Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 145/2014-T
Data da decisão: 2014-10-24   
Valor do pedido: € 228.573,63
Tema: IRC – vícios da notificação; dedutibilidade de despesas não documentadas; dedutibilidade de custos com juros
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 145/2014 – T

Tema: IRC – vícios da notificação; dedutibilidade de despesas não documentadas; dedutibilidade de custos com juros.

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado por acordo dos outros Árbitros), Dr. António Lobo Xavier e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-05-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

“A”, LDA, pessoa colectiva n.º …, com sede na Zona Industrial, …, …, (doravante referida como “Requerente”) veio, nos termos do disposto na al. a), do n.º 1, do artigo 2.º, no n.º 1, do artigo 3.º e da al. a), do n.º 1, do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – doravante apenas designado por RJAT), requerer a constituição do tribunal arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de IRC, tributações autónomas e juros compensatórios:

a.      a liquidação n.º 2013 …, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2006, com o valor a pagar, segundo julga, € 28.985,54;

b.     a liquidação n.º 2013 …, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2007, com o valor a pagar, segundo julga, de € 23.233,65;

c.      a liquidação n.º 2013…, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2008, com o valor a pagar, segundo julga, de € 63.790,42;

d.     a liquidação n.º 2013…, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2009, com o valor a pagar, segundo julga, de € 112.564,04.

 

É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente procedeu à designação de árbitro, Dr. António Lobo Xavier, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6 e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do mesmo diploma, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os árbitros designados designaram o terceiro árbitro, Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa, nos termos do artigo 11.º, n.º 4 do RJAT.

Os signatários designados para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo aceitaram as designações, nos termos legalmente previstos.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 20-02-2014.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 16-05-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira.

No dia 11-09-2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se nela procedido à produção de prova testemunhal, a que se seguiram alegações escritas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar os pedidos.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas mais excepções.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a)     A Requerente é uma sociedade por quotas, cujo objecto social é o fabrico de .. e … para a indústria naval em especial e para a indústria em geral (Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

b)     Os dois sócios gerentes da Requerente são “B” (NIF …) e “C” (NIF …), que são igualmente sócios gerentes da sociedade "D – … Portuguesas. Lda.", NIPC …, doravante designada de "D", que trabalha em associação com a Requerente no que à produção de hélices e pás diz respeito (Relatório da Inspecção Tributária);

c)      No início de 2009 o processo produtivo foi dividido pelas duas empresas, sendo que a “D” fica com as fases da produção do molde e pela fundição da peça e a “A” desenvolve as fases de mecanização, polimento e expedição da peça, vendendo a “D” peças em bruto à “A” e esta, por sua vez, presta serviços de acabamento às peças e vende peças acabadas aos restantes clientes de origem estrangeira (Relatório da Inspecção Tributária);

d)     A “A” e a “D” constituíram em 05-05-2005 uma sociedade em Marrocos, “E”, com uma participação respectiva de 49,99% e 49,98%, que desenvolve a mesma actividade que a “D”, mas direccionada para a produção de peças de pequeno porte (Relatório da Inspecção Tributária);

e)     A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção externa, realizada pela Direcção de Finanças de …, aos exercícios de 2006 a 2009 (Relatório da Inspecção Tributária);

f)       A referida acção de inspecção foi realizada a coberto das seguintes ordens de serviço: OI…, OI… e OI.. (Relatório da Inspecção Tributária);

g)     Os actos de inspecção referentes às mencionadas ordens de serviço foram iniciados em 22-05-2012 e terminaram em 28-11-2012 (Relatório da Inspecção Tributária);

h)    A acção inspectiva determinada pelas referidas ordens de serviço, de procedimento externo e de âmbito geral, teve em vista o controlo inspectivo, relativo aos anos de 2006 a 2009 (Relatório da Inspecção Tributária);

i)       A acção inspectiva realizada sob a ordem de serviço … foi inicialmente de âmbito parcial a IRC e, em 22-12-2009, por Despacho do Director de Finanças a mesma credencial foi convertida em geral, tendo, o sujeito passivo, sido notificado, de tal alteração e dos fundamentos que a suportam, em 22-05-2010 (Relatório da Inspecção Tributária);

j)       A acção inspectiva foi motivada pelo seguinte:

- verificar a indispensabilidade de despesas de deslocação e estadas, rendas, despesas de representação e outros custos, em resultado de análise interna da declaração de rendimentos modelo 22, de IRC dos anos de 2007, 2008 e 2009;

- verificar as operações comerciais entre a “A” e a empresa “D” em razão das relações especiais entre elas, por terem os mesmos sócios gerentes;

- verificar as operações registadas na contabilidade na conta corrente sócios;

- informações de suportes acrescentadas no âmbito do acompanhamento permanente, pela Equipa de Planeamento da Inspecção Tributaria desta Direcção de Finanças, com origem nos seguintes ofícios, remetidos pela DSIFAE:

- Oficio n.° …, com entrada nesta Direcção de Finanças n.° …, de 2008 07 11, respeitante a eventuais diligências a efectuar junto de produtores de resíduos'

- Oficio n.º.., com entrada nesta Direcção de Finanças n.° …, de 2009 02.20, referente a denúncia respeitante à “A” e à “D” relacionada com o pagamento de horas extraordinárias não declaradas e a não facturação de serviços de reparação de peças fundidas;

- A inclusão da “A” em processo de inquérito criminal (Relatório da Inspecção Tributária);

k)     Em 31-08-2010 foi proposta a inclusão da “A” no Processo de Inquérito Criminal n.º…, instaurado contra a empresa “D”, que corre termos na Polícia Judiciária de … (PJ), com motivos: nas relações especiais entre aquelas empresas, na verificação de diferenças de valores registados nas contas correntes de ambas e aos elevados valores registados na conta corrente sócios (Relatório da Inspecção Tributária);

l)       No decurso das investigações realizadas a coberto do Processo de Inquérito Criminal n.º … foram efectuadas várias buscas, decorrentes do cumprimento dos mandados de busca e apreensão, tendo sido realizadas, no dia 13-04-2011, às instalações da “D” e ”A”, sendo apreendidos vários documentos; 5 DVD's e 1 CD, respeitante à base dados informática e 3 DVD's e 1 CD, relativo ao correio electrónico das referidas empresas (Relatório da Inspecção Tributária);

m)  Após examinar os documentos apreendidos na busca referida, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que a “A” pagou aos seus trabalhadores horas extras, baixo, férias e prémios, sem que os mesmos tivessem sido declarados e sujeito ao imposto sobre o rendimento (IRS) (Relatório da Inspecção Tributária);

n)    A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os valores pagos aos trabalhadores referentes a horas extras, baixo, férias e prémios são "Remunerações de Trabalho Dependente – Categoria A", de acordo com a alínea a) do n.º1 e n.º 2 do artigo 2.º do Código do IRS, e como tal sujeitos a IRS (Relatório da Inspecção Tributária);

o)     A Autoridade Tributária e Aduaneira verificou ainda que no cumprimento do determinado na alínea c) do n.º 1 do artigo 119.º do Código do IRS, a Requerente declarou, na declaração modelo 10, os rendimentos que sujeitou a retenção na fonte, não tendo sujeitado a IRS e nem declarado como tal, o prémio de produtividade, apesar de estar incluído no processamento de vencimentos, resultando uma diferença entre os rendimentos declarados e os processados (Relatório da Inspecção Tributária);

p)     A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que a Requerente pagou aos seus trabalhadores horas extras, baixo, férias e prémios, sem que os mesmos tivessem sido declarados e sujeito ao imposto sobre o rendimento (IRS), no valor total de € 171.908,76 em 2006, € 176.749,49 em 2007, € 245.864.00 em 2008 e € 335.445.00 em 2009, e calculou que não tinha sido retido e faltava IRS, no valor total de € 167.830,00, de acordo com os seguintes quadros, relativos ao IRS não retido na fonte em cada mês e ano:

Ano de 2006

 

 

 

 

Ano de 2007

Ano de 2008

Ano de 2009

 

 

q)     A Requerente suportou custos referentes a juros de empréstimos bancários, que se mantiveram ao longo dos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, que serviram para financiar os seus activos (Relatório da Inspecção Tributária);

r)      Nos activos financeiros da Requerente, na conta 41 – Investimentos Financeiros com Empréstimos de Financiamento à empresa participada “E”, SA, apresentava-se, no final de cada ano, o seguinte saldo devedor:

 

“E”

 

s)      A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, com estes empréstimos de financiamento, a Requerente deveria obter juros que seriam contabilizados como Proveitos e Ganhos Financeiros (conta 78), o que não se verificou (Relatório da Inspecção Tributária);

t)       A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «perante os registos contabilísticos conclui-se que a “A” não está a obter qualquer proveito dos empréstimos concedidos e, em contrapartida, está a pagar e suportar o custo dos juros com empréstimos obtidos, tirando daí a ilação que se não concedesse tais empréstimos não teria que contrair um valor tão elevado de empréstimos junto das instituições bancárias e, consequentemente, teria custos financeiros mais baixos com o pagamento de juros» e que «não estando a contabilizar qualquer proveito ou ganho dos empréstimos concedidos, classificados como Investimentos Financeiros, os custos associados a estes investimentos não são aceites como custos fiscais, nos termos do artigo 23º do Código do IRC, sendo determinados os juros bancários não aceites de forma proporcional conforme mapa seguinte, resultando correção ao lucro tributável de € 195.247,20», de acordo com o seguinte quadro: (Relatório da Inspecção Tributária)

 

“E”

 

u)   No Relatório da Inspecção Tributária refere-se o seguinte sobre

Regularização de saldos de contas de terceiros, que concorrem para o apuramento de resultados e do lucro tributável:

57) A “A”, no final de cada ano, efetua lançamentos de regularização e de encontro de contas de terceiros, com o objetivo de as saldar, sendo materialmente relevante em termos de matéria fiscal, os movimentos realizados nos anos de 2006, 2008 e 2009

58) Para saldar tais contas, a “A” efetua operações usando a conta sócios (25), uma conta designada para esse fim (26810999) e as contas que pretende ver saldadas. Movimentando as contas a débito ou a crédito sem haver, na maioria dos casos, uma correspondência direta entre a conta creditada e a conta debitada. A conta 26810999, no final dos anos de 2006, 2008 e 2009, é movimentada por contrapartida da conta de proveitos e ganhos extraordinários e/ou da conta de custos e ganhos extraordinários, conforme esquema que se segue:

Tais lançamentos estão apoiados em documentos internos, cujas cópias se anexam ao presente relatório em Anexo 28, 29 e 30, não justificativos da extinção da obrigação a terceiros ou do direito sobre terceiros, não obedecendo ao disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 115º do Código do IRC, bem como as regras de movimentação das contas estabelecidas no Plano Oficial de Contas (POC),

60) As contas de terceiros são utilizadas para registar direitos e obrigações, quer resultem de vendas, de compras, de devoluções, ou de descontos concedidos ou obtidos, assim como para registar documentos de quitação (extinção da obrigação ou do direito).

61) Deste modo, tais lançamentos de regularização de saldos, não evidenciam quaisquer destas operações, pelo que a "A" procedeu à eliminação de direitos que tinha sobre clientes e/ou outros devedores, bem como eliminou obrigações que possuía para com fornecedores e/ou outros credores, sem qualquer documento formal de e para terceiros que justifique a operação,

62) Ora, estes lançamentos constituem variações patrimoniais quantitativas positivas (quando extingue a obrigação de pagamento perante terceiros) ou negativas (quando extingue o direito de receber de terceiros}, devendo ser refletidas nas contas de resultados, não devendo existir a compensação de saldos representativos de passivos (obrigações) com saldos representativos de ativos (direitos), de modo que a informação contabilística seja fiável e forneça uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira da empresa

63) A "A" reconhece na sua contabilidade, e bem, que alguns desses valores de regularização de saldos são custos e perdas extraordinárias (conta 69), o que em termos fiscais, pois por se tratar de custos e não existir documento comprovativo, não são aceites como custo fiscal nos termos do artigo 23º do Código do IRC, pelo que foram corretamente acrescidos no quadro 07, no apuramento do lucro tributável, da declaração periódica de rendimentos (modelo 22 do IRC), ao resultado líquido do exercício.

64) Relativamente às regularizações que resultam do encontro de contas entre terceiros que são simultaneamente cliente e fornecedor da "A", consideramos que se encontram justificados e que não são levados em conta para o cálculo das variações patrimoniais.

65) No que respeita ás regularizações de saldos da conta clientes (21) e da conta de outros devedores (26) em que se verifica que a contrapartida do movimento a débito da conta sócios (25), considera-se que os sócios assumem os direitos que a sociedade possuía sobre esses terceiros, pelo que tais valores são considerados como adiantamento por conta de lucros e assim tributados. Já os valores registados a crédito da conta sócios (25) por contrapartida de saldos de fornecedores (22) e outros credores (26), não são aceites como tal, porque os documentos de suporte não comprovam que os sócios tenham liquidado as dívidas para com os credores da "A", ou que tenham assumido a obrigação, valores que não foram aceites para o cálculo de adiantamento por conta de lucros (Anexos 21)

66) Assim, destes registos contabilísticos de regularização de saldos, e expurgados aqueles em que a regularização é aceite, obtemos o seguinte mapa resumo dos valores que deveriam ter sido considerados nas respetivas contas de resultados, os valores a crédito, da conta 25, na conta de proveitos e ganhos extraordinários e os valores a débito, da conta 25, na conta custos e perdas extraordinárias, tendo como suporte os mapas em Anexo 28, 29 e 30 onde se demonstra como se obteve os referidos valores de cada lançamento contabilístico de regularização de saldos.

67) De acordo com o exposto, a “A” deveria ter refletido naquelas contas de custos e proveitos o valor corrigido, resultando, assim, os ajustamentos seguintes aos valores declarados, sendo que o acerto na conta de custos não estando apoiado em documento comprovativo, viola o disposto no artigo 23 do Código do IRC, pelo que, além de ser deduzido deverá também ser acrescido no apuramento do lucro tributável, neutralizando o efeito da correção naquela conta

67.1) Correções ao Lucro Tributável: € 195.165,82.

v)     Em 30-11-2012, foi enviado à Requerente um ofício emitido pela Direcção de Finanças de …, assinado por «F», estando a assinatura aposta sob as expressões «Pel’ A Diretora de Finanças» e «O Subst. Legal», acompanhado de contendo um Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, para efeito do exercício do direito de audição, em que se refere, além do mais o seguinte:

Assunto: PROJETO RELATORIO DA INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA - ARTIGO 60.º DA LEI GERAL TRIBUTARIA (LGT) E ARTJGO 60.º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇAO TRIBUTARIA (RCPIT)

Exm.º(s) Senhor(es)

Notifica(m)-se de quo, no prazo de 14 dias poderá(ão), querendo, exercer o direito de audição (...) sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, que se anexa, nos termos previstos no (...) artigo 60.º do RCPIT.

(...). (documento a fls. 32 do documento com a designação «pa2.pdf», junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);

w)   A Requerente requereu a prorrogação do prazo para exercício do direito de audição, tendo por despacho de 12-12-2012, da Senhora Directora de Finanças de … em regime de substituição, sido deferida a prorrogação e notificada Requerente de que a prorrogação era efectuada por mais 5 dias (que acresciam aos 10 já decorridos) (processo administrativo, documento «PA2.pdf», páginas 69 e 74, cujos teores se dão como reproduzidos);

x)     Em 19-12-2012, a Requerente pronunciou-se sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, nos termos que constam do processo administrativo (documento «PA2.pdf», páginas 72 a 83, cujos teores se dão como reproduzidos), dizendo, além do mais, o seguinte:

1. Antes de prosseguir, e sem condescender em qualquer das irregularidades formais praticadas no âmbito do procedimento de inspecção vertente, alerta-se para o facto de a Requerente se encontrar impedida de exercer um direito de audição substancial, com referência ao Projecto de Relatório que lhe foi remetido, dado o seguinte:

a. Falta de sancionamento do Projecto de Relatório pelo órgão competente;

b. Ausência de competência do órgão que pratica a notificação;

c. Desconhecimento da existência de qualquer processo crime contra a Requerente;

d. Ausência de junção ao Projecto de Relatório dos elementos em que se baseia o processo crime, aos quais a Administração Fiscal teve acesso, mas não a Requerente, colocando em causa uma resposta cabal da mesma;

e. Ausência de junção ao Projecto de Relatório dos Ofícios da DSIFAE n.ºs 2015 e 439, que alegadamente terão dado origem ao procedimento de Inspecção, cujo conteúdo se desconhece e é de importância fundamental para aferir da legitimidade da instauração do procedimento em análise;

f. Incumprimento de prazos legais de inspecção”.

2. Contudo, ainda assim, em estrito cumprimento dos ditames de boa fé e colaboração entre Administração Fiscal e contribuintes, plasmados no art. 59.º da LGT sempre se dirá que a generalidade das correcções propostas não poderão prosseguir pelo seguinte:

a. RETENÇÕES NA FONTE

São propostas correcções à Requerente no tocante a pagamentos efectuados a trabalhadores, para os quais não terá sido realizada a competente retenção na fonte.

Sucede porém que, pese embora a Administração Fiscal dê por assente a realização de tais pagamentos, e, como tal, o dispêndio de tal valor pela saciedade não considera tais valores como custo para a sociedade, em violação frontal do disposto no art. 23.º do CIRC.

Donde, caso seja realizada a correcção em sede de IRS, deverá ser igualmente realizada a correcção a favor da Requerente, considerando os custos com os pagamentos, anteriormente referidos.

b. CUSTOS E PERDAS FINANCEIROS – "JUROS"

A Administração pretende acrescer à matéria colectável da Requerente parte dos juros bancários suportados com financiamentos contraídos, em virtude de a Requerente haver realizado empréstimos à empresa do grupo "E, S.A.", de forma gratuita.

A lógica do Fisco é a de que, como parte dos financiamentos teriam sido realizados para os empréstimos à participada, que não pagava juros à Requerente, os juros bancários respectivos não poderiam ser custo pois não eram indispensáveis à manutenção da fonte produtiva.

Salvo o devido respeito tal lógica não deverá proceder.

Antes de mais esclarece-se que se desconhece como a Administração Fiscal apurou o custo de cada financiamento.

Mas para além disso, os financiamentos bancários não foram contraídos com destino ao apoio de tesouraria à participada.

A Requerente contraiu os financiamentos como decisão de gestão e não para fazer face ao empréstimo à participada.

A Requerente possui depósitos bancários, para financiar a sua actividade, e foi com fundos próprios que realizou o apoio à participada, ficando ainda com capitais para a respectiva actividade.

No entanto, como decisão de gestão, foi definido pela Requerente contratar financiamentos para a respectiva actividade.

Os empréstimos bancários contraídos não se encontram relacionados com o apoio à tesouraria da participada, mas com a actividade geral da Requerente e ainda que não tivesse ocorrido tal apoio a Requerente teria sempre contraído os referidos financiamentos e suportado os respectivos juros.

Donde, a correcção referida não poderá proceder sob pena de violação do disposto no art. 23.º do CIRC.

(...)

3. Quanto às demais correcções a Requerente não terá oportunidade de se pronunciar dado insuficiente tempo de direito de audição concedido, para analisar um Projecto de Relatório com mais de meio milhar de páginas

TERMOS EM QUE O PROJECTO DE RELATÓRIO DE CORRECÇÕES SUPRA REFERIDO DEVERÁ SER ANULADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS

 

y)     Em 04-01-2013, foi enviado à Requerente o Relatório de Inspecção Tributária, sendo a o ofício de notificação assinada pela Senhora Directora de Finanças de …, em regime de substituição (documento «pa2.pdf» página 84, junto com a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);

z)      No Relatório da Inspecção Tributária refere-se sobre o exercício do direito de audição, quanto às questões colocadas no seu ponto 1., acima transcritas, o seguinte:

2.1.1) Relativamente às questões de direito invocadas no ponto 1. al. a) e b) do referido direito de audição abstemo-nos de tecer qualquer consideração, uma vez que deverão ser dirimidas em sede própria.

2.1.2) No que concerne à falta de junção de elementos ao projeto de relatório, poderão os mesmos ser consultados no respetivo processo de inquérito, sendo o mesmo do conhecimento do sujeito passivo, uma vez que no âmbito do mesmo foram realizadas buscas nas suas instalações, em 2011.04.13, além de tal assunto ter sido abordado nos vários contactos estabelecidos com os seus representantes.

2.1.3) No decurso da presente ação de inspeção foi instaurado o Processo de Inquérito Criminal, conforme referido no capítulo II – 2, pelo que se aplica o disposto no nº 5 do art. 45º da LGT.

aa)  Sobre as outras questões colocadas pela Requerente no exercício do direito de audição, refere-se no Relatório da Inspecção Tributária o seguinte:

2.2) Ponto 2 a):

2.2.1) Neste ponto, o sujeito passivo não contraria a realização destes pagamentos aos trabalhadores nem põe em causa as retenções de 1RS apuradas.

2.2.2) O sujeito passivo tinha conhecimento destes pagamentos e não os contabilizou com o propósito de os ocultar ã Administração Fiscal, quer na sua esfera, quer na esfera dos trabalhadores, lesando o erário público.

2.2.3) Para que tal custo fosse fiscalmente dedutível não basta a sua indispensabilidade, é necessário a comprovação do mesmo, através de documento fiscalmente válido e devidamente contabilizado, requisito que também emerge do art. 23º do CIRC e não cumprido pelo sujeite passivo, tal como vem explanado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte processo 00964/06.0BEPRT.

2.3) Ponto 2 b):

2.3.1) Em condições normais de mercado, o sujeito passivo ao conceder empréstimos a terceiros, exigiria um juro que seria contabilizado como proveito financeiro da empresa, situação que não se verificou por existirem relações especiais entre as empresas, conforme prevê o artº 58º do CIRC.

2.3.2) Tendo-se verificado a inexistência de tal proveito nos registos contabilísticos do sujeito passivo, a Administração Fiscal optou por não presumir juros, corrigindo os custos contabilizados com os financiamentos bancários obtidos, na proporção dos financiamentos concedidos ã empresa participada.

2.3.3) De facto, caso não tivesse utilizado fundos próprios para financiar a participada, não teria necessidade de contrair o volume de empréstimos obtidos e assim não incorreria em custos financeiros tão elevados.

2.3.4) Pelo exposto, não se verifica a indispensabilidade destes custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme previsto no artº 23º do CIRC.

(...)

2.6) Ponto 3:

O texto relevante do Projeto de Relatório de Inspecção Tributária corresponde a 52 páginas, constituindo os restantes documentos folhas anexas de suporte das correções apuradas.

Conclusão:

Face ao exposto, verificamos que da análise à petição apresentada pelo sujeito passivo, em sede do exercício do direito de audição prévia, não resultam quaisquer factos suscetíveis de produzir alterações às propostas inicialmente constantes do Projeto de Relatório de Inspecção Tributária.

 

bb)Na primeira página do Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, inclui-se, além do mais, um despacho datado de 21-12-2012, com o teor «Concordo», assinado por «F» sob as expressões «Pel’ A Directora Finanças» e «O subst legal» (página 88 do documento «pa2.pdf»);

cc)  Em 02-01-2013 foram efectuadas as seguintes liquidações:

– a liquidação de IRC n.º 2013 …, relativa ao exercício de 2006, com o valor a pagar de € 28.985,54 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– a liquidação de IRC n.º 2013 .., relativa ao exercício de 2007, com o valor a pagar de € 23.233,65 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– a liquidação de IRC n.º 2013 …, relativa ao exercício de 2008, com o valor a pagar de € 64.971,54 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– a liquidação n.º 2013…, relativa ao exercício de 2009, com o valor a pagar de € 112.564,04 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

dd)As liquidações referidas foram notificadas à Requerente acompanhadas das demonstrações de liquidação de juros à Requerente com as demonstrações de acerto de contas e demonstrações de acerto de contas que constituem os documentos n.ºs 2, 3, 5, 6, 8, 9, 11 e 12 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos;

ee) A Requerente apresentou uma reclamação graciosa das liquidações referidas que foi indeferida por despacho de 29-10-2013, proferido pela Senhora Directora de Finanças de …, em regime de substituição, em que manifestou concordância a informação que consta do documento n.º 15 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido;

ff)    Em 28-01-2010, foi instaurado um inquérito criminal com o n.º …, dos Serviços do Ministério Público de …, que tem por objecto investigação pelo crime de fraude fiscal, em que são arguidas “D”, Lda, e “A”, Lda, em que foram constituídos arguidos a “D” e sócios (“C” e “D”), a “A” e sócio (“B”), a “G”, Lda e sócios “H” e “I” (documento junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-09-2014);

gg) No referido inquérito foram enviadas cartas rogatórias a Espanha para constituição como arguida de “J” Lda, NIF NIF … e sócios (documento junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-09-2014);

hh)           Em 2010, foram realizadas buscas nas instalações da Requerente;

ii)    O mencionado projecto de Relatório da Inspecção Tributária tem aposto na sua primeira página um parecer da Chefe de Equipa “K” e um parecer do Chefe de Divisão “L”, tendo este o seguinte teor:

 “Confirmo.

      Deverá proceder-se conforme PARECER DO CHEFE DE EQUIPA, ao lado.

      À C. S.

jj)    Não consta qualquer outro despacho da primeira página do projecto de Relatório da Inspecção Tributária;

kk)Em 21-03-2013, a Requerente pagou em processo de execução fiscal pendente no Serviço de Finanças de … a quantia de € 28.985,54, liquidada relativamente ao ano de 2006 na liquidação de IRC n.º 2013… (documento junto com as alegações da Requerente cujo teor se dá como reproduzido);

ll)    Em 21-03-2013, a Requerente pagou em processo de execução fiscal pendente no Serviço de Finanças de … a quantia de € 23.233,65, liquidada relativamente ao ano de 2007, na liquidação de IRC n.º 2013… (documento junto com as alegações da Requerente cujo teor se dá como reproduzido);

mm)      Em 21-03-2013, a Requerente pagou em processo de execução fiscal pendente n Serviço de Finanças de … a quantia de € 63.790,42, resultante do acerto de contas relativo à liquidação de IRC n.º n.º 2013…, referente ao ano de 2008 (documento junto com as alegações da Requerente cujo teor se dá como reproduzido);

nn)           Em 21-03-2013, a Requerente pagou em processo de execução fiscal pendente no Serviço de Finanças de … a quantia de € 112.564,04, liquidada relativamente ao ano de 2009, na liquidação de IRC n.º 2013… (documento junto com as alegações da Requerente cujo teor se dá como reproduzido);

oo)A Requerente, quando fez empréstimos à sua participada “E” S.A., tinha grandes disponibilidades económicas, que lhe permitiam fazer os empréstimos que fez com capitais próprios (depoimento da testemunha “M”);

pp) A produção da “E”, S.A., era complementar da actividade da Requerente, pelo que interessava a esta manter o funcionamento corrente da participada, sendo a esse fim que se destinavam os empréstimos que funcionavam como adiantamentos para a produção desta (depoimento da testemunha “M”);

qq)          A Requerente pretendia, por opção estratégica, dispor imediatamente de quantias avultadas, para poder utilizar em negócios que se lhe deparassem (depoimento da testemunha “M”).

 

 

2.1. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tivesse contraído empréstimos para fazer empréstimos à sua participada “E” S.A.,.

A testemunha “M” referiu que os empréstimos que a Requerente contraiu, apesar de ter grandes disponibilidades económicas, foram motivados por opção de estratégia empresarial, pretendendo dispor de grandes quantias para aproveitar negócios que lhe interessassem.

No entanto, também não se provou que, se não tivesse efectuado os empréstimos à sua participada, a Requerente teria contraído os empréstimos que contraiu.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A decisão da matéria de facto baseia-se na prova documental que consta do processo administrativo, principalmente do Relatório da Inspecção Tributária

A testemunha “M” aparentou depor com isenção e com conhecimento dos factos que relatou.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão do vício de forma das notificações das liquidações e falta de fundamentação e vício de forma das liquidações

A Requerente defende que as notificações das liquidações e demonstrações de acerto de contas são ininteligíveis, porque, em suma,

– não percebe as operações matemáticas que destas constam porque do somatório de valores negativos se apura um valor positivo;

– nem tão pouco compreende se as notificações das demonstrações das liquidações são as notificações das liquidações, se apenas as demonstram, ou se as notificações das liquidações se encontram nos tais documentos de acerto de contas;

– as correcções preconizadas no RIT, não coincidem com as constantes das liquidações;

– nesses documentos é também referido um estorno e um suposto acerto, sem que a Requerente consiga perceber qual a base legal para os mesmos, chegando a um valor final que aparece também como “valor a pagar” tal como nas alegadas demonstrações das liquidações;

– não sabe sequer se a documentação supra referida toda junta se reporta à notificação do acto de liquidação ou se comporta outros actos tributários;

– as demonstrações das liquidações e as demonstrações dos acertos de conta constam de documentos autónomos, inclusivamente enviados à Requerente em datas diferentes;

– um contribuinte médio, em sagacidade, formação e conhecimentos tributários não consegue entender totalmente o que lhe está a ser notificado, nem as operações matemáticas que levaram ao apuramento do imposto a pagar, ao do referido estorno, ou ao valor do acerto da liquidação, ou à necessidade de um acerto de contas;

– pelo que as presentes liquidações não podem de forma alguma proceder por ininteligibilidade e no limite atá falta de notificação das liquidações à Requerente, em clara violação do disposto nos arts. 36.º do CPPT e 77.º da LGT – dever de fundamentação.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira responde a estas questões dizendo, em suma,

– que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não outra;

– as liquidações adicionais têm a natureza de «processo de massa», que se repercute na forma das notificações, nomeadamente na consagração de uma fundamentação padronizada e informatizada;

– a estar-se perante uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação , cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT e, não o fazendo, o vício está sanado;

– no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo.

 

3.1.1. Vícios da notificação

 

Antes de mais, tem que se distinguir entre fundamentação de um acto de liquidação e a sua notificação.

A notificação de um acto de liquidação é um acto exterior e posterior ao acto notificado, pelo que os vícios que afectem a notificação não se podem repercutir no acto notificado, que já está praticado e continua como está com notificação ou sem ela.

Se o acto contém fundamentação, mas esta não é devidamente notificada, estar-se-á perante um vício do acto de notificação, posterior ao acto notificado, mas não perante um vício de falta de fundamentação do acto notificado, pois a deficiência da notificação não retira ao acto fundamentado a fundamentação que dele consta.

Depois deste esclarecimento, importa também esclarecer o alcance do artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, em que se estabelece que «se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento».

            Como resulta do teor expresso desta norma, ela visa suprir deficiências da «comunicação» da decisão e não deficiências de fundamentação da decisão.

A fundamentação da decisão tem de constar do próprio acto em matéria tributária, directamente ou por remissão, não sendo admissível a fundamentação sucessiva ou a posteriori.

Por isso, o artigo 37.º do CPPT não visa permitir à Administração Tributária fundamentar decisões em matéria tributária que não estavam inicialmente fundamentadas, mas sim suprir deficiências da notificação, comunicando posteriormente fundamentos que já constavam do acto.

No caso em apreço, a Requerente não requereu no prazo de 30 dias, previsto no n.º 1 daquele artigo 37.º, a notificação dos requisitos de fundamentação omitidos, pelo que perdeu o direito a exigir a supressão das deficiências das notificações das liquidações.

 

3.1.2. Vícios de fundamentação dos actos notificados

 

O STA tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [1] )

No que concerne às próprias deficiências de fundamentação que a Requerente refere, os elementos que lhe foram notificados contêm os elementos para o destinatário médio, na situação em que a Requerente se encontrava (sendo conhecedora das liquidações originais de IRC relativas aos anos em causa e do relatório da inspecção) se aperceber das razões por que foram efectuadas as liquidações.

Na verdade, quanto às alegadas diferenças de valores das correcções propostas no Relatório da Inspecção Tributária e as consideradas nas liquidações, que a Requerente indica no artigo 44.º da petição inicial, não têm qualquer correspondência com a realidade, devendo tratar-se de lapso, já que nenhum dos valores indicados consta de qualquer das liquidações ou das demonstrações de liquidações.

            Por outro lado, quanto aos estornos referidos nas demonstrações de liquidações, são indicadas as liquidações a que se reportam.

Por isso, não se pode entender que as liquidações e demonstrações de liquidações referidas sejam ininteligíveis, para a Requerente, que tinha sido a destinatária das anteriores liquidações e foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária.

No que concerne à falta de indicação de que se trata de liquidações adicionais, não se vislumbra como a omissão pode afectar a Requerente, já que os meios para impugnação de liquidações adicionais e os fundamentos para declaração da sua ilegalidade com os fundamentos invocados pela Requerente não são diferentes dos previstos para a impugnação de quaisquer liquidações.

Aliás, se existisse uma diferença relevante para este efeito, constando este Tribunal Arbitral, como a própria Requerente, que se trata de liquidações adicionais, teria de rejeitar o pedido de pronúncia arbitral que a Requerente apresentou, já que nenhuma das normas do RJAT ou da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, faz referência a possibilidade de liquidações adicionais.

De resto, a Requerente apercebeu-se perfeitamente de que se tratava de liquidações adicionais, como se infere do próprio facto de salientar a diferença, mostrando profundos conhecimentos sobre a matéria.

Nem se vislumbra, neste contexto em que foram efectuadas liquidações que são efectivamente liquidações adicionais, em que é que se possa consubstanciar a alegada violação do artigo 91.º do CIRC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que prevê, precisamente, no seu n.º 1, com remissão para o n.º 10 do artigo 83.º do mesmo Código, a possibilidade de efectuar liquidações adicionais em situações deste tipo.

Por isso, com a perspectiva teleológica ínsita na referida jurisprudência sobre a suficiência de fundamentação, tem de se concluir que os actos de liquidação não enfermam de vício de falta de fundamentação em de violação do artigo 91.º do CIRC.

 

3.1.3. Vício de preterição de formalidade legal essencial – Direito de audição

 

3.1.3.1. Questão da nulidade da notificação para exercício do direito de audição

 

A Requerente defende que, em suma que a notificação do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária é nula, por força do preceituado no artigo 39.º, n.º 9, do CPPT, e que, por isso, não lhe foi concedido direito de audição antes das liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida.

A alegada nulidade resultará de o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a que as liquidações contestadas se reportam, não se encontrar «sancionado por uma entidade com competência para o efeito», mas apenas por um Chefe de Equipa e um Chefe de Divisão, que, o entender da Requerente não têm competência para a prática de actos de correcção ou para a concessão do direito de audição.

A falta de razão da Requerente é clara, quanto à nulidade da notificação.

Na verdade, o artigo 39.º, n.º 9, do CPPT, na redacção do Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19 de Julho, estabelece que «o acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data».

Como resulta do próprio teor desta norma, ao reportar-se «à qualidade em que decidiu» o seu campo de aplicação são apenas os actos notificados que consubstanciem decisões, o que revela que ela se reporta a actos finais dos procedimentos ou outros que caibam no conceito de actos administrativos (definido no artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) o que não é, obviamente, o caso de meros projectos de decisões.

Por outro lado, no caso em apreço, como resulta do que se referiu na alínea u) da matéria de facto fixada, o projecto de Relatório da Inspecção Tributária foi enviado à Requerente através de um ofício assinado por «F», estando a assinatura aposta sob as expressões «Pel’A Diretora de Finanças» e «O Subst. Legal», pelo que a notificação continha perfeita identificação de quem tinha sido o autor da «decisão» de enviar o projecto à Requerente.

Por isso, não se divisa qualquer fundamento fáctico ou jurídico para considerar nula a notificação, por ofensa do referido artigo 39.º, n.º 9, do CPPT.

Para além disso, nem se demonstra incompetência do subscritor do referido ofício, pois agiu na qualidade de Director de Finanças que é o órgão máximo regional da Autoridade Tributária e Aduaneira no distrito de … e, para além disso, o artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, que estabelece o regime da notificação do projecto de relatório da inspecção tributária para efeitos de exercício do direito de audição não inclui qualquer norma especial sobre quem tem competência para efectuar a notificação. E, tratando-se da máxima entidade regional a assinar o ofício de notificação, não pode haver dúvidas de que a notificação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária foi submetida «à consideração superior», como exige a Requerente.

De resto, se hipoteticamente existisse algum vício derivado de quem subscreveu o referido ofício manifestando a intenção de notificar a Requerente, esse vício seria o de incompetência relativa, que no caso, se degradaria em formalidade não essencial, por ter sido atingido o fim que se visava com a notificação, que era proporcionar à Requerente a possibilidade de exercer o direito de audição, que efectivamente exerceu.

Na verdade, desde há muito que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que as formalidades procedimentais previstas na lei se degradam em formalidades não essenciais, sem poder invalidante do acto final, se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição. ( [2] )

Por isso, não ocorre qualquer vício relativo ao exercício do direito de audição em relação ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária.

 

3.1.3.2. Questão da impossibilidade de exercício do direito de audição derivada de falta de elementos referidos na notificação

 

A Requerente defende que «a notificação para exercício do direito de audição fazia referência a documentação que não foi junta à mesma – ofícios da DSIFAE e indicação da existência de inquérito criminal movido à Requerente», que os «despachos da DSIFAE seriam fundamentais para um cabal exercício do direito de audição pela Requerente, para aquilatar das acusações que lhe eram realizadas no PRIT, bem como para aferir da legalidade da instauração do processo de inspecção» (artigos 96.º e 97.º do pedido de pronúncia arbitral).

A notificação para exercício do direito de audição, que se reproduziu, nos pontos essenciais na alínea u) da matéria de facto fixada, não faz referência a «ofícios da DSIFAE» ou «despachos da DSIFAE» ou a qualquer inquérito criminal.

No entanto, no texto do projecto, na página 7, refere-se que o seguinte:

«3.4) Informações de suportes acrescentadas, no âmbito do acompanhamento permanente, pela Equipa de Planeamento da Inspecão Tributária desta Direção de Finanças, com origem nos seguintes ofícios, remetidos pela DSIFAE

- Ofício n.º …, com entrada nesta Direção de Finanças n.º…, de 2008.07.11, respeitante a eventuais diligências a efetuar junto de produtores de resíduos;

- Oficio n.º…, com entrada nesta Direção de Finanças n.º …, de 2009.02.20, referente a denúncia respeitante aà “A” e "D" relacionada com o pagamento de horas extraordinárias não declaradas e a não faturação de serviços de reparação de peças fundidas».

3.5) A inclusão da “A” no processo de inquérito criminal».

4) Em 2010.08.31 foi proposta a inclusão da “A” no Processo de Inquérito Criminal nº …, instaurado contra a empresa “D”’, que corre termos na Policia Judiciária de … (PJ), com motivos: nas relações especiais entre aquelas empresas, na verificação de diferenças de valores registados nas contas correntes de ambas e aos elevados valores registados na conta corrente sócios.»

 

No entanto, o artigo 60.º, n.º 5, da LGT, que estabelece o que deve ser notificado ao contribuinte para exercício do direito de audição, indica apenas que deve ser comunicado o «projecto da decisão e sua fundamentação».

            Por seu turno, o artigo 60.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária estabelece que «concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação».

O direito de audição tem raiz constitucional, sendo postulado pelo artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».

Mas, como decorre desta norma, a Constituição não exige que para exercício do direito de audição seja fornecida aos interessados nos actos administrativos toda a informação constante dos procedimentos administrativos e tributários, relegando para a «lei especial» a definição dos termos em que tal direito será exercido, termos estes em que poderão ser tidos em conta factores de vária ordem, inclusivamente de natureza económica e de praticabilidade.

Como se vê pelo referido artigo 60.º, n.º 5, da LGT, houve uma opção legislativa geral no âmbito do procedimento tributário de comunicar ao contribuinte a efeitos do exercício do direito de audição apenas o projecto de decisão e sua fundamentação e não todo o processo relativo à decisão projectada, ou todos os documentos a se faz referência que não constituem fundamento da projectada decisão.

Na mesma linha, o artigo 60.º, n.º 1, do RCPIT, que concretiza esse direito em relação ao procedimento de inspecção tributária, apenas exige que seja comunicado à entidade inspeccionada para «projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação».

A fundamentação do projecto de decisão, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que já se citou, é constituída pelas razões pelas quais quem formulou o projecto de decisão elaborou o projecto que elaborou e não qualquer outro.

Isto não significa que o contribuinte não tenha direito a controlar a legalidade formal da decisão de início da inspecção, mas o certo é que não se optou por estender o direito de direito de audição a todo o procedimento inspectivo.

No caso em apreço, não se vislumbra que qualquer das propostas formuladas no Relatório da Inspecção Tributária se tenha baseado nos ofícios referidos ou algum elemento do referido processo de inquérito, cujo conteúdo não consta do processo administrativo, nem se vê que a forma como iniciada a inspecção tenha algo a ver com as razões por que se formularam as propostas de decisão que se formularem e não quaisquer outras.

Por isso, tendo sido comunicados à Requerente, para efeito de exercício do direito de audição, o projecto de decisão e a sua fundamentação, tem de se concluir que lhe foram comunicados os elementos exigidos por lei, pelo que não ocorre, por este motivo, violação do direito de audição.

Assim, não se pode considerar demonstrada a alegada impossibilidade de exercício do direito de audição pelos motivos invocados.

 

3.1.3.3. Questão da violação do direito de audição por o Relatório da Inspecção Tributária não se pronunciar sobre elementos novos suscitados pela Requerente

 

A Requerente defende que ocorreu violação do artigo 60.º, n.º 7, da LGT que estabelece que «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».

No caso, a Requerente defende o seguinte:

106º

Em resposta à notificação do PRIT a Requerente invocou a falta de sancionamento do mesmo pelo órgão competente e a ausência de competência do órgão que assina a notificação do PRIT.

107º

Em relação a tais elementos novos o RIT indica laconicamente que:

abstemo-nos de tecer qualquer consideração, uma vez que deverão ser dirimidas em sede própria”.

 

108º

Ora, do exposto resulta violação frontal do disposto no n.º 7 do art. 60.º da LGT, que inquina de ilegalidade todo o procedimento das liquidações contestadas, por ausência de análise aos elementos novos suscitados pela Requerente.

 

109º

Donde, igualmente pelo exposto é apodítico que deverão ser anuladas as liquidações contestadas.

 

3.1.3.3.1. Arguição de ilegalidades procedimentais no exercício do direito de audição

 

O dever previsto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, de ter «em conta na fundamentação da decisão» os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes, limita-se, obviamente, aos elementos que constituam fundamentação da decisão, não se estabelecendo um dever de pronúncia sobre todas as ilegalidades que forem invocadas pelos contribuintes no exercício do direito de audição, mas que não tenham a ver com os fundamentos da decisão.

Por isso, esse dever de pronúncia está conexionado e limitado pelo tipo de decisão procedimental específica de cada procedimento especial.

Para o especial caso do procedimento de inspecção tributária, o artigo 62.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária concretiza o conteúdo do relatório da inspecção tributária, estabelecendo, genericamente, que «é elaborado um relatório o final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária».

E, no n.º 3 do mesmo artigo especificam-se os elementos que o relatório deve conter:

a) Identificação da entidade inspeccionada, designadamente denominação social, número de identificação fiscal, local da sede e serviço local a que pertence;

b) Menção das alterações a efectuar aos dados constantes dos ficheiros da administração tributária;

c) Data do início e do fim dos actos de inspecção e das interrupções ou suspensões verificadas;

d) Âmbito e extensão do procedimento;

e) Descrição dos motivos que deram origem ao procedimento, com a indicação do número da ordem de serviço ou do despacho que o motivou;

f) Informações complementares, incluindo os principais devedores dos sujeitos passivos e dos responsáveis solidários ou subsidiários pelos tributos em falta;

g) Descrição dos factos susceptíveis de fundamentar qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária;

h) Acréscimos patrimoniais injustificados ou despesas desproporcionadas efectuadas pelo sujeito passivo ou obrigado tributário no período a que se reporta a inspecção;

i) Descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas;

j) Indicação das infracções verificadas, dos autos de notícia levantados e dos documentos de correcção emitidos;

l) Descrição sucinta dos resultados dos actos de inspecção e propostas formuladas;

m) Identificação dos funcionários que o subscreveram, com menção do nome, categoria e número profissional;

n) Outros elementos relevantes.

 

Não se inclui nesta lista nem na fórmula genérica que consta do n.º 1 do artigo 62.º do RCPIT o dever de pronúncia sobre todas as ilegalidades que tenham sido suscitadas no procedimento de inspecção, designadamente sobre questões de incompetência da entidade que determinou a notificação para exercício do direito de audição.

Na verdade, o procedimento de inspecção tributária visa o «apuramento da situação tributária dos contribuintes» (artigo 63.º, n.º 1, da LGT), «a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias» (artigo 2.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária) não sendo um procedimento destinado ao apuramento de ilegalidades procedimentais, como sucede, nomeadamente, com a reclamação graciosa.

Por isso, se compreende e justifica que, perante a arguição de ilegalidades relativas à competência para ordenar a notificação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a entidade a quem compete elaborar o relatório final se tenha abstido de se pronunciar, pois trata-se de matéria que extravasa o apuramento da situação tributária dos contribuintes que lhe incumbia concretizar no procedimento de inspecção.

Assim, se a decisão final do especial procedimento de inspecção não tinha de conter apreciação da arguição de ilegalidades procedimentais, mas apenas o relevante para apuramento da situação tributária da Requerente, tem de se concluir que não tinha de ter em conta nessa decisão os elementos que não eram relevantes para a fundamentar.

Por isso, neste ponto, não ocorre omissão de pronúncia da decisão do procedimento de inspecção.

 

3.1.4. Nulidade da notificação do relatório de inspecção

 

A nulidade da notificação do relatório da inspecção baseia-se em fundamentos idênticos aos invocados pela Requerente a propósito da nulidade da notificação do projecto de relatório.

Valem aqui as considerações que se fizeram no ponto 3.1.3.1. a propósito do idêntico vicio que a Requerente imputou à notificação do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, para que se remete, na parte relativa aos requisitos da nulidade da notificação.

Por outro lado, no caso em apreço, como resulta do que se referiu na alínea aa) da matéria de facto fixada, o Relatório da Inspecção Tributária foi enviado à Requerente através de um ofício assinado por «F», estando a assinatura aposta sob as expressões «Pel’A Diretora de Finanças» e «O Subst. Legal», pelo que a notificação continha perfeita identificação de quem tinha sido o autor da «decisão» de enviar o projecto à Requerente.

Por outro lado, neste caso, a manifestação de concordância com o teor do Relatório da Inspecção Tributária foi proferida pela Senhora Directora de Finanças de …, em regime de substituição em 04-1-2013, como se refere na alínea x) da matéria de facto fixada.

Não se vislumbra, assim, qualquer nulidade na notificação do Relatório da Inspecção Tributária, à face do artigo 39.º, n.º 9 (na redacção do Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19 de Julho), nem qualquer vício de incompetência.

 

3.1.5. Caducidade do direito de liquidação e ónus da prova

 

 A Requerente invoca a caducidade do direito de liquidação no que concerne às liquidações relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008, por as liquidações respectivas terem sido notificadas em 2013, depois de completados quatro anos sobre o início dos anos civis subsequentes.

Defende ainda a Requerente, em suma, que não se verifica suspensão do prazo de caducidade por ter havido inspecção, por ela ter durado mais de seis meses e que não se pode considerar suspenso o prazo de caducidade por pendência de um inquérito criminal, por não se desconhecer a sua existência, âmbito, extensão, duração e se por efeito do mesmo o prazo de caducidade foi alargado.

O artigo 45.º, n.º 1, da LGT estabelece que «direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».

Por outro lado, resulta da alínea g) da matéria de facto fixada que a inspecção se prolongou por mais de seis meses, pelo que não é aplicável a suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação que se prevê no artigo 46.º, n.º 1, da LGT.

No entanto, no n.º 5 do artigo 45.º da LGT estabelece-se que «sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano».

Como resulta do próprio texto desta norma, ao exigir que o direito a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, para aplicação do alargamento do prazo previsto neste artigo 45.º, é necessário, desde logo, que se prove que o direito de liquidação se baseia em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.

Por outro lado, como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-01-2012, processo 00670/08.1BEBRG, na esteira do acórdão do mesmo Tribunal de 22-04-2010, que cita, «para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal “o que se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afectar o exercício do direito de liquidação dos tributos”»

Na verdade, numa interpretação teleológica, do referido artigo 45.º, n.º 5, da LGT, que tenha em mente, a par do interesse na cobrança de tributos, o interesse do contribuinte e público da segurança jurídica, ínsito no instituto da caducidade do direito de liquidação de tributos, e o princípio constitucional da necessidade na restrição de garantias dos contribuintes, não se pode entender que, pelo facto de ter sido instaurado um inquérito criminal para averiguar qualquer facto que possa gerar uma dívida tributária, o direito de liquidação relativamente a quaisquer factos ocorridos no mesmo ano se prolongue nos termos daquele artigo 45.º, n.º 5.

Com efeito, essa ponderação relativa dos interesses conflituantes da segurança jurídica e da cobrança de tributos tem de conduzir forçosamente à conclusão de que só é aplicável o prazo alargado quando os factos que servem de base à liquidação são averiguados no inquérito criminal, isto é, quando não havia outra forma de a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidar no prazo normal, salvaguardando todos os interesses em confronto.

Por outras palavras, o alargamento do prazo não pode ser entendido [como foi pela Autoridade Tributária e Aduaneira, à face do que se refere no ponto 5) da página 7 do Relatório da Inspecção Tributária] como um incompreensível «benefício» concedido à Autoridade Tributária e Aduaneira para poder actuar com menos diligência do que a que lhe é normalmente exigida na liquidação de tributos, mas sim como algo que só é tolerável quando seja estritamente necessário para efectuar a liquidação, designadamente quando o completo conhecimento dos factos necessário para efectuar a liquidação só lhe adveio através do inquérito criminal.

Uma das provas que existem no presente processo sobre o conteúdo do processo de inquérito criminal é a informação, prestada pelos Serviços do Ministério Público de …, de que, em 28-01-2010, foi instaurado um inquérito criminal com o n.º…, que tem por objecto investigação pelo crime de fraude fiscal, em que são arguidas “D”, Lda, e “A”, Lda, em que foram constituídos arguidos a “D” e sócios (“B” e “C”), a “A” e sócio (“B”), a “G”, Lda e sócios ”H” e “I” (documento junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-09-2014).

Outros elementos que revelam os factos que são objecto do inquérito são os documentos aprendidos nas buscas referidas na alínea o) da matéria de facto fixada, designadamente as pastas de arquivo, os DVDs e um CDs respeitantes à base informática e correio electrónico da Requerente.

Por outro lado, em 17-10-2012, o Ministério Público autorizou a utilização dos documentos e informações contidas no processo de inquérito atrás referido, para efeitos de quantificação dos impostos em falta (página 11 do Relatório da Inspecção Tributária), o que permite inferir que os factos referidos nos documentos cuja utilização foi autorizada são objecto do inquérito.

Assim, tendo em conta os factos referidos no Relatório da Inspecção Tributária como sendo apurados com base nos elementos obtidos através das buscas, pode-se considerar demonstrado que as liquidações impugnadas respeitam a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal no que concerne aos pagamentos a trabalhadores da Requerente [Parte III, alínea A) do Relatório da Inspecção Tributária], aos encargos particulares da gerência [Parte III, alínea B2) do Relatório da Inspecção Tributária], e aos movimentos a débito e crédito na conta 25 – Sócios [Parte III, alínea C) do Relatório da Inspecção Tributária].

No que concerne aos empréstimos efectuados à participada da Requerente “E”, S.A., [Parte III, alínea B1) do Relatório da Inspecção Tributária] e à regularização de saldos de contas de terceiros que concorrem para o apuramento de resultados e do lucro tributável [Parte III, alínea D) do Relatório da Inspecção Tributária] não se vê no Relatório qualquer referência a elementos obtidos através das buscas, fazendo-se referência apenas ao exame a contas.

Pelo exposto, o prazo de caducidade do direito de liquidação relativo aos factos subjacentes às liquidações de IRC que são objecto do presente processo é o prazo normal de quatro anos, previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, quanto às correcções efectuadas em sede de IRC empréstimos efectuados à participada da Requerente “E”, S.A. [Parte III, alínea B1) do Relatório da Inspecção Tributária] e à regularização de saldos de contas de terceiros que concorrem para o apuramento de resultados e do lucro tributável [Parte III, alínea D) do Relatório da Inspecção Tributária].

Consequentemente, não sendo aplicável qualquer das regras sobre suspensão desses prazos, o direito de liquidação pelos factos referidos relativos aos anos de 2006, 2007 e 2008 caducou, respectivamente, em 01-01-2011, 01-01-2012, e 01-01-2013.

Tendo as liquidações sido elaboradas em 02-1-2013 e, obviamente, sido notificadas posteriormente, tem de se concluir que as liquidações relativas àqueles anos de 2006, 2007 e 2008 enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação na parte em que as liquidações assentam nas seguintes correcções:

– quanto às correcções efectuadas relativamente aos empréstimos à participada “E”, S.A., caducou o direito de liquidação em relação às correcções no montante de € 30.400,09 (ano de 2006), € 24.262,56 (ano de 2007) e € 92.611,34 (ano de 2008);

– no que respeita às correcções relativas à regularização de saldos de contas de terceiros que concorrem para o apuramento de resultados e do lucro tributável, caducou o direito de liquidação em relação às correcções nos montantes de € 15.470,00 (ano de 2006) e de € 98.874,58 (ano de 2008).

 

Em relação às partes das liquidações de IRC que assentaram noutras correcções não caducou o direito de liquidação, por ser aplicável o prazo alargado previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT quanto às referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008 e por a liquidação ter sido efectuada dentro do prazo referido no n.º 1 do mesmo artigo, quanto à liquidação do ano de 2009.

 

3.1.6. Questão da consideração como custo em sede de IRC das despesas que foram dadas como provadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efeito de liquidação por falta de retenção na fonte de IRS

 

Relativamente aos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que se verificavam pagamentos a trabalhadores sujeitos a IRS nos valores totais de € 171.908,76 em 2006, € 176.749,49 em 2007, € 245.864.00 em 2008 e € 335.445.00 em 2009, [alíneas n) a p) da matéria de facto fixada].

Por esses rendimentos não terem sido declarados na declaração modelo 10 nem ter sido retido na fonte IRS, a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou IRS, por falta de retenção na fonte, que, naqueles quatro anos, totalizou € 167.830,00 [quadros da alínea p) da matéria de facto fixada].

A Requerente entende que as despesas com esses pagamentos a trabalhadores, que foram dadas como provados para efeitos da retenção na fonte de IRS, devem também serem consideradas com custos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que para que esses custos não podiam ser aceites com tal para efeitos de IRC por, em suma, não estarem documentados e contabilizados, citando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no processo n.º 00964/06.0BEPRT.

O artigo 17.º do CIRC estabelece que «o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

O artigo 23.º do CIRC na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelece que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes» «encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação».

Para haver dedutibilidade de encargos ou despesas para efeitos de determinar a matéria tributável de IRC é necessário saber, antes de mais, se existiram os encargos ou despesas, isto é, saber se eles devem ou não considerar-se provados (1.ª questão).

Depois, no caso de resposta afirmativa a esta primeira questão da existência das despesas ou encargos, coloca-se a questão da sua dedutibilidade para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC (2.ª questão).

Para aferir da dedutibilidade, já assente a existência dedos encargos ou despesas, suscitam-se duas questões:

a)  que as despesas ou encargos, provados, sejam também comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (artigo 23.º, n.º 1 do CIRC na redacção anterior a 2010); é necessário duas provas para se verificar este requisito: a prova de que existiu o encargo (questão 1.ª) e a prova de que ele é indispensável para aqueles fins;

b)  que não se trate de despesas ou encargos, provados, relativamente aos quais exista uma norma especial proibindo a dedutibilidade (artigo 42.º, n.º 1, conjugado com artigo 81.º, n.º 1), do CIRC, nas redacções vigentes antes de 2010.

 

Estes dois requisitos referidos como 2.ª questão para apurar da dedutibilidade de despesas ou encargos que se provou existirem são cumulativos, pois, para afastar a possibilidade de dedução, basta que não se comprove a indispensabilidade ou que se esteja perante uma situação enquadrável numa norma especial que proíba a dedução.

Como se referiu, se colocar a 2.ª questão, em qualquer das vertentes, é necessário estar previamente resolvida a afirmativa 1.ª questão da prova da existência das despesas ou encargos.

A esta luz, o artigo 42.º, n.º 1, alínea g), em que se refere a não dedutibilidade de despesas não documentadas, influi apenas no âmbito da 2.ª questão, por ter sido dada resposta positiva à 1.ª.

Na verdade, o corpo do n.º 1 do artigo 42.º, ao dizer que «não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício» tem como pressuposto que existam esses encargos, limitando-se a sua estatuição a definir situações em que, apesar de se provar que eles existem, se proíbe a dedução.

Por isso, a alínea g) ao referir «os encargos não devidamente documentados» como se incluindo entre os que não são dedutíveis não está a regular requisitos para dar como provada a existência de encargos, cuja existência já está assente, apesar de não devidamente documentados, mas sim estatuir sobre a sua dedutibilidade, definido uma proibição (isto é, esta alínea interfere apenas na resolução da 2.ª questão).

Da mesma forma, o artigo 23.º do CIRC ao dizer que «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis...» está também a pressupor que esses custos ou perdas existam, pois só provando-se a sua existência se pode colocar a questão da indispensabilidade.

O artigo 81.º. n.º 1, do CIRC, nas redacções vigentes antes de 2010, confirma quando se fala de «despesas não documentadas» não se está a aludir à prova da existência das despesas.

Na verdade, o artigo 81.º, n.º 1, do CIRC, na redacção do Decreto-lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, dizia que «as despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º» e na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, passou a dizer que «as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23.º»

Em qualquer das redacções a referência a «despesas não documentadas» reporta-se a despesas que, apesar de não documentadas, se comprovou existirem, pois, se não se provou que existissem, não poderiam constituir matéria tributável de tributação autónoma.

Essas despesas não documentadas que, apesar da não documentação, se comprovam e que constituem a matéria tributável das tributações autónomas, são as mesmas a que se referem o artigo 42.º n.º 1 alínea g), como não dedutíveis para efeitos da determinação da matéria tributável de IRC.

No caso em apreço, não está em causa que as despesas com as remunerações de trabalhadores existam, pois provou-se que existiram.

Por outro lado, nem mesmo foi questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que tais despesas foram indispensáveis para a realização dos proveitos e a alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º inclui as remunerações e ajudas de custo entre os tipos de despesas dedutíveis.

Por isso, apenas está em causa saber se, apesar de as referidas despesas existirem e serem de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos, a dedutibilidade é proibida pela alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, por serem «encargos não devidamente documentados», que é o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Existe, assim, um regime legal de irrelevância de encargos não devidamente documentados para determinação do lucro tributável de IRC, apesar de eles existirem e serem indispensáveis para a realização dos proveitos, como se decidiu nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 26-04-2012, proferido no processo n.º 0964/06.0BEPRT (que se cita no Relatório da Inspecção Tributária como fundamento da correcção efectuada) e de 03-05-2012, proferido no processo n.º 00607/08.8BEPNF.

Na verdade, o artigo 42.º, n.º 1, alínea g), do CIRC na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, estabelecia que «não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício» «os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial».     

Esta proibição da dedutibilidade de encargos não devidamente documentados era acompanhada da imposição de uma tributação autónoma, prevista no artigo 81.º, n.º 1, que estabelecia que «as despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º».

A Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, alterou esta alínea g), que passou a referir apenas «os encargos não devidamente documentados», alteração esta foi acompanhada pela alteração do artigo 81.º, n.º 1, do mesmo Código que passou a estabelecer que «as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23.º». ( [3] )

Em sede de IRC, uma despesa pode estar documentada, pode estar provado que ela foi realizada e mesmo que foi indispensável para a obtenção dos proveitos e não ser relevante para efeitos de determinação do lucro tributável, por pura opção de política legislativa, sendo opções desse tipo que se estão subjacentes à maior parte, pelo menos, das situações de não dedutibilidade arroladas no artigo 42.º do CIRC, na redacção vigente em 2009 (e actualmente consta da lista do artigo 23.º-A).

Sendo assim, nestas situações especiais em que o CIRC proíbe a dedutibilidade de encargos, não valem argumentos atinentes à falta de congruência probatória, que poderiam ser relevantes à luz do princípio da descoberta da verdade material, pois a não dedutibilidade não tem a ver com a falta de prova da existência das despesas. Decerto que o princípio procedimental da descoberta da verdade material, que está subjacente ao princípio do inquisitório, que se enuncia no artigo 58.º da LGT, exigirá que, em regra, um juízo probatório sobre a existência de determinadas despesas que se efectue num procedimento tributário para detectar omissão de deveres de retenção na fonte de IRS relativamente a remunerações de trabalhadores valha também para dar como provada a existência de tais despesas para todos os outros efeitos.

Mas, nos casos especiais de afastamento da dedutibilidade indicados no referido artigo 42.º, não é a falta de prova das despesas que explica a não dedutibilidade, mas sim razões de política legislativa atinentes, sobretudo, à reprovação dos comportamentos dos contribuintes, inclusivamente a nível do cumprimento das obrigações previstas na lei fiscal.

De qualquer modo, é claro que o regime vigente em 2009, proibia expressamente a dedutibilidade das despesas não devidamente documentadas, para efeitos da determinação da matéria tributável de IRC.

Esta documentação devida de despesas, no contexto do CIRC, que indicava expressamente no seu artigo 115.º as «obrigações contabilísticas das empresas», deveria ser entendida como sendo a que neste Código se obrigava os sujeitos passivos a manter. Isto é, os encargos estarão devidamente documentados quando estiverem documentados nos termos exigidos pela lei comercial e fiscal, como exige este artigo 115.º, na redacção vigente em 2009. Trata-se de uma solução que se compreende, pois apesar de a norma sobre a não dedutibilidade não ter a natureza de sanção, a falta de documentação nos termos exigidos não deixa de se ser um comportamento censurável, susceptível de afectar a receita fiscal, que se pretende desincentivar.

Por isso, é por força da opção legislativa subjacente à proibição de despesas não documentadas no termos previstos no CIRC, que impõe aos sujeitos passivos «contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal» que, apesar de se provar que as despesas cm remunerações de trabalhadores foram efectuadas e mesmo que sejam indispensáveis para a obtenção dos proveitos, a falta da sua documentação nos termos previstos no CIRC constituía um obstáculo decisivo à sua relevância com custos.

Sendo este o regime que resulta do artigo 42.º, n.º 1, alínea g), do CIRC, ele só poderá deixar de ser aplicado ao caso em apreço com fundamento em inconstitucionalidade, entrevendo-se que se possam suscitar problemas de compatibilização deste regime com os princípios da tributação com base no rendimento real que enforma a tributação do rendimento das empresas e com o princípio da justiça, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, por a relevância de determinadas despesas ser reconhecida apenas em desfavor do contribuinte.

Quanto ao em princípio da «tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», que consta do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, não justifica que se considera inconstitucional a alínea h) do n.º 1 do artigo 42.º, pois, como o próprio enunciado do princípio revela, ao incluir a expressão «fundamentalmente», mostra que se trata de uma regra que admite excepções e que apenas reclama uma tributação primacialmente baseada no rendimento real: no caso, por não serem dedutíveis estas despesas com remunerações que a Requerente havia ocultado, a tributação da empresa não deixa de se fazer fundamentalmente com base no rendimento real, pois trata-se da irrelevância de um parcela reduzida dos custos com mão de obra. Por outro lado, «a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional». (...) Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha recta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real ( [4] )

No que concerne ao princípio da justiça, não é claro que se possa considerar injusto que não se dê relevo fiscal a despesas que, com intuito de evitar a tributação devida, foram escondidas, para mais tratando-se de um caso de contabilidade paralela, num esquema de omissão de deveres fiscais reiteradamente mantido ao longo de vários anos e abrangendo vários tipos de impostos. Contabilidade paralela e oculta, mantida pertinazmente ao longo de vários anos, merece um tratamento fiscal diferente de meras irregularidades contabilísticas ocasionais, que até poderão não ser intencionais. Se se pode duvidar seriamente, à luz do princípio da justiça, em que se englobam considerações de proporcionalidade, que meras irregularidades contabilísticas ocasionais possam justificar a não dedutibilidade de despesas existentes e indispensáveis para a realização dos proveitos, já não é seguro que se possa afirmar que seja uma solução jurídica desequilibrada ou insensata aplicar a consequência negativa prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC às situações duradouras de contabilidade paralela.

Sendo assim, não se pode entender que a alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, entendida como aplicável a situações deste tipo, seja incompaginável com o princípio da justiça.

Por isso, no caso em apreço, devendo as despesas referidas considerar-se como não devidamente documentadas, é correcta a decisão de não as considerar para efeitos da determinação da matéria tributável de IRC.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

 

3.1.7. Questão da correcção relativa a custos com juros

 

Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente suportou custos referentes a juros de empréstimos bancários, que se mantiveram ao longo dos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, que serviram para financiar os seus activos.

Quanto às partes das liquidações que assentaram nas correcções relativas de juros de empréstimos bancários referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008, caducou o direito de liquidação, como se referiu, pelo que está prejudicado, por ser inútil, o conhecimento da questão de saber se as correcções tinham suporte legal.

Nos activos financeiros da Requerente, apresentava-se na conta 41 – Investimentos Financeiros com Empréstimos de Financiamento à empresa participada “E”, S.A., no final do ano de 2009, um saldo devedor de € 1.422.200,80.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, com estes empréstimos de financiamento, a Requerente deveria obter juros que seriam contabilizados como Proveitos e Ganhos Financeiros (conta 78), situação que não se verificou.

Por estas razões, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente não estava a obter qualquer proveito dos empréstimos concedidos, e em contrapartida, estava a pagar e suportar o custo dos juros com empréstimos obtidos, tirando daí a ilação de que se não concedesse tais empréstimos não teria que contrair um valor tão elevado de empréstimos junto das instituições bancárias e, consequentemente, teria custos financeiros mais baixos com o pagamento de juros.

Por isso, relativamente ao ano de 2009, não aceitou como custos o montante € 195.247,20 de juros bancários, com fundamento na falta do requisito da indispensabilidade, exigido pelo artigo 23.º do CIRC.      

A Requerente defende que não se prova qualquer nexo de causalidade entre os empréstimos bancários que fez e os financiamentos que obteve, que a decisão de obter financiamento bancário não estava relacionada nem limitada pelos empréstimos que fez à sua participada, pois tinha grandes disponibilidades económicas, pelo que até poderia fazer empréstimos à participada com capitais próprios.

Assim, defende a Requerente que optou por recorrer à banca por decisão de estratégia empresarial, para financiar a respectiva actividade operacional, mas não para financiar a participada.

O depoimento da testemunha “M” corroborou a tese da Requerente, designadamente quanto à sua estratégia de dispor de quantias avultadas para poder utilizar em negócios que lhe interessassem.

O art. 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente em 2009, estabelece o princípio de que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», indicando-se, título exemplificativo, os «encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração».

São de considerar indispensáveis para realização dos proveitos as despesas sem as quais a empresa não poderia exercer a sua actividade nem obter os proveitos ou ganhos que obteve.

Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos. No mínimo, numa situação em que a matéria tributável é positiva, uma conclusão no sentido da dispensabilidade das despesas para a obtenção do lucro tributável, teria de assentar numa demonstração de que mesmo que não tivessem sido efectuadas as despesas em causa poderiam ser obtidos os proveitos ou ganhos que foram efectivamente obtidos.

O que significa que só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente.

Na verdade, não é necessário, para atribuir relevância fiscal às despesas efectuadas com os financiamentos bancários, demonstrar que elas produziram efectivamente um resultado positivo. Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento. Nesta matéria, o controle da Administração Tributária tem de ser um controle pela negativa, não aceitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601).

O contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei que lhe é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa [arts. 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja, desde que não esteja prevista qualquer limitação justificada pela necessidade de assegurar a concomitante realização de outros valores com consagração constitucional (como, por exemplo, os interesses ambientais ou os direitos dos trabalhadores). Incluir-se-á no núcleo essencial de tal direito, a liberdade dos agentes económicos formularem e concretizarem as suas opções de gestão, quando estas não afectem qualquer dos interesses constitucionais que se pretendem assegurar. Sendo certo que as exigências da tributação, necessária para assegurar o funcionamento geral do Estado, podem justificar limitações aos custos relevantes para efeitos fiscais, estas têm de decorrer da Constituição ou da Lei, como impõem aquelas normas constitucionais.

A esta luz, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2009, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto proporcionaram.

A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.

Assim, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito.

No caso em apreço, resulta da matéria de facto fixada que a Requerente, por estratégia empresarial, pretendia dispor de quantias avultadas para poder utilizar em negócios que se lhe deparassem e que também lhe interessava manter o funcionamento corrente da sua participada, cuja actividade era complementar da sua.

Por outro lado, não se provou que existisse nexo de causalidade entre os empréstimos contraídos pela Requerente e os empréstimos que fez a sua participada, pois provou-se que tinha disponibilidades para os fazer com capitais próprios, sem recorrer a financiamentos bancários.

Neste contexto, não se pode concluir que os financiamentos obtidos pela Requerente não tivessem potencialidade para gerar os proveitos que obteve, quer a nível do aproveitamento de oportunidades de negócios quer a nível da manutenção do funcionamento da sua participada, que era relevante para a obtenção dos proveitos pela Requerente.

Por isso, não se pode concluir pela falta de indispensabilidade dos custos, para efeitos do artigo 23.º do CIRC.

Por outro lado, embora no Relatório da Inspecção Tributária se refira, a este propósito, que «em condições normais de mercado, o sujeito passivo ao conceder empréstimos a terceiros, exigiria um juro que seria contabilizado como proveito financeiro da empresa, situação que não se verificou por existirem relações especiais entre as empresas, conforme prevê o artº 58º do CIRC», a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez aplicação do regime de preços de transferência previsto nesta norma, pelo que não há que aferir a dedutibilidade dos custos com os empréstimos a luz deste regime.

Pelo exposto, não se pode considerar justificada a decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira de não aceitar como custo a totalidade dos encargos com juros de empréstimos bancários suportados no ano de 2009.

Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

 

 

 

4. Reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso das quantias pagas acrescidas de juros.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência das ilegalidades dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, na parte correspondente às ilegalidades, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que as ilegalidades das liquidações que se referiram são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efectuou as correcções e as liquidações por sua iniciativa.

Está-se perante vícios de violação de lei substantiva, consubstanciado em erros nos pressupostos de facto e de direito, imputáveis à Administração Tributária.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde cada uma das datas de pagamento e a data em que vier a ser efectuado o reembolso, sobre as quantias pagas relativamente às liquidações respeitantes aos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, nas partes em que foram consideradas ilegais, à taxa legal supletiva, de harmonia com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT e no artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outros diplomas que, entretanto, alterarem a taxa).

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5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)     Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC n.º 2013 …, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2006, nas seguintes partes:

– na parte respeitante ao IRC e juros compensatórios derivados da correcção efectuada relativamente aos empréstimos à participada “E”, S.A., correcção essa no montante de € 30.400,09;

– na parte respeitante ao IRC e juros compensatórios derivados da correcção efectuada relativamente à regularização de saldos de contas de terceiros que concorrem para o apuramento de resultados e do lucro tributável, no montante de € 15.470,00;

b)     Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC n.º2013 …, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2007, na parte respeitante ao IRC e juros compensatórios derivados da correcção efectuada relativamente aos empréstimos à participada “E”, S.A., correcção essa no montante de € 24.262.56;

c)      Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC n.º 2013…, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2008, nas seguintes partes:

– na parte respeitante ao IRC e juros compensatórios derivados da correcção efectuada relativamente aos empréstimos à participada “E”, S.A., correcção essa no montante de € 92.611,34;

– na parte respeitante ao IRC e juros compensatórios derivados da correcção efectuada relativamente à regularização de saldos de contas de terceiros que concorrem para o apuramento de resultados e do lucro tributável, no montante de € 98.874,58;

d)     Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC n.º 2013…, de 02-01-2013, relativa ao exercício de 2009, nas seguintes partes:

– na parte respeitante ao IRC e juros compensatórios derivados da correcção efectuada relativamente aos empréstimos à participada “E”, S.A., correcção essa no montante de € 47.973,21;

– na parte respeitante ao IRC e juros compensatórios derivados da correcção efectuada relativamente à regularização de saldos de contas de terceiros que concorrem para o apuramento de resultados e do lucro tributável, no montante de 80.821,24;

e)     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral nas partes não referidas nas alíneas anteriores, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido nessas partes.

f)       Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias pagas correspondentes às partes das liquidações anuladas, nos termos referidos no ponto 4. do presente acórdão;

g)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4. do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 228.573,63.

 

Notifique-se.

Lisboa, 24 de Outubro de 2014

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

 

 

 

 

(António Lobo Xavier)

(vencido, conforme declaração junta)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei vencido quanto à decisão de considerar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à aceitação como custo fiscal, em sede de IRC, das despesas suportadas pela Requerente com pagamentos a trabalhadores, as quais estiveram na base da liquidação promovida pela Requerida por falta de retenção na fonte de IRS (ponto 3.1.6. da presente decisão arbitral).

Os meus Ilustres Colegas Árbitros deste Tribunal Arbitral consideraram, em resumo, que tais despesas não são dedutíveis em sede de IRC, muito embora a sua existência tenha sido dada como provada, por não estarem “documentadas nos termos exigidos pela lei comercial e fiscal”. De acordo com este entendimento, a não dedutibilidade dos referidos encargos não se reconduz a um problema de falta de comprovação da sua existência, antes resultando de uma opção legislativa expressa que visou proibir os sujeitos passivos de atribuir relevância fiscal a despesas não documentadas, procurando, assim, desincentivá-los de desrespeitarem as suas obrigações contabilístico-fiscais.

Salvo o devido respeito, não posso concordar com esta decisão. Muito embora não discorde dos restantes Senhores Árbitros quanto à circunstância de o CIRC impor aos sujeitos passivos um conjunto de obrigações contabilísticas, entendo que, em face da redacção do Código que se encontrava em vigor à data dos factos, a sua violação não deveria necessariamente redundar no afastamento da dedutibilidade fiscal das despesas que, por um motivo ou outro, não se encontrassem suportadas pela documentação exigida pela contabilidade.

Em primeiro lugar, não estou convencido de que os referidos encargos não estejam, no caso em apreço, “devidamente documentados”. É certo que a sua documentação não coincide com aquela que é habitualmente esperada (e até exigida) aos sujeitos passivos. Não obstante, parece-me inegável que a Requerente coligiu mapas com a identificação clara dos pagamentos que realizou, seus montantes e beneficiários, e que os mencionados encargos se encontram documentados até pela própria Requerida, mormente pela documentação que produziu a propósito do procedimento de inspecção fiscal. Para além disso, parece-me igualmente claro que, na redacção que se encontrava vigente, o Código do IRC não densificava o conceito de documentação devida para estes efeitos, reconhecendo a doutrina, quase unanimemente, que não poderia entender-se como equivalendo à documentação que era exigida para efeitos de IVA.

Em segundo lugar, e ainda que assim não fosse, a exigência de que os encargos se encontrem documentados insere-se, a meu ver, ainda no plano da sua comprovação material (consiste numa formalidade ad probationem, como a considerou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2012, proferido nos autos do processo n.º 0658/11, e, como, aliás, pareceu qualificá-la a própria Requerida, em sede de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente). Em face da redacção do Código do IRC em vigor à data dos factos, que, repito, não densificava o conceito de “documentação devida”, creio que o encargo estará devidamente documentado quando permita extrair conclusões acerca da sua existência (ou comprovação) e, bem assim, da sua indispensabilidade. A meu ver, a exigência relativa a esta documentação concretiza, pois, o disposto no artigo 23.º, quando exige (ou exigia, à data) que os custos fossem comprovadamente indispensáveis, o que, em rigor, não está em causa nestes autos.

Em terceiro lugar, esta é, de resto, a interpretação que se me afigura mais consentânea com a própria ratio da exigência legal de documentação dos custos fiscais, a qual há-de ser permitir à Autoridade Tributária e Aduaneira asseverar-se de que os mesmos efectivamente foram incorridos pelos sujeitos passivos, num plano estritamente empresarial. Naturalmente que não faria sentido que a prova exigida aos sujeitos passivos para este efeito não fosse, em primeira linha, a documental (que é, consabidamente, a prova que melhor serve as funções inspectivas da Autoridade Tributária); além do mais, esta solução tem a vantagem de se mostrar integrada com a obrigação de manter contabilidade organizada, que impende sobre os sujeitos passivos de IRC. Não obstante, tenho dificuldades em aceitar que, sem norma expressa nesse sentido (como a que passou a existir após a Reforma ao Código de IRC de 2013), a violação desta obrigação e, consequentemente, da existência de documentação para os custos, redunde, sem mais, no afastamento da sua dedutibilidade fiscal (para além das demais consequências no plano contra-ordenacional).

Assim, tendo a concordar com a doutrina (incluindo RUI DUARTE MORAIS, in Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp.70-80., TOMÁS CASTRO TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, 396, pp. 123 ss., e FREITAS PEREIRA, no Parecer emitido no CEF n.º 3/92, de 06.01.1992, publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 365, pp. 343 e ss.) e, bem assim, com a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, que considerava, em face da redacção do Código do IRC que se encontrava em vigor à data dos factos, que, na ausência de documentação, o sujeito passivo devia ser admitido a comprovar a existência dos custos por outro meio de prova idóneo (vide, a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02.02.2006, proc. 1011/05; do TCA-Sul de 16.03.2005, processo n.º 340/03; do TCA-Sul de 01.06.2004, processo n.º 6615/12).

Ora, considerando que, no caso em apreço, a existência dos custos em causa ficou inegavelmente demonstrada (incluindo, pela própria Requerida), parece-me assistir razão à Requerente quando pretende que os mesmos custos sejam tidos em conta na determinação do lucro tributável sujeito a IRC. Desse modo, cumpre-se a simetria que, a meu ver, o legislador pretendeu imprimir ao ordenamento jurídico fiscal nacional; mais concretamente, ao sistema de tributação de rendimentos empresariais: este tipo de despesa é sujeito a retenção na fonte de IRS, por configurar pagamentos a trabalhadores, mas é também dedutível em sede de IRC. Não creio que a Requerente se possa considerar beneficiada por este facto, como alega a Requerida, em maior medida do que o seria qualquer outro sujeito passivo, e que corresponde à estrita medida em que o pretendeu o próprio legislador. Aliás, tendo a considerar que a própria Requerida, ao conformar-se com a existência indubitável destas despesas, deveria ter-lhes dado o correspondente enquadramento em sede de IRC, porquanto “não é o facto de o contribuinte faltar aos seus deveres que, por si só, desonera a Administração de cumprir os seus. E a actuação segundo a legalidade implica, como regra de conduta, a orientação do procedimento de modo a atingir a verdade material, em ordem a permitir a tributação segundo o rendimento real” (Acórdão do STA de 02.02.2006, proferido nos autos do processo 1011/05).

Este princípio constitucional consiste, com efeito, num outro argumento que, a meu ver, não pode deixar de ser sopesado no caso em apreço. Afasto-me dos meus Ilustres Colegas Árbitros quando consideram que, in casu, o referido princípio não foi violado na medida em que apenas exige que a tributação seja “primacialmente baseada no rendimento real”, exigência essa que é cumprida atenta a “irrelevância [da] parcela reduzida dos custos com mão de obra” que se está a desconsiderar. Salvo o devido respeito por entendimento distinto, considero que imperativos de justiça material impõem que a decisão deva ser a mesma independentemente do montante dos custos cuja desconsideração esteja em causa. Assim, a circunstância de se tratar de uma parcela pouco relevante dos custos com a mão-de-obra que são suportados pela Requerente não deve, na minha opinião, servir como justificação para a decisão da sua desconsideração. De resto, também discordo dos restantes Senhores Árbitros quanto à interpretação a dar ao princípio da justiça material à luz dos factos em causa nestes autos: julgo que o comportamento de “omissão de deveres fiscais reiteradamente mantido ao longo de vários anos e abrangendo vários tipos de impostos” que é imputável à Requerente (e cuja verificação ou não extravasa os poderes deste Tribunal Arbitral) deve ser punido em sede própria, mormente criminal e contra-ordenacional. Já a justeza da tributação (ou, neste caso, da desconsideração de um custo) deve ser aferida, a meu ver, em face do custo em si e do seu confronto com o imperativo constitucional anteriormente citado, sob pena de o sistema se tornar arbitrário, passando a admitir que o mesmo custo seja considerado dedutível para um contribuinte, e não dedutível para outro, em função das respectivas condutas em sede fiscal.

Em suma, considero que os encargos comprovadamente suportados pela Requerente com pagamentos a trabalhadores devem considerar-se dedutíveis em sede de IRC, em prol do princípio da tributação pelo lucro real.

 

(António Lobo Xavier)

 

 

 

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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[2] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos: de 17-10-1989, processo n.º 25294, AP-DR de 30-12-94, página 5755; de 13-7-1989, processo n.º 18270, AP-DR de 30-4-91, página 676; de 5-2-1987, processo n.º 22390, AP-DR de 7-5-93, página 609; de 29-1-1991, processo n.º 24417, AP-DR de 14-7-95, página 289; de 27-6-1991, processo n.º 28819, AP-DR de 15-9-95, página 4204; de 17-12-1997, processo n.º 36001, BMJ n.º 472, página 246, e em CJA n.º 12, página 3; de 20-11-1997, processo n.º 41719, publicado em CJA n.º 13, página 14; de 16-6-1998, processo n.º 39946; de 9-5-2001, processo n.º 44341; de 8-9-2010, processo n.º 437/10.

[3] Com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a redacção deste artigo 81.º, n.º 1, foi transposta para o artigo 88.º, n.º 1 e eliminada a norma da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, mas a nova redacção a este Código por este diploma, só é aplicável «aos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de Janeiro de 2010», nos termos do seu artigo 9.º.

[4] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, publicado na II Série do Diário da República nº 74, de 16-04-2010-