legalmente habilitada para proceder à confirmação dos elementos declarados pela REQUERENTE na sua Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2011, e para, caso entendesse necessário, promover a sua correção” (84.º PI), mas para tanto impunha-se o recurso ao procedimento inspetivo previsto no RCPITA.
  3. “Com efeito, a confirmação dos valores declarados nas respetivas Declarações Modelo 22 de IRC constitui uma das atuações da administração tributária expressamente integradas no procedimento de inspeção tributária, conforme consta do artigo 2.º, n.° 2, alínea a) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira («RCPITA»), onde se prevê, precisamente, a «confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários»” (85.º PI), habilitando a AT de todas as prerrogativas “… conferidas pelo artigo 63.° da Lei Geral Tributária e concretizadas no âmbito do referido RCPITA (cf., em particular, artigos 28.° e seguintes do RCPITA) para inspecionar e validar os elementos declarados pela REQUERENTE na sua Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2011,...” (86.º PI), “...encontrando-se, simultaneamente, obrigada a salvaguardar as diversas garantias dos contribuintes prescritas pelo mesmo regime legal (…)” (87.º PI).
  4. Em suma, entendendo dever confirmar os valores declarados relativamente ao exercício de 2011, a AT estava sujeita ao poder-dever de recorrer a esse procedimento (88.º a 98.º PI), e não o tendo feito, violou o princípio da legalidade, de preterição de formalidade legal essencial e de falta de fundamentação (99.º PI).
  5. Quanto aos juros compensatórios, o ato de liquidação não foi “acompanhado de qualquer fundamentação demonstrativa da verificação dos pressupostos, de facto e de direito, de que depende a sua exigibilidade” (102.º PI), não tendo a AT, como se impunha, demonstrado e provado “tais factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios (designadamente, a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto” (107.º PI), designadamente a culpa, convocando a lei (n.º 1 do art. 35.º da LGT) e citando diversa jurisprudência sobre a matéria (105.º e 108.º a 110.º PI), salientando que “a liquidação de juros compensatórios não é uma consequência imediata e automática (…) de qualquer liquidação adicional de imposto, só podendo corresponder, ao invés, ao resultado final de todo o processo cognitivo e valorativo onde se estabeleça o nexo de causalidade (…) e se formule um juízo de censura quanto à atuação do contribuinte” (112.º PI).
  6. Por fim, ainda quanto aos juros compensatórios, tal como sucedeu relativamente ao IRC, a Requerente não foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia, o que constitui “preterição da formalidade legal essencial prevista no artigo 60.º, n.° 1, alínea a), da Lei Geral Tributária” (116.º PI).

5.      A AT ofereceu Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese:

  1. No essencial a questão decidenda prende-se com a legitimidade da correção do prejuízo fiscal promovida pela AT na declaração de rendimentos modelo 22 respeitante ao ano de 2011, entregue pela Requerente em 27/10/2015, o que nos remete para o exercício de 2010 (6.º e 7.º Resposta).
  2. Quanto ao ano de 2010, a Requerente não só não submeteu a respetiva declaração de rendimentos modelo 22 no prazo legalmente cominado para o efeito, como não o fez após notificação para regularizar essa falta, razão pela qual em 30/11/2011 foi emitida a liquidação oficiosa nº 2011…, que teve por base uma matéria coletável de € 6.790,00, correspondente ao valor anual da retribuição mínima mensal garantida (8.º Resposta).
  3. “Esta liquidação vai ao encontro dos n.ºs 1 e 2 do artigo 59º do CPPT quando estes estabelecem que “o procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente”, e que ”o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária” (9.º Resposta).
  4. “Consubstanciando, pois, a emissão de liquidações oficiosas um regime de exceção à consagração do princípio da verdade declarativa (artigo 75º da LGT) que assenta numa relação de confiança e de cooperação estreita entre a AT e os sujeitos passivos tendente a viabilizar o correto apuramento da matéria coletável” (10.º Resposta).
  5. “É de todo o interesse dos sujeitos passivos que cumpram escrupulosamente com os seus deveres declarativos e com os deveres contabilísticos, respeitando prazos, e em que os dados reproduzidos sejam prestados com verdade e boa-fé, pois do cumprimento dessas obrigações dependerá a tributação direta ou indireta do seu rendimento” (11.º Resposta). “E foi justamente o que não aconteceu no exercício em apreço. O sujeito passivo não entregou a DR Modelo 22, atempadamente, razão pela qual a AT viu-se obrigada a liquidar oficiosamente o imposto” (12.º Resposta).     
  6. Sem prejuízo de, “quando é efetuada uma liquidação oficiosa em sede de IRC, ao abrigo do artigo 90º, nº 1, alínea b) do CIRC, esta é suscetível de ser corrigida, o que sucede sempre que os sujeitos passivos apresentem posteriormente a declaração e possam ser apurados outros valores diferentes dos considerados nas liquidações oficiosas, como sucedeu (…) no caso em apreço” (13.º Resposta).
  7. “Não obstante, a discussão dos valores declarados nas declarações de rendimentos apresentadas em momento posterior, configurando um valor de imposto a pagar menor ou um PF maior, como é consabido, só pode ser feita no âmbito de uma Impugnação Judicial ou de uma Reclamação Graciosa, nos prazos previstos no nº 3 do artigo 59º do CPPT em articulação com o artigo 122º do CIRC” (14.º Resposta).
  8. Porém, “a Requerente só apresentou a DR Modelo 22 de substituição, em 05.03.2014, mediante a qual declarou um PF de € 3.211.768,46 e não deduziu nenhum processo contencioso pelo que a liquidação oficiosa consolidou-se na sua esfera jurídica” (15.º Resposta), “razão pela qual a Requerente não podia ter deduzido, no exercício de 2011 e até à concorrência do lucro tributável apurado, o montante dos PF declarados que constantes de uma declaração respeitante ao exercício anterior (…)” (16.º da Resposta).
  9. Dado que a dedução de prejuízos fiscais “…não é arbitrária nem pode ficar na disponibilidade do contribuinte, antes é fixada imperativamente…”, não podem “…os sujeitos passivos escolher o exercício em que deduzem os prejuízos” (21.º da Resposta), pelo que “…é cometido à AT um poder/dever de fiscalização de correção aos prejuízos declarados e dedutíveis pelos sujeitos passivos” (23.º da Resposta), como “decorre da letra do nº 3 do artigo 52º do CIRC, que dispõe “quando se efetuarem correções aos prejuízos fiscais declarados pelo contribuinte, alterar-se-ão em conformidade as deduções efetuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite” (sublinhado pela Requerida) (24.º da Resposta), “tendo sido justamente, neste âmbito, que a AT (…) constatou uma incorreta utilização dos prejuízos fiscais pela Requerente e corrigiu-a de acordo com o saldo de prejuízos de que dispunha” (25.º da Resposta).
  10. Considerando que “os prejuízos fiscais gerados nos exercícios anteriores a 2011 só podem ser reportados por um período de 6 anos, o que significa que, in casu, os PF gerados em exercícios anteriores a 2005 já não podiam ser reportados para o exercício de 2011 por se mostrarem caducados” (26.º Resposta), “nestes termos, a Requerente declarou no exercício de 2005, um PF de € 81.468,34, no exercício de 2006, um PF de € 175.493,75, no exercício de 2007, não declarou nenhum PF porque não entregou a DR Modelo 22 correspetiva, no ano de 2008 declarou um PF de € 531.231,07, no ano de 2009, declarou um PF de € 416.763,48, no exercício de 2010 não declarou qualquer PF pois não procedeu à entrega da DR Modelo 22, o que totaliza o valor de € 1.204.976,64, corrigido pela AT” (27.º da Resposta).
  11. Pelo que, “somando os prejuízos por si declarados verifica-se que os mesmos totalizam o valor de € 1.204.976,64, pelo que a Requerente não podia ter deduzido, por não dispor de saldo, o montante exato de € 1.814.918,67 até à concorrência do Lucro Tributável apurado no mesmo valor” (28.º da Resposta).
  12. Quanto ao dever de fundamentação, a Requerida cita o Ac. STA, de 10/02/2010, que versou sobre o Proc. nº 01122/09, segundo o qual “a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”, sustentando que nos “casos de poderes discricionários, em que o percurso cognoscitivo e valorativo do autor do ato se pode revelar mais ambíguo implicam uma maior acuidade nesse dever de fundamentação já sendo essa exigência menor quando se atue no âmbito de poderes vinculados” (38.º da Resposta), considerando que no caso não foi “diminuída ou restringida qualquer garantia do Requerente”, dada a fundamentação da correção feita pela AT: “Nos termos do n° 10 do artigo 90° do Código do IRC, a AT procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimento modelo 22. O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52° do Código do IRC, evidenciado na declaração modelo 22 do exercício de 2011, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e vai ser objeto de correção na respetiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo. (...) Prejuízo fiscal declarado: € 1.814.918,67 € - prejuízo fiscal corrigido: € 1.204.976,64” (42.º da Resposta).
  13. Quanto à alegada preterição do direito de audição, a AT refere que “existe um número muito restrito de casos em que (…) se ponderam, e determinam a sua dispensa e que estão consagrados na Circular da AT 13/99, de 08.07.1999” (47.º da Resposta), onde se diz que: “a audiência dos interessados poderá ser dispensada, sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto e de adequada fundamentação, nomeadamente quando: (…) b) A administração tributária atue, exclusivamente, no âmbito de poderes vinculados”, o que sucede nos casos em que a audiência prévia não tenha a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada” (48.º da Resposta).
  14. Citando ainda o Ac. do TCAN, de 09.02.2006 no Proc. 00928/04, que por seu turno remete para o Ac. do STA, de 17/12/97, “o direito do interessado na participação da formação do ato de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspetos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução” (49.º da Resposta).
  15. Ora no caso, “a AT não colocou em causa a origem dos prejuízos fiscais deduzidos pela Requerente mas sim o seu reporte por inexistência de saldo, inexistência esta que decorreu da desconsideração do PJ apurado na DR Modelo 22 respeitante ao exercício de 2010 entregue fora de prazo, situação que a Requerente tinha pleno conhecimento, bem como das consequências legais daí advindas que a mesma não pode alegar desconhecer” (50.º da Resposta), para daí concluir a Requerida que estava dispensada de notificar a Requerente para exercer o direito de audição prévia, invocando ainda a conciliação do “direito de audição dos sujeitos passivos com os princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da celeridade enunciados no artigo 55º da LGT” (51º da Resposta).
  16. Relativamente aos juros compensatórios, “considerando que a DR Modelo 22 respeitante a 2011 foi corrigida em 17.12.2015 dela resultando matéria coletável a tributar no montante de € 609.942,03, a contrastar com a liquidação oficiosa anteriormente promovida, não se pode retirar que não existe retardamento do cumprimento da obrigação de liquidação de imposto por parte da Requerente” (53.º Resposta), nos termos dos art. 35.º LGT e 102.º do CIRC, subjetivamente imputável ao contribuinte a título de negligência, “na medida em que a correção de imposto fundou-se na letra do artigo 52º do CIRC, designadamente no seu nº 1 e a ignorância da lei não justifica a sua falta de cumprimento (artigo 6º do CC), não podendo, por conseguinte, favorecer a Requerente” (56.º da Resposta). 
  17. Adicionalmente, quanto à fundamentação da decisão dos juros compensatórios “a nota de demonstração “detalhe de liquidação de juros” que … foi notificada pessoalmente junto com a notificação da liquidação adicional e da liquidação de juros de mora, consta o período de tributação, qual a taxa aplicada e o montante sobre o qual incidem, razão pela qual de harmonia com a jurisprudência do STA, damos a liquidação dos juros compensatórios por fundamentada” (59.º da Resposta), nos termos do n.º 9 do art. 35.º da LGT.

6.      Recorde-se que na Resposta, em síntese, a AT argumentou que a Requerente não apresentou dentro do prazo a declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2010, que apenas foi submetida em 5/3/2014, conforme documento junto ao processo. Em virtude dessa omissão, que não foi suprida mesmo após notificação para regularizar a situação em falta, foi emitida, em 30/11/2011, a liquidação oficiosa n.º 2011…, que teve por base uma matéria coletável de 6.790,00 €, correspondente ao valor anual da retribuição mínima mensal garantida.

Segundo a AT, não tendo a Requerente deduzido nenhum processo contencioso contra esta liquidação, a mesma considera-se consolidada na sua esfera jurídica. Portanto, não podia a Requerente ter deduzido, no exercício de 2011 e até à concorrência do lucro tributável apurado, “o montante dos PF declarados que constantes de uma declaração respeitante ao exercício anterior e que pelas razões apontadas permaneceu na situação de «não liquidável»” (16.º da Resposta). Mais acrescenta a AT, no art. 26.º, que “(...) os prejuízos fiscais gerados em exercícios anteriores a 2011 só podem ser reportados por um período de 6 anos, o que significa que, in casu, os PF gerados em exercícios anteriores a 2005 já não podiam ser reportados para o exercício de 2011 por se mostrarem caducados”.

7.      Encontrando-se o Tribunal em fase de apreciação do mérito da presente causa, apercebeu-se de que a AT, sem devidamente ter autonomizado a alegação de exceção perentória, invocou a caducidade quanto ao reporte de prejuízos fiscais gerados nos exercícios anteriores a 2011. Na medida em que a pronúncia do Tribunal, sobre esta matéria, só pode ter lugar após exercício do contraditório pela Requerente, concedeu-se a esta o prazo de 10 dias para exercício de tal faculdade, querendo, por despacho arbitral, de 26/5/2016.

Em exercício do contraditório, veio a Requerente argumentar que os fundamentos alegados pela AT na Resposta não constam dos atos anteriormente notificados, consubstanciando os arts. 3.º a 34.º matéria inovadora e, por conseguinte, “fundamentação a posteriori”. No entendimento da Requerente, as considerações da AT não são, por tal motivo, suscetíveis de configurar uma exceção perentória.

8.      Não havendo lugar a produção de prova constituenda, salvaguardada a hipótese de as partes optarem por alegações orais, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, conforme arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais designou o dia 12/11/2016 como prazo limite para prolação da decisão arbitral, devendo a Requerente proceder, até essa data, ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

9.      As partes apresentaram alegações escritas no prazo legal, pugnando, no essencial, pelas posições inicialmente defendidas.

 

II.                Saneamento

 

10.              As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, bem como são beneficiárias de legitimidade processual (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

11.              A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

12.              Em conformidade com o preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o Tribunal Arbitral é competente e encontra-se regularmente constituído.

13.              O processo não enferma de nulidades.

14.              Não existindo questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

III.             Matéria de facto

 

15.              Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. Enquanto sociedade comercial com sede em território português, a Requerente é sujeito passivo de IRC, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 2º do CIRC, estando enquadrada desde 1/1/2004 no regime geral de tributação, para efeitos de IRC;
  2. Relativamente ao exercício fiscal de 2005 a Requerente declarou um prejuízo fiscal de 81.468,34 €;
  3. Relativamente ao exercício fiscal de 2006 a Requerente declarou um prejuízo fiscal de 175.493,75 €;
  4. Relativamente ao exercício fiscal de 2007 a Requerente não entregou a declaração de rendimentos modelo 22 dentro do prazo legalmente previsto;
  5. Relativamente ao exercício fiscal de 2008 a Requerente declarou um prejuízo fiscal de 531.231,07 €;
  6. Relativamente ao exercício fiscal de 2009 a Requerente declarou um prejuízo fiscal de 416.763,48 €;
  7. Relativamente ao exercício fiscal de 2010 a Requerente não entregou a declaração de rendimentos modelo 22 dentro do prazo legalmente previsto;
  8. Ainda quanto ao exercício de 2010, após notificar o contribuinte para regularizar a omissão de entrega da declaração de rendimentos, em 30/11/2011 a AT emitiu a liquidação oficiosa n.º 2011…, que teve por base uma matéria coletável de 6.790,00 €;
  9. Relativamente ao exercício fiscal de 2011 a Requerente não entregou a declaração de rendimentos modelo 22 dentro do prazo legalmente previsto;
  10. Ainda quanto ao exercício de 2011, após notificar o contribuinte para regularizar a omissão de entrega da declaração de rendimentos, em 20/11/2012 a AT emitiu a liquidação oficiosa n.º 2012…, que teve por base uma matéria coletável de 6.790,00 €;
  11. Em 5/3/2014 a Requerente entregou a declaração de rendimentos modelo 22 atinente ao exercício de 2010, onde constava um prejuízo fiscal de 3.211.768,46 € (campo 301) e prejuízos fiscais dedutíveis de 1.248.518,45 € (campo 303);
  12. Em 27/10/2015 a Requerente entregou a declaração de rendimentos modelo 22 atinente ao exercício de 2011, onde constava um lucro tributável de 1.814.918,67 € (campo 778), prejuízos fiscais dedutíveis de 4.166.201,44 € (campo 303), prejuízos fiscais deduzidos de 1.814.918,67 € (campo 309), matéria coletável de 0,00 € (campo 311), coleta total de 0,00 € (campo 378), e total a pagar de 0,00 € (campo 367);
  13. Em 27/10/2015 a AT emitiu documento, notificado à Requerente em 22/12/2015, com o assunto “Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis – Período de 2011”, com o seguinte conteúdo:

“Nos termos do n.º 10 do artigo 90.º do Código do IRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22.

O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, evidenciado na declaração modelo 22 do período de 2011, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e vai ser objeto de correção na respetiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo.

Desta correção pode apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos e nos prazos previstos no artigo 137.º do Código do IRC, quando a liquidação lhe for notificada.

Caso pretenda, no entanto, regularizar voluntariamente a situação, pode fazê-lo mediante envio de declaração de substituição, nos termos do artigo 122.º do Código de IRC, no prazo de 15 dias contados da presente notificação.

prejuízo fiscal declarado

prejuízo fiscal corrigido

1.814.918,67 €

1.204.976,64 €

Com os melhores cumprimentos,

A Diretora de Serviços (…)”

  1. Em 17/12/2015 a AT emitiu a liquidação n.° 2015…, notificada à Requerente em 22/12/2015, por um total de 203.969,32 €, incluindo IRC (150.923,00 €), derrama municipal (27.223,78 €), juros compensatórios (24.274,53 €) e juros de mora (1.548,01 €);
  2. Na nota de demonstração “detalhe de liquidação de juros” que foi notificada pessoalmente ao Requerente, junto com a notificação da liquidação adicional e da liquidação de juros de mora, consta o período de tributação, a taxa aplicada e o montante sobre o qual incidem.

16.              Fundamentação da matéria de facto:

A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por cada uma das partes, bem como a análise crítica dos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.

17.              Inexistem outros factos, com relevo para apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

 

IV.             Matéria de direito

 

IV.1.   Apreciação da exceção perentória de caducidade

 

Como vimos, no art. 26.º da resposta a AT invocou que “(...) os prejuízos fiscais gerados em exercícios anteriores a 2011 só podem ser reportados por um período de 6 anos, o que significa que, in casu, os PF gerados em exercícios anteriores a 2005 já não podiam ser reportados para o exercício de 2011 por se mostrarem caducados”.

Embora sem devidamente ter autonomizado a alegação de exceção perentória, a AT invocou a caducidade quanto ao reporte de prejuízos fiscais anteriores a 2011. Tendo sido concedido prazo, à Requerente, para exercício do contraditório.

Cumpre apreciar.

Pela análise mais atenta do processo e, em especial, da resposta da AT, verifica-se que em rigor, a referência feita pela AT à caducidade (17.º a 21.º e em especial em 26.º in fine da Resposta), que conduziu o Tribunal a identificar a exceção, não tem qualquer relevo para o caso dos autos.

Com efeito, logo a seguir a AT explica referindo-se à “questão nuclear dos autos” que “a Requerente só podia deduzir ao lucro tributável do ano 2011 os PF por si declarados desde 2005 (inclusive), e esta é que é a questão, no caso, a AT não corrigiu quaisquer prejuízos respeitantes a exercícios anteriores, limitou-se a desconsiderar no exercício de 2011, o prejuízo fiscal declarado no ano de 2010 pelos motivos já expostos” (29.º da Resposta).

Estando em causa a desconsideração no exercício de 2011 do prejuízo fiscal declarado quanto ao ano de 2010, não se coloca qualquer questão de caducidade. Na verdade, os prejuízos fiscais tardiamente declarados e sobre os quais foi entretanto emitida liquidação com base em métodos indiretos, tornam-se automaticamente não dedutíveis, por força e nos termos do n.º 2 do art. 52.º do CIRC (na redação vigente em 2010), como revela, aliás, conhecer a Requerente (57.º e 58.º da PI).

No fundo, a referência feita pela AT à caducidade é contextualmente feita como delimitação do quadro jurídico imperativamente aplicável aos prejuízos fiscais, como base legal e com o sentido útil de fixar o valor de prejuízos fiscalmente dedutíveis no caso. Valor esse que é decomposto de acordo com os exercícios em que os prejuízos foram gerados (27.º Resposta), salientando a AT a “desconsideração” dos prejuízos fiscais gerados em 2010 (29.º Resposta), qualificando esta como a “questão nuclear nos autos”. A partir daí, a AT justifica a liquidação como resultando da correção da diferença (por excesso) entre os prejuízos deduzidos pelo contribuinte, e aqueles que eram efetivamente dedutíveis (25.º, 28.º, 30.º e 33.º da Resposta), já que desse modo deixou de tributar imposto devido.

Em suma, fica, assim, prejudicado o conhecimento da caducidade oficiosamente suscitada.

Alega a Requerente que estamos perante fundamentação a posteriori, por a mesma não constar do ato de liquidação notificado. É o que se passa a analisar.

 

IV.2.   Dever de fundamentação

 

Questão diversa é a de saber se a fundamentação do ato de liquidação adicional cumpre ou não os requisitos do dever de fundamentação.

A conclusão invocada pela Requerente, de estarmos perante “fundamentação a posteriori”, e as consequências que daí reclama, de inadmissibilidade da mesma para efeitos de apreciação da validade dos atos contestados no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral, implica necessariamente apreciar, antes de mais, se foi, ou não, cumprido o dever de fundamentação (contemporânea) do ato de liquidação. Pois só é fundamentação “a posteriori” aquela que não houver já cumprido o dever de fundamentação do próprio ato impugnado.

Vejamos.

É inquestionável que a AT tem o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou os legítimos interesses dos contribuintes, em conformidade com o princípio plasmado no n.º 3 do art. 268.º da CRP e acolhido nos arts. 152.º do CPA e 77.º da LGT.

De acordo com a CRP “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”, segundo o CPA (al. a) do n.º 1 do art. 152.º) “…devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente… imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções”, e segundo a LGT “a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Recorrendo à jurisprudência recente, temos o Ac. STA de 10/9/2014 (proc. 01226/13, relator: Dulce Neto), segundo o qual “a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir que a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que através dos seus termos se apreendam os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do ato; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação” (sublinhado nosso). Neste contexto, e segundo o Ac. STA de 9/9/2015 (proc. 01173/14; relator: Casimiro Gonçalves) “o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável – uma pessoa normal – colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do ato, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correção formal do ato, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02)” (sublinhado nosso). 

É relevante, como se vê pelas passagens sublinhadas, a especificidade das circunstâncias concretas do caso, e a condição do destinatário da fundamentação, quanto ao conhecimento de facto que já possui sobre a situação em que se encontra.

No caso dos autos, para fundamentar a correção que esteve na base da liquidação agora impugnada disse a AT o seguinte, em notificação com o assunto “Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis – Período de 2011:

Nos termos do n.º 10 do artigo 90.º do Código do IRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22.

O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, evidenciado na declaração modelo 22 do período de 2011, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e vai ser objeto de correção na respetiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo (…) Prejuízo fiscal declarado 1.814.918,67 € | Prejuízo fiscal corrigido 1.204.976,64 € (…)”.

Apreciando os requisitos a que deve obedecer a fundamentação por um lado, a forma concreta que foi adotada pela AT para fundamentar a liquidação, e ainda as circunstâncias que rodearam o ato tributário, designadamente as declarações tardias das declarações de rendimentos modelo 22 de 2010 e 2011, afigura-se-nos que a mesma permite ao seu destinatário atingir a o desiderato que está por detrás da exigência legal da fundamentação dos autos tributários e que é a apreensão das razões de facto e de direito que justificaram a correção dos elementos declarados e a motivação da liquidação adicional, em linha com a apreciação feita no Ac. TCAN de 15/2/2012 (proc. 00881/08.0BEBRG, relatora: Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro), versando sobre a impugnação de uma liquidação com contornos idênticos (iguais no que à fundamentação diz respeito, mas correspondente ao anterior art. 83.° CIRC, que antecedeu o art. 90.º). Como se diz nesse Acórdão, que se subscreve na parte seguidamente transcrita, “ficou a Impugnante, pressuposta destinatária normal do ato, em condições de compreender que a correção do lucro tributável foi determinada pela não aceitação da dedução do prejuízo fiscal declarado por aquela na declaração modelo 22 e que, por via dessa correção, que resultou da total desconsideração do prejuízo fiscal deduzido, foi efetuada a liquidação aqui impugnada… A fundamentação tem como objetivo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito que determinaram o ato de modo a que com ele se possa conformar ou, então, reagir contra ele judicialmente. Ora, tendo em conta esta função instrumental da fundamentação, o ato deve considerar-se fundamentado quando deu a conhecer ao seu destinatário os elementos bastantes que lhe permitiram em tempo reagir contra ele, como foi o caso dos autos …É que a fundamentação é um conceito relativo, devendo ser aferida caso a caso, tendo em conta as circunstâncias que levaram à prática do ato e o conhecimento que delas tem o seu destinatário que lhe permitem perceber ou apreender as razões que o determinaram”.

No caso, esta perceção ou apreensão era particularmente espectável atendendo ao cumprimento tardio das obrigações declarativas por parte do contribuinte, e correspondentes liquidações oficiosas de imposto por métodos indiretos, que evidentemente não podia deixar de conhecer (tanto assim que as mesmas não são controvertidas nos presentes autos), e as correspondentes implicações quanto à automática não dedutibilidade dos prejuízos fiscais, nos termos do n.º 2 do art 52.º CIRC (cfr. redação vigente em 2010). Preceito este que a AT não deixou de citar na fundamentação da correção fiscal dos prejuízos, ainda que em moldes genéricos, referindo-se ao “prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52.º do Código do IRC”.

E acrescente-se que, se dúvidas houvesse por parte do contribuinte, as mesmas não se devem a uma deficiente fundamentação do ato, mas antes à deficiente identificação da lei aplicável ao caso, por parte da Requerente (como se demonstrará a propósito da alegada inaplicabilidade do regime do n.º 10 do art. 90.º CIRC), o que, nos termos do art. 6.º do CC não legitima o incumprimento da lei.

Na Resposta à Petição inicial, a AT explicitou, essencialmente, o regime legal relevante aplicável atinente aos prejuízos fiscais reportáveis (em especial no que concerne à indedutibilidade de prejuízos declarados tardiamente, sobre os quais tenha existido liquidação oficiosa por métodos indiretos), ao qual subsumindo a situação concreta do contribuinte, conclui demonstrando o excesso de prejuízos por este deduzidos face ao valor de prejuízos fiscalmente dedutíveis, justificando assim a liquidação corretiva emitida.

Finalmente, atento o recorte factual e jurídico do caso, sempre seria de aplicar o regime constante do art. 163.º, n.º 5, al. a) última parte, e c) do CPA, do qual resulta que não se produz o efeito anulatório quando: i) “(…) a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente admissível”; ou ii) “se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmos em o vício o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo”. No caso dos autos sempre seria de manter o ato com base na verificação de qualquer destas circunstâncias.

Conclui-se, assim, pela improcedência do vício de falta de fundamentação do ato tributário e, consequentemente, pela improcedência do argumento de fundamentação indevida a posteriori.

 

IV.3.   Apreciação dos demais fundamentos de ilegalidade da liquidação adicional de IRC

 

O que agora se aprecia respeita aos demais fundamentos subjacentes ao pedido da Requerente, de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.° 2015 …(que inclui a liquidação da consequente derrama municipal, de juros moratórios e de juros compensatórios).

Tais fundamentos são os seguintes:

  1. Quanto ao IRC:

1.1    Inaplicabilidade do regime consagrado no n.º 10 do art. 90.º do CIRC à correção dos valores declarados pela Requerente na sua declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2011;

1.2    Preterição de formalidade legal essencial, por falta de notificação da Requerente para o exercício do seu direito de audição prévia;

1.3    Poder-dever de aplicação do procedimento de inspeção tributária previsto no RCPITA.

  1. Quanto aos juros compensatórios:

2.1     Falta de fundamentação quanto à demonstração da exigibilidade de juros compensatórios;

2.2     Preterição de formalidade legal essencial atinente ao direito de audição prévia.

 

IV.3.1 Quanto ao IRC

 

1.1     Sobre a inaplicabilidade do regime consagrado no n.º 10 do art. 90.º do CIRC

A Requerente inicia a exposição sobre a ilegalidade da correção realizada pela AT e, consequentemente, do ato tributário de liquidação adicional de IRC objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, dedicando-se a sustentar a inaplicabilidade do regime consagrado no n.º 10 do art. 90.º do CIRC à correção dos valores declarados pela Requerente na sua declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011.

Como refere a Requerente, essa é a norma fundamentante da “Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis - Período de 2011”, onde se pode ler logo no primeiro parágrafo: “Nos termos do n.º 10 do artigo 90.º do Código do IRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22”.

Após enunciar introdutoriamente o conteúdo do n.º 10 do art. 90.º CIRC (23.º da PI), a Requerente desenvolve uma extensa exposição justificativa da inaplicabilidade da disposição citada, relacionando-o com as al. b) e c) do n.º 1 do mesmo art. 90.º, também enunciados.

Nessa exposição a Requerente evidencia problemas e contradições diversas alegadamente resultantes da aplicação daquela norma, designadamente por a liquidação ser fundamentada com disposições que pressupõem a ausência de declaração, vindo depois o ato tributário a corrigir valores da declaração efetivamente entregue, e por a correção feita pela AT incidir sobre a matéria coletável, quando só poderia limitar as deduções à coleta, para concluir que a correção feita pela AT “assentou em manifesto erro sobre os respetivos pressupostos de direito”.

 Sucede que o pretenso conteúdo do n.º 10 do art. 90.º CIRC que a Requerente transcreve no art. 23.º da PI (“Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4”) é aquele que vigora atualmente, desde a renumeração resultante do início de vigência da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, e não o que vigorava em 2011, que é o que nos importa, enquanto norma fundamentante que a Requerente põe em crise, da “Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis - Período de 2011”. Ou seja, a Requerente laborou partindo de um equívoco de base, atinente à lei aplicável. Pôs em crise a aplicabilidade de uma norma que não é a que realmente fundamenta a correção dos prejuízos fiscais.

Com efeito, não obstante o ato tributário de liquidação ser emitido em 2015, o mesmo vem corrigir a tributação de IRC respeitante ao exercício de 2011, razão pela qual é a lei desse ano, vigente em 31/12 em virtude de estarmos perante um imposto periódico, que releva na apreciação do caso. Ou seja, está em causa a redação vigente em 31/12/2011 do art. 90 n.º 10, e não a redação atual.

 Analisando então a lei vigente em 2011, que realmente fundamentou a correção dos prejuízos fiscais de 2011, temos que:

                         i.              Art. 90.º n.º 10 CIRC – Procedimento e forma de liquidação:

“A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”;

                       ii.              Art. 90.º n.º 1 CIRC – Procedimento e forma de liquidação:

“A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha”.

                     iii.              Art. 101.º CIRC – Caducidade do direito à liquidação:

“A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efetuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária”.

A análise conjugada destes preceitos, indissociáveis entre si em função das remissões do art. 90.º n.º 10 CIRC, aplicados aos factos sub judice, resulta que:

                    i.            Num primeiro momento, a falta de entrega de declaração modelo 22 de 2011 até 30/5/2012, originou uma liquidação em 20/11/2012 (o limite legal era 30/11/2012), tendo por base o valor anual da retribuição mínima mensal (cfr. al. b) do n.º 1 do art. 90.º e n.º 1 do art. 120.º CIRC). Aqui está em causa a liquidação oficiosa n.º 2012…, que teve por base uma matéria coletável de € 6.790,00;

                  ii.            Num segundo momento, na sequência da entrega em 27/10/2015 da declaração modelo 22 de 2011, devido à correção dos prejuízos fiscais deduzidos ao lucro tributável de 2011 (expurgo parcial, dos prejuízos relativos a 2010), com um efeito agravante da tributação em sede de IRC, surge uma segunda liquidação, corretiva da primeira, dentro do prazo a que se refere o art. 101.º (cfr. art. 90.º n.º 10 CIRC). Aqui está em causa a liquidação n.° 2015…, notificada à Requerente em 22/12/2015, por um total de 203.969,32 €, incluindo IRC (150.923,00 €), derrama municipal (27.223,78 €), juros compensatórios (24.274,53 €) e juros de mora (1.548,01 €);

                iii.            E o limite a que se refere o art. 101.º CIRC é o da caducidade do direito à liquidação, ou seja 4 anos cfr. art.º 45.º LGT, que no caso foi cumprido (o exercício corrigido é 2011 e a liquidação corretiva surge em 2015).

Em suma, relativamente a 2011 houve duas liquidações de imposto. Quanto à primeira, a Requerente conformou-se, e como tal a liquidação consolidou-se na sua esfera jurídica e fez caso decidido. Quanto à segunda, a Requerente vem impugnar, começando por pôr em causa a aplicabilidade de um regime (art. 90.º n.º 10 CIRC na sua redação atual) diferente daquele que efetivamente foi aplicado (art. 90.º n.º 10 CIRC na sua redação vigente em 2011). Por conseguinte, na impugnação, confunde a primeira com a segunda liquidação e identifica problemas e contradições que na verdade inexistem.

 A Requerente argumenta (art. 57.º da PI), por outro lado, que o art. 90.º n.º 10 CIRC é aplicável apenas aos contribuintes que não tenham entregue (nunca) a declaração de rendimentos do exercício em questão. Mas como se vê na letra dessa disposição, na redação vigente em 2011 (correspondente ao atual n.º 12 do art. 90.º CIRC), aí é feita referência às “diferenças apuradas” entre as liquidações, as apuradas nos termos do n.º 1 do art. 90.º CIRC e as corretivas, se for caso disso, nomeadamente as que resultam da declaração posterior (declaração de substituição, no caso do art. 90.º n.º 1 al. a) ou primeira declaração apresentada tardiamente, no caso do art. 90.º n.º 1 al. b) CIRC).

Por fim, a Requerente apresenta uma última razão (57.º a 61.º da PI) que justifica o seu entendimento, de inadequação do n.º 10 do art. 90.º CIRC. Sustenta que, nos casos em que seja de aplicar métodos indiretos (designadamente os previstos nas al. b) e c) do n.º 1 do art. 90.º CIRC), os prejuízos fiscais reportáveis existentes tornam-se automaticamente indedutíveis por força do n.º 3 do art. 52.º CIRC, não tendo o n.º 10 do art. 90.º CIRC competência para limitar a dedutibilidade dos prejuízos fiscais dedutíveis, sendo esta norma inapta para fundamentar a correção ao valor dos prejuízos fiscais reportáveis. Tendo a aptidão fundamentadora da norma sido analisada quanto ao alegado vício de fundamentação, detenhamo-nos no caráter legitimante das normas mencionadas.

Não há dúvida que a indedutibilidade de prejuízos fiscais nas situações indicadas pela Requerente decorre do art. 52.º CIRC mas, em rigor, do n.º 2 cfr. redação vigente em 2010 (porque o que está em causa é a dedutibilidade dos prejuízos gerados nesse ano), e não do n.º 3 (como sucede na redação atual), e como tal justifica-se que seja feita referência a essa disposição (art. 52.º CIRC) no ato tributário de liquidação, como sucede no caso em juízo. Com efeito, a referência introdutória do ato de liquidação ao n.º 10 do art. 90.º CIRC não substituiu o fundamento substantivo da correção dos prejuízos, próprio do n.º 2 do art. 52.º CIRC (redação vigente em 2010), antes invocou a previsão que legitimava a correção à liquidação feita nos termos do n.º 1 do art. 90.º do CIRC. Sempre se justificaria essa referência introdutória, em virtude da liquidação oficiosa anterior que se vem corrigir, necessariamente complementada com a(s) norma(s) substantiva(s) pertinente que fundamentasse a correção.

Termos em que se consideram improcedentes as razões invocadas pela Requerente quando considera inaplicável ao caso sub judice, por erro sobre os pressupostos de direito, o regime consagrado no n.º 10 do art. 90.º do CIRC.

 

1.2     Sobre a preterição de formalidade legal essencial por falta de notificação para o exercício da audição prévia

 

A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito é uma exigência Constitucional, que consta no n.º 5 do art. 267.º CRP.

A audição prévia, expressão mais relevante da participação dos contribuintes na formação das decisões administrativas, assume nas relações jus tributárias uma função garantística.

A falta de notificação para o exercício de audição prévia, invocada pela Requerente na PI, não é contestada pela Requerida, antes confirmada. Como veremos adiante, mais do que confirmada, é justificada.

A um nível infraconstitucional, o art. 60.º LGT (para além do art. 12.º CPA e o art. 45.º CPPT) enumera as situações em que deve ter lugar a audição prévia no domínio do procedimento tributário. O n.º 1 desse art. concretiza os moldes de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes dizem respeito. Seguidamente, os n.ºs 2 e 3 referem os casos em que é dispensada a audição. Trata-se aqui de uma enumeração completa, que não exemplificativa, como decorre dos termos em que as referidas normas se mostram formuladas, de modo, diríamos, suficientemente concretizado.

O teor da al. a) do n.º 1 do art. 60.º LGT, atinente ao “direito de audição antes da liquidação”, serve o propósito do contribuinte ter a oportunidade de, antes da liquidação, expor as suas razões, visando a busca da verdade material. O direito de audiência prévia de que goza o contribuinte incide sobre o objeto de um procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Assim, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido, e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito, por forma oral ou escrita.

A comunicação efetuada pela AT consubstancia-se em duas peças:

1-      A primeira peça, que tem data de 27/10/2015, anuncia e fundamenta a correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis do período de 2011. Adicionalmente, informa os meios de reação legalmente previstos, ao dispor do contribuinte, a usar quando a liquidação for notificada. Finalmente, informa da possibilidade de regularização voluntária da situação;

2-      A segunda peça, com data de 15/12/2015 (emitida em 17/12/2015) consiste na liquidação propriamente dita, com o n.° 2015…, notificada à Requerente em 22/12/2015, por um total de 203.969,32 €, incluindo IRC (150.923,00 €), derrama municipal (27.223,78 €), juros compensatórios (24.274,53 €) e juros de mora (1.548,01 €).

Assim, o teor das comunicações efetuadas, contendo a sua fundamentação, não se apresenta propriamente como um projeto de decisão, antes como uma decisão definitiva, sem que à Requerida fosse facultada a oportunidade de se pronunciar, sobre a matéria de facto e de direito, tomando posição, e intervindo de modo esclarecido no processo de formação da decisão.

A AT confessa que não foi observada a audição prévia do contribuinte, invocando a seguinte passagem da Circular da AT 13/99, de 8/7/1999: “A audiência dos interessados poderá ser dispensada, sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto e de adequada fundamentação, nomeadamente quando: (…) b) A administração tributária atue, exclusivamente, no âmbito de poderes vinculados”.

Como é sabido, o direito circulado não vincula senão a administração, e não se sobrepõe à lei. O que, porém, não significa que seja desprovido de utilidade, em função da doutrina que nele está vertida, que pode ser coincidente ou compatível com a lei.

Em princípio, a preterição desta formalidade essencial de audição prévia implica a anulabilidade do ato administrativo, cfr. art. 163.º CPA. Com efeito, a formalidade em causa, sendo essencial, só se degrada em não essencial, não sendo por isso invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada. A doutrina e a jurisprudência dominantes têm vindo a sustentar essa posição, invocando o princípio do aproveitamento do ato, entendendo que quando não existe a mínima probabilidade de (a audição prévia) influenciar a decisão tomada pela AT, o ato administrativo não deve ser anulado.

A Requerente indica Acórdãos de Tribunais Superiores, recentes, que sustentam que neste caso se impõe a audição prévia. Concretamente, sobre a aplicação do regime consagrado no art. 90.° do CIRC (correspondente ao anterior art. 83.° do mesmo Código), entendeu-se no Ac. STA de 18/6/2014 (proc. 01102/13, relator: Aragão Seia) que “o artigo 60.° da Lei Geral Tributária impõe que, neste caso, se faculte ao contribuinte a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia”. Importa salientar, contudo, que apesar de respeitar ao regime do art. 90.º CIRC (antigo art. 83.º do mesmo Código), a liquidação impugnada subjacente ao litígio é a liquidação oficiosa que resulta da omissão de entrega da declaração modelo 22, e não a liquidação corretiva que resulta da entrega tardia da declaração, ou de uma declaração de substituição. E isso distingue significativamente as situações, visto que na primeira, sobre a qual versa o Ac. STA em análise, para a decisão contribuiu de forma determinante a ausência total de participação do contribuinte, precisamente por não ter apresentado a declaração de rendimentos. Ora no nosso caso, o contribuinte entregou, tardiamente, a declaração de rendimentos. Aliás, é precisamente na sequência da entrega da declaração modelo 22 de 2011 (em 27/10/2015), que o contribuinte foi notificado (precisamente no mesmo dia 27/10/2015) para a correção dos prejuízos fiscais deduzidos.

Em todo o caso, os Acórdãos invocados pela Requerente são anteriores a 2015, numa altura em que, apesar de ser dominante a tese do aproveitamento do ato, havia alguma controvérsia jurisprudencial e doutrinária. Porém, com o novo CPA de 2015 foi introduzido o n.º 5 no art. 163.º (correspondente aos anteriores art. 135.º e 136.º), que “na linha de uma prática jurisprudencial alargada, embora contestada por boa parte da doutrina, e com o objetivo de a disciplinar normativamente, passou a admitir a não produção do efeito anulatório, apesar da invalidade, em três circunstâncias, descritas nas alíneas a), b) e c) do referido número” (Fausto de Quadros et al, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 2016, p. 330, nota 2).

Assim, relativamente à preterição da formalidade essencial de audição prévia, que como já afirmamos é em princípio causa de anulabilidade, estabelece a al. a) do n.º 5 do art. 163.º CPA que “não se produz o efeito anulatório quando…o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”.

Ora no caso em análise, como bem refere a AT na Resposta (art. 47.º a 51.º), a correção aos prejuízos fiscais deduzidos na declaração modelo 22 de 2011 resulta do poder vinculado de correção, devida a circunstâncias que objetivamente não podiam conduzir a outro resultado por parte da AT; a entrega da declaração modelo 22 de 2010 fora de prazo, a correspondente liquidação oficiosa usando métodos indiretos que foi emitida pela AT e que não foi impugnada pelo contribuinte, e a cominação do art. 52.º n.º 2 do CIRC (na redação vigente em 2010), segundo a qual nestas circunstâncias, os prejuízos apurados nesse ano (2010) não são dedutíveis. Necessariamente teriam de ser desconsiderados os prejuízos fiscais deduzidos pelo contribuinte no exercício subsequente de 2011, quando pretendia que tais prejuízos absorvessem os lucros tributáveis gerados nesse ano. Os prejuízos fiscais de 2010 tinham necessariamente de ser expurgados. Apenas esta podia ser a solução legalmente possível.

Como tal, o conteúdo antes transcrito da Circular da AT, invocado para legitimar a preterição da notificação ao contribuinte para exercício do direito de audição prévia não parece ser contraditório com a lei hoje vigente, sendo porém o n.º 5 do art. 163.º CPA que verdadeiramente legitima a atuação da AT.

 Consequentemente, e pelas razões expostas, quanto à preterição de formalidade essencial, por falta de notificação da Requerente para o exercício do seu direito de audição prévia, não procede a pretensão da Requerente. Não se produz o efeito anulatório da liquidação. Por conseguinte, improcede o peticionado pela Requerente neste âmbito.

 

1.3     Sobre o poder-dever de aplicação do procedimento de inspeção tributária previsto no RCPITA.

 

A Requerente sustenta (84.º a 96.º da PI) que a AT podia e devia (porque se trataria de um poder-dever) ter confirmado ou corrigido os elementos declarados por aquela na declaração modelo 22 de 2011, através de um procedimento de inspeção tributária, nos termos do art. 63.º LGT e do RCPITA, não o tendo feito (art. 97.º da PI). Desse modo, a AT poderia inspecionar e validar os elementos declarados pela Requerente, ficando igualmente vinculada à salvaguarda das garantias dos contribuintes prescritas no art. 63.º LGT e RCPITA.

E menciona algumas das normas do RCPITA alegadamente violadas, por não ter sido adotado o procedimento de inspeção tributária, tais como:

                    i.            Art. 37.º: A notificação da instauração do pertinente procedimento de inspeção tributária à entidade inspecionada, identificando-se, designadamente, os elementos pretendidos no âmbito da inspeção;

                  ii.            Art. 46.º: A credenciação dos respetivos funcionários mediante a emissão de ordem de serviço;

                iii.            Art. 60.º: A notificação do projeto de conclusões do relatório para que a entidade inspecionada se possa pronunciar sobre o mesmo; ou, por fim

                iv.            Art. 62.º n.º 3 al. i): A notificação do relatório final do qual conste, designadamente, uma “descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas”.

E por consequência, diz a Requerente (art. 99.º da PI) que “os atos contestados padecem, adicionalmente, do vício de violação do princípio da legalidade (por não aplicarem o regime a que se encontraram sujeitos - i.e., o regime do procedimento de inspeção tributária consagrado no RCPITA); de preterição de formalidade legal essencial (em virtude de a REQUERENTE não ter sido notificada da instauração do procedimento inspetivo, do projeto de correções ou do relatório final); e, bem assim, do vício de falta de fundamentação (na medida em que a correção realizada não foi acompanha& da devida «Descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas»)”.

Vejamos.

As disposições do RCPITA indicadas pela Requerente, sugerem que esta considera que o procedimento de inspeção tributária, para o ser, tem de ser externo. Só assim se percebe a referência da Requerente à necessidade de notificação prévia do início do procedimento e credenciais para os funcionários da AT. Ou seja, que apenas existirá este procedimento quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.

Porém, o art. 13.º do RCPITA é claro ao prever que o procedimento de inspeção tributária tanto pode ser externo, como interno. Com efeito, nos termos da al. a) do art. 13.º, “quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em … interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos”.

 De acordo com o n.º 1 do art. 75.º da LGT presumem-se verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei. Assim, se a AT não demonstrar a existência de incoerências ou a falta de correspondência entre o teor de tais declarações e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar verdadeiro. Se por outro lado as declarações modelo 22 apresentarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados (designadamente incoerências) que influenciem o valor do IRC a pagar ou a recuperar, deixa de valer aquela presunção.

Ora toda a comunicação da AT emitida em 27/10/2015 é manifestamente reveladora de que efetivamente existiu um procedimento interno de inspeção tributária.

Recorde-se que aí se diz: “Nos termos (…) a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22. O valor do prejuízo fiscal deduzido (…) evidenciado na declaração modelo 22 do período de 2011, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (….) Prejuízo fiscal declarado 1.814.918,67 € | Prejuízo fiscal corrigido 1.204.976,64 €” (sublinhado nosso).

Aliás como não poderia deixar de ser; sem que tivesse existido o controlo de prejuízos relatado não teria sido detetada a situação de erro declarativo, que tendo influência no cômputo do IRC a pagar, veio a motivar a liquidação adicional. A priori, tal como preparada pelo contribuinte, a declaração não justificava essa liquidação.

De facto, a análise dos prejuízos fiscais deduzidos na declaração modelo 22 consubstancia um procedimento de inspeção tributária, que:

                    i.            Quanto ao fim se classifica como “procedimento de comprovação e verificação”, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos (cfr. al. a) do n.º 1 do art. 12.º RCPITA), em particular, a correção dos prejuízos fiscais deduzidos na declaração modelo 22 de 2011;

                  ii.            Quanto ao lugar de realização, classifica-se como “interno”, dado que os atos de inspeção foram efetuados exclusivamente nos serviços da AT, através da análise formal e de coerência dos documentos (cfr. al. a) do art. 13.º RCPITA), confrontando-se o teor da declaração submetida pelo contribuinte com os elementos constantes da base de dados da AT, dispensando-se desse modo a colaboração do contribuinte, a partir do momento em que este submeteu a declaração modelo 22; e

                iii.            Quanto ao âmbito e extensão, aparentemente foi “parcial”, por abranger apenas o cumprimento (tardio) do dever de apresentação da declaração modelo 22 de 2011 (cfr. al. b) do n.º 1 do art. 14.º do RCPITA).

Posto que existiu o procedimento, analisemos os vícios que a Requerente invoca na PI:

                    i.            Quanto à omissão de notificação da instauração do procedimento de inspeção tributária (art. 37.º RCPITA), e quanto à omissão de credenciação dos funcionários mediante a emissão de ordem de serviço (art. 46.º RCPITA), tais diligências não são exigíveis nos procedimentos de inspeção interna, cfr. Ac. TCAS de 10/7/2012 (proc. 05303/12, relator: Eugénio Sequeira) e Ac. TCAS de 10/7/2012 (proc. 05289/12, relator: Eugénio Sequeira);

                  ii.            Quanto à omissão de notificação do projeto de conclusões do relatório para que a entidade inspecionada se possa pronunciar sobre o mesmo (art. 60.º RCPITA), remetemos para as considerações anteriores acerca da inobservância de tal formalidade (em 1.3 da matéria de direito), com as devidas adaptações, e da correspondente aplicação do art. 163.º n.º 5 do CPA, inviabilizando a anulação do ato;

                iii.            Relativamente à alegada omissão de notificação do relatório final do qual conste, designadamente, uma “descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas” (cfr. al. i) do n.º 3 do art. 62.º RCPITA), cremos que na verdade a omissão não existiu. Pois a comunicação da AT emitida em 27/10/2015 vem precisamente relatar o procedimento inspetivo realizado e as suas conclusões, devidamente fundamentadas (quanto à validade da fundamentação, remetemos para o exposto em 1.2 da matéria de direito). Importa salientar todavia, quanto ao conteúdo dos relatórios de inspeção, que poderão ser elaborados outros tipos de relatórios, em caso de procedimentos de inspeção com objetivos específicos, cujo conteúdo mínimo será a identidade da entidade inspecionada, o fim dos atos, as conclusões obtidas e a sua fundamentação, o que foi observado.

 Assim, a liquidação adicional impugnada é precisamente o resultado do procedimento interno de inspeção tributária, que veio corrigir a declaração modelo 22 de 2011 tardiamente submetida pelo contribuinte, nos termos do art. 90.º n.º 10 CIRC (na redação vigente em 2011), razão pela qual improcede o pedido da Requerente quando sustenta a ilegalidade do ato de liquidação na alegada inobservância do procedimento de inspeção tributária.

 

IV.3.2. Quanto aos juros compensatórios

 

1.      

2      

2.1     Falta de fundamentação quanto à demonstração da exigibilidade de juros compensatórios

 

A liquidação impugnada inclui uma parcela respeitante a juros compensatórios, não tendo, segundo a Requerente, sido suportada por qualquer fundamentação demonstrativa da verificação dos pressupostos, de facto e de direito, de que depende a sua exigibilidade.

Designadamente, a Requerente afirma que a AT não demonstrou, como lhe competia, a culpa da Requerente, a imputabilidade subjetiva, inerente à liquidação destes juros, como se exige nos termos do n.º 1 do art. 35.º LGT, e quanto ao ónus da prova nos termos do art. 74.º n.º 1 LGT e 342.º n.º 1 do CC (art. 101.º a 110.º da PI), salientando que a liquidação de juros compensatórios não é uma consequência imediata e automática de qualquer liquidação adicional de imposto (art. 112.º PI).

 A AT, por sua vez, contrapõe que, considerando que a declaração modelo 22 respeitante a 2011 foi corrigida (no âmbito do controlo feito pela AT aos prejuízos deduzidos), daí resultando matéria coletável a tributar no montante de 609.942,03 €, a contrastar com a liquidação oficiosa anteriormente promovida (devido à omissão de entrega da declaração dentro do prazo legalmente previsto), “não se pode retirar que não existe retardamento do cumprimento da obrigação de liquidação de imposto por parte da Requerente” (53.º da Resposta). Em seu entender, deve concluir-se pela imputabilidade à Requerente, do retardamento da totalidade do imposto devido, a título de negligência, na medida em que a correção de imposto fundou-se na letra do art. 52.º do CIRC.

Quanto à fundamentação de decisões de cálculo de juros compensatórios, o art. 35.º, n.º 9, da LGT estabelece que “a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas”, sendo esses portanto, os elementos mínimos da fundamentação. Elementos esses que constavam na nota de demonstração “detalhe de liquidação de juros”, notificada pessoalmente ao contribuinte, junto com a notificação da liquidação adicional e da liquidação de juros de mora, razão pela qual a AT dá a liquidação dos juros compensatórios por fundamentada.

Vejamos.

Assiste razão à Requerente quando afirma que a liquidação de juros compensatórios não é uma consequência imediata e automática de qualquer liquidação adicional de imposto (art. 112.º PI). Exige-se uma imputação subjetiva, um facto que lhe seja imputável, em moldes que permita o juízo de censura do contribuinte, e que se estabeleça o nexo de causalidade entre essa imputação e o retardamento do imposto devido, nos termos do art. 35.º LGT e 102.º CIRC.

E concordamos com a visão da AT, de que esses pressupostos se verificam no caso concreto. Com efeito, o retardamento do imposto devido, atinente a 2011, resulta da conjugação dos seguintes factos, apresentados segundo um critério cronológico:

                    i.            Relativamente ao exercício fiscal de 2010 a Requerente não entregou a declaração de rendimentos modelo 22 dentro do prazo legalmente previsto, 30/5/2011;

                  ii.            Nos termos da lei, após notificar a Requerente para regularizar a omissão de entrega da declaração de rendimentos, o que não sucedeu, em 30/11/2011 a AT emitiu a liquidação oficiosa n.º 2011…, que teve por base uma matéria coletável de 6.790,00 €;

                iii.            O contribuinte não impugnou a liquidação antes indicada, que portanto se consolidou na sua esfera jurídica;

                iv.            Relativamente ao exercício fiscal de 2011 a Requerente não entregou a declaração de rendimentos modelo 22 dentro do prazo legalmente previsto, 30/5/2012;

                  v.            Ainda quanto ao exercício de 2011, após notificar a Requerente para regularizar a omissão de entrega da declaração de rendimentos, o que não sucedeu, em 20/11/2012 a AT emitiu a liquidação oficiosa n.º 2012…, que teve por base uma matéria coletável de 6.790,00 €;

                vi.            Em 5/3/2014 a Requerente entregou a declaração de rendimentos modelo 22 atinente ao exercício de 2010, onde constava um prejuízo fiscal de 3.211.768,46 € (campo 301) e prejuízos fiscais dedutíveis de 1.248.518,45 € (campo 303);

              vii.            Em 27/10/2015 a Requerente entregou a declaração de rendimentos modelo 22 atinente ao exercício de 2011, onde constava um lucro tributável de 1.814.918,67 € (campo 778), prejuízos fiscais dedutíveis de 4.166.201,44 € (campo 303), prejuízos fiscais deduzidos de 1.814.918,67 € (campo 309), matéria coletável de 0,00 € (campo 311), coleta total de 0,00 € (campo 378), e total a pagar de 0,00 € (campo 367);

            viii.            Em 27/10/2015 a AT emitiu documento, notificado à Requerente em 22/12/2015, com o assunto “Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis – Período de 2011”, que alertava para a discrepância entre os prejuízos fiscais legalmente dedutíveis (que não incluem os atinentes a 2010, por cominação expressa do art. 52.º n.º 2 CIRC na redação vigente em 2010) e os prejuízos fiscais deduzidos, que em contravenção com a lei, incluíam os prejuízos fiscais de 2010, e por essa via absorviam indevidamente parte do lucro tributável de 2011, o que se traduzia num total de imposto a pagar de 0,00 €, que seria corrigido pela AT na parte de prejuízos deduzidos em excesso, resultando numa liquidação adicional de imposto.

Os factos descritos são claramente imputáveis à Requerente e todos são por si conhecidos; desde o atraso na entrega das declarações de rendimentos, de 2010 e 2011, mesmo depois de advertida pela AT, à dedução indevida dos prejuízos fiscais de 2010 (indedutíveis por força da liquidação oficiosa assente em métodos indiretos, cfr. art. 52.º n.º 2 CIRC na redação vigente em 2010).

E é evidente, na exposição sequencial cronológica, o nexo de causalidade do encadear desses factos que se sucederam no tempo, todos sob a esfera de controlo da Requerente, que conduz ao retardamento do pagamento do imposto.

Também quanto à fundamentação dos juros compensatórios, acompanhamos o entendimento da AT. Estabelecendo o art. 35.º, n.º 9, da LGT os elementos mínimos exigíveis para a fundamentação dos juros, e constando os mesmos na nota de demonstração “detalhe de liquidação de juros”, notificada pessoalmente ao contribuinte, junto com a notificação da liquidação adicional e da liquidação de juros de mora, consideramos que a liquidação dos juros compensatórios foi devidamente fundamentada.

 Face ao exposto, improcedem os argumentos invocados pela Requerente, a propósito da falta de fundamentação quanto à demonstração da exigibilidade de juros compensatórios.

 

2.2     Preterição de formalidade legal essencial atinente ao direito de audição prévia.

 

 Por fim, a Requerente invoca a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, por preterição da formalidade essencial prevista no art. 60.º n.º 1 al. a) LGT, de forma coerente com o peticionado a propósito da liquidação de IRC. A AT não contesta a preterição da formalidade em questão.

Remetemos para a exposição empreendida em 1.3 da matéria de direito, por identidade de razões e pressupostos de facto e de direito.

Como antes se disse, em princípio, a preterição desta formalidade essencial de audição prévia implica a anulabilidade do ato administrativo, cfr. art. 163.º CPA.

A formalidade em causa, sendo essencial, degrada-se em não essencial, não sendo por isso invalidante da decisão, porque não havia a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada. Também aqui é aplicável a al. a) do n.º 5 do art. 163.º CPA, segundo a qual “não se produz o efeito anulatório quando…o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”. Havia apenas uma taxa de juro aplicável, e um período temporal a considerar.

Consequentemente, e pelas razões expostas, improcedem os argumentos invocados pela Requerente, a propósito da falta de notificação da Requerente para o exercício do seu direito de audição prévia atinente aos juros compensatórios.

 

V. Decisão

 

Considerando as diversas razões vindas de expor em sede de fundamentação, decide o Tribunal julgar improcedentes o pedido de anulação do ato de liquidação objeto da presente ação, com a consequente manutenção, na ordem jurídica, da liquidação efetuada, bem como o pedido de anulação, por ilegalidade, da liquidação de juros compensatórios.

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 203.867,47.

 

VII.          Custas

 

De acordo com o previsto nos arts. 22.º, n.º 4, 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, 2.º, art. 3.º, n.º 1, nos n.ºs 1 a 4 do art. 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas, a cargo da Requerente, em € 4.284,00.

 

 

Lisboa, 7 de outubro de 2016.

 

O Árbitro-Presidente,

 

Fernanda Maçãs

 

 

Os Co-Árbitros,

 

 

Luís Oliveira

 

 

Nuno Miguel Morujão (Relator)