Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2015-T
Data da decisão: 2015-10-19   
Valor do pedido: € 23.741,60
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

REQUERENTE: A…, LDA.

 

REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

I – RELATÓRIO

A. – PARTES

 

    A..., LDA., a seguir designada por Requerente, pessoa colectiva nº …, com sede na Avenida …, nº …, …-… …, veio requerer em 27 de Fevereiro de 2015 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito nos art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.

 

B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

 

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 02/03/2015 e automaticamente notificado ao Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02/03/2015, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

 

2. Em 23/04/2015, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT, nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 02/06/2015, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

                                           

C. – PRETENSÃO

 

    A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo, emitida em 17/03/2014, referente ao ano de 2013, ao abrigo da verba 28.01 da respectiva TGIS, no valor de 23.741,60 euros, em referência ao prédio de que é proprietária, sito no Município de …, freguesia de …, inscrito na matriz urbana sob o n.º U-…, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência,

    Determine a restituição do imposto que foi pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.

 

D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

 

    Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 02/06/2015, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:

    - Em 04/06/2015 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica;

 

    - Em 10/07/2015 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo e veio propor a dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18º do RJAT e o conhecimento imediato do pedido pelo Tribunal, tendo sido, de tudo, notificada a Requerente.

 

    - Em 11/08/2015 – O Tribunal designou o dia 08/09/2015, pelas 10h e 30 minutos, para a reunião prevista no art. 18º do RJAT;

 

    - Em 09/09/2015 – Não foi possível efectuar-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por falta de ambos os mandatários das Partes, tendo o Tribunal designado o dia 29/09/2015, pelas 10h 30, para a sua realização;

 

    - Em 29/09/2015 – Realizou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT, com ausência da Requerida, de que resultou, o seguinte:

 

             - A mandatária da Requerente declarou não pretender realizar alegações orais;

 

            - O Tribunal determinou que a Requerente juntasse aos autos, no prazo de 48 horas, certidão e caderneta predial relativas ao imóvel, cujo imposto está em causa;

 

            - Foi fixado o dia 19 de Outubro de 2015 para a prolação da decisão arbitral;

 

    - Em 05/10/2015 – A Requerente remeteu a documentação referida, conforme o determinado pelo Tribunal na reunião de 29/09/2015, cuja junção foi deferida.

 

    - Em 19/10/2015 – Prolação da decisão arbitral.

 

E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

- A Requerente é proprietária do prédio sito no Município de …, freguesia de …, inscrito na matriz urbana sob o n.º U-…;

- E que a este prédio foi fixado o valor patrimonial tributário (VPT) de € 2.374.160,00, que vigorava no ano de 2013;

- E ainda que, em Março de 2014, foi notificada do documento para pagamento do Imposto do Selo, cuja cópia se encontra junta ao Pedido de Pronúncia Arbitral como documento n.º 1;

- Respeitando este documento à liquidação do Imposto do Selo, emitida em 17/03/2014, ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), em referência ao prédio supra identificado, no valor global de € 23.741,60;

- A Requerente procedeu ao respectivo pagamento;

- Sustenta que o acto tributário de liquidação do imposto do selo, ao abrigo da verba n.º 28.1 TGIS, em referência ao prédio supra identificado, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito e vício de violação de lei;

- Advindo a ilegalidade em seu entender, da violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);

- Considera que a concretização do princípio da igualdade tributária depende necessariamente da sua adaptação aos contornos das diferentes espécies tributárias, mediante a adopção dos critérios de repartição que melhor se lhes adeque;

- Assim, o legislador erigiu o princípio da capacidade contributiva como o critério material da igualdade adequado aos impostos, o que, na sua óptica, deixa a descoberto a desigualdade e a desproporcionalidade que a verba n.º 28.1 da TGIS provoca entre os sujeitos passivos.

- Por um lado, não compreende por que razão a tributação incide apenas sobre os imóveis afectos a fins habitacionais, com exclusão daqueles que, embora de valor superior a € 1.000.000,00, não estejam afectos a essa finalidade.

- E, por outro, por que razão a tributação não abrange outros imóveis do sujeito passivo afectos a fins habitacionais, tendo cada um valor inferior a € 1.000.000,00, mas que, no total, ultrapassem esse valor.

- Pelo que conclui que a liquidação deste imposto viola o princípio da igualdade por que trata contribuintes que se encontram na mesma situação de forma diversa, não sendo a medida da diferença aferida pela real capacidade contributiva, mas baseada numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional.

- Defende que o afastamento do princípio da capacidade contributiva apenas seria legítimo por via da aplicação do princípio da equivalência, nos termos do qual as taxas e contribuições constituem tributos comutativos, por visarem a compensação de prestações administrativas de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário, presumível ou efectivo.

- Ora, o princípio da equivalência não pode, em sua opinião, ter aplicação no caso concreto, pois a norma constante do artigo 28.º.1 da TGIS não apresenta estrutura comutativa, antes apresentando a estrutura típica unilateral dos impostos.

- Conclui requerendo a declaração de ilegalidade da liquidação em apreço, determinando-se a reposição da adequada situação tributária da Requerente através da restituição da quantia de € 23.741,60, acrescida dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT, ex vi artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011.

 

F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

 A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual alegou, em síntese, no que à questão em apreço diz respeito, o seguinte:

 

- A Constituição da República obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

- Entende que a previsão da verba n.º 28.1 dac TGIS não consubstancia violação de qualquer norma constitucional.

- E que a verba n.º 28.1 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

- Acrescenta que é a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) que sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do Imposto do Selo os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

- Refere, ainda, que a tributação em sede de Imposto do Selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

Conclui pela improcedência da pretensão da Requerente, com a consequente absolvição do pedido.

 

G. – QUESTÕES A DECIDIR

 

     Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

 

      1.– Questão Principal — Determinar se a verba n.º 28.1 da TGIS padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 13.º e 104.º da Constituição da República;

 

     2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de ser anulada a liquidação e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga.  

 

     3 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

 

H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

     1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

 

     2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.

 

     3. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

I. – MATÉRIA DE FACTO

 

I. 1 – FACTOS PROVADOS

     Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

 

1. A Requerente é proprietária do prédio sito no Município de …, freguesia de …, inscrito na matriz urbana sob o n.º U-….

2. A este prédio foi fixado o valor patrimonial tributário (VPT) de € 2.374.160,00, que vigorava no ano de 2013.

3. Em Março de 2014, a Requerente foi notificada do documento para pagamento do Imposto do Selo, cuja cópia se encontra junta ao Pedido de Pronúncia Arbitral como documento n.º 1.

4. Este documento respeitava à liquidação do Imposto do Selo, emitida em 17/03/2014, ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), em referência ao prédio supra identificado, no valor global de € 23.741,60.

5. A requerente procedeu ao respectivo pagamento.

6. Em 27 de Fevereiro de 2015 a Requerente solicitou a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária.

 

I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

     Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

I. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS

 

      Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões a decidir

 

 

J. – MATÉRIA DE DIREITO

 

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

     Quanto à primeira questão a decidir,

 

 

É o seguinte o teor da verba n.º 28.1 da TGIS, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aplicável ao caso dos autos:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI

 28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.

 

A Requerente assenta a sua pretensão na inconstitucionalidade da verba n.º 28.1 da TGIS, por violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

Analisando a situação em apreço, há que dizer que, como vem entendendo o Tribunal Constitucional, a vertente material do princípio da igualdade fiscal postula que se trate de forma idêntica o que é idêntico, e de forma diversa o que é diferente. Nessa medida, o legislador, dentro da ampla margem da liberdade de conformação de que dispõe, não está impedido de estabelecer tratamento diverso para situações diversas, desde que exista fundamento material bastante e não se trate de solução arbitrária ou desproporcional.

A propósito do princípio da igualdade fiscal, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97:

            «O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, nº 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, nº 2), isto constituíndo o princípio da igualdade tributária. Este princípio é relevante não apenas para o caso da imposição fiscal mas também para o caso das isenções e regalias fiscais, que não podem deixar de o respeitar sob pena de privilégio constitucionalmente ilícito (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 459).

           No âmbito dos impostos fiscais que aqui interessa considerar (as coisas não são inteiramente idênticas no plano da extrafiscalidade), a sua repartição deve assim obedecer ao princípio da igualdade tributária, fiscal ou contributiva que se concretiza na generalidade e na uniformidade dos impostos, sendo que, como ensina Teixeira Ribeiro (cfr. ob. cit., p. 261), ‘generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos, não havendo entre eles, portanto, qualquer distinção de classe, de ordem ou de casta, isto é, de índole meramente política; por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos’.

           Deste modo, a generalidade do dever de pagar impostos significa o seu carácter universal (não discriminatório), e a uniformidade (igualdade) significa que a repartição dos impostos pelos cidadãos há-de obedecer a um critério idêntico para todos. E tal critério, como acentua José Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), Coimbra, 1994, p. 265 e ss., ‘(...) é o da capacidade contributiva (capacidade económica, capacidade para pagar, etc.), o que significa que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva devem pagar o mesmo imposto (igualdade horizontal) e os contribuintes com diferente capacidade contributiva devem pagar diferentes (qualitativa e/ou quantitativamente) impostos (igualdade vertical)’, sendo certo que o âmbito subjectivo deste princípio vale tanto para os indivíduos (pessoas físicas) como para as pessoas colectivas.

           O legislador, na selecção e articulação dos factos tributáveis deverá ater-se a factos reveladores da capacidade contributiva ‘definindo como objecto (matéria colectável) de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto’.

           A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, "um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».

Trata-se, em suma, da proibição do arbítrio.

O Acórdão n.º 84/2003, do mesmo Tribunal, define o princípio da capacidade contributiva nos seguintes termos:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.

Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício).

 

A actual Constituição da República não consagra expressamente este princípio com longa tradição no direito constitucional português - a Carta Constitucional de 1826 expressa-o na fórmula de tributação “conforme os haveres” dos cidadãos e, na Constituição de 33, o artigo 28º consigna-o na obrigação imposta a todos os cidadãos de contribuir para os encargos públicos “conforme os seus haveres”)

 

  Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs.)».

 

Para aferir da razoabilidade da solução legal há que recorrer à ratio da disposição legal, a finalidade que inspirou o legislador.

Importa, assim, inserir a norma em causa no contexto em que foi produzida. O País encontrava-se sujeito ao "Memorando de Entendimento" com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e União Europeia (UE), o que determinou a introdução de medidas de natureza fiscal para combate ao défice orçamental.

O legislador teve necessidade de alargar o leque dos contribuintes e das contribuições, reconhecendo que o esforço de consolidação orçamental que estava sendo levado a cabo não poderia continuar a recair, em grande medida, apenas sobre os trabalhadores por conta doutrem e pensionistas, devendo tributar-se igualmente a propriedade e o capital.

No âmbito das medidas que tomou para cumprir este desiderato, foi publicada a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que introduziu a verba 28.1 da TGIS.

Lê-se na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII (2.º), que esteve na origem deste diploma, que as medidas introduzidas

            «… são  fundamentais  para  reforçar  o  princípio  da  equidade  social  na  austeridade,  garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de  ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.

(…)

         Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros»

Na discussão parlamentar deste diploma, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, teve o ensejo de justificar a opção legislativa, sublinhando a equidade social como princípio prioritário da política fiscal como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal, alargando a base tributável.

Assim, exigindo-se um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados, evitava-se que fossem sempre os mesmos — os trabalhadores por conta doutrem e pensionistas — a suportar os encargos fiscais.

O diploma em apreço assentou em três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos habitacionais de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital e sobre as mais valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais.

Isto é, com esta Lei n.º 55-A/2012, foi intenção do Governo constituir um pacote fiscal lançado sobre os «ricos» para ajudar a resolver a crise, ao mesmo tempo que se transmitia à população um sentimento de maior justiça na repartição dos sacrifícios, resultando que contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos, e contribuintes com menos capacidade de gastar devem pagar menos impostos.

Mostra-se, pois, perfeitamente razoável e equilibrada a tributação de património imobiliário habitacional dito “de luxo”, cujo valor é igual ou superior a € 1.000.000,00, uma vez que, em circunstâncias normais, a titularidade de uma casa de habitação deste valor indicia, por si só, uma elevada capacidade contributiva.

 

Assim sendo, e concluindo, a tributação em apreço incide apenas sobre os imóveis afectos a fins habitacionais, com exclusão daqueles que, embora de valor superior a € 1.000.000,00, não estejam afectos a essa finalidade, e não abrange outros imóveis do sujeito passivo afectos a fins habitacionais, tendo cada um valor inferior a € 1.000.000,00, mas que no total ultrapassem esse valor, porque se trata de tributar o património imobiliário habitacional de elevado valor, em regra, detido pelos mais abastados, protegendo-se, assim, de maior cobrança fiscal, os já muito penalizados rendimentos do trabalho e das pensões, como forma mais justa de distribuição do esforço fiscal, num contexto particularmente exigente da necessidade de consolidação orçamental.

 

É, pois, perfeitamente razoável impor ao titular de um imóvel considerado de luxo, de valor patrimonial (tradicionalmente inferior ao valor de mercado) elevado, uma contribuição acrescida, pois, a tributação agravada de bens de luxo permite uma distribuição mais equilibrada da carga tributária, impondo um sacrifício maior a quem revela maiores disponibilidades económicas.

 

Improcede, assim, a principal pretensão da Requerente.

 

 

A apreciação da segunda questão — juros indemnizatórios — fica prejudicada pela improcedência da pretensão principal formulada pela Requerente.

 

 

 Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais, a lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, face ao disposto nos nºs 1 e 2, do art. 527 do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

      Assim sendo, a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerente.

 

L. – DECISÃO

 

 

     Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

 

a)     Julgar improcedente, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo referente ao ano de 2013, ao abrigo da verba 28.01 da respectiva TGIS, no valor de 23.741,60 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, bem como o pedido de restituição do imposto que foi pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.

 

b)     Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1  e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

 

     Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 23.741,60 euros.

 

     Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa, 19 de Outubro de 2015

 

O Árbitro

José Nunes Barata

 

 

(Redacção pela ortografia antiga)