Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 105/2016-T
Data da decisão: 2016-07-01  Selo  
Valor do pedido: € 12.399,20
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS. Prédios urbanos em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente.
Versão em PDF

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 24 de fevereiro de 2016, a sociedade comercial A…, Lda., NIPC..., com sede na Avenida…, …, Lisboa, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de Imposto do Selo [Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS)] respeitantes ao ano de 2013 e ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia das …, concelho e distrito de Lisboa, propriedade da Requerente – objeto das notas de cobrança com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014 … relativas à 1.ª prestação, com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014 … e 2014…, relativas à 2.ª prestação e com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014 … e 2014 … relativas à 3.ª prestação –, no montante total de € 12.399,36, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015… .

A Requerente juntou 13 (treze) documentos e 3 (três) anexos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

- É proprietária do prédio sito na Av. … nº … a … em Lisboa, com inscrição matricial n.º…, prédio em regime de propriedade total, com 11 unidades suscetíveis de utilização independente;

- Em 2012, as referidas unidades suscetíveis de utilização independente foram objeto de avaliação nos termos do CIMI, o que implicou que o valor patrimonial tributário (VPT) do referido prédio ascendesse a € 1.454.840,00;

- Uma vez que, de acordo com a informação constante na respetiva matriz, duas das unidades suscetíveis de utilização independente, estavam afetas à atividade comercial (divisão …AB e divisão … CD), a AT liquidou Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, somente relativamente às 9 unidades suscetíveis de utilização independente, que estariam, de acordo com o entendimento da AT, afetas a habitação;

- Em consequência, a AT emitiu notas de liquidação relativas a Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, uma vez que o VPT global dessas 9 unidades ascendia a € 1.239.920,00;

- Ao contrário da informação que a AT dispõe, 6 das unidades suscetíveis de utilização independente do prédio em causa (e não apenas 2 como considera a AT) não estão neste momento, nem nunca estiveram, afetas a habitação, mas sim a atividades comerciais ou de serviços, como decorre do teor da licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) a 12.04.1961;

- Tal como consta da caderneta predial emitida pela AT, o 4.º andar foi dividido em unidades suscetíveis de utilização independente, com as designações A, B e C;

- Deste modo, atualmente existem 8 unidades suscetíveis de utilização independente, consideradas pela CML como ocupações, ou seja, afetas/destinadas a serviços ou comércio;

- Não estando essas unidades afetas a habitação, a Requerente não pode concordar que as mesmas estejam sujeitas a Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS;

- Não estando estas unidades sujeitas ao Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, não devem os respetivos VPT´s ser considerados para efeitos da AT aferir se as restantes unidades, afetas a habitação (sendo estas somente 3), estarão sujeitas a Imposto do Selo ao abrigo da referida verba;

- Se retirarmos ao VPT global do prédio, o valor dos VPT das unidades afetas a atividade comercial/serviços, o VPT total das unidades afetas a habitação passa a ser de € 532.710,00;

- Sendo este valor manifestamente inferior ao valor de € 1.000.000,00 previsto na verba 28.1 da TGIS, é entendimento da Requerente que a AT nunca poderia sujeitar essas unidades a Imposto do Selo ao abrigo da referida verba, isto, caso o VPT a considerar para efeitos de incidência fosse o do VPT global daquelas unidades afetas a habitação;

- Por outro lado, não pode a AT liquidar Imposto do Selo com base na verba 28.1 da TGIS ao prédio aqui em causa, dado que o VPT a considerar para efeitos daquela previsão legal é, na verdade, o individual por cada fração ou unidade independente e nenhuma destas frações tem um VPT superior a € 1.000.000,00;

- Cada um dos andares independentes tem um valor patrimonial tributário autonomamente atribuído e determinado nos termos do disposto no CIMI, compreendido entre € 57.280,00 e € 178.730,00;

- A existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva, sendo que da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material;

- A existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou fração for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00;

- Na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio, mas, sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio;

- Para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros, relevando sim a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização;

- Assim sendo, o entendimento da AT no sentido de que o somatório dos VPT’s das várias frações ou divisões com utilização independente afetas à habitação, resultando num VPT global igual ou superior a € 1.000.000,00, legitima a incidência do Imposto do Selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, é, manifestamente, ilegal;

- Uma vez que as liquidações que agora se põem em causa visam a tributação de unidades afetas à atividade comercial, devem as mesmas ser anuladas porque manifestamente ilegais e contrárias à lei;

- E, devem igualmente ser anuladas, por ilegais, as liquidações relativas a unidades afetas a habitação que, por um lado, a considerar que seria pelo valor global do VPT destas que deveria incidir aquela verba, este não ascende a 1.000.000 Euros, e por outro, considerando o valor de VPT unitário ou particular de cada fração, parte ou andar com afetação habitacional, igualmente, nenhuma tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00;

- As liquidações de imposto de selo que agora se impugnam, violam claramente o princípio da igualdade, previsto constitucionalmente no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa;

- Se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto, porquanto o VPT que a AT atenderia para efeitos de tributação deste imposto seria o VPT de cada fração autónoma em si;

- Devendo ser esse o princípio a aplicar no caso de prédios em regime de propriedade vertical, por uma questão de igualdade;

- Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal;

- Tendo em consideração que a Requerente foi levada a proceder ao pagamento do Imposto do Selo, relativo a 2013, indevidamente, deve a AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatório, desde a data em que cada uma das prestações foi paga até integral pagamento;

- Sendo manifesta a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, imputável à Administração Tributária, que os praticou sem suporte legal, deverá haver lugar a reembolso do imposto pago, no montante de € 12.399,66;

- Os atos impugnados incorrem nos seguintes vícios: violação do disposto no artigo 1.º do CIS, conjugado com a Verba 28 da TGIS, na redação e aditamentos introduzidos pela Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro, a manter-se a interpretação que deles faz a AT, porquanto não foi intenção do legislador, tributar os prédios afetos ao comércio ou a serviços e os prédios afetos a habitação com VPT inferior a € 1.000.000,00; violação do disposto do nº 3 do artigo 11º da LGT que prevê a prevalência do princípio da substância sob a forma; a manter-se a interpretação que a AT faz das normas jurídicas aplicáveis, ela é manifestamente inconstitucional, por violação, entre outros, do disposto nos artigos 13.º, 62.º, 103.º e 104.º, todos da CRP.

A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve a presente ação arbitral ser julgada procedente, por provada, revogada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e, consequentemente, as liquidações do Imposto do Selo impugnadas, no valor total de € 12.399,66 (doze mil trezentos e noventa e nove euros e sessenta e seis cêntimos), serem anuladas, por força dos vícios supra identificados, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente o pagamento de juros indemnizatórios relativamente aos valores que a Requerente pagou, tudo nos termos do artigo 43.º da LGT.»

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 7 de março de 2016.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 20 de abril de 2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 6 de maio de 2016.

6. Em 20 de maio de 2016, a Requerente veio requerer a junção aos autos de um documento, atinente à reavaliação efetuada pela AT aos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente do prédio em propriedade total sobre o qual incidem os atos de liquidação de Imposto do Selo controvertidos, a qual foi deferida por despacho proferido na mesma data.

7. No dia 3 de junho de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

7.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

- O prédio foi avaliado em 2013.02.06, tendo em conta o destino habitacional e comercial, encontrando-se descrito na matriz no regime de propriedade total, constituído por 11 divisões, das quais 2 estão afetas a comércio e 9 afetas a habitação;

- Sendo esta a informação matricial, de acordo com o artigo 23º, n.º 7 do CIS, a liquidação de Imposto do Selo em causa foi efetuada, pela Administração Tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, nomeadamente as suas divisões afetas à habitação, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI;

- Assim, tendo em conta a informação matricial constante da caderneta predial, não logra a Requerente, com os documentos que junta aos autos, fazer prova que contrarie a natureza das divisões com caráter habitacional;

- As liquidações de Imposto do Selo contestadas foram emitidas de acordo com a informação que consta da caderneta predial do prédio, portanto, são válidas e não enfermam de qualquer ilegalidade;

- Apesar de a liquidação de Imposto do Selo, nas situações previstas na verba n.º 28.1 da TGIS, se processar de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI;

- O vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos;

- Não se vislumbra como é que a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade, pois constitui entendimento da AT que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações;

- A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados;

- A constituição da propriedade horizontal implica, é um facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (ofício – circulado n.º 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária;

- As normas sobre procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes suscetíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque seria ilegal e inconstitucional;

- Em consequência de o facto tributário do Imposto do Selo da verba 28.1 consistir na propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente;

- A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do CIMI e artigos 1414.º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária;

- Por isso, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente;

- Suscitada a questão da inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e do seu n.º 1 (verba 28.1TGIS), aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e, posteriormente, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), em concreto a violação dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e da proporcionalidade, entendeu o Tribunal Constitucional que “não se verificando a violação dos parâmetros de constitucionalidade invocados pela recorrente, nem de quaisquer outros, improcede, por conseguinte, o recurso” (acórdão de 11 de novembro de 2015, proferido no processo n.º 542/14);

- Estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.

A Requerida remata assim o seu articulado:

«Nestes termos, e nos demais que V. Exa doutamente suprirá, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.»

8. Em 6 de junho de 2016, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a designar prazo para a apresentação de alegações e a fixar o dia 31 de outubro de 2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

9. Ambas as Partes declararam não pretender apresentar alegações, pelo que foram as mesmas dispensadas, por despacho proferido em 27 de junho de 2016.     

***

 

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de Imposto do Selo, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles – em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto – radicadas na propriedade da Requerente sobre um prédio urbano em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente – e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito – in casu, da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

            Não há exceções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                     

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Nesta parametria, consideram-se provados os seguintes factos:

a) No ano de 2013, a Requerente era proprietária do prédio urbano, em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Avenida…, números … a…, freguesia…, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo… . [cf. Doc. n.º 8 anexo à P. I.]   

b) Naquele mesmo ano, o referido prédio urbano estava assim descrito na respetiva matriz predial [cf. Doc. n.º 8 anexo à P. I.]   

c) Cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente integrantes daquele mesmo prédio urbano têm um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do IMI, sendo que os andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação tinham, em 2013, os seguintes valores patrimoniais tributários unitários [cf. Doc. n.º 8 anexo à P. I.]:

Andar ou divisão com utilização independente

Valor patrimonial tributário (€)

1.º

173.520,00

2.º

173.520,00

3.º

175.260,00

4.ºA

70.350,00

4.ºB

57.280,00

4.ºC

57.280,00

5.º

176.990,00

6.º

176.990,00

7.º

178.730,00

   

d) Em 17 de março de 2014, a AT liquidou Imposto do Selo, no montante total de € 12.399,20, reportado ao ano de 2013 e referente aos andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação, na respetiva matriz predial, integrados no prédio urbano supra identificado no facto provado a). [cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 3 anexos à P. I.]

e) As liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado d) resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação, na respetiva matriz predial, integrados no prédio urbano identificado no facto provado a). [cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 3 anexos à P. I.]

f) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado d), a Requerente foi notificada dos documentos únicos de cobrança que seguidamente se discriminam, no montante total de € 12.399,20 [cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 3 anexos à P. I.]:

Andar ou divisão com utilização independente

Identificação do documento

Data limite de pagamento

Prestação

Valor a pagar (€)

1.º

2014 …

abril/2014

1.ª

578,40

1.º

2014…

julho/2014

2.ª

578,40

1.º

2014 …

novembro/2014

3.ª

578,40

2.º

2014 …

abril/2014

1.ª

578,40

2.º

2014 …

julho/2014

2.ª

578,40

2.º

2014 …

novembro/2014

3.ª

578,40

3.º

2014 …

abril/2014

1.ª

584,20

3.º

2014 …

julho/2014

2.ª

584,20

3.º

2014 …

novembro/2014

3.ª

584,20

4.ºA

2014 …

abril/2014

1.ª

234,50

4.ºA

2014 …

julho/2014

2.ª

234,50

4.ºA

2014…

novembro/2014

3.ª

234,50

4.ºB

2014 …

abril/2014

1.ª

190,94

4.ºB

2014 …

julho/2014

2.ª

190,93

4.ºB

2014 …

novembro/2014

3.ª

190,93

4.ºC

2014 …

abril/2014

1.ª

190,94

4.ºC

2014 …

julho/2014

2.ª

190,93

4.ºC

2014 …

novembro/2014

3.ª

190,93

5.º

2014 …

abril/2014

1.ª

589,98

5.º

2014 …

julho/2014

2.ª

589,96

5.º

2014 …

novembro/2014

3.ª

589,96

6.º

2014 …

abril/2014

1.ª

589,98

6.º

2014 …

julho/2014

2.ª

589,96

6.º

2014 …

novembro/2014

3.ª

589,96

7.º

2014 …

abril/2014

1.ª

595,78

7.º

2014 …

julho/2014

2.ª

595,76

7.º

2014 …

novembro/2014

3.ª

595,76

    

g) Em 28 de abril de 2014, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral dos valores correspondentes à 1.ª prestação das mencionadas liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 4.133,12. [cf. Anexo A junto à P. I.]. 

h) Em 18 de julho de 2014, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral dos valores correspondentes à 2.ª prestação das mencionadas liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 4.133,04. [cf. Anexo B junto à P. I.]. 

i) Em 28 de outubro de 2014, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral dos valores correspondentes à 3.ª prestação das mencionadas liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 4.133,04. [cf. Anexo C junto à P. I.].

j) A Requerente apresentou reclamação graciosa – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido – que teve por objeto as liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado d), tendo a Requerente ali peticionado o seguinte [cf. Doc. n.º 4 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

k) A referida reclamação graciosa foi autuada sob o n.º …2015…no Serviço de Finanças de Lisboa -…, tendo sobre a mesma recaído o seguinte projeto de decisão [cf. Doc. n.º 5 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

 

l) A Requerente foi notificada, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, através do ofício n.º…, datado de 19.10.2015, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (RD…PT), daquele projeto de decisão e para, querendo, exercer o direito de audição. [cf. Doc. n.º 5 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

m) A Requerente exerceu aquele direito de audição prévia, nos termos constantes do documento n.º 6 anexo à P. I. e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

n) A Requerente foi notificada, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, através do ofício n.º…, datado de 26.11.2015, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (RD…PT) com aviso de receção, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, com a seguinte fundamentação [cf. Doc. n.º 7 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

 

o) Em … de abril de 1961, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu a Licença de Utilização, com o n.º…, ao prédio urbano supra identificado no facto provado a), constando da mesma, além do mais, o seguinte [cf. Doc. n.º 9 anexo à P. I.]: 

p) Em 13 de fevereiro de 1975, no … Cartório Notarial de Lisboa, foi celebrado por escritura pública um Contrato de Arrendamento que teve por objeto o 3.º andar do prédio urbano supra identificado no facto provado a), tendo ali ficado consignado que o local arrendado se destinava a escritório da sociedade arrendatária, nenhum outro destino lhe podendo ser dado sem autorização escrita da senhoria. [cf. Doc. n.º 12 anexo à P. I.]  

q) Em 2013, o 2.º andar do prédio urbano supra identificado no facto provado a) estava arrendado para fins não habitacionais. [cf. Doc. n.º 13 anexo à P. I.]      

r) Em 24 de fevereiro de 2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

*

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultou provado que, atualmente, as divisões suscetíveis de utilização independente identificadas por 4.ºA, 4.ºB e 4.ºC do prédio urbano supra identificado no facto provado a), sejam utilizadas como escritórios da Requerente.

*

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo.

Relativamente à factualidade não provada, esta foi assim considerada em resultado da ausência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de, inequivocamente, a comprovarem.

*

III.2. DE DIREITO

A questão essencial a resolver sobre o mérito do litigio atinente à pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas prende-se com determinar se, para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS, nos casos de um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, se deve atender ao valor total do prédio resultante da soma dos valores patrimoniais tributários dos diversos andares ou divisões com afetação habitacional, como subjaz às liquidações em causa, ou se se deve antes dar relevância ao valor patrimonial tributário da cada andar ou divisão com afetação habitacional, com a consequente violação de lei, por erro nos pressupostos, das liquidações de imposto controvertidas.

Para além da matéria atinente a este vício de violação de lei, a Requerente suscita ainda a questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

No entanto, só importará apreciar esta questão se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba envolva a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice; se isso não se verificar, a apreciação da inconstitucionalidade da norma em apreço não assume relevância processual em ordem à resolução do litígio.   

Apreciando e decidindo.

*

§1. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS

No epicentro do dissenso que opõe as partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.

 A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação (cf. art. 4.º) [redação aplicável ratione temporis à situação sub judice]:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional— 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. art. 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor: 

 «28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %»

A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil, normas que estatuem o seguinte:

Artigo 11.º da LGT, epigrafado «Interpretação»:

«1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.»

Artigo 9.º do Código Civil, epigrafado «Interpretação da lei»:

«1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

A propósito desta tarefa interpretativa, data venia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD[1]:

A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Dito isto. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a atual – da verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.

Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do artigo 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.

Nesta parametria, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido (artigo 2.º):

«1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.»

Seguidamente, nos artigos 3.º a 5.º do CIMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:

Prédios rústicos (artigo 3.º):

«São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.»

Prédios urbanos (artigo 4.º):

«Prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.»

Prédios mistos (artigo 5.º):

«1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.»

Posteriormente, no artigo 6.º do CIMI, são indicadas as espécies de prédios urbanos:

«1. Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.»

Sobre o “valor patrimonial tributário”, o artigo 7.º do CIMI estatui o seguinte:

 «1. O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:

a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

3. O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbana determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.»

Sob a epígrafe “conceito de matrizes prediais”, o artigo 12.º do CIMI estatui o seguinte:

«1. As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.

2. Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana.

3. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

4. As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.

4. As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.»

 Ainda a propósito das matrizes prediais, importa atender ao n.º 1 do artigo 13.º do CIMI, do qual decorre que «[a] inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo».

No respeitante à determinação do valor patrimonial tributário, importa aqui convocar o artigo 38.º do CIMI, epigrafado «Determinação do valor patrimonial tributário»:

«1. A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = Coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.»

Como normas densificadoras dos valores e coeficientes referidos neste preceito legal, temos os artigos 39.º («Valor base dos prédios edificados»), 40.º («Tipos de áreas dos prédios edificados»), 40.º-A («Coeficiente de ajustamento de áreas»), 41.º («Coeficiente de afectação»), 42.º («Coeficiente de localização»), 43.º («Coeficiente de qualidade e conforto») e 44.º («Coeficiente de vetustez») do CIMI. 

À face do teor literal da verba 28.1 da TGIS (redação aplicável ratione temporis à situação sub judice), estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, que tenham afetação habitacional.

Atentas as normas do CIMI acima citadas, temos que são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (artigo 6.º, n.º 2, do CIMI); assim, são prédios com afetação habitacional os referidos edifícios ou construções, sendo pois estes que estão sujeitos à verba 28.1 da TGIS.  

A correção desta interpretação, quanto ao âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS é confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios habitacionais – restrição que se manteve quanto à afetação (habitação) na posterior alteração legislativa que veio alargar o âmbito de incidência aos terrenos para construção –, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também consagra como elementos interpretativos.

Efetivamente, a limitação da aplicação do imposto aos prédios com afetação habitacional e, posteriormente, aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica. Sobre a ratio legis da introdução da verba 28 da TGIS, vejam-se, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T do CAAD.    

            Tendo presente essa situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que, pese embora a necessidade premente de aumentar as receitas fiscais, não se tomassem medidas legislativas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.

            Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e, posteriormente, também os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação. 

A encerrar esta exegese da verba 28.1 da TGIS, importa, ainda, salientar que os artigos 38.º a 46.º do CIMI, acima já referidos, não têm qualquer relação com a classificação dos prédios urbanos, pois naquelas normas apenas são indicados os fatores a ponderar na respetiva avaliação (neste sentido, ver a decisão proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD). 

Posto isto. Resulta da análise conjugada dos citados preceitos do CIMI que neste compêndio legal não é feita qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o n.º 4 do artigo 2.º refira expressamente que as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.

E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.

 Analisada, pois, a definição de prédio ínsita no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fração de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tem valor económico.

Assinale-se que a cada uma dessas divisões ou frações é atribuído um valor patrimonial tributário.

Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como prédios, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões, quando esse seja o fim a que se destinam, prédios habitacionais, o que ademais constitui matéria sobre a qual já se debruçou diversa jurisprudência arbitral e a que adiante se fará referência.

No caso dos autos, cada uma das divisões do prédio urbano em apreço são suscetíveis de utilização independente, sendo que algumas dessas divisões são afetas à habitação. 

Aliás, não fossem as divisões em causa nos presentes autos individualmente classificadas como “prédios” e não teria qualquer sentido ou lógica a elaboração, no caso, de uma liquidação do Imposto do Selo por cada uma dessas unidades.

É certo que a aplicação subsidiária do CIMI poderia inculcar a ideia de que só as frações autónomas, no regime de propriedade horizontal, é que são havidas como prédios à luz do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do CIMI.

Todavia, se se atentar na redação dessa norma legal, logo se verificará que o pressuposto da constituição do regime de propriedade horizontal apenas é necessário para efeitos de tributação em IMI.

  Assinale-se, por outro lado, que, à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, “cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Acresce ainda que, como acima já se disse, a introdução da verba 28 na TGIS teve como objetivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor com afetação habitacional, tributando a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície, de prédios urbanos de luxo, ou suas frações ou divisões autónomas, com afetação habitacional.

Ora, se o objetivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.

Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram sequer constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.

Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a AT deva valorizar a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões propriedade da Requerente e as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.

Ou, dito doutro modo, sendo a constituição da propriedade horizontal operação meramente jurídica e não factual, não se descortinam razões para diferenças de tributação nesta sede, porquanto o que relevará é sempre o valor individual de cada uma das frações, esteja ou não o prédio constituído no regime de propriedade horizontal.

Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.

Assim, em conclusão, relativamente aos prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, deve atender-se exclusivamente ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afetação habitacional, constante da matriz, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

Esta interpretação mostra-se “particularmente peremptória num caso como o presente em que o prédio em causa possui partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e partes suscetíveis de utilização independente com afectação a serviços e a comércio (…).

É que, em tal circunstancialismo, não consta da matriz nem é utilizado para efeitos de IMI um “valor patrimonial tributário” que corresponda ao somatório dos valores patrimoniais tributários das divisões de utilização independente com afectação habitacional (…). Com efeito, o que estabelece o CIMI, segundo o citado art. 7.º, n.º 2, al. b), e consta da matriz (…) é que o “valor do prédio” é “a soma dos valores das suas partes”, portanto, de todas as suas partes, seja qual for a respectiva afectação.

            Em consequência, o “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” (…) em que assentam as liquidações impugnadas não possui correspondência com a categoria legal consagrada na verba 28 da TGIS do “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.      

Insista-se, com efeito, que o CIMI apenas se reporta, conforme resulta do art. 7.º, n.º 2, al. b) acima citado, ao “valor do prédio” como soma de todas as suas partes objecto de avaliação autónoma, não legitimando, pois, configurar valores do prédio parcelares por atenderem apenas a certas partes economicamente independentes do prédio (aquelas que possuem afectação habitacional), desconsiderando as partes com outras afectações (para comércio, indústria ou para serviços). Em tal contexto, não se consubstancia o valor do prédio como previsto no art. 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI, mas sim o valor do conjunto de certas partes do prédio, valor este que não é objecto de qualquer previsão nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (nem é valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI).

Adiante-se, por isso, que se considera que nas liquidações controvertidas se verifica a adopção, para efeitos da fixação da incidência da verba 28.1 da TGIS, de um valor patrimonial que não encontra acolhimento na lei.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 518/2014-T).

*

            §2. DO CASO SUB JUDICE

Como resultou provado, nenhum dos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, do prédio urbano em apreço, possui um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (cf. facto provado c)).

Nessa medida e atento o acima exposto, uma vez que o valor patrimonial tributário de cada um dos indicados andares ou divisões com utilização independente afetos à habitação é inferior àquele valor a que se reporta a verba 28.1 da TGIS, segue-se que tais andares ou divisões não se subsumem na norma de incidência tributária constante dessa verba 28.1, pelo que as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto ao disposto na verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

Pela mesma ordem de razões, resulta ilegal e, consequentemente, deve ser anulado o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015… . 

*

Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões e vícios invocados pela Requerente. 

*

§3. DO REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

            A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

            O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 do mesmo artigo 24.º do RJAT.    

            O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.

            No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade das liquidações controvertidas, por erro nos pressupostos de direito, é imputável à AT por, naquelas liquidações de imposto, ter procedido à incorreta interpretação e aplicação da disposição constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago – € 12.399,20 – e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde as datas dos pagamentos das respetivas prestações – 28.04.2014, 18.07.2014 e 28.10.2014 (cf. factos provados g), h) e i)) –, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.      

***

 

 

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, consubstanciada na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS:

- declarar ilegais e anular as liquidações de Imposto do Selo impugnadas nos presentes autos, no valor total de € 12.399,20 (doze mil trezentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos), respeitantes ao ano de 2013 e ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia …, concelho e distrito de Lisboa; 

- declarar ilegal o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015…, com a sua consequente anulação;

b)      Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor total do Imposto do Selo indevidamente pago – € 12.399,20 (doze mil trezentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos) –, acrescido de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde as datas em que os pagamentos das correspondentes prestações foram efetuados – 28.04.2014, 18.07.2014 e 28.10.2014 – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos; 

c)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

*

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de 12.399,20 (doze mil trezentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos).

*

 

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

*

Lisboa, 1 de julho de 2016.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 



[1] Todas as decisões arbitrais citadas estão disponíveis em www.caad.org.pt/tributario/decisoes.