Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 143/2021-T
Data da decisão: 2022-03-08  IRC  
Valor do pedido: € 63.757,36
Tema: IRC - Convenção para Evitar a Dupla Tributação; Meios Probatórios
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SUMÁRIO:

  1. A Convenção Portugal- Alemanha destina-se a evitar a dupla tributação, em que para se conhecer da dispensa de retenção na fonte em sede de IRC, há que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.
  2. As normas convencionais obrigam os Estados Contratantes, não podendo as leis internas sobreporem-se a estas, uma vez que vigora a primazia do direito internacional sobre a lei interna.
  3. Os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC referente aos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem que, tendo uma natureza meramente declarativa, podem ser apresentados a posteriori.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Árbitro Presidente), Dr. Dr. Manuel Lopes Faustino (Árbitro Vogal) e Dr. João Santos Pinto (Árbitro Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 12 de Julho de 2017, decidem no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., LDA. (adiante designada apenas por Requerente), NIPC..., com sede na  ...–..., ..., ..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), tendo em vista a anulação das liquidações de retenção na fonte com os números 2020 ... e 2020 ..., emitidas pela Direção de Serviços do IRC, referentes aos exercícios fiscais de 2017 e de 2018, no montante total de € 63.757,36.

É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada apenas por Requerida).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 12 de Julho de 2021 e posteriormente notificado à Requerida.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22 de Junho de 2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 12 de Julho de 2021.

Em 28 de Setembro de 2021, a Requerida, notificada por despacho de 13-07-2021, apresentou Resposta, onde suscitou a exceção sobre o valor da ação, defendeu-se também por impugnação e protestou juntar o PA, o que não concretizou.

Em 30 de Setembro de 2021, foi proferido Despacho no sentido de a Requerente exercer, no prazo de 10 dias, querendo, contraditório, quanto ao valor da ação.

Em 12 de Outubro de 2021, o Requerente apresentou um requerimento propugnando pela improcedência da exceção invocada pela Requerida e pela manutenção do valor da ação.

Em 16 de Outubro de 2021, foi proferido Despacho dispensando a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificando as partes para produzirem alegações escritas.

As partes apresentaram alegações no prazo que, para o efeito, lhes foi concedido

Em 05 de Janeiro de 2022, foi proferido Despacho a prorrogar o prazo da prolação da decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 21.º do RJAT.

 

 

II. SANEADOR

 

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. art.s 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e art.s 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            A entidade Requerida veio na contestação suscitar a excepção sobre valor da causa, que será apreciada, a título de questão prévia, depois de descrita a matéria de facto.

 

 

III.1- MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos Provados:

 

            Analisada a prova produzida nos autos, consideram-se como provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:

  1. A Requerente tem por objeto social a “[p]restação de serviços de restauração e de bar, comercialização de produtos alimentares, serviços de representação e distribuição comercial e serviços conexos.” (conforme artigo 14º do Pedido de Pronúncia Arbitral).
  2. Atualmente, a Requerente explora três restaurantes, sitos em Oeiras (..., Avenida..., ..., ..., ...-... Oeiras), ... (..., Avenida ..., ..., ..., ...-... Lisboa) e ... (..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa) (conforme artigo 15º do Pedido de Pronúncia Arbitral).
  3. A Requerente explora em Portugal a marca “B...”, a qual pertence ao Grupo C..., o qual iniciou a exploração de espaços de restauração em 1968, sob o nome “B...”, tendo o grupo registado as diversas marcas e nomes comerciais a ele associados (conforme artigo 16º do Pedido de Pronúncia Arbitral).
  4. Para o efeito de exploração da marca “B...” em Portugal, a Requerente assinou, conforme consta expressamente do Relatório de Inspeção Tributária, “(…) contratos de franchising, com a empresa alemã detentora da marca «B... », referentes as lojas de ..., ... e ... .” (conforme documentos 3, 4, 5 e 6 e artigo 18º do Pedido de Pronúncia Arbitral). 
  5. No âmbito dos contratos de franchising entre a Requente a empresa alemã detentora da marca, é regulado o seguinte: (i) a utilização das marcas, nome comercial, sinalética e imagética da “B...”; (ii) as designações especiais de produtos, logotipos, slogans publicitários, símbolos e imagens da “B...”, (iii) prestação de serviços técnicos especializados, nomeadamente, nos domínios da exploração de restauração, comercialização e comercialização de alimentos e bebidas, procedimentos de contabilidade operacional e sistema de comercialização; (iv) a natureza e configuração da operação, o leque de refeições e bebidas oferecidas, a preparação das refeições, o código de conduta, os procedimentos específicos do serviço, os conhecimentos profissionais específicos do pessoal e o uniforme que veste; (v) serviços de aconselhamento prestação de informações sobre aspetos técnicos, comerciais, organizacionais e promocionais da gestão do negócio, em particular no que diz respeito aos utensílios, acessórios e móveis do restaurante, vendas e técnicas de serviço, produtos, compras e treinamento de pessoal (conforme documentos 3, 4, 5 e 6 juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e artigo 20º do mesmo Pedido de Pronúncia Arbitral).
  6. Em contrapartida pela utilização da propriedade intelectual do Grupo C... e pelos serviços prestados por este, a Requerente encontra-se obrigada a pagar um montante inicial (franchise initial fee) e um montante período mensal (monthly Franchise Fee) que corresponde a uma percentagem sobre o volume de negócios líquido gerado (conforme documentos 3, 4, 5 e 6 juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e artigo 21º do mesmo Pedido de Pronúncia Arbitral).
  7. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2019... e n.º OI2020..., foi realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Requerida uma ação de inspeção externa à Requerente, de âmbito geral, com o objetivo de se proceder à verificação e confirmação da sua situação tributária global nos exercícios de 2017 e de 2018.
  8. O Relatório da Inspeção Tributária (RIT) emitido na sequência da Inspeção, junto aos autos pela Requerente como Doc. 2, confirma que:
    1. Os serviços suportados pelos contratos de franchising se consideram obtidos em Portugal dado que a Requerente tem a sua sede em Portugal e estes rendimentos enquadram-se na subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4º do Código de IRC (“CIRC”), ou seja, dizem respeito a rendimentos “(…) derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras”;
    2.  “(…) os rendimentos em causa pagos a não residentes enquadráveis na subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4º, conjugado com a alínea g) do n.º 1 do artigo 94º, ambos do CIRC estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 25%, nos termos da alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94º do CIRC e ainda em conformidade com o n.º 4 do artigo 87º da mencionada norma”.
  9. No ponto XI, pp. 99/617 e 100/617, Outros Elementos Relevantes, de 9 de Outubro de 2020 do Relatório de Inspecção Tributária é referido que foi enviado pela Requerente para os Serviços de Inspeção Tributária o Certificado de Residência Fiscal da sociedade a quem eram realizados os pagamentos, a D... GmbH (Cfr. documento 7 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral).
  10. Através do Ofício n.º ..., da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, tendo, subsequentemente, exercido o seu direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia, através do qual pugnou pela ilegalidade das correções propostas.
  11. Através do Ofício n.º..., da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, o qual decidiu pelas correções meramente aritméticas em sede de Retenções na Fonte de IRC, de que resultaria imposto em falta, nos montantes de € 29.358,40, em 2017, e de € 28.241,13, em 2018.
  12. A Requerente diligenciou pela obtenção de um formulário Modelo 21-RFI preenchido e assinado (conforme documento 8 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral).
  13. Na sequência da ação inspetiva, a Requerida liquidou o imposto devido por retenção na fonte em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), através das liquidações números 2020...  e 2020..., emitidas pela Direção de Serviços do IRC, referentes aos exercícios fiscais de 2017 e 2018, das quais resulta imposto em falta nos montantes de € 29.358,40 (vinte e nove mil trezentos e cinquenta e oito euros e quarenta cêntimos) e de € 28.241,13 (sessenta e três mil setecentos e cinquenta e sete euros e trinta e seis cêntimos), a que acrescem juros compensatórios de, respetivamente, € 3.725,96 e € 2.431,87.
  14. Em 05 de Março de 2021, a Requerente deu entrada do Pedido de Pronúncia Arbitral em causa nos presentes autos arbitrais, de acordo com informação no Sistema de Gestão Processual do CAAD.

 

  1.   Factos Não Provados:

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham dado como provados.

 

1.3 Fixação da Matéria de Facto:

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo Arbitral.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos presentes Autos Arbitrais, consideraram-se provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III-2-DO MÉRITO

 

§1.º Questão prévia: exceção sobre o valor da causa

 

Alega a Requerida que o valor atribuído ao processo se encontra indevidamente computado, o que nos parece dever-se a mero lapso aritmético, pedindo que o mesmo seja estabelecido em € 57,599,53. Mais alega que a “jurisprudência do CAAD tem vindo a aceitar que processos de valor inferior a € 60.000,00 sejam julgados por tribunal arbitral coletivo, abstendo-se de se julgarem incompetentes em razão do valor do processo, razão pela qual solicitamos que o mesmo seja corrigido e que qualquer efeito adverso para as partes daí decorrente seja imputado à Requerente.”

Em exercício do contraditório veio a Requerente argumentar, entre o mais, que o valor da causa é o indicado no Pedido arbitral, no valor de € 63. 757,36, e quese encontra correcto.

 

            Vejamos.

            Dispõe, assim, o artigo 97.º -A do CPPT que:

«1-Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorrem nos tribunais tributários, são os seguintes:

  1. Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
  2. Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;
  3. Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o do valor contestado; 

 

(….).»

 

Como ficou dito, a Requerente indica no Pedido arbitral que o valor da causa corresponde ao montante de € 63 757,36 o qual corresponde ao indicado no pedido formulado pela Requerente. 

Como resulta do artigo 1.º do Pedido Arbitral, segundo a Requerente o objeto do presente processo consiste na anulação das liquidações de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), com os números 2020... e 2020..., emitidas pela Direção de Serviços do IRC, referentes aos exercícios fiscais de 2017 e de 2018, das quais resulta imposto em falta nos montantes de € 29.358,40 e de € 28.241,13, respetivamente, que, acrescido dos juros compensatórios, totalizam € 63.757,36 (sessenta e três mil setecentos e cinquenta e sete euros e trinta e seis cêntimos).

Em exercício do contraditório veio a Requerente esclarecer, o que resulta da leitura das liquidações mencionadas, ou seja, da Liquidação n.º 2020... resulta um valor de imposto no montante de €29.358,40 acrescido de juros compensatórios, no montante de €3.725,96 perfazendo um valor total de €33.084,36, por um lado, e, por outro lado, da liquidação n.º 2020... retira-se um valor de imposto no montante de €28.241,13 acrescido de juros compensatórios no montante de €2.431,87, tudo em conformidade com o doc n.º1 junto com o pedido (ponto 7 do probatório).

Isto posto, resulta que o valor da causa se traduz, segundo alega a Requerente, no valor total de € 63.757, 36. Para a Requerente este deve ser o valor a considerar uma vez que os juros compensatórios se integram na dívida de imposto.   

Refere o artigo 102.º, n.º1 do CIRC que “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária” .

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, estabelece, em termos muito próximos, que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Como se pode ler no sumário da Decisão arbitral n.º 126/2020-T “Os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição [o artigo 35.º, n.º 1, da LGT] constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente”.

Neste contexto, não restam dúvidas que, como alega a Requerente, os juros compensatórios constituem um agravamento da dívida de imposto e, nessa medida, a sua liquidação acompanha naturalmente a liquidação deste.  

Assim sendo, por aplicação da regra da alínea a), do n.º 1, do artigo 97.ºA do CPPT, quando se impugna a liquidação o valor a atender é o da importância cuja anulação se pretende, termos em que improcede a exceção suscitada pela Requerida.

 

§2.º Quanto à legalidade das liquidações impugnadas

Do relatório de inspeção resulta que “[a] situação em análise refere-se ao pagamento de rendimentos (contrato de franchising) a uma entidade não residente, não existindo relações especiais entre as partes (…) documentados por faturas emitidas pela sociedade D..., com sede em Hamburg (Alemanha), que mencionam tratarem-se de «Contratos de Franchising»”.

Também é incontroverso que “os serviços suportados pelos contratos de franchising consideram-se obtidos em Portugal posto que, o devedor (a Requerente) tem a sua sede em Portugal e estes rendimentos enquadram-se na subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4º do Código de IRC (“CIRC”), ou seja, dizem respeito a rendimentos “(…) derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras;”.

Concluem os Serviços de Inspeção Tributária que “(…) os rendimentos em causa pagos a não residentes enquadráveis na subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4º, conjugado com a alínea g) do n.º 1 do artigo 94º, ambos do CIRC estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 25%, nos termos da alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94º do CIRC e ainda em conformidade com o n.º 4 do artigo 87º da mencionada norma”.

Simultaneamente, considera o Relatório de Inspeção Tributária que não haveria, neste caso, lugar a dispensa de retenção na fonte do IRC, por não ter sido apresentado pela Requerente o formulário Modelo 21-RFI para justificar a dispensa de retenção na fonte do imposto em território nacional ao abrigo de convenção para evitar a dupla tributação.

Adicionalmente, conforme resulta do Relatório de Inspeção Tributária — cfr. Ponto XI, pp. 99/617 e 100/617, Outros Elementos Relevantes —, em 9 de outubro de 2020, foi enviado pela Requerente para os Serviços de Inspeção Tributária o Certificado de Residência Fiscal da sociedade a quem eram realizados os pagamentos, a D... GmbH.

Contudo, perante o referido Certificado de Residência, os Serviços de Inspeção Tributária concluem que o mesmo é insuficiente e não cumpre com a legislação portuguesa aplicável, mormente, n.º 1 e n.º 2 do artigo 98.º do CIRC, insistindo que somente a apresentação do formulário Modelo 21-RFI poderia fundamentar a dispensa de retenção na fonte.

Contra este entendimento se insurge a Requerente defendendo, no essencial, que “no que tange à definição de residentes para efeitos de aplicação da Convenção sobre a dupla tributação entre Portugal e Alemanha, regula o seu artigo 3.º, do qual, sumariamente, resulta ser residente toda e qualquer pessoa ou entidade que, por virtude da lei desse Estado, seja aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio.”

“Assim, a qualificação da residência dos beneficiários dos rendimentos remete para lei interna, mas na Convenção não se determina que esta demonstração tenha de ser realizada, quer em momento contemporâneo ou posterior ao do pagamento dos rendimentos, quer através de um meio probatório específico, designadamente um formulário de modelo oficial, pelo que tem de ser aceite qualquer meio de prova.”

“Ora, constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) e do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) que os formulários Modelo RFI exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem, e que não constituem, em si mesmo, um pressuposto de que dependa a aplicação das convenções para evitar a dupla tributação”

A Requerente conclui que ao considerar não estarem preenchidos os requisitos formais do n.º 1 e n.º 2 do artigo 98.º do Código de IRC, a Administração tributária incorreu em, manifesto e intolerável, erro na aplicação do direito, decorrente da violação do direito convencional internacional, nomeadamente, em violação da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Eliminar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Prevenir a Fraude e a Evasão Fiscal, ilegalidade esta que inquina, fatalmente, as liquidações de imposto em crise.

No contexto exposto, a questão essencial gira assim em torno de averiguar se a exigência probatória da Requerida é legal.

 Assim recortada a questão verifica-se que a mesma foi apreciada na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 934/2019-T. Por a jurisprudência aí fixada continuar a merecer o nosso acolhimento, passamos a reproduzi-la na situação em apreço.

“Na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31.12), foi alterada de novo a redação do artigo 90.º-A do CIRC (anterior artigo 90.º), estabeleceu-se que “1 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no nº 1 do artigo 88.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.

2 - Nas situações referidas no número anterior, bem como na alínea g) do n.º 2 do artigo 80.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:

a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência;

(…)
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efetuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

6 - Sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e os n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.”         

            “A questão central a decidir nos presentes autos gira em torno de saber se se verificam, ou não, os pressupostos legais de dispensa de retenção na fonte de IRC, referidos no artigo 98.º do CIRC, relativamente aos rendimentos pagos pela Requerente à E..., SL, entidade residente para efeitos fiscais em Espanha (cfr. pontos dos factos provados).

“A Administração Tributária desconsiderou como meio de prova o certificado de residência fiscal apresentado pela Requerente, em sede de reclamação graciosa, para efeitos do artigo 7.º do ADT celebrado por Portugal com o Estado da residência do beneficiário do rendimento (i.e., Espanha), tendo concluído pela não verificação dos pressupostos da consequente dispensa de retenção na fonte de IRC sobre os referidos rendimentos.

“Para esse efeito invocou a Requerida, entre o mais, que, o despacho n.º 4743-A/2008, de 8/2, do Ministro das Finanças, aprovou os modelos de formulários para comprovação dos pressupostos de que depende a aplicação das convenções sobre dupla tributação internacional, destinados a solicitar a dispensa total ou parcial de retenção na fonte.

            “Neste seguimento, existindo no direito interno uma norma como a do artigo 98.º do CIRC, que impõe a observância da apresentação do Modelo 21-RFI, não subsistem dúvidas de que, para acionar uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, é indispensável a utilização do formulário de modelo oficial.

“Formulário que, sublinha a Requerida, a Requerente não exibiu, nem durante o procedimento inspetivo, nem depois, em sede de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico, o que viola o disposto no n.º 6 do artigo 88.º, conjugado com o n.º 5 do art.º 90.º-A, ambos do CIRC e disposições legais respeitantes ao momento em que ocorre a obrigação de efetuar Retenção na Fonte, segundo as quais os Formulários de Modelo oficial deverão ser apresentados à entidade pagadora, o mais tardar até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que ocorreu o pagamento dos rendimentos decorrentes dos serviços prestados.

“(…)“

“A propósito da força jurídica em termos de prova daquele formulário e da necessidade, ou não, da respetiva apresentação para comprovar a verificação dos pressupostos legais conducentes à dispensa total ou parcial de retenção na fonte de IRC, pronunciaram-se diversas decisões judiciais e arbitrais, as quais, por merecerem a nossa concordância passamos a reproduzir.

“Em relação ao momento da apresentação do referido formulário, bem como quanto ao valor jurídico da prova, apontamos o Acórdão do STA de 22.06.2011, prolatado no processo n.º 0283/11, cujo sumário se transcreve:

«I - Face à nova redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (OE/2008), aos então art.ºs 90.º e 90.º-A do CIRC, a prova da residência dos beneficiários de rendimentos auferidos em Portugal, para efeitos de dispensa de retenção na fonte, em conformidade com o disposto nos actuais art.ºs 97.º e 98.º do CIRC, pode ser efectuada a posteriori.

II - Se à data da ocorrência dos factos tributários, não existia no direito interno norma que impusesse a observância das formalidades que viriam a ser exigidas pela AF através do Despacho n.º 11701/2003, de 28/5, da Ministra de Estado e das Finanças, publicado no DR, II Série, n.º 138, de 17/6/2003, não se podia impor aos interessados a obrigatoriedade de utilização, nesse momento, de tais formulários.

III - Estes formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, sendo a prova de residência um mero requisito “ad probationem”, já que a certificação de residência é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efectiva verificação dos respectivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência.

IV - Assim, ainda que não correspondendo ao modelo oficial actual, atestando os certificados de residência apresentados a residência, e mostrando-se certificados pela autoridade fiscal respectiva, devem os mesmos ser aceites pela AF como prova efectiva da residência dessas entidades.»

“Também, neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.12.2016, no processo n.º 0141/14, onde, sem margem para qualquer dúvida, se pode ler: “Sendo os formulários documentos ad probationem e não ad substantiam há que admitir a prova de residência no estrangeiro baseada em certificados emitidos pelas autoridades respectivas face ao disposto no artigo 364.º/ 2 do Código Civil. Resultando, como se deixou dito, da interpretação do n.º 2 al a) do artigo 90.º-A do CIRC (anterior n.º 3 do artigo 90.º) que o formulário é apenas exigido como meio de prova, podendo ser apresentado no prazo aí consignado podia o mesmo ser substituído por documento estrangeiro de igual valor nos termos também do n.º 1 do artigo 365.º do Código Civil. Nessa medida o acórdão do TCA que julgou improcedente a liquidação adicional por considerar o formulário exigido como documento ad substantiam não pode manter-se”.

“Resulta do exposto que, tendo os referidos formulários natureza meramente declarativa, podem ser apresentados a posteriori.

“Por sua vez, quanto ao facto de não poder o legislador de um Estado, através de legislação interna, alterar de forma unilateral uma Convenção Internacional, atenta a supremacia desta, pode ler-se no sumário do atrás mencionado Acórdão do STA, de 14.12.2016, proferido no processo n.º 0141/14:

«I - Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.

II - As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.

III - Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no n.º 1 do artigo 1.º da LGT.

IV - Resulta da interpretação dos artigos 103.º da CRP e 90.º do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364.º, n.º 2 do Código Civil.».

“Este entendimento já foi também, de resto, expressamente sufragado em sede arbitral, designadamente, nas decisões dos processos n.ºs 715/2014-T, de 15.09.2016 e 605/2019-T, de 11.03.2020.”

Verifica-se, desta forma, que existe jurisprudência uniforme quer do STA quer do CAAD que vai no sentido da orientação propugnada pela Requerente.

Transpondo o exposto para o caso em apreço, deve o presente pedido ser julgado procedente, com a consequente anulação das liquidações impugnadas, e respetivos juros compensatórios, com as legais consequências.

 

§2.º Pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

Alega a Requerente que, a situação no caso sub judice resulta de um claro erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, pelo que, tendo oferecido garantia, via requerimento que se encontra pendente de decisão por parte da Administração tributária, em caso de aceitação da mesma, deverá a Administração tributária ser condenada ao pagamento de indemnização total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária.

Acontece que no caso dos autos a Requerente não apresentou qualquer prova da prestação da referida garantia, termos em que improcede o respetivo pedido.

 

IV. Decisão Arbitral

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo o seguinte:

  1. Julgar improcedente a exceção suscitada pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido, com a consequente anulação das liquidações adicionais referentes aos exercícios fiscais de 2017 e 2018, ora impugnadas, incluindo as referentes aos juros compensatórios;
  3. Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.       

 

                                     

V. Valor do processo

Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 63.757,36.

 

 

VI. Custas

            Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida. 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de março de 2022

 

 

Tribunal Arbitral Coletivo

 

Os Árbitros,

 

 

 

Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente)

 

 

 

Manuel Faustino

 

 

 

 

João Santos Pinto