Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 110/2012-T
Data da decisão: 2013-07-12  IRS  
Valor do pedido: € 237.997,83
Tema: Mais-Valias sobre ações detidas há mais de 12 meses. Alteração contabilística superveniente da iniciativa do sujeito passivo
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 110/2012-T

 

Tema: IRS. Mais-Valias sobre ações detidas há mais de 12 meses. Alteração contabilística superveniente da iniciativa do sujeito passivo

 

 

Acordam os Árbitros em conferência:

 

1. Relatório

 

A… e B, contribuintes ns.º … e …, requereram a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no art. 10.º do DL 10/2011, de 20 Janeiro (doravante RJAT), tendo em vista a anulação da liquidação adicional n.º 2012…datada de 17.8.2012, relativa ao Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) respeitante ao ano de 2010, no montante global de imposto e juros compensatórios de 237.997.83 euros.

 

Os Requerentes defendem, em súmula, que em 11/05/2010, aquando da venda à C, SA., das 150.000 ações que detinham na D, SA, pelo preço unitário de € 15,70 e global de € 2.355.000,00, a ponderação do património imobiliário da sociedade D… era inferior a 50% relativamente a todos os bens do ativo da sociedade situados em território português (42,7%). Por esse facto, entendem os Requerentes que não havia lugar ao apuramento de mais-valias na alienação das ações, nos termos do disposto no art. 10º nº 2, a) e nº 11 e 12 do CIRS, na redação vigente à data dos factos. Por isso, os Requerentes não se conformam com a liquidação adicional de IRS que a Autoridade Tributária, doravante a AT, efetuou em Agosto de 2012. Acrescentam ainda os Requerentes que a AT agiu com patente falta de imparcialidade, de isenção e de boa-fé no exercício da sua atividade, referindo a págs. 35 e segs. das suas alegações factos que pretendem fundar tal asserção.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Exmo. Desembargador Manuel Macaísta Malheiros (Árbitro Presidente), o Exmo. Prof. Doutor Diogo Leite de Campos e o Exmo. Mestre António Moura Portugal, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 09-01-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24-01-2013.

 

Em 25-2-2013, a AT apresentou resposta em que defende que apenas aceitou a correção contabilística promovida pela sociedade D... ao ano de 2009 e daí retirou as devidas consequências fiscais. Afirma a AT na sua resposta, que tomou em consideração a reclamação graciosa apresentada pela sociedade D... –, SA. em Maio de 2012, na qual esta requereu, com referência ao ano de 2009, a aceitação como custo fiscal “(…) da perda por imparidade que deveria ter sido contabilizada no mesmo período de tributação de 2009 e que é relacionada com um crédito resultante da atividade normal da reclamante (…)”. Na reclamação graciosa apresentada pela D... em 2012 esta afirmava que “este crédito evidenciado no balancete analítico do mês de Dezembro de 2009 (…) à data do encerramento das contas de 2009 (…), já se encontrava em mora há mais de 24 meses”, pelo que “(…) configura, efetivamente, um crédito incobrável, o qual, na verdade, devia ter sido considerado como tal no ano de 2009 e não, como erradamente sucedeu, no ano de 2010”. A D... –, SA. procedeu à correção contabilística do movimento com referência ao ano de 2009 tendo, por contraposição a crédito da conta 25511, refletido a perda com o lançamento a débito da conta 692 (custos e perdas extraordinárias – dividas incobráveis). Em consequência desta alteração contabilística retroativa registada pelo sujeito passivo, a AT entendeu que o valor dos imóveis da D..., por referência ao valor global dos ativos da sociedade, passou a ser de 52,36%, o que determinaria a aplicação da norma prevista no art. 10º nº 12 CIRS e, portanto, a não exclusão da tributação das mais-valias.

 

No dia 16-04-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que se decidiu haver lugar a alegações escritas no prazo de 10 dias, que as partes tempestivamente apresentaram, bem como em que se agendou a data para a inquirição da testemunha arrolada pela AT.

 

Em 03-06-2013 foi ouvida a testemunha arrolada pela Requerida, não tendo comparecido o mandatário dos Requerentes, nem a testemunha que os Requerentes se tinham comprometido a apresentar.

 

Em 01-07-2013 foi prorrogado por dois meses o prazo para a prolação da decisão, atenta a complexidade do processo.

 

 

2. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal é competente.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos :

  1. Os Requerentes detinham 25% do capital social da sociedade D... –, Lda.

  2. Em 21/04/2010, a D... –, Lda. procedeu a um aumento de capital de € 516.255,83 para € 600.000,00, através da incorporação de reservas.

  3. Em consequência de tal incorporação de reservas e consequente aumento de capital, o valor das quotas detidas pelos Requerentes passou a ser de € 135.000,00 e de € 15.000,00 (vide item 111.2. do relatório inspetivo, ponto 10 a fls. 21).

  4. Na mesma data, 21/04/2010, a D... –, Lda. foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se D... –, SA..

  5. Em 11/05/2010, os Requerentes venderam à C, SA., as 150.000 ações que detinham na D... –, SA, pelo preço unitário de € 15,70 e global de € 2.355.000,00.

  6. Em Maio de 2012 a D... –SA., deduziu reclamação graciosa com referência ao ano de 2009, requerendo a aceitação como custo fiscal “(…) da perda por imparidade que deveria ter sido contabilizada no mesmo período de tributação de 2009 e que é relacionada com um crédito resultante da atividade normal da reclamante (…)”. Este crédito evidenciado no balancete analítico do mês de Dezembro de 2009 (…) à data do encerramento das contas de 2009 (…), já se encontrava em mora há mais de 24 meses”, pelo que, conclui a reclamante “(…) configura, efetivamente, um crédito incobrável, o qual, na verdade, devia ter sido considerado como tal no ano de 2009 e não, como erradamente sucedeu, no ano de 2010”.

  7. A reclamante D... –, SA., era em 31/12/2009 credora da E... –, Lda, que, em 2006, havia cedido os seus ativos e passivos à F, Lda., cuja insolvência havia sido requerida.

  8. Do anexo 5 à informação produzida pela Direção de Finanças de …, de 30/10/2012, resulta que a D... –, SA. procedeu à correção contabilística do movimento com referência ao ano de 2009.

  9. Tendo, por contraposição a crédito da conta 25511, refletido a perda com o lançamento a débito da conta 692 (custos e perdas extraordinárias – dividas incobráveis).

  10. A retificação ao balanço foi feita pelo próprio sujeito passivo, tendo sido da iniciativa do sujeito passivo e não da AT.

  11. Por efeito do movimento contabilístico real e resultante da vontade dos sócios da D..., os imóveis passaram a constituir o ativo da empresa em mais de 50% - concrtetamente, em 52,36% do total do ativo.

  12. Da análise à declaração anual da F... – cessionária da E... (anos 2005 e 2006 – ano a cessão) resulta que o crédito da D… não está incluído nas respetivas demonstrações financeiras (anexo 6 à informação produzida pela Direção de Finanças de …, de 30/10/2012).

  13. A relação de créditos definitiva elaborada pela administradora da insolvência da F..., não inclui, em nenhuma das rubricas – quer a dos créditos reconhecidos, quer a dos créditos não reconhecidos – qualquer crédito da E... ou da D….

  14. A D… não reclamou o crédito junto do processo de insolvência.

  15. A E..., ainda que inativa e cessada para efeitos de IVA, mantém a personalidade jurídica, cumprindo ainda com outras obrigações declarativas, designadamente em sede de IRC.

  16. A D… é detentora de parte social da E..., equivalente a 32,26% do capital social (anexo 9 à informação produzida pela Direção de Finanças de …, de 30/10/2012).

  17. O Requerente é gerente da E....

 

 

 

3.1.1. Fundamentação da matéria de facto provada

 

A matéria de facto foi fixada com base nos documentos juntos aos autos, cuja correspondência à realidade não foi questionada, e com base nas afirmações feitas nos articulados, em que não foi posta em causa a correspondência à realidade do afirmado, bem como no depoimento da testemunha …, apresentada pela Requerida.

 

3.2. Factos NÂO provados

 

Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

4. Decisão – Aplicação do Direito aos factos

 

4.1

Não se encontrou matéria que permitisse concluir pela procedência da alegação dos Requerentes de que a AT atuara com “patente falta de imparcialidade, de isenção e de boa-fé no exercício da sua atividade”, pelo que o Tribunal Arbitral considera improcedente a alegação deste vício, por não provado.

4.2

No que se refere ao fundo da questão, e assentes nos factos dados como provados, decide o Tribunal como se segue.

A questão a dirimir no presente processo prende-se com a determinação da relevância, para efeitos de aplicação do art. 10º, nº 12 do CIRS, de uma correção ao balanço contabilístico (feita por iniciativa da sociedade) após a alienação pelo sócio das ações que geraram a mais-valia.

Nos presentes autos ficou provado que foi a sociedade D... que, por sua iniciativa, decidiu proceder retroativamente à correção do registo contabilístico do crédito sobre a sociedade E... com referência ao ano de 2009. Em 2012 a D... procedeu à qualificação do crédito sobre a E... como crédito incobrável, tendo, por contraposição a crédito da conta 25511, refletido uma perda com o lançamento a débito da conta 692 (custos e perdas extraordinárias – dividas incobráveis).

Diversamente do alegado pelos Requerentes, a liquidação de IRS sob análise não derivou de qualquer valorização ou depreciação dos bens que compunham o ativo da sociedade à data da alienação das ações. O que se verificou foi apenas uma alteração da ponderação do peso relativo dos bens imóveis no conjunto dos bens da sociedade D..., por força de uma correção contabilística, efetuada pela própria sociedade em 2012, nos termos da qual o crédito sobre a E... passou a ser considerado incobrável com efeitos retroagidos a 2009.

A questão da incobrabilidade do crédito diz respeito, antes de mais, à própria D..., projetando embora os seus efeitos sobre terceiros, os alienantes e os adquirentes do seu capital. Havendo que respeitar a autonomia da D..., fora erro grosseiro ou dolo contra os ex-titulares, o que não se demonstrou no presente processo, pelo que há que examinar a incobrabilidade do crédito.

O crédito controvertido obedece aos requisitos previstos para a incobrabilidade dos créditos (artigo 41º, 1 do CIRC). A incobrabilidade do crédito da D... sobre a E... foi reconhecida voluntária e unilateralmente pela sociedade D... durante o procedimento anterior a esta arbitragem, nomeadamente abatendo-o do seu ativo com referência a 2009. Portanto, se esta viesse agora recusar essa incobrabilidade (apenas porque, por força dos requisitos expressos no art. 36º e 41º CIRC lhe foi negada pela AT a dedução fiscal quer da perda por imparidade quer do crédito incobrável) seria vir contra facto próprio, violando os ditames da boa-fé enquanto princípio geral do Direito e do Direito tributário (vd. por ex. artigo 59º, 1 e 2 da LGT).

Mas quem ataca a exclusão desse crédito do ativo são os Requerentes, ex-titulares da D.... Contudo, o comportamento desta já consolidara a incobrabilidade do crédito, devendo agora o Direito limitar-se a tirar as consequências desta incobrabilidade, mesmo contra os Requerentes.

Além de que o sentido normativo do artigo 36º,3, d) do CIRC é consumido pelo disposto no artigo 41º do CIRC. Ou seja, o reconhecimento da insolvência e consequente incobrabilidade do crédito tem um valor normativo que consome o disposto no art. 36º 3 d). Tanto mais que, repete-se, há aqui o reconhecimento pela sociedade desse valor, ao abater o crédito ao ativo.

Dispõe o art. 75º da Lei Geral Tributária que se presumem verdadeiros e de boa-fé os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita dos contribuintes quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. No presente caso não se demonstrou que a contabilidade ou escrita da D... revelasse qualquer omissão, erro, inexatidão ou indício de que estas não refletissem verdadeira e fielmente a imagem da situação dos negócios da empresa à data do balanço e dos seus resultados do ano financeiro. A presunção de veracidade da contabilidade da D... significa, neste caso, que a AT está dispensada de provar o facto a que a presunção conduz (art. 350º nº 1 Código Civil). Da contabilidade, tal como alterada pela D... em 2012, resulta que o seu crédito sobre a E... foi considerado custo e perda extraordinária – dívida incobrável com efeitos a 2009. Não tendo os Requerentes feito prova em contrário que pudesse elidir a presunção de veracidade de que gozava a contabilidade da D..., a AT limitou-se a extrair as consequências legais da alteração superveniente da ponderação entre ativos imobiliários e ativos não imobiliários da D... em 2009, para efeitos de apuramento das mais-valias decorrentes da venda das ações da mesma pelos Requerentes.

Nestes termos, por força das regras relativas ao ónus da prova contidas no art. 74º da Lei Geral Tributária, conjugadas com a presunção vertida no art. 75º também da LGT, passa-se diretamente ao disposto no artigo 10.º, n.º 12 do CIRS (na redação vigente à data dos factos), na medida em que as mais-valias obtidas pelos Requerentes são provenientes da alienação de uma sociedade que detinha mais de 50% do seu ativo constituído por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis (tendo-se provado que era de 52,36% a percentagem de imóveis no total do ativo da sociedade).

Esta percentagem resultou de um ato da própria sociedade cujo capital social foi alienado, que promoveu uma correção contabilística ao ano de 2009, que levou a retirar do ativo nesse ano um crédito considerado incobrável – já com referência a 2009.

A AT limitou-se a aceitar o lançamento contabilístico, com o movimento lançado a débito da conta 692 (custos e perdas extraordinárias/dívidas incobráveis) em contraposição ao lançamento a crédito da conta 25511, de onde resultaram alterações na composição do ativo e do passivo.

Diminuindo o ativo por eliminação desse crédito (incobrável) os imóveis passaram a ter mais peso nesse ativo – 52,36%.

Assim, cai-se na previsão do artigo 12.º do CIRS e aplica-se a sua estatuição.

Ao contrário do que pretendem os Requerentes, não se estão a tomar em conta mais-valias potenciais ou latentes, factos ocorridos posteriormente à alienação das ações. A situação relevada reporta-se ao ano em causa – 2009 – derivando de iniciativa do sujeito passivo diretamente interessado no movimento, pelo que também não se poderá invocar qualquer violação de expectativas ou previsão de quem quer que seja, mesmo dos ex-sócios.

Termos em que, o Tribunal Arbitral acorda em negar provimento à pretensão dos Requerentes, mantendo o ato impugnado.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 237.997,83.

 

Custas: nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284 de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.

 

Lisboa, 12 de Julho de 2013

 

 

 

 

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros 
Prof. Doutor Diogo Leite de Campos
Dr. António Moura Portugal