Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 587/2014-T
Data da decisão: 2015-01-15  IRC  
Valor do pedido: € 2.269.926,52
Tema: IRC; RETGS; matéria tributável.
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 587/2014 – T

Tema:

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Paula Rosado Pereira e Prof. Doutor António Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-10-2014, acordam no seguinte:

 

1.      Relatório

 

A …, SGPS, SA, NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-08-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-09-2014 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-10-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que, além do mais, suscitou a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de que seja reposto o prejuízo fiscal, gerado pela “C” em 2009, no montante de € 12.675.493,32.

A Requerente pronunciou-se por escrito sobre esta questão.

Foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que se decidiu não produzir prova testemunhal e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e são suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira duas questões de incompetência do Tribunal Arbitral.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2.      Questão da incompetência para apreciar o pedido de que seja Reposto o prejuízo fiscal, gerado pela “C” em 2009, no montante de Euro 12.675.493,32

 

2.1. Posições das Partes

 

A Requerente peticiona na alínea c) do seu pedido de pronúncia arbitral que seja «reposto o prejuízo fiscal, gerado pela “C” em 2009, no montante de Euro 12.675.493,32».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que ainda que, tal pretensão possa ser decorrente da respectiva execução de julgados que venha a ser proferida caso a decisão arbitral proferida seja no sentido da procedência do pedido arbitral tal extravasa a competência do presente Tribunal.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que o valor do pedido também é superior ao máximo admitido pela Portaria n.º 112-A/20111, de 22 de Março.

A Requerente respondeu a estas questões dizendo, em suma, que o pedido identificado em c) do pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade do acto de correcção da matéria tributável da Requerente em sede de IRC, relativo ao exercício fiscal de 2009, no valor de € 9.079.706,09, correspondendo à não-aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos relacionados com encargos financeiros e que o montante de 12.675.493,32 é a soma do prejuízo fiscal não questionado pela Autoridade Tributária, no valor de € 3.595.787,23, com aquele valor de € 9.079.706,09, devendo, por conseguinte, todo este valor ser inscrito no quadro 9 da Declaração Modelo 22 do IRC.

Diz ainda Requerente que «o pedido identificado em c) do pedido de pronúncia arbitral é um acto de fixação de matéria tributável que não dá origem à liquidação de qualquer imposto, tratando-se, pois, de um acto tributário final que poderá, ou não, ter repercussões futuras ao nível do IRC que se vier a apurar nos anos subsequentes».

 

2.2.Decisão da questão da incompetência para apreciar o pedido de que seja reposto o prejuízo fiscal

 

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objecto um acto em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de actos de liquidação ou de actos de fixação da matéria tributável e actos de segundo grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, actos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objecto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de actos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Também é inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

Na verdade, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...».

Por outro lado, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.

Assim, conclui-se que tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que este Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar o pedido de reposição do prejuízo fiscal, gerado pela “C” em 2009.

No entanto, esta incompetência para apreciar um dos pedidos, havendo outros para os quais este Tribunal Arbitral é competente (os pedidos de anulação da liquidação adicional e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa), apenas tem como consequência que o pedido para o qual o Tribunal é incompetente se considere «sem efeito», como se infere do que, embora a outro propósito, se refere no n.º 4 do artigo 186.º do CPC, ao aludir a situações em que «um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal».

Assim, procede a excepção de incompetência quanto ao referido pedido de reposição do prejuízo fiscal, gerado pela “C” em 2009, pelo que se absolve da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a este pedido, não ficando prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos.

 

2.3.Decisão da questão da incompetência derivada do valor

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita também a questão da incompetência deste Tribunal Arbitral por o valor de € 12.675.493,32 exceder o máximo de € 10.000.000,00 previsto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Ao abrigo desta norma, foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que se estabelece, no artigo 3.º, n.º 1, que «a vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000».

No caso em apreço, o valor da causa indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi o de € 2.269.926,52, inferir àquele limite.

Por outro lado, como refere a Requerente, não está em causa uma correcção da matéria tributável no valor de € 12.675.493,32, limitando-se o litígio a uma correcção no montante de € 9.079.706,09, como resulta do artigo 3.º do pedido de pronúncia arbitral.

Por isso, mesmo aferindo o valor da causa por este valor da correcção, tem de se concluir que não é excedido o limite previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Consequentemente, improcede a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nesta parte.

 

 

3.      Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A ora Requerente é a «empresa-mãe» e holding do “B…” que está sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto no artigo 69.º do Código do IRC;

b)      Do grupo de sociedades faziam parte, em 2009, além de outras, as sociedades C…, S.A., NIF … (doravante “C”), a D… SGPS, S.A. NIF … (doravante “D”) e a E… SGPS S.A., NIF … (doravante “E”);

c)      A Requerente era detentora de 100% do capital da D, a D era detentora de 100% do capital da C e a C era detentora de 100% do capital da E, sendo esta a estrutura das participações destas sociedades:

 

E

C

D

A

 

d)     Em cumprimento da ordem de serviço OI2013… foi iniciado um procedimento de inspecção ao exercício fiscal de 2009, de âmbito geral, a três sociedades incluídas no perímetro do RETGS do B…, de que resultaram ajustamentos fiscais ao prejuízo fiscal individual de uma das sociedades e tributação autónoma das outras duas sociedades;

e)      No Relatório da Inspecção Tributária, junto como documento n.º 1 ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, foi promovida uma correcção à matéria tributável de IRC da C…, S.A. no montante de € 9.079.706,09, dizendo-se, além do mais o seguinte:

DESCRIÇÃO DOS FACTOS VERIFICADOS

No caso em apreço, temos:

1. A “C” foi constituída em 2007-05-04, com o objectivo de realização de investimentos, de projectos de investimentos e estudos de viabilidade económico financeira, serviços de consultadoria em áreas técnicas nomeadamente contabilística e financeira elaboração cie estudos e prospecção de mercado;

2. Encontra-sa registada para o exercício da actividade, OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA, CAE: 070220, com início de actividade a 2007-05-08;

3. É uma sociedade anónima, detida em 100% pela “D”-SGPS, sociedade esta que tem por objecto, a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma__indirecta de exercício cie actividades económicas;

4. Detém a totalidade do capital da “E”- SGPS saciedade que foi constituída em 2007-05-11, que tem por objecto, a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireçta de exercício de actividades económicas;

5. As três sociedades referidas anteriormente consolidam as suas demonstrações financeiras na sociedade A… SGPS, S.A. (B) nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 63.° e seguintes do código do IRC, sendo a sociedade dominante, o B e as outras sociedades dominadas;

6. A “C” endividou-se, desde 2007, junto da detentora do capital (“D”) a título de empréstimos remunerados, para poder financiar, a titulo gratuito, a sua participada (“E”), tendo suportado encargos financeiros que relevou contabilística e fiscalmente nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, como evidencia o quadro demonstração de resultados/Q07, anteriormente apresentado;

7. Verificou-se, pela análise efectuada e exposta anteriormente, que os fundos inicialmente cedidos pela “D” (empresa mãe) a título de empréstimos remunerados, foram pela “C” concedidos, desta vez a título gratuito, sob a forma de prestações acessórias/suplementares, à “E”, sua participada;

8. A sua participada (“E”), aplicou os referidas fundos em aquisições de participações sociais noutras sociedades, como se demonstra no quadro que se segue:

• Com o financiamento obtido junto da “C”, a “E” adquiriu o seguinte activo financeiro:

 

 

 

 

 

 

Da análise ao balancete de abertura ao exercício de 2009 da “C”, constatam-se:

• Investimentos financeiros em partes de capital, registados na conta POC 4111-10132, no montante de € 20.000.000,00 na sua participada (“E”);

• Empréstimos obtidos de acionistas, contas POC 25211 – (“D” – detentora de 100% do capital, num total de € 287.503,980,00;

• Empréstimos de financiamento concedidos, registados na conta POC 4131-10132- "Inv. Fin.-Ernp.de Financ-Empr. do A… SGPS, SA" efectuados à sua participada (“E”), no montante de €275.937.000,00;

10. Em 02 de Outubro de 2009, a “C” registou um abate da totalidade do empréstimo efectuado à participada (“E”) (doc. Interno n.° 80012/10), tendo nesse mesmo dia registado um aumento do investimento em capital de £275.000.000,00 na sua participada (“E”), isto é, o empréstimo obtido junto da sua accionista (“D”) manteve-se na sua participada (“E”), desta vez, a título de capital.

11 Em resultados dos empréstimos obtidos a “C” considerou encargos financeiros que influenciaram resultados, no valor de €12.500.570,15.

12. Estes encargos encontram-se suportados por Notas de débito emitidas pela “D”,

13. Pelos empréstimos concedidos á “E”, a “C” não contabilizou qualquer proveito.

H. Na análise efectuada apurou-se ainda, que os fundos cedidos pela “D”, tiveram origem na sociedade dominante (B), pelos quais foram debitados encargos financeiros.

Em resumo a situação em análise a 31-12-2009 é a seguinte:

 

E…

C…

D…

A…

E…

C…

D…

A…

 

Resulta evidente dos esquemas, a utilização efetiva pela “E”, dos meios financeiros associados aos custos financeiros suportados pela “C” em causa na presente análise.

Ou seja, confirma-se que a “C” assumiu empréstimos junto da “D”, dos quais suportou custo, e cedeu os fundos obtidos, sem qualquer remuneração, à sua participada “E”.

ENQUADRAMENTO DA OPERAÇÃO

Conforme foi referido, a cedência de fundos da “C” à “E”, sua única participada, no montante de € 275.937.000,00, registada na conta POC-4131-10132, foi efectuada a título de prestações acessórias com carácter de prestações suplementares de capital, nos termos dos artigos 210° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais- conforme se documenta pela ata n.° 3 de 2007-07-31, donde se retira:

Ponto Um: " Ratificação da realização de prestações acessórias, com carácter de prestações suplementares, entregues à sociedade pela accionista única "C... S.A.", que totalizam até à presente data, o montante de € 51.172.000,00"

Ponto Dois: " Apreciação da proposta de deliberação do chamamento à realização pela única accionista, ao longo do remanescente ano de 2007, de prestações acessórias, com carácter de prestações suplementares, a acrescer às já efectuadas, até ao montante máximo de € 275.937.000,00" (sublinhado nosso)

Assim, nos termos da deliberação expressa e assumida pela “C”, as prestações acessórias realizadas na “E”, foram submetidas ao regime das prestações suplementares. Por isso, apesar de estarmos na presença de uma sociedade anónima, na apreciação das prestações em causa devem ser tidas em conta as condições desse regime, escolhido pela acionista.

Entre essas condições, definidas para as prestações suplementares, encontra-se estabelecido que as mesmas não podem ser remuneradas (conforme n° 3, art°21.º do CSC: "não vencem juros"),

Por outro lado estas prestações:

- Não se traduzem de per si num acréscimo dos direitos sociais da “C” na “E” (que permanecem inalterados)

- Apenas dão direito ao respectivo reembolso

Ou seja, quem efectua prestações suplementares fica com o direito a receber no futuro, o mesmo e exato montante da prestação. Não regista por isso qualquer rendimento. Mesmo que o devedor esteja em excelente situação financeira, tem apenas a obrigação de pagar o valor da prestação, sem qualquer rendimento, de acordo com as regras do direito comercial.

III. 4 1-Os Encargos Financeiros não são indispensáveis para a formação de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto

Em sede de IRC, constituem, regra geral, custos fiscais os que, encontrando-se devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Assim, para determinado custo ser fiscalmente dedutível é necessário, antes de mais, comprovar que o mesmo é indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto da empresa,

Dos factos expostos anteriormente conclui-se que:

• Os proveitos gerados pelo investimento financeiro efectuado "detenção da participação na “E”" foram totalmente abatidos no cálculo do resultado tributável, a saber:

• Proveito contabilizados em 2008

o Distribuição de Lucros da “E” num total de €3.439.986,02;

• Proveitos contabilizados em 2009

o Distribuição de Lucros da “E” num total de €12.900.000,00;

o Outros proveitos e ganhos financeiros de €47.257.239,72;

Ou seja, em sede fiscal todos estes proveitos foram totalmente abatidos ao resultado, no quadro 07 da modelo 22, nos termos do art. 46° do CIRC, pelo que, os proveitos registados em sede contabilística não geraram qualquer proveito sujeito a imposto, em sede fiscal.

• Os encargos financeiros respeitam a capital cedido à “E”, a título de prestações suplementares, por isso não remunerado, ou seja, a “C” não obteve, nem pode obter, da “E” qualquer remuneração pelos valores cedidos;

Pelo que, se verifica que os encargos assumidos com o empréstimo obtido, não foram, compensados por rendimentos tributáveis.

Assim, conclui-se que os encargos suportados não podem ser aceites como custos fiscais porque não se revelam indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.

III. 4.2 – Os Encargos Financeiros não foram suportados para a manutenção da fonte produtora

A questão colocada neste ponto, prende-se fundamentalmente com a prova da indispensabilidade do custo para a manutenção da fonte produtora, em conformidade com o disposto do artigo do artigo 23.° do Código do IRC.

Antes de mais, vejamos a aplicabilidade do passivo assumido, empréstimo obtido Junto da “D”, na exploração da sociedade em análise, (“C”).

Dos registos contabilísticos efectuados pela “C”, no que respeita ao destino dado aos empréstimos obtidos junto da accionista (“D”), conclui-se:

• Os empréstimos obtidos junto da “D”, foram canalizados para capital próprio da participada (“E”), €20.000,000,00 em capital social e €275.000.000,00 em prestações acessórias com características de prestações suplementares;

• Em Outubro de 2009 as prestações acessórias/suplementares foram transformadas em capital social cia participada (“E”).

Neste sentido:

• Os empréstimos contraídos junto da sua acíonista (“D”) não foram aplicados diretamente na actividade própria da empresa, rnas sim canalizados para a actividade desenvolvida peia sua participada (“E”), uma vez que os fundos destinaram-se á aquisição de participações sociais no âmbito da actividade da participada (“E”);

• Os juros decorrentes dos empréstimos obtidos junto da accionista “D”, tiveram origem em empréstimos que foram utilizados para financiar prestações acessórias/suplementares concedidas a sua participada “E”;

• Assim, este passivo não financia a actividade própria da “C”, mas antes, a actividade da sua participada a “E” (outra entidade jurídica e fiscalmente autónoma, com contabilidade organizada e registo cie proveitos e custos independente);

• Pelo que, somos de concluir que tal passivo não se destina à manutenção da fonte produtora uma vez que não financia a actividade desta;

 

Assim, o passivo assumido não foi utilizado no desenvolvimento da própria actividade, tendo sido manifestamente desviado da sua exploração, pelo que os encargos suportados com o este passiva não se enquadram no previsto no artigo 23° do CIRC, no que respeita à sua dedutibilidade fiscal.

Provou-se então, que os fundos obtidos "empréstimos obtidos junto da “D”" não foram aplicados na própria exploração da “C”, pelo que, os encargos registados associados a este passivo, não poderão ser aceites como custos do exercício.

O STA tem consistentemente considerado que, nos termos do artigo 23.º do CIRC, apenas são dedutíveis os custos que respeitem à actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, sustentando que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio, as sociedades têm personalidade e capacidade tributária distintas.

Neste mesmo sentido pronunciou-se, o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) no acórdão de 24-04-2012, proferido no processo 05251/11, ao defender que "até ao momento de apuramento do lucro tributável pela sociedade dominante, cada uma das sociedades participadas mantém a sua personalidade jurídica e capacidade próprias (...), sendo que o lucro tributável de cada uma das associadas é apurado na sua declaração periódica (...). Tendo a sociedade dominante deliberado efectuar prestações acessórias de capital (...) nas suas associadas para, além do mais, reforçar o seu capital social, os encargos relativos aos empréstimos contraídos para o efeito, porque directamente conexionados com o exercício de actividade das associadas, constitui um custo fiscal destas, que não da sociedade dominante."

Não se pode alegar que o financiamento da participada “E” é exercício indireto de actividade económica da “C”.

A “C” e a “E” são entidades autónomas, tendo personalidade e capacidade jurídicas distintas não afetadas pela relação de domínio entre elas.

Os custos de cada uma só a ela respeitam, conforme refere o Acórdão do STA, de 12-07-2006, proferido no processo N.° 186/06: "Deste modo, cada uma das sociedades tem a sua contabilidade organizada com independência em relação
às outras, o que implica, por um lado, que cada uma tenha os seus próprios proveitos e custos e, como tal, tenha de os contabilizar e, por outro, que esses custos e proveitos não possam integrar a contabilidade das restantes".

(...)

III. 4.4- CONCLUSÃO DA APRECIAÇÃO DA DEDUTIBÍLIDADE FISCAL DOS JUROS FINANCEIROS SUPORTADOS PELA “C”

Em resumo:

Os encargos financeiros em análise, respeitam a fundos obtidos da acionista, “D”, e cedidos à participada, “E”, sob a forma de prestações acessórias submetidas, por deliberação da acionista, “C”, ao regime de prestações suplementares, e como tal deliberadamente cedidas sem remuneração.

Os fundos em causa foram utilizados para financiar a actividade da participada, “E”, e não para financiar a própria actividade da “C” pelo que, os juros suportados com o endividamento junto da acionista, “D”, não são fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.° do CIRC.

Assim, pela utilização dada aos fundos e pelos termos e condições de remuneração, vigentes no regime estabelecido, os juros suportados para financiar as prestações suplementares da “E”, não se encontram relacionados com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e não podem ser tidos como respeitando a capitais alheios aplicados na exploração desta sociedade, pelo que, não preenchem os requisitos e condições estabelecidas pelo artigo 23.º, para serem consideradas como custo para efeitos da determinação do resultado tributável da “C”.

(...)

III.5.2. – Correcção proposta

Tendo em conta os factos apurados e as conclusões expostas no ponto III.4. vai ser proposta a correção dos custos financeiros contabilizados, associados â concessão de prestações suplementares.

Dada a transformação, registada em 2 de Outubro de 2009, das prestações suplementares em capital, apenas vão ser corrigidos os encargos contabilizados com referência ao período até final de Setembro.

A correção proposta teve por base os cálculos e os critérios efectuados pela “D” na contabilização e imputação dos encargos financeiros à “C” e ascende ao seguinte valor:

Cálculo do montante a desconsiderar de encargos subjacentes aos empréstimos concedidos a título de prestações acessórias/suplementares:

(...)

III. 6 – Entidades sujeitas ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS)

Considerando que as entidades envolvidas são tributadas no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades RETGS, previsto nos artigos 63.° e seguintes do CIRC, é pertinente proceder ao enquadramento da operação em análise, nesta perspectiva do grupo, e avaliar se as consequências seriam diferentes ao nível do apuramento do imposto sobre o rendimento.

Ora aqui a questão que se levanta e com relevância fiscal é a necessidade de obtenção de fundos efectuada pela “C” para financiamento de um investimento efectuado por uma entidade jurídica e fiscalmente autónoma sob a forma de SGPS, a “E”, que está sujeita a um regime fiscal próprio (artigo 32." do EBF – Estatuto dos Benefícios Fiscais) relativamente aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, que não são aceites fiscalmente.

Assim, é de salientar que, embora à luz do RETGS o lucro tributável do grupo seja calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados individualmente por cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, esta tributação conjunta dos rendimentos não implica a personalidade tributária do conjunto das sociedades.

De facto, cada uma das empresas mantém a sua personalidade tributária individual intocada.

Acresce, que a avaliação de qualquer operação e do binómio encargos/proveitos tem de ser feita numa perspectiva individualizada de cada empresa, em detrimento de uma óptica de gestão de grupo.

Neste contexto, a não dedutibilidade dos juros na determinação do lucro tributável da “C”, é aferida na óptica individual da sociedade e não do grupo em que está inserida conjuntamente com a participada beneficiária “E”.

Vejamos agora o que aconteceria caso os juros em análise fossem apurados na esfera da “E”, quer porque a “C” houvesse procedido ao seu redébito, quer porque o financiamento inicial da “D” tivesse sido contratado pela “E” diretamente.

Na esfera individual da “E”, a dedução dos referidos encargos financeiros, seria apreciada à luz da norma supracitada o artigo 23.° do CIRC, e ainda, atendendo à sua forma de SGPS, à luz do disposto no n.°2 do artigo 32.° do EBF, tendo, então, os correspondentes efeitos no resultado fiscal do grupo.

Ora sucede, que as SGPS têm um regime próprio para o apuramento das mais-valias e menos-valias e para o tratamento dos encargos financeiros, o qual se encontra plasmado no n.º 2 do artigo 32.° do EBF, e determina que "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

Assim, dado que na “E”, os fundos foram utilizados para aquisição de partes de capital, os encargos financeiros suportados com essa aquisição não seriam considerados no cálculo do resultado tributável.

Fica, assim, demonstrado que os juros debitados pela “D” à “C”:

- Não são fiscalmente dedutíveis na esfera da “C”, individualmente considerada, por força do disposto no artigo 23.º do Código do IRC;

- Nem o são na esfera do grupo fiscal, caso a sua contabilização tivesse ocorrido na “E”, fundando-se então a exclusão no disposto no artigo 32.º do EBF.

III. 7 – Correções à Matéria Tributável

Não sendo tais custos aceites, como já fundamentado, apura-se uma correção à matéria tributável num total de €9.079.706,09 a acrescer no quadro 07 da Modelo 22 como se segue:

f)       Na sequência da correcção da matéria tributável da “C”, a Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu a soma algébrica dos resultados fiscais apurados no âmbito do RETAGS da Requerente no montante de € 9.079.706,09 e, tendo em consideração essa correcção, elaborou a liquidação de IRC n.º 2013 …, de 31 de Dezembro de 2013, em que é sujeito passivo a Requerente, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

g)      A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, apenas na parte relativa à correcção da matéria tributável da “C” (documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

h)      Por Despacho do Senhor Chefe de Divisão da Área da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ..., datado de 02-07-2014, foi mantida a correcção à matéria tributável da “C”, no montante de Euro 9.079.706,09, relativa à não-aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos relacionados com encargos financeiros, tendo sido notificada, à Requerente, através do Ofício n.º 2014…, de 2 de Julho de 2014, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)        Em 30-07-2014, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2.            Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

3.3.            Fundamentação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos especificamente indicados juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia quanto a essa matéria.

 

 

4.      Matéria de direito

 

A questão que é objecto do processo é a de saber se podem ser deduzidas à matéria tributável de uma sociedade que detém a 100% o capital social de outra as quantias correspondentes a encargos financeiros suportados para efectuar financiamento da sua participada por via de prestações suplementares.

 

4.1. Posições das partes

 

4.1.1. Posição da Requerente         

 

A C…, SA, (doravante “C”) foi constituída em 2007, tendo por objecto a realização de investimentos, de projectos de investimento e estudos de viabilidade económico-financeira, além de serviços de consultoria em áreas técnicas, nomeadamente contabilística e financeira, elaboração de estudos e prospecção de mercados.

À data de 1 de Janeiro de 2009, a “C” tinha registado um montante de € 287.503.980 a título de dívidas a terceiros, o qual respeitava a um financiamento (suprimento) concedido pela sua accionista única (D… (“D”), SGPS, SA,), tendo a “C” incorrido em encargos com este financiamento, no que respeita ao exercício de 2009, no montante de € 12.500.570,15. A “C” realizou prestações acessórias, submetidas ao regime de prestações suplementares, à sua participada a 100% E… (“E”), SGPS, SA. A “E”, por seu lado, aplicou estes fundos em vários investimentos, dos quais obteve rendimentos.

No entender da Requerente a questão em apreço é a seguinte: os encargos financeiros suportados pela “C”, que obteve o financiamento junto da “D” para realizar prestações acessórias à sua participada E… (“E”), SGPS, SA, são ou não dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC?

Para a Requerente, resulta do artigo 23.º do Código do IRC que a aferição da dedutibilidade do custo fiscal não se pode subsumir apenas à conexão causal directa e imediata entre o custo e um correlativo proveito (cuja obtenção poderá ser diferida no tempo): importa e deverá também ser aferido se esse custo é indispensável para a manutenção da fonte produtora.

Os custos serão aceites para efeitos fiscais se indispensáveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E, alega a Requerente, não restam dúvidas de que os custos financeiros incorridos pela “C”, ao realizar prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares na “E”, cumprem tanto uma como outra condição. Não só se conexionam com rendimentos obtidos do investimento na participada, como sustentam e reforçam este investimento como fonte de produção de um retorno económico esperado.

Por outro lado, ainda segundo a Requerente, quanto ao fundamento de que os custos financeiros não são dedutíveis na esfera da “C” porque esta não está a financiar a sua actividade, mas sim a actividade da sua participada, este argumento não procede, dado que a actividade de uma empresa não é constituída, apenas, pela sua actividade operacional normal e corrente, englobando também a tomada e reforço de participações financeiras, no âmbito da sua estratégia de crescimento, sendo que tal actividade – investimentos – se encontra devidamente inserida no respectivo objecto social da “C”.

Apesar da inexigibilidade imediata de rendimento (juro), a “C” realizou as prestações acessórias, com carácter de prestações suplementares, com vista à valorização do seu activo, mediante recapitalização da sociedade participada, rentabilizando o seu valor e possibilitando a posterior recepção de rendimentos (sujeitos a imposto).

            As prestações acessórias efectuadas pela “C” à “E” permitiram que esta realizasse um conjunto de investimentos, mediante aquisição de participações sociais, nomeadamente nas seguintes entidades:

 

F… SGPS, S.A. (valor de aquisição de Euro 35.393.792,41);

G…, S.A. (valor de aquisição de Euro 155.042.718,

H…, S.A. (valor de aquisição de Euro 122.446.437,90).

 

Tais investimentos contribuíram para a valorização do activo da “E”, permitindo à “C” a subsequente recepção de rendimentos, quer por via de dividendos distribuídos pela “E”, quer por via de mais-valias com uma eventual alienação/dissolução da participada. Adicionalmente, salienta a Requerente que tais rendimentos – ao serem obtidos – encontram-se sujeitos a tributação na esfera da “C”, designadamente nos termos da legislação em vigor à data dos factos.

 No caso das mais-valias, as mesmas eram sujeitas a tributação nos termos do artigo 43.º do Código do IRC (em vigor à data), sem possibilidade de beneficiar de qualquer regime de isenção (quando muito, a tributação poderia ser atenuada em 50%, mediante aplicação do regime do reinvestimento, caso fosse verificado um conjunto de requisitos).

Já no caso dos dividendos, os mesmos eram também sujeitos a tributação por via dos artigos 18.º, n.º 7 e 20.º, n.º 1, do CIRC, ainda que pudessem beneficiar da dedução prevista no (então) artigo 46.º do Código do IRC. No dizer da Requerente, os dividendos recebidos pela “C” e decorrentes da sua participação na “E” estão sempre sujeitos a tributação, podendo ser deduzidos da base tributável, caso os requisitos previstos no artigo 46.º do Código do IRC (actual artigo 51.º) fossem preenchidos.

Ora, se os rendimentos (dividendos) estavam incluídos na “base tributável”, significa que os mesmos estavam sujeitos a tributação. No entendimento da Requerente, os dividendos recebidos da “E” eram sujeitos a tributação na esfera da “C”, ainda que a mesma cumprisse os requisitos para poder beneficiar da dedução prevista no artigo 46.º (actual artigo 51.º) do Código do IRC, pelo que o argumento apresentado pela Autoridade Tributária seria contrário aos princípios da incidência objectiva do IRC. A Requerente entende pois que, com a opção de gestão assumida de realização das prestações acessórias com carácter de prestações suplementares na “E”, a “C” persegue o objectivo de aumentar o seu valor, através do reforço do potencial económico da sociedade em que participa.

Segundo alega ainda a Requerente, impõe-se verificar se, tal como defende a Autoridade Tributária, relativamente aos instrumentos de atribuição de meios financeiros às sociedades pelos correspondentes sócios, é forçoso associar aos mesmos uma forma de remuneração ou um dever de contrapartida por parte da sociedade que deles beneficia. Isto é, se a inexistência de uma remuneração imediata (juro) retira àqueles instrumentos de atribuição de meios financeiros pelos sócios às sociedades a natureza de prestações realizadas na prossecução do seu negócio e, portanto, aplicados no âmbito da sua própria exploração ou actividade.

A este propósito, a Requerente menciona o Acórdão n.º 12/2013-T do CAAD, no qual é referido que “a lei comercial esclarece expressamente que a realização de prestações suplementares (figura prevista nos artigos 210.º e seguintes do CSC) se insere na capacidade da sociedade, no seu escopo lucrativo, na lícita circunscrição da sua actividade, mesmo que (ainda que) não possam vencer quaisquer juros, por expressa imposição da lei (artigo 210.º, n.º 5, do CSC). O que vale para as prestações suplementares, vale igualmente para as prestações acessórias, figura prevista para as sociedades anónimas, relativamente às prestações acessórias sem vencimento de juros, por obrigação contratual (artigo 287.º do CSC).”

É ainda referida a posição de Raúl Ventura, que, referindo-se às prestações acessórias escreve: “nada impede, em teoria, que o sócio nenhuma contrapartida directa receba da sociedade, vindo possivelmente a ressarcir-se, por outros meios, como os lucros da respectiva quota, proporcionais ou não ao valor nominal desta”.

Para a Requerente será pois forçoso concluir que a atribuição de meios financeiros sob a forma de prestações acessórias submetidas ao regime de prestações suplementares, realizada pela “C” à sua participada “E”, é uma operação devidamente prevista e reconhecida na legislação comercial. Assim, ao realizar tais prestações, a “C” está a actuar no âmbito da sua própria actividade ou exploração, ainda que a tais prestações não esteja associada uma forma de remuneração [directa] ou um dever de contrapartida por parte da sociedade que delas beneficia.

Entende também a Requerente que os encargos financeiros em análise só não seriam dedutíveis fiscalmente caso a “C” tivesse incorrido em tais encargos para financiar actividades ilícitas ou actividades alheias aos fins empresariais e ao seu objecto social o que, manifestamente, não seria o caso.

A “C” tem por objecto social a realização de investimentos, de projectos de investimentos e estudos de viabilidade económico-financeira, além de serviços de consultoria em áreas técnicas, nomeadamente contabilística e financeira, elaboração de estudos e prospecção de mercado. Nada impede, segundo a Requerente, que as sociedades comerciais que não assumam a forma de SGPS possam, no âmbito da sua actividade, realizar investimentos em outras sociedades e gerir tais investimentos, como acontece com a “C”. Ao realizar as prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares, a “C” perseguiu o aumento do valor das acções detidas na “E” através do reforço do potencial económico da sociedade participada, pelo que ter-se-á de concluir que os encargos financeiros em crise foram incorridos no âmbito da sua actividade, evidenciando um claro “business purpose”.

A este propósito, a Requerente sublinha ao que se expressa no ponto “III.5.2 – Correcção Proposta” do Relatório de Inspecção, no qual é referido que “dada a transformação, registada em 2 de Outubro de 2009, das prestações suplementares em capital, apenas vão ser corrigidos os encargos contabilizados com referência ao período até final de Setembro”.

A Requerente alega que não alcança o motivo pelo qual a Autoridade Tributária aceita a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a realização de capital social e, simultaneamente, não aceita a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a realização de prestações acessórias quando ambos os institutos encontram previsão no Código das Sociedades Comerciais (CSC), sendo ambos os instrumentos formas válidas de capital próprio e apenas utilizáveis pelos sócios/accionistas.

A Requerente relembra que, à data em que as prestações acessórias submetidas ao regime de prestações suplementares foram realizadas, a “C” já era accionista única da sua participada “E”, detendo 100% das partes representativas do seu capital social. Pelo motivo acima exposto, para capitalizar a sua participada “E”, a realização de um aumento de capital ou a concessão de prestações suplementares revelava-se indiferente para a “C” em termos de acréscimo de direitos sociais, porquanto a “C” já detinha o direito à totalidade dos lucros e mais-valias provenientes da “E”.

Em suma, no entender da Requerente, os encargos financeiros suportados pela “C” e aqui objecto de análise cumprem as condições para a respectiva dedutibilidade ao abrigo do disposto no artigo 23.º do CIRC.

 

4.1.2. Posição da Autoridade Tributária (AT)

 

A AT sublinha a pertinência do que se expressa no relatório de inspecção tributária quanto à apreciação da dedutibilidade fiscal dos gastos financeiros suportados pela “C”:

 

«Os encargos financeiros em análise respeitam a fundos obtidos da acionista, “D”, e cedidos à participada, “E”, sob a forma de prestações acessórias submetidas, por deliberação da acionista, “C”, ao regime de prestações suplementares, e como tal deliberadamente cedidas sem remuneração.

Os fundos em causa foram utilizados para financiar a actividade da participada, “E”, e não para financiar a própria actividade da “C”, pelo que, os juros suportados com o endividamento junto da acionista, “D”, não são fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC. Assim, pela utilização dada aos fundos e pelos termos e condições de remuneração, vigentes no regime estabelecido, os juros suportados para financiar as prestações suplementares da “E”, não se encontram relacionados com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e não podem ser tidos como respeitando a capitais alheios aplicados na exploração desta sociedade, pelo que, não preenchem os requisitos e condições estabelecidas pelo artigo 23°, para serem considera das como custo para efeitos da determinação do resultado tributável da “C”.”

 

Para a AT, convocando a Requerente jurisprudência arbitral, designadamente as decisões proferidas nos processos n.º 12/2013-T e n.º 39/2013-T, o sentido de tais decisões não poderá aqui ser aplicado sem que se tenha em consideração que as mesmas versam sobre casos concretos, cujos factos subjacentes são a base dessas mesmas decisões. No caso vertente, alega a AT que a factualidade inerente àquelas decisões arbitrais não coincide com a que subjaz ao caso em apreço. Pois que, enquanto nas decisões arbitrais invocadas estavam em causa sociedades comerciais sob a forma de SGPS, no caso em apreço a “C” assume a forma de uma sociedade anónima. Este facto, para a Requerida, não só assume importância fundamental, como também configura um elemento obstaculizante à invocação das decisões proferidas nos processos arbitrais n.º 12/2013-T e 39/2013-T.

Acresce ainda que, segundo a AT, a jurisprudência sobre a matéria do Tribunal Central Administrativo Sul e do Supremo Tribunal Administrativo aponta para uma solução jurídica diferente da relevada arbitralmente, encontrando-se a correcção sub judice em consonância com aquela jurisprudência.

Para que os custos sejam considerados dedutíveis necessário se torna que os mesmos reúnam dois requisitos essenciais:

a) Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais; e

b) Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.

 

No que tange ao requisito da indispensabilidade do custo, sublinha a AT que estes equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa. Desta forma, a dedutibilidade fiscal do custo depende de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa.

Em primeiro lugar, para a AT, torna-se necessário demonstrar a existência de uma relação causal com a actividade da empresa, isto é, torna-se necessário comprovar objectivamente que os gastos se incorreram no âmbito da actividade da empresa e que são indispensáveis para a obtenção de rendimentos tributáveis.

E, prossegue a Requerida, em segundo lugar é necessário que a empresa justifique a operação de acordo com os critérios normais de racionalidade económica, ou seja, o gasto incorrido deve ser justificado pelo sujeito passivo à luz de padrões normais de gestão, de acordo com o circunstancialismo do caso concreto.

Alega também a AT que as prestações acessórias, submetidas ao regime das prestações suplementares, que a “C” realizou em benefício da “E”, relativamente às quais inexiste qualquer forma de remuneração (juros), não têm a natureza de partes de capital, isto é, não se traduzem “de per si” num acréscimo dos direitos sociais da “C” na “E” (que permanecem inalterados). Consequentemente, a exploração de tal activo financeiro não dá origem a qualquer proveito tributado, mormente dividendos ou mais-valias.

Sendo que tais proveitos/ganhos, para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte. Para a AT, a mera possibilidade de se poder vir a ter, no futuro, ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não implica o enquadramento no conceito de custos fiscais; porque para isso é necessário que tais encargos sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua própria fonte produtora.

Assim, como pugnado quer no relatório de inspecção tributária quer na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, as prestações acessórias não tem natureza de capital social, mas antes uma natureza semelhante a um empréstimo, atentos os contornos desta figura legal.

Donde a conclusão, pela AT, de que a expressão “partes de capital” não abrange, à luz do ramo do direito de onde é originária, créditos pela realização de prestações acessórias, créditos pela realização de prestações suplementares ou quaisquer outros créditos. Abrange, apenas, “participações sociais”, vulgo quotas e ações.

Esta distinção é importante para a Requerida, pois, na sua perspectiva, as prestações acessórias/suplementares, ao resultarem de entradas de dinheiro que poderão vir a ser restituídas se observados determinados condicionalismos e não conferindo aos seus detentores quaisquer direitos sobre o património líquido da participada, não estão subordinadas ao mesmo regime de reconhecimento e valorização que as partes de capital.

Isto porque nos créditos por prestações acessórias/ suplementares, o seu valor não está relacionado directamente com alterações no valor do património líquido da participada. A AT sustenta que existe uma falácia na afirmação da Requerente de que a concessão de prestações acessórias é semelhante à intenção do accionista de reforçar financeiramente a sua participação, com o intuito de a valorizar/rentabilizar e ulterior obtenção de rendimentos, via recepção de dividendos ou realização de mais-valias. Isto porque, as prestações acessórias em causa não conferem aos seus detentores quaisquer direitos sobre o património líquido da participada, pois não são partes de capital. Não gerando, assim, per se, quaisquer dividendos ou mais-valias.

A Requerida sublinha ainda o que se refere no relatório final de inspecção tributária o seguinte (cf. páginas 14 a 17 do mesmo):

«Dos factos expostos anteriormente conclui-se que:

# Os proveitos gerados pelo investimento financeiro efectuado “ detenção da participação na “E” " foram totalmente abatidos no cálculo do resultado tributável, a saber:

Proveitos contabilizados em 2008

– Distribuição de Lucros da “E” num total de € 3.439.986,02;

– Proveitos contabilizados em 2009

– Distribuição de Lucros da “E” num total de € 12.900.000,00;

– Outros proveitos e ganhos financeiros de € 47.257.239,72

 

Ou seja, em sede fiscal todos estes proveitos foram totalmente abatidos ao resultado, no quadro 07 da modelo 22, nos termos do art°46° do CIRC, pelo que, os proveitos registados em sede contabilística não geraram qualquer proveito sujeito a imposto, em sede fiscal. Os encargos financeiros respeitam a capital cedido à “E”, a título de prestações suplementares, por isso não remunerado, ou seja, a “C” não obteve, nem pode obter, da “E” qualquer remuneração pelos valores cedidos:

Pelo que, se verifica que os encargos assumidos com o empréstimo obtido, não foram, compensados por rendimentos tributáveis. Assim, conclui-se que os encargos suportados não podem ser aceites como custos fiscais porque não se revelam indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.».

 

Em suma, conclui a AT que:

– inexiste qualquer remuneração pela imobilização do capital cedido – ou seja, da realização de tais prestações acessórias não advém qualquer rendimento com a natureza de juros;

– a exploração deste activo financeiro prestação suplementar, não tendo a natureza de participação social, nunca dará origem a qualquer proveito tributado, mormente dividendos;

– e, igualmente nessa medida, nunca gerará mais ou menos valias.

 

Com efeito, entende a AT que a perspectiva propugnada pela Requerente para análise da dedutibilidade do custo nos termos do artigo 23.º do Código do IRC se encontra enviesada, pois, a aferição da existência de «custos ou perdas que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto» tem de ser apurada na sua própria esfera. De resto, para a AT, a jurisprudência é unânime e abundante quanto à não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados em situações como a dos autos.

Por outro lado, refere a AT que os Tribunais Superiores têm consistentemente considerado que, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC apenas são dedutíveis os custos que respeitem à actividade desenvolvida pelo próprio sujeito passivo, e que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio, as sociedades têm personalidade e capacidade tributárias distintas e que, a não ser desta forma, podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de uma outra com a qual ela tivesse alguma relação.

Sob pena de assim não sendo passarem a ser imputadas à sociedade participante (a “C” na presente situação) os efeitos dos exercícios das actividades na prossecução do objecto social dessas participadas, passando a haver um assunção de passivo de umas por outras, com resultados fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado às sociedades que deles necessitam, desrespeitando estas regras do apuramento do lucro tributável, nos termos gerais, designadamente da imputação dos custos elegíveis para cada uma delas, de forma autónoma e independente.

Na óptica da AT, os empréstimos contraídos pela “C” junto da sua accionista “D” não foram aplicados na própria actividade da “C”, mas sim desviados para a actividade desenvolvida pela sua participada “E”. Ou seja, os empréstimos obtidos pela “C” destinaram-se à aquisição de participações sociais no âmbito da actividade da “E”. Porém, este último passivo não só não foi utilizado para financiar a actividade da própria “C”, mas na realidade foi desviado para financiar a actividade da “E”.

Não colhe, por isso, segundo a Requerida, o argumento invocado pela Requerente de que a operação em causa visou prosseguir o aumento do valor das suas próprias acções através do reforço do potencial económico da “E” e que os gastos em que a “C” incorreu serviram para dotar a “E” dos fundos necessários para a sua actividade com o intuito de valorizar o activo e procurar obter um retorno valorizado do seu investimento e por isso os encargos financeiros em causa não são dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

 

4.2. Fundamentos gerais de natureza legal, doutrinal e jurisprudencial considerados pelo Tribunal

 

No processo de estruturação da decisão que aqui se profere, o tribunal começará por apresentar os fundamentos gerais que entende serem aplicáveis ao tema em causa. Posteriormente, convocará tais fundamentos para chegar à decisão relativa ao caso concreto.

Assim, nesta parte, serão particularmente analisadas as seguintes questões-chave:

i) da interpretação do artigo 23.º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos;

ii) do conceito de "actividade" dos entes empresariais;

iii) o conceito de activo e de fonte produtora; a noção de activo financeiro e da natureza dos seus rendimentos;

iv) uma sociedade participada que se endivide e ceda esses fundos a uma participada, sem lhe cobrar juros, está a desenvolver actividade própria ou alheia (i.e., a realizar actos de gestão alheios ao seu interesse)?

 

4.2.1.Da interpretação do artigo 23.º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos

 

A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 104.º, n.º 2, que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. Por seu turno, a Lei Geral Tributária dispõe, no seu artigo 4.º, n.º 1, que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”. O conceito de rendimento é pois um elemento central na tributação dos entes empresariais no ordenamento jurídico-fiscal português.

No caso das empresas sujeitas ao IRC é no artigo 17.º, n.º 1, do CIRC que esse conceito é recortado, aí se determinando que “o lucro tributável [...] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Numa relação de dependência, ainda que parcial, entre resultado fiscal e resultado apurado pela contabilidade, o CIRC estabelece como base do apuramento do resultado tributável o lucro ou o prejuízo apurado pela contabilidade. Porém, e visando salvaguardar o interesse público subjacente à tributação, impõe certos requisitos à consideração fiscal de proveitos e custos[1].

É na parte dos custos que tais requisitos surgem mais desenvolvidos, sendo o artigo 23.º a disposição que estabelece o princípio geral da sua aceitação. Dispunha então o artigo 23.º do CIRC (do qual em seguida se transcreve o respectivo n.º 1):

 

Artigo 23.º

Custos ou perdas

1 — Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c)Encargos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Reintegrações e amortizações;

h)Provisões

i)Menos-valias realizadas;

j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável."

 

Surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos custos para fins fiscais: a sua indispensabilidade. Que se deve entender por “indispensabilidade”? Entre nós, duas análises são habitualmente convocadas sobre qual deve ser a interpretação apropriada do conceito de indispensabilidade vazado no artigo 23.º do CIRC.

São elas da autoria de TOMÁS TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, p.7-180; e de ANTÓNIO M. PORTUGAL, “A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra Editora, 2004.

A doutrina e jurisprudência estribam-se amiudadamente nessas obras.[2]

Na primeira das mencionadas obras, TOMÁS TAVARES analisa extensivamente a questão relativa à interpretação do conceito de indispensabilidade contido no artigo 23.º do CIRC. O autor aponta três possíveis interpretações, defendendo que apenas uma delas constitui a solução correcta. Um primeiro entendimento traduzir-se-ia numa relação necessária ou obrigatória entre custos suportados e proveitos obtidos. Um tal entendimento de indispensabilidade significaria que só a “absoluta necessidade” de um gasto para obter um rendimento (proveito) permitiria deduzi-lo como componente negativa do lucro tributável. O autor qualifica de absurda uma tal interpretação. Fá-lo nos seguintes termos [3]: “ …o afunilamento proposto por esta concepção levaria à desconsideração fiscal de certos decaimentos suportados, verdadeira e realmente, pela organização, em clara e flagrante violação do princípio da capacidade contributiva….Em segundo lugar, dado que, no limite, nunca se aceitaria a dedutibilidade dos custos conexos com negócios que se revelassem ruinosos para empresa, dada a ausência (ou insuficiência) dos proveitos decorrentes. Ora a verdade é que Direito Tributário não pode censurar uma infrutífera política empresarial…O Direito Fiscal tem de reconhecer o direito ao erro do dono do negócio.”

Uma segunda interpretação do conceito de indispensabilidade – significando “conveniência” – é tratada pelo autor nos seguintes termos[4]: “ …este desiderato não se ergue como diapasão interpretativo, quer em atenção aos inúmeros problemas práticos que coloca, quer, sobretudo, porque também consente no controlo administrativo sobre o mérito das decisões empresariais. Efectivamente, a conveniência é um conceito frágil, com uma significação aberta e indefinida, que propicia a imiscuição da máquina administrativa nas opções económicas dos contribuintes”.

Por fim, o autor perfilha a tese segundo a qual a correcta interpretação do conceito de indispensabilidade é a que equipara gastos indispensáveis aos custos incorridos no interesse da empresa, na prossecução das actividades resultantes do seu escopo societário.

Essa tese é expressa nos seguintes termos [5]: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”.

E continua [6]: “ …A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer acto realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.

Saliente-se, para já, que o texto citado não nos deixa dúvidas sobre qual a posição do autor (os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa). Porém, o certo é que um excerto desse texto, em particular a relação entre gastos e actividade produtiva, tem servido propósitos interpretativos do conceito de indispensabilidade que até o próprio autor já eliminou claramente, no Acórdão relativo ao Processo 12-2013-T, do CAAD, como adiante se verá.

A. MOURA PORTUGAL, discutindo o mesmo conceito, trata sobretudo da história da interpretação jurisprudencial que dele foi feita desde o tempo da Contribuição Industrial até 2001. De todo o modo, este autor, e no tocante à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, adopta a seguinte posição[7]:

“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como acto de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei [8]”.

 

Vale a pena mencionar a análise que o autor apresenta da posição de TOMÁS TAVARES, que é a seguinte [9]: “ Colocando a ênfase no custo e na respectiva ligação ao interesse da empresa, o autor defende que o critério legal da indispensabilidade apenas visa negar a qualidade de custo fiscal aos encargos abusivamente registados na contabilidade, mas que não são verdadeiros e reais custos da sociedade”. Por fim, A. MOURA PORTUGAL sustenta que se nota na doutrina uma propensão para interpretar o conceito de indispensabilidade de forma ampla, “asserção com a qual concordamos em absoluto”.

Em suma: as obras doutrinais mais frequentemente convocadas sobre esta questão afastam a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre custos e proveitos. Ambas sustentam que qualquer decaimento económico (custo) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

Ora, algumas das análises e decisões relativas ao artigo 23.º do CIRC, buscando nas posições de TOMÁS TAVARES e de A. MOURA PORTUGAL a chave interpretativa do conceito indeterminado de "indispensabilidade", sustentam que só os gastos derivados de uma relação com a actividade produtiva seriam dedutíveis, por serem, só eles, indispensáveis. A posição dos autores está, no entender deste tribunal, bem longe desta interpretação.

Para concluir que assim é, além de uma leitura completa do texto atrás citado, onde surge bem vincado o inequívoco sentido interpretativo de T. TAVARES, bastaria consultar as pp.138 a 154, do estudo, supra referido, do mencionado autor.

Aí se discute o conceito de “acto anormal de gestão”. Para o autor, nestes “actos anormais” o benefício de terceiros sobrepõe-se ao da sociedade. Ora, a pp. 145 a 152, discute-se como nas relações intra-grupo tais actos podem surgir. Veja-se o que T. TAVARES aí refere sobre os empréstimos intra-grupo, já em 1999 [10]:

“Estas operações (suprimentos gratuitos de uma participante a uma participada) correspondem, portanto, a actos normais de gestão, não obstante a aparente desconformidade com o interesse da entidade sacrificada (...) A ratio dessas opções legais radica no facto de que, com elas, a sociedade prossegue a sua actividade empresarial com um fito lucrativo…” .

 

E em nota 427, a pp. 150 da referida obra, sustenta o autor o seguinte: “Em nossa opinião, essa operação (pagar juros pela obtenção de um empréstimo, cujo produto se empresta, sem juros, a uma outra entidade) pode inserir-se no escopo lucrativo da entidade sacrificada…”.

A âncora doutrinal que a AT, e alguma jurisprudência, têm respigado da obra de TOMÁS TAVARES quanto ao tema aqui em apreciação – segundo a qual a obtenção de fundos por uma participante cedidos sem remuneração a uma participada não constitui actividade ou interesse daquela – foi amplamente desfeita pelo próprio, como a seguir se observa. No processo 12-2013-T, no âmbito CAAD, onde foi árbitro único, T. TAVARES decide da dedutibilidade destes gastos com os seguintes fundamentos (negrito do Tribunal):

“A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua actividade concreta.

A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.

O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa. O art. 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua actividade.

Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e directa – e ainda assim exercer adequadamente a sua actividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efectuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos actua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua actividade”.

 

Assim, equiparar a noção de indispensabilidade uma relação com a actividade produtiva ou a um obrigatório nexo de causalidade com a obtenção de rendimentos não é pois posição sufragada pela doutrina de referência.

Além do que já se disse, e ainda sobre esse nexo de causalidade, veja-se a posição de DIOGO LEITE DE CAMPOS E MÓNICA LEITE DE CAMPOS[11]: “Admitir um juízo administrativo a posteriori sobre a gestão financeira, comercial, etc., da empresa, envolveria o risco constante de este juízo se apoiar sobre elementos suplementares que não existiam, ou não existiam claramente, no momento da tomada de decisão e que não podiam ter sido levados em conta. A administração fiscal não tem que julgar se uma empresa foi bem ou mal gerida”.

Veja-se, também, RUI MORAIS, que sustenta[12]: “A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”.

E prossegue[13]: “Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação directa com obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços…”

Para concluir da seguinte forma[14]: “Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objectivo da transacção, ou seja do business purpose test…Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo… Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial… o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc. então tal custo não deve ser havido por indispensável.”

Conclua-se esta digressão doutrinal com J.L. SALDANHA SANCHES, que afirma[15]:“…saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado…de modo a realizar um juízo de mérito sobre um acerta opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a á condição da verificação a posteriori da efectiva geração de proveitos”.

Vejamos agora jurisprudência sobre a questão, num plano geral, relativa à indispensabilidade e seu significado, ou seja, sem tratar ainda dos encargos financeiros e das operações que neste caso se apreciam.

No processo 03022/09 – Acórdão de 6 de Outubro de 2009 – do TCA Sul julgou-se o seguinte litígio. Uma sociedade (A) cedeu a outra (B) a respectiva actividade de comercialização de máquinas. No âmbito dessa cedência também o pessoal de A passou para a sociedade B, e A deixou de exercer actividade comercial, limitando-se a receber rendas de um prédio. Todavia, aquando da referida cedência, ficara acordado entre A e B que a primeira suportaria eventuais encargos com indemnizações ao pessoal caso fossem negociadas rescisões.

Num dado exercício tais negociações ocorreram e A suportou um certo montante de custos relacionados com as ditas indemnizações que a sua contabilidade registou. A inspecção tributária desconsiderou esses custos, por, em seu entender, “a empresa se encontrar sem actividade e sem pessoal (tendo como proveitos apenas as rendas recebidas), considerando-se que este custo não se torna necessário para a formação de proveitos, conforme o artigo 23.º do CIRC”.

No Acórdão proferido o TCAS trata desenvolvidamente o conceito de indispensabilidade e fá-lo nos seguintes termos:

 

Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)

Fazendo apelo ao estudo de TOMÁS TAVARES (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.

A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.

 

Também sobre este assunto, e tendo por referência a uma decisão do TCA Norte – processo 00624/05.OBEPRT, Acórdão de 12 de Janeiro de 2012 – aí se afirma:

Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.

 

Por fim, em Acórdão de 29/3/2006 – Processo n.º 1236/05 – o STA sustenta que:

 

 “O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

E, mais adiante, refere este acórdão “que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa”.

 

A interpretação legal do conceito de “indispensabilidade” constante do artigo 23.º do CIRC tem sido, como a doutrina e jurisprudência mostram, equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das actividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.

Tem-se assim afastado uma ligação necessária aos proveitos; um obrigatório nexo de causalidade. Afastada tem sido também a possibilidade de a administração fiscal julgar do acerto das decisões de gestão relativamente à efectiva obtenção de proveitos (sindicada a posteriori), desde que essas decisões sejam tomadas no âmbito do interesse empresarial.

Esta linha interpretativa tem também, vale a pena aqui referi-lo, sido seguida em outras paragens. Num caso que alcançou alguma notoriedade (envolvendo um litígio entre as autoridades tributárias canadianas e Ludco Enterprises Ltd sobre dedutibilidade de juros) o Supremo Tribunal canadiano entendeu que “income” não deveria ser entendido como resultado líquido positivo ou lucro líquido.

Ou seja, a dedutibilidade dos ditos gastos não estaria condicionada à obtenção de um lucro por via da aplicação dos fundos que determinaram o pagamento daqueles encargos financeiros. Se um dado activo fosse financiado por dívida, e tal gerasse juros a pagar, estes encargos seriam dedutíveis ainda que o activo não produzisse um ganho líquido. (A não ser que outra disposição do Código do Imposto de Rendimento impedisse tal dedução). Mas a aplicação da regra da ligação necessária (indispensabilidade ou nexo causal) entre custos e proveitos não poderia ser usada para negar a dedutibilidade de juros que financiavam activos não geradores de rendimentos líquidos.

Neste caso, o Supremo Tribunal canadiano considerou que o significado da relação entre gastos e rendimento não é o de obrigar à existência de um lucro líquido obtido a partir dos investimentos financiados com a dívida geradora de juros. Na ausência de uma transacção desqualificável por outras regras fiscais (v.g., cláusula antiabuso) os tribunais não deveriam preocupar-se com a suficiência do rendimento recebido ou esperado[16].

Nos EUA vigora, como é sabido, uma regra legal que estabelece como princípio geral de dedutibilidade que os gastos devem ser “ordinary and necessary”. No sítio electrónico do Internal Revenue Service americano, pode ler-se:

To be deductible, a business expense must be both ordinary and necessary. An ordinary expense is one that is common and accepted in your trade or business. A necessary expense is one that is helpful and appropriate for your trade or business. An expense does not have to be indispensable to be considered necessary.[17]

 

Também aqui se rejeita a noção de uma ligação causal. Basta que o gasto seja “helpful and appropriate for business”.

Aqui chegados entende este tribunal que deve abordar desenvolvidamente a noção de actividade empresarial, e também a questão de saber se ela se subsumiria na actividade produtiva e o que se deve entender por actividade produtiva. Esta interpretação tem sido muitas vezes usada pela AT e pelos tribunais, pelo que merece análise cuidada.

 

4.2.2.Do conceito de "actividade" dos entes empresariais

 

Segundo se pode consultar no Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, “actividade” significa: qualidade de activo, diligência, prontidão. Por seu lado, “activo” quer dizer: que actua, laborioso, diligente. Por fim, “actuar” tem o significado de: exercer acção, determinar, influir.

Daqui decorre que actividade há-de significar o conjunto de acções ou actos que determinam ou influem na vida empresarial. Tendo os entes societários um escopo ou objectivo social definido nos seus estatutos, tendo em vista a realização do fim para o qual tais entes colectivos se formam – a obtenção de um excedente a repartir pelos sócios – então os actos de gestão que contribuam para tal fim hão-de constituir a actividade das empresas.

Deve assimilar-se essa actividade à “actividade produtiva”? Entende-se que não. Nenhuma disposição legal autoriza uma tal identidade de conceitos, a interpretação económica das operações empresariais afasta totalmente aquela equiparação, e a doutrina (onde, supostamente, existira uma base interpretativa que justificaria tal assimilação) não só não a sustenta como já a rejeitou.

A actividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à actividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de actividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba actividades pós produtivas: comerciais, assistência pós venda, etc.. Para mais, inclui também actividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas. Tal é uma evidência económica que não carece de maior fundamentação.

A actividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando actividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão "actividade produtiva", tanto na obra de T. TAVARES, como na acepção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência.

Até por que, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm directamente que ver com actividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos activos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por “activos não correntes detidos para venda”) estariam de fora da actividade das empresas, entendida nessa acepção restrita, o que seria inaceitável.

Ao buscar-se o sentido do conceito actividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a actividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, de exploração, ou com as operações ou actos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

Nesse sentido, a actividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus activos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que entidade em questão cumpra o seu objecto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

O ponto que este Tribunal sublinha é o seguinte: a “actividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais.Actividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de activos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.

A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos activos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais activos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos: activos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afectas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), activos financeiros (v.g., participações sociais), activos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afecta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.

Constituindo este vasto leque de activos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de activos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da actividade, tudo isso faz parte do que se consideram actos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.

O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objectivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da actividade desenvolvida.

A actividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os actos de gestão que visem o interesse das empresas. Esse conjunto de operações abarca, no entender deste tribunal, os actos de gestão dos activos e passivos que constituem os meios ao dispor das entidades empresariais, desde que tais actos sejam conformes ao escopo, fim ou objectivo desses entes colectivos.

Em síntese conclusiva deste ponto, a actividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

Se a actividade das empresas tem como um dos seus traços marcantes o uso e gestão dos activos, o que se deve então entender por activos e que funções desempenham no contexto da prossecução da actividade, da exploração, ou do escopo empresarial?

 

4.2.3. Conceito de activo e de fonte produtora; a noção de activo financeiro e da natureza dos seus rendimentos

 

Veja-se, antes de mais, a definição que o sistema contabilístico contém para “activo”. É a seguinte: “é um recurso controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados, e do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade”.

Esta definição deixa bem claro que se uma entidade possuir um recurso por ela controlado (tangível, intangível, biológico, financeiro ou de outro tipo) do qual se esperam benefícios económicos futuros, tal elemento constituirá um activo que se deve registar no balanço. É pois tendo por base estes elementos que se desenvolve a actividade das empresas, a qual, obviamente, pode apresentar várias facetas ou vertentes de concretização (v.g., produtiva, comercial, financeira, administrativa) consoante a natureza dos activos que a sustentam.

A estrutura conceptual do sistema contabilístico – que constitui a base teórico-normativa da contabilidade financeira – vai ainda mais longe no desenvolvimento da caracterização dos activos usados pelas entidades empresariais. Vejamos os respectivos §§ 52, e 54 a 56.

 

“52 — Os benefícios económicos futuros incorporados num activo são o potencial de contribuir, directa ou indirectamente, para o fluxo de caixa e equivalentes de caixa para a entidade. O potencial pode ser um potencial produtivo que faça parte das actividades operacionais da entidade. Pode também tomar a forma de convertibilidade em caixa ou equivalentes de caixa ou a capacidade de reduzir os exfluxos de caixa, tais como quando um processo alternativo de fabricação baixe os custos de produção.

54 — Os benefícios económicos futuros incorporados num activo podem fluir para a entidade de diferentes maneiras. Por exemplo, um activo pode ser:

(a) Usado isoladamente ou em combinação com outros activos na produção de bens ou serviços para serem vendidos pela entidade;

(b) Trocado por outros activos;

(c) Usado para liquidar um passivo; ou

(d) Distribuído aos proprietários da entidade.

55 — Muitos activos, por exemplo, activos fixos tangíveis, têm uma forma física. Porém, a forma física não é essencial à existência de um activo; daqui que as patentes e os direitos de autor, por exemplo, sejam activos se se espera que deles fluam benefícios económicos futuros para a entidade e se eles forem controlados pela entidade.

56 — Muitos activos, por exemplo, as dívidas a receber e propriedades, estão associados a direitos legais, incluindo o direito de propriedade."

 

E, corporizando os conceitos que se acabaram se transcrever, o plano de contas do SNC, que não diverge significativamente do que constava do POC para o que aqui importa, individualiza, entre outros, os seguintes activos [18]:

4- INVESTIMENTOS

41 Investimentos financeiros

42 Propriedades de investimento

43 Activos fixos tangíveis

44 Activos intangíveis

45 Investimentos em curso

46 Activos não correntes detidos para venda”

A amplitude dos activos registados no balanço é muito significativa. Temos activos físicos (v.g., mercadorias, activos fixos tangíveis), activos incorpóreos (intangíveis), dinheiro e equivalentes (v.g., caixa e depósitos), activos financeiros de longo prazo (v.g., investimentos financeiros); direitos contratuais (v.g., clientes, empréstimos concedidos, outra contas a receber).

Um elemento patrimonial, de natureza financeira, corporizado num instrumento de capital próprio de uma outra entidade, num direito contratual de receber dinheiro ou outro activo financeiro de outra entidade, ou de trocar activos financeiros ou passivos financeiros em condições que sejam potencialmente favoráveis, constitui um activo, atenta a sua característica de geração (esperada) de benefícios económicos futuros. Se tal característica não se verificar, nem sequer será reconhecido contabilisticamente como tal.

O facto de se tratar de rendimentos potenciais ou esperados, não desqualifica um activo: de um activo espera-se, estima-se, que dele fluam benefícios económicos futuros.

A aquisição de activos físicos (como os edifícios ou as máquinas) também é efectuada esperando que a taxa de rendibilidade prevista para esses activos supere o custo do capital que os financia. Estamos, no domínio dos investimentos, físicos ou financeiros, na situação de comparar expectativas de rendibilidade com o custo dos capitais que financiam os activos. A natureza potencial da geração de resultados é inerente a qualquer tipo de investimento, e não apenas aos activos financeiros. E o que comanda a aquisição de uns e de outros será o interesse da empresa, o qual deriva sempre de uma avaliação prévia da sua lucratividade esperada ou prospectiva.

O risco constitui elemento presente na actividade económica, tornado incerta a obtenção de rendimentos de muitos investimentos realizados. Além disso, aos instrumentos de capital próprio (v.g., quotas, ações, prestações suplementares) estão associados rendimentos contingentes, e não fluxos contratualizados ou certos.

Quer isto dizer que um activo financeiro que se traduza numa participação de capital numa certa entidade terá rendimentos sujeitos à variabilidade (desvio padrão ou volatilidade) do desempenho dos entes nos quais se investiu, e não a natureza de uma remuneração pré fixada ou determinística.

 

4.2.3.Uma sociedade participada que se endivide e ceda esses fundos a uma participada, sem lhe cobrar juros, está a desenvolver actividade própria ou a realizar actos de gestão alheios ao seu interesse?

 

Para analisar este ponto, suponha-se que uma participante (designemo-la por ALFA, SA) se endivida e cede os fundos assim obtidos, e pelos quais paga juros, a uma sua participada que aqui designaremos por BETA. Tal cedência de fundos é feita sob a forma de prestações acessórias, sujeitas ao regime de prestações suplementares, que não vencem juros (cf. artigo 210.º, n.º 5, do CSC).

O financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expectativa de rendimentos futuros dele directamente decorrentes. Ou, ainda, que tais fundos contribuam para manter BETA em funcionamento, isto é, permitindo manter ou sustentar o activo financeiro da participante como elemento patrimonial de que se esperam vantagens, ainda que futuras e não imediatamente quantificáveis.

Numa empresa que, hipoteticamente, adquira máquinas para a produção e, por factores externos ou internos ao empreendimento, tais máquinas não gerem resultados tributáveis, têm de se admitir como custos as reparações, as depreciações, e outros gastos inerentes ao seu funcionamento. Também num plano geral, a compra de existências que, posteriormente, se deteriorem, não tem qualquer nexo causal com proveitos, mas, como é óbvio, tais aquisições devem ser custos fiscais, caso essa deterioração seja inerente ao risco do negócio.

Dir-se-á que a máquina e as existências contribuem para a actividade da entidade que incorre nesses custos, ou que, pelo menos, foram adquiridas com o fito ou intuito de manter ou reforçar a fonte produtora. Mas, se assim for, então caso o financiamento que, no exemplo aqui apresentado, ALFA efectua a BETA tenha uma relação com rendimentos estimados para ALFA, ou contribua para manter o activo financeiro (participação em BETA) como fonte produtora, ou incremente esse potencial de benefícios para a participante, a condição para a dedutibilidade dos juros em ALFA não diverge da que se exige para a máquina ou as existências acima referidas. Em qualquer dos casos existe uma relação com a actividade da empresa que leva acabo essas operações: a compra da máquina, a aquisição das existências ou a aquisição de activos financeiros. A diferença poderá estar no facto de a máquina e as existências terem implicações económicas no âmbito da sociedade que as adquiriu, e a participação financeira, sendo um activo cuja gestão constitui actividade da participante, ocasionará rendimentos em função da evolução esperada dos negócios da participada. Mas isso não retira ao investimento financeiro a qualificação de um activo gerido no interesse da entidade (participante) que o adquiriu e detém.

 Assim, na questão que neste ponto se discute, a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expectativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (activo financeiro) de ALFA.

Quer isto dizer que os gastos resultantes do financiamento obtido por ALFA e que depois foi aplicado no financiamento de BETA devem satisfazer uma (ou ambas) das seguintes condições:

a) Estarem associados à expectativa de incremento dos benefícios da participante;

b) Permitirem a manutenção da fonte produtora dos rendimentos (ou seja, contribuírem para a continuidade da actividade das participadas e do consequente reconhecimento continuado do activo financeiro na esfera da participante).

 

Havendo uma participação societária de ALFA em BETA, muitas das decisões de ALFA que afectam a esfera patrimonial de BETA (v.g., investimentos, financiamentos) são determinadas pelo interesse da participante em face da situação económico-financeira da participada. Consequentemente, a gestão, por parte de ALFA, da dita participação é uma condição requerida para que se obtenha desse investimento financeiro um rendimento imediato ou futuro.

O facto de tais decisões, tomadas na esfera de ALFA, influenciarem o património de BETA, não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros; ou seja, que se possam classificar como alheias à actividade da participante, ALFA. Elas são tomadas a partir do interesse da participante (ALFA) em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento (em BETA). Obviamente que esse investimento se traduz na titularidade de uma terceira entidade; mas a participação e respectiva gestão estão incluídas no interesse e actividade da participante.

Entende por isso este Tribunal que a operação de financiamento que vimos, para já em tese geral, escalpelizando não se traduz numa prossecução única ou sequer predominante do interesse da participada, nada tendo que ver com a gestão da participante. A gestão (neste caso, o reforço do activo financeiro) que a participante efectua é do seu interesse. A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de actos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.

Esta noção é bem ilustrada por GEOFFREY HOLMES e ALAN SUGDEN, “Interpreting company reports and accounts”, Prentice Hall, 1999, p. 64, quando escrevem (subl. do tribunal):

“A participating interest is an interest held by the investing company on a long term basis to secure a contribution to its activities by the exercise of control or influence…A participating interest is only an interest in an associated undertaking where a significant influence is exercised over its operating and financial policy”.

 

A NCRF 13 expressa igual conceito, segundo o qual um investimento numa participada se insere no âmbito do interesse da investidora, e fá-lo no seguintes termos (subl. do tribunal):

 

“Associada: é uma entidade (aqui se incluindo as entidades que não sejam constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) sobre a qual o investidor tenha influência significativa e que não seja nem uma subsidiária nem um interesse num empreendimento conjunto.

Subsidiária: é uma entidade (aqui se incluindo entidades não constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) que é controlada por uma outra entidade (designada por empresa-mãe).

Controlo: é o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma actividade económica a fim de obter benefícios da mesma.

 

19. Se o investidor detiver, directa ou indirectamente (por exemplo, através de subsidiárias), 20 % ou mais do poder de voto na investida, presume-se que tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. Se o investidor detiver, directa, ou indirectamente (por exemplo, através de subsidiárias), menos de 20 % do poder de voto na investida, presume-se que não tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. A existência de outro investidor, que detenha uma participação maioritária ou substancial, não impede necessariamente que se exerça influência significativa.

 

20. A existência de influência significativa por parte de um investidor é geralmente evidenciada por uma ou mais das seguintes formas:

(a) representação no órgão de direcção ou órgão de gestão equivalente da investida;

(b) participação em processos de decisão de políticas, incluindo a participação em decisões sobre dividendos e outras distribuições;

(c) transacções materiais entre o investidor e a investida;

(d) intercâmbio de pessoal de gestão; ou

(e) fornecimento de informação técnica essencial.

(…)

 

Se, como se viu, a detenção de influência significativa implica, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas operacionais e financeiras da participada, então financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.

No plano da legislação societária, o artigo 486.º do CSC, ao definir a relação de domínio estabelece:

Artigo 486.º CSC

Sociedades em relação de domínio

 

1 – Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.

2 – Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente:

a) Detém uma participação maioritária no capital;

b) Dispõe de mais de metade dos votos;

c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.

 

Ora a influência dominante há-de conduzir a que a participante influa, actue, decisivamente na gestão da participada, levando em conta, como se julga evidente, o interesse da investidora. Estranho seria se assim não fosse. As operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a activos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respectiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do activo, entre outras.

Traçada assim a linha geral de interpretação que este tribunal acolhe relativamente ao tema em causa, passemos à apreciação do caso concreto.

 

4.3. A apreciação do Tribunal ao caso concreto dos gastos financeiros incorridos pela “C”

 

4.3.1. Introdução

 

As prestações acessórias, realizadas sob o regime das prestações suplementares, efectuadas pela “C” à “E”, permitiram que esta realizasse um conjunto de investimentos, mediante aquisição de participações sociais, nomeadamente nas seguintes entidades:

 

F… SGPS, S.A. (valor de aquisição de Euro 35.393.792,41);

G…, S.A. (valor de aquisição de Euro 155.042.718,

H…, S.A. (valor de aquisição de Euro 122.446.437,90).

 

A AT sublinha o que se refere no relatório da inspecção tributária, a propósito dos investimentos e rendimentos obtidos pela “C” derivados sua participação na “E”:

 

«Dos factos expostos anteriormente conclui-se que:

# Os proveitos gerados peio investimento financeiro efectuado “ detenção da participação na “E” " foram totalmente abatidos no cálculo do resultado tributável, a saber:

Proveitos contabilizados em 2008

o Distribuição de Lucros da “E” num total de €3.439.986,02;

Proveitos contabilizados em 2009

o Distribuição de Lucros da “E” num total de €12.900.000,00;

o Outros proveitos e ganhos financeiros de €47.257.239,72"

 

Em face desta factualidade e dos vários argumentos que as partes esgrimem, apoiando-os ambas na lei, doutrina e jurisprudência, apresenta-se de seguida a análise e apreciação do Tribunal ao caso concreto, tratando dos seguintes aspectos que abarcam as várias teses em confronto:

A - Nexo de causalidade com proveitos

B - A inserção na actividade da participante (“C”) ou da participada (“E”). Qual o interesse prosseguido?

C - Fonte produtora no caso vertente

D - A confusão de contabilidades e a assunção da actividade de uma empresa pela outra

E - Rendimentos sujeitos a imposto no caso vertente

F - Prestações acessórias no regime das prestações suplementares são capital próprio ou dívida? Remuneração pré determinada vs remuneração contingente

G - Prestações acessórias e direitos sociais no caso vertente

 

4.3.2. Análise do caso em preço

 

A - Nexo de causalidade com proveitos

 

A actividade económica empresarial envolve, em maior ou menor grau, risco e incerteza. Se assim não fosse, não se observariam tantas iniciativas empresariais que ficam aquém do êxito que os seus promotores esperariam. Na verdade, a realização de investimentos é efectuada com base em expectativas ou previsões de rendimentos futuros; mas não é possível determinar com certeza absoluta que essa aplicação de fundos (investimento) gerará retorno para os capitais investidos na medida das estimativas efectuadas.

            Casos haverá em que o retorno até pode superar essas estimativas. Outros ocorrerão nos quais esse retorno é nulo, ou eventualmente negativo, quer por vicissitudes da envolvente externa às empresas (crises económicas e financeiras), quer por más decisões de gestão das entidades empresariais, ou uma combinação de ambas as causas.

A disciplina de “Avaliação de investimentos” é clara a este respeito[19]: na vida empresarial a avaliação de um investimento (real ou financeiro) faz-se confrontando desembolsos presentes com expectativas ou previsões de rendimentos ou encaixes futuros. Não poderia deixar de ser assim, pois nenhum agente económico controla todas as variáveis de que depende a evolução esperada de rendimentos, gastos, lucros e fluxos de caixa decorrentes de um certo investimento.

As decisões económicas são, por via de regra, tomadas com base em expectativas futuras; mas tais expectativas assentam em meras estimativas e podem revelar-se bastante diversas, aquando da sua concretização. Constitui tal desvio potencial a noção de risco em actividades económicas.

O Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito Processo 0779/12, em Acórdão muito recente, de 24-09-2014, expressa esta ideia de forma nítida, ao dizer (subl. do tribunal):

“I – No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II – Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

III – Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”

 

Sustentando-se a tese de que os gastos fiscais são os que resultam da prossecução da actividade das empresas, do seu interesse próprio, inserindo-se no seu escopo social, não se afigura correcto exigir ainda aos custos esse nexo de casualidade adicional. O custo, sendo suportado no âmbito interesse da empresa, pode não vir a gerar proveitos.

Como já se disse, a existência de risco na actividade empresarial implica que, em variadas circunstâncias, os gastos não originem proveitos, sendo os investimentos não lucrativos. O custo deve evidenciar um propósito ou um intuito de obtenção de rendimento, ou de manutenção da fonte produtora, e isso basta para a respectiva dedutibilidade. Exigir um teste adicional de um obrigatório nexo de causalidade com proveitos não decorre da lei, nem a doutrina o sustenta, e a jurisprudência também dele se afastou. Como se mostrou anteriormente, a tese do "nexo de causalidade" não é um bom caminho interpretativo do conceito de indispensabilidade que integra o artigo 23.º do CIRC.

Há operações no interesse da empresa (ocasionando custos) que, a posteriori, se revelam não geradoras de rendimento. As causas para que tal aconteça são múltiplas: evolução de elementos macroeconómicos que a empresa não controla (taxas de juro, inflação, preço de matérias primas), a evolução da procura dos bens ou serviços ser mais fraca do que o previsto, ineficiência da gestão, entre outras.

Porém, no caso vertente, os investimentos da Requerente na “E” até originaram rendimentos para a “C”. É o próprio relatório da AT que o reconhece. As aplicações de fundos que a “E” efectuou geraram rendimento na esfera desta que, depois, foi distribuído como dividendos à participante, e accionista única, a “C”. Assim, a ligação a proveitos é visível neste caso. (Adiante se analisará a questão da respectiva sujeição a imposto).

Para mais, aquando dos investimentos da “C” e da política de aplicações de fundos da “E” (à qual a gestão da “C”, na prossecução dos interesses desta, esteve certamente atenta) implicou aquisição de acções de entidades da esfera da G e da F. Ora, basta consultar os sítios electrónicos destas duas entidades cotadas na Bolsa de Valores Portuguesa, para se verificar a sua regular política de dividendos. Ou seja, trata-se de investimentos com claras expectativas de remuneração, e que, relativamente aos quais, essas expectativas de remuneração se terão concretizado.

PEm suma: ainda que o nexo de causalidade não seja, no entender deste tribunal, condição sine qua non para a dedutibilidade dos gastos, esse nexo encontra-se no caso vertente, pois o activo financeiro da “C” (investimento na “E”) originou, no exercício a que os factos se reportam, a obtenção de rendimentos na esfera da participante.

 

B - A inserção na actividade da participante (“C”) ou da participada (“E”). Qual o interesse prosseguido?

A extensa noção de “activo” que o normativo contabilístico há muito consagra não justifica que se continue a entender que só activos tidos como “produtivos”, no sentido físico do termo, sejam tidos como caracterizadores de uma “actividade” ou exploração. Reafirmando a interpretação que daqui decore, tanto será actividade a gestão de um activo físico, como a de um intangível, com a de um activo não corrente detido para venda, como a de um activo financeiro.

Assim, e para exemplificar e concretizar esta noção, admita-se que A participa em B na proporção de 100%. A primeira entidade detém, pois, um activo financeiro. Que actividade implica na esfera de A a participação de que esta é titular na empresa B?

Pode, naturalmente, implicar uma actividade visando influenciar as operações correntes de B. Na verdade, no exercício dos seus poderes de gestão, A pode intervir operacionalmente em B, determinando a produção de novos bens, a redução de gastos supérfluos, ou outras medidas que incrementem o lucro operacional.

Como é claro, A também poderá intervir em B no plano financeiro. Quer aumentado o capital de B a fim de reforçar a capacidade de investimento da participada ou afectar-lhe meios financeiros que sustentem a sua tesouraria.

Pode contrapor-se que tudo isto são apenas indicações dadas à administração de B, e por isso executadas na esfera desta entidade. Mesmo que assim fosse (e não o é, pois, por exemplo, um aumento de capital da participada pouco tem que ver com a administração desta e muito mais com a vontade e meios da participante) quem dará tais indicações serão os responsáveis de A, no exercício da sua actividade enquanto gestores de uma entidade que detém um activo financeiro que carece de ser administrado. Isso constitui actividade de A e não de B. Esta última é beneficiária dessa actividade, mas não a desenvolve.

Quando os gestores de A tomam decisões que afectam as operações ou o financiamento de B não estão a desenvolver actividade de terceiros. Estão sim a concretizar actividade própria, derivada directamente da gestão de um activo financeiro.

Ora essa gestão envolve operações de financiamento que fazem parte da actividade da participante. Claro que as ditas operações têm por finalidade dotar a participada de meios para que esta concretize os seus objectivos, mas quem toma estas decisões, quem no âmbito das suas actividades lhe aporta estes meios financeiros, é a participante.

Por isso, o relatório de inspecção, sustentando que o capital alheio pelo qual a “C” pagou juros nada teve que ver com a sua exploração ou actividade, e que a “C” se terá substituído a terceiros na obtenção de tais capitais e na assunção dos juros, desvia-se de uma interpretação consentânea com a realidade das operações analisadas.

No caso em apreço, as prestações acessórias efectuadas pela “C” à “E” reforçaram um activo financeiro da “C”. A conta "41-Investimento financeiros" registou na participante esse reforço, e na participada registou-se a entrada de fundos daí advindos.

Tendo a participante, no seu escopo social, a realização de investimentos, a forma de financiamento de tais investimentos é uma decisão de gestão que está no âmbito do seu interesse, dos seus propósitos de gestão. É certo que é a “E” a utilizar os fundos que recebe para, subsequentemente, adquirir acções de terceiras entidades. Mas, se a actividade empresarial consiste, num plano económico-legal, na tomada de decisões que buscam fontes de financiamento e as aplicam em activos que serão potencialmente produtores de rendimento, então essa ligação verifica-se no caso vertente, e as operações da “C”, que vimos analisando, inserem-se na busca do seu interesse próprio.

Quer isto dizer que a “C” obteve fundos e os aplicou num activo financeiro do qual estima obter rendimento, e essa estimativa até se concretizou. Há aqui pois a prossecução de uma actividade normal, com intuitos lucrativos, com efeitos registados nas suas demonstrações ou peças financeiras. Essa actividade da “C” tem ligação à actividade da “E”, mas elas não se confundem, nem uma substitui a outra. Em suma, a “C”, ao financiar a “E” para que esta incremente seu potencial de aplicação de fundos, está a desenvolver actividade ou operações de gestão que lhe são próprias, a tomar decisões conformes ao seu interesse ou ao seu propósito empresarial.

 

C - Fonte produtora no caso vertente

 

A fonte produtora que é financiada é da “C” ou da “E”?

 A “C” financia, por via das prestações acessórias, o seu activo financeiro. Na contabilidade da “C”, a alocação de fundos à “E” tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o activo financeiro da “C”.

Posteriormente, esses fundos entram na “E” e vão financiar a aquisição de activos que constituem fontes produtoras da “E” (as acções de entidades dos grupos F e G). Mas tal não significa que exista uma relação directa entre a obtenção de fundos da “C” e a obtenção de rendimentos da “E”. Interpõe-se, entre estas operações, o investimento financeiro da “C”, que é o espelho do financiamento obtido da “D” e da aplicação de fundos na “E”.

Isto é, a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no activo da “C”, que concentra legal, económica e financeiramente a característica de uma fonte produtora da “C”: é um activo previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre a “E”, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.

 

D - A "confusão de contabilidades" e a assunção da actividade de uma empresa pela outra

 

A AT apresenta também uma linha de análise, essencialmente retirada de alguma jurisprudência, que considera existir neste tipo de operações – em face das relações entre as diferentes sociedades intervenientes, os investimentos e respectiva forma de financiamento – uma certa "confusão de contabilidades"; e a "assunção da actividade de uma empresa pela outra". Estas características contribuiriam para que se sustente a indedutibilidade dos juros controvertidos.

Ora, a materialidade contabilística de todas as operações em apreço é simples, não existindo qualquer confusão, nem assunção da actividade de uma empresa pela outra. O segundo ponto já foi extensamente tratado (ver supra, 4.3.2. B).Vejamos o primeiro.

Num primeiro momento, a “C” recebe da “D” fundos sob a forma de suprimentos. A primeira regista uma entrada de liquidez, no activo do balanço, e uma correspondente dívida à sua participante, como um passivo.

Posteriormente, tais fundos são alocados pela “C” à “E”, na forma de prestações acessórias, no regime de prestações suplementares. Que registos contabilísticos se efectuam em ambas as entidades?

Na “C”, a liquidez recebida previamente da “D” é agora substituída por um outro activo: o (incremento de valor do) investimento financeiro na “E”. O património da “C” mantém-se; apenas trocou dinheiro por um activo financeiro e tornou o seu acervo patrimonial mais arriscado.

Na “E” será registada uma entrada de fundos (liquidez) e uma fonte de financiamento no lado direito do balanço (possivelmente em "Outros instrumentos de capital próprio”).

No fim de todas estas operações, os rendimentos da “E” são reconhecidos, em função da aplicação do método da equivalência patrimonial, como rendimentos contabilísticos da “C”, incrementando o valor do seu investimento financeiro.

Aquando da distribuição de dividendos da “E” à “C” – admita-se no exercício posterior ao da obtenção de resultados – a segunda reconhece o influxo de liquidez e um decréscimo do valor patrimonial do seu investimento na “E”.

Trata-se, em súmula, de uma aplicação simples das regras do método da equivalência patrimonial, com autonomia e separação das diversas operações, permitindo individualizar os fluxos, as actividades desenvolvidas pelas diferentes entidades e medir especificamente o contributo para os lucros, fluxos de caixa e património de cada uma.

Não se vê, assim, qualquer confusão de contabilidades ou actividades no conjunto das operações relativas ao caso em apreço.

           

E - Rendimentos sujeitos a imposto no caso vertente

 

A AT alega, como já vimos, que "todos estes proveitos foram totalmente abatidos ao resultado, no quadro 07 da modelo 22, nos termos do art° 46° do CIRC, pelo que, os proveitos registados em sede contabilística não geraram qualquer proveito sujeito a imposto, em sede fiscal. Os encargos financeiros respeitam a capital cedido à “E”, a título de prestações suplementares, por isso não remunerado, ou seja, a “C” não obteve, nem pode obter, da “E” qualquer remuneração pelos valores cedidos:

Pelo que, se verifica que os encargos assumidos com o empréstimo obtido, não foram, compensados por rendimentos tributáveis. Assim, conclui-se que os encargos suportados não podem ser aceites como custos fiscais porque não se revelam indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.».

 

Nesta medida, não cumpririam o estabelecido no artigo 23.º do CIRC, que faria depender a dedutibilidade dos custos da sua ligação a ganhos sujeitos a imposto.

A questão central que o comando legal suscita é pois a de saber qual o tratamento fiscal dos custos incorridos nos casos em que estes se relacionam com proveitos sujeitos a imposto (pelas regras gerais de incidência do CIRC) mas dele isentos (por via de outros preceitos do CIRC ou de tratados internacionais).

ANTÓNIO M. PORTUGAL, em “A dedutibilidade dos custos em IRC: reflexões sobre custos incorridos em actividades isentas e não tributadas”; Ciência e Técnica Fiscal, n.º 401, 2001, pp.55-121, analisa demoradamente este tema. O autor começa por expor uma posição corrente da AT, segundo a qual o disposto no artigo 23.º do CIRC não permite extrair com exactidão ou inteira objectividade a regra de dedução de custos incorridos na geração de proveitos que, embora sujeitos, venham a ser isentos do IRC. Segundo tal entendimento, são outras as normas que devem buscar-se no CIRC a fim de esclarecer tal regime de dedutibilidade.

Em primeiro lugar, o disposto no artigo 17.º, n.º 3, alínea b), que manda organizar a contabilidade “de modo que os resultados e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes”. Haveria assim uma separação fiscal entre regimes de tributação e resultados o que implicaria uma autonomização dos proveitos e custos relacionados com certas operações. Ou seja, se o proveito obtido é isento, um custo com ele relacionado não poderá ser dedutível.

Em segundo lugar, o princípio do matching, isto é, do balanceamento entre proveitos e custos. A sua observação implicaria que se deva estabelecer uma correlação directa entre proveitos obtidos e custos suportados. Assim, e no caso vertente, os custos deveriam ser imputados, conexos ou diretamente atribuíveis aos proveitos isentos. Daqui resultaria também a sua não dedutibilidade, por força do mencionado balanceamento (matching).

A estas posições, contrapõe aquele autor três razões para sustentar uma conclusão diferente. A primeira razão assenta numa interpretação literal do preceito. Com efeito, o legislador, na redacção do artigo 23.º do CIRC, deixou bem claro que se trata de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto. (E esta redacção consta desde logo na versão inicial do CIRC, de 1989). Para que se interpretasse tal dispositivo legal como significando “sujeitos e não isentos” é preciso que se considere fiscalmente irrelevante a distinção entre “não sujeição” e “isenção”. E, por outro lado, que na redacção da lei existisse um mínimo de concordância com o significado que a administração fiscal se propõe atribuir-lhe. Assim o impõe, como se sabe, uma das regras gerais de interpretação das leis.

Por outro lado, noutros preceitos do CIRC, deixou o legislador claro que não desconhece as várias realidades da incidência do IRC. Veja-se o artigo 54.º, n.º 1, (também já constante da versão original do CIRC) que de seguida se transcreve. Como se observa, aí está expressamente consagrado “gastos comprovadamente indispensáveis (…) à obtenção de rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC”. Ora a redacção do artigo 23.º do mesmo Código anda bem longe desta formulação. Por isso não será correcto estender tal interpretação de forma que o texto legal não suporta.

 

Artigo 54.º

Gastos comuns e outros

 

1 — Os gastos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados na determinação do rendimento global nos termos do artigo anterior e que não estejam especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC são deduzidos, no todo ou em parte, a esse rendimento global, para efeitos de determinação da matéria colectável, de acordo com as seguintes regras: …”

 

Ainda neste âmbito, sustenta A. M. PORTUGAL que a distinção entre não sujeição e isenção implica, de acordo com o consenso da doutrina, que desta distinção surjam realidades totalmente diversas no plano das suas consequências fiscais. A não sujeição implica uma deliberada subtracção às regas de incidência; um tratamento à parte. É o caso, por exemplo, da tributação do jogo, de acordo com o estabelecido no CIRC.

Ora, no dizer do autor[20], “quando as normas fiscais se referem à sujeição a imposto, depreende-se que estas se estarão a referir ao conjunto de operações abrangidas pelas respectivas normas de incidência, mesmo que tais operações venham posteriormente a ser abrangidas por uma qualquer norma de isenção.”

Concluir-se-ia assim que o artigo 23.º do CIRC não pode, sem mais, ser usado para excluir da dedutibilidade custos incorridos na obtenção de proveitos isentos.

Uma outra razão para que não se perfilhe a tese da AT anteriormente exposta é a de que o princípio do matching não tem consagração legal no CIRC. (Nem, ao tempo a que se reporta o caso em apreço, a tinha no POC). Nas palavras do autor que aqui se segue: “ …o que decorre do princípio da especialização dos exercícios, tal como está previsto no CIRC, é apenas um critério de imputação a exercícios dos respectivos proveitos e custos. Deste princípio não deriva uma obrigação expressa para contabilidade ter de informar qual foi o custo Z que se teve para se obter o proveito Y….O cálculo efectuado é, como manda o CIRC, anual e a lei não obriga expressamente ao apuramento dos resultados operação a operação”.

 

Os argumentos relativos à formulação do artigo 23.º do CIRC e ao significado do princípio da especialização no domínio contabilístico-fiscal levam-nos a rejeitar a posição da AT segundo a qual os rendimentos obtidos pela “C” "não geraram qualquer proveito sujeito a imposto, em sede fiscal".

Deve ainda enfatizar-se que os ditos rendimentos eram acrescidos ao lucro tributável pelo disposto nos (então) artigos 18.º, n.º 7, e 20.º n.º 1, do CIRC; mas eram depois deduzidos ao mesmo lucro tributável por via do artigo 51.º, que visa eliminar os efeitos da dupla tributação económica dos dividendos.

Este é, como se sabe, um tema estruturante da tributação societária. Com efeito, o impacto da tributação nas políticas de investimento e financiamento das empresas que se organizam sob a forma societária é um assunto central em matéria de gestão financeira e fiscal dessas organizações.[21]

No plano específico da tributação dos dividendos existe uma questão central que qualquer ordenamento tributário deve resolver. Trata-se do fenómeno conhecido por “dupla tributação económica dos dividendos”. A questão coloca-se, naturalmente, tanto no domínio da relação entre um indivíduo e uma sociedade, como na esfera das relações entre sociedades.

Neste último caso, admitindo uma cadeia de participações em que a sociedade “A” participa em “B”, e esta, por sua vez, detém o capital de outra sociedade “C”, facilmente se antevê que se poderia desencadear uma tributação múltipla dos lucros gerados pela sociedade colocada no plano hierarquicamente inferior da cadeia.

A ausência de soluções correctoras destes múltiplos momentos tributários ocasionaria sérios inconvenientes[22]. Por isso se encontram na generalidade dos regimes tributários formas de eliminar a dupla tributação no plano inter-societário. Em face do inegável impacto negativo sobre o investimento da dupla (ou múltipla) tributação económica dos dividendos, existem soluções que foram, entre nós, há muito consagradas. Na verdade, desde o início da vigência, em 1989, do Código do IRC, que o legislador fiscal introduziu no ordenamento tributário normas que buscam eliminar a dupla tributação dos dividendos distribuídos entre sociedades. O próprio preâmbulo do CIRC se refere desenvolvidamente a esta questão estruturante do IRC.

Na verdade, já na versão inicial do CIRC, o artigo 45.º tratava desta questão. Presentemente, e dada a sua relevância para o caso sob apreciação, são de particular relevo os seguintes dispositivos, sejam eles constantes do CIRC ou de outros normativos fiscais:

a)      O regime de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos consagrado no artigo 51.º do CIRC;

b)      As Convenções sobre Dupla Tributação (CDT) e as Directivas Europeias, tendo, no caso em apreço, a Directiva “Directiva Mães – Filhas”, uma importância central na uniformização na UE dos mecanismos de eliminação da dupla tributação dos dividendos distribuídos entre sociedades.

O mencionado artigo 51.º do CIRC estabelecia, à data dos factos, no seu n.º 1, o seguinte:

 

“1 — Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7.º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um custo de aquisição não inferior a € 20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período."

Desta redacção se infere que o legislador procurou, através da utilização do método da isenção, operando ao nível da determinação do lucro tributável da sociedade participante, eliminar a dupla tributação económica dos dividendos, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos na dita norma.

A actual versão do CIRC (2015) consagra – à semelhança de muitos países da UE – um regime de participation exemption. Este, como se sabe, determina a isenção de dividendos e mais valias, desde que a participação financeira que origina tais rendimentos cumpra certas condições.

Em suma, a isenção dos rendimentos aqui controvertidos e recebidos pela “C” não os exime à incidência do CIRC. Essa incidência está prevista nos artigos 20.º e 18.º do CIRC e é materializada num acréscimo ao quadro 7 da declaração modelo 22. Todavia, uma razão estrutural de política fiscal, em sede da tributação empresarial – a eliminação da dupla tributação dos dividendos – implica a sua dedução ao lucro tributável. Assim, o efeito é neutro, pois que tais dividendos são primeiramente adicionados a essa base (por via dos artigos 18.º e 20.º do CIRC) e em seguida deduzidos (em razão do disposto no artigo 51 do mesmo código).

 

F - Prestações acessórias no regime das prestações suplementares são capital próprio ou dívida? Remuneração pré determinada vs remuneração contingente

 

A AT argumenta que, no caso em apreço, as prestações acessórias, no regime das prestações suplementares, são, em substância, empréstimos e que deles deveria ter resultado um juro pago pela “E” à “C”. A Requerente argumenta que nem a figura jurídica usada nem a substância da operação a assimila a um empréstimo.

Usando a grelha interpretativa que a seguir se apresenta, relativa às características do capital próprio e do capital alheio, o Tribunal poderá concluir a qual das figuras (capital próprio ou alheio) melhor se equipara o financiamento da “C” á “E”, e, nesse sentido, qual o tipo de rendimento que daí adviria: pré determinado ou contingente. O esquema classificativo proposto por DAMODARAN[23] é de inegável utilidade.

Segundo este autor, no plano financeiro, a natureza essencial da distinção entre capital próprio e dívida decorre da natureza dos fluxos de caixa (cash flows) a que cada um dos meios de financiamento confere direito. A dívida confere o direito a uma série de cash flows contratuais ou pré determinados (juros e reembolso), ao passo que o capital próprio confere ao investidor o cash flow residual ou contingente, após a satisfação das restantes obrigações.

Para determinar a posição tendencial de um determinado instrumento na panóplia de meios de financiamento através de dívida e capital próprio, deve, segundo o autor, responder-se às seguintes questões:

1-      São os pagamentos derivados de instrumentos contratuais ou residuais?

Se contratuais, será dívida

Se residuais, será capital próprio

2-      O instrumento tem um prazo fixo?

Se sim, será dívida

Se não, será capital próprio

3-      O instrumento faculta ao seu titular a participação no controlo da gestão da empresa?

Se sim, será capital próprio

Se não, será dívida

4-      Se a empresa entra em dificuldades financeiras o instrumento tem alta ou baixa prioridade sobre os cash flows?

Se baixa, será capital próprio

Se alta, será dívida

5-      Os pagamentos derivados do instrumento são fiscalmente dedutíveis?

Se sim, será dívida

Se não, será capital próprio

 

Ora, as prestações efectuadas pela “C” à “E”, seguem o regime das prestações suplementares. Não vencem um rendimento pré fixado, não têm um prazo fixo para reembolso e têm baixa prioridade em caso de degradação financeira. Assim, são um instrumento de capital próprio, aliás como tal reconhecido contabilisticamente. A sua remuneração é pois residual. Essas prestações incrementam a capacidade da “E” efectuar aplicações de fundos, cujo rendimento se materializará no seu lucro. Esse lucro será depois, eventualmente, distribuído à “C”, tendo assim uma natureza não determinística ou pré determinada.

Não é, assim, apropriado o argumento da AT segundo o qual estas prestações seriam um empréstimo que deveria ter associado um juro.

 

 

G - A natureza das prestações acessórias e a questão direitos sociais no caso vertente

 

Segundo a AT, as prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares que a “C” realizou em benefício da “E”, relativamente às quais inexiste qualquer forma de remuneração (juros), não têm a natureza de partes de capital, isto é, não se traduzem “de per si” num acréscimo dos direitos sociais da “C” na “E”. Consequentemente, a exploração de tal activo financeiro não dá origem a qualquer proveito tributado.

Diga-se desde já que o Tribunal não convalida tal posição. Um exemplo simples bastará para mostrar o vício de raciocínio em que a AT incorre. Suponha-se uma sociedade B cujo capital social, de 10 euro, é inteiramente detido pela sociedade A, sócia única a participante de B. Suponha-se, ainda, que com esses fundos, a sociedade B adquire activos dos quais retira um lucro líquido de 1. Admitindo a integral distribuição de lucros de B para A, esta recebe um retorno de 10% (1/10) sobre os fundos investidos em B e contabilizados como investimentos financeiros em A.

Admita-se que, num segundo momento, A reforça o seu investimento em B, aportando a esta 100 de prestações acessórias no regime de prestações suplementares. Considere-se que B aplica tais fundos e obtém deles um rendimento líquido de 10. O lucro líquido global de B será agora de 11, o qual se supõe novamente distribuído a A pela totalidade. Ora A recebe rendimentos derivado dos fundos que alocou a B. Quer dizer, como A continua a deter 100% do capital de B, continua a ter direito à integral percepção dos dividendos desta recebidos.

A respectiva taxa de retorno sobre o capital investido é ainda de 10% (11/110).

Aplicando ao caso vertente, a AT, ao dizer que as prestações acessórias não geram para aa “C” acréscimo de direitos, está a suscitar uma questão lateral.

O que importa aqui saber é se os rendimentos adicionais da “E”, na forma de lucros auferidos pelos investimentos que esta executa, afluem em igual medida à esfera da participante “C”. E a resposta não pode deixar de ser afirmativa. A “C” detinha, e continua a deter, 100% do capital da “E”. Os rendimentos que a “C” espera do reforço do investimento na “E” continuam por isso a ser-lhe atribuíveis na totalidade.

O que se terá de analisar são os rendimentos obtidos no seguimento de um investimento suportado por uma certa forma de financiamento e não a forma de reembolso ou o tipo de direitos sociais que as prestações acessórias geram para a “C”. Esta vê o seu rendimento incrementado em função do retorno do investimento efectuado na “E”. Disso não há dúvidas.

Sobre o argumento da AT de que esses proveitos não são sujeitos a tributação e tal originar a desconsideração dos juros na “C”, já nos pronunciámos em ponto anterior, não acolhendo a tese da AT acima expressa.

 

 

5. Decisão

 

Conclui-se, assim, que a correcção da matéria tributável da “C” efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira não tem suporte legal no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, pelo que enferma de vício de violação de lei, que se transmite ao acto de liquidação que a teve como pressuposto. Por isso justifica-se a anulação do acto de liquidação que é objecto do pedido de pronúncia arbitral (artigo 135.º do CPA de 1991).

O despacho de indeferimento da reclamação graciosa que manteve a liquidação com base na correcção efectuada enferma do mesmo vício, pelo que também procede o pedido da sua anulação.

Assim, acordam em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação do acto de liquidação de IRC n.º 2013 …, de 31 de Dezembro de 2013;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido pelo Senhor Chefe de Divisão da Área da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ..., datado de 02-07-2014;

c)      Anular os referidos actos de liquidação e de indeferimento da reclamação graciosa;

d)     Julgar o Tribunal Arbitral incompetente para apreciar o pedido de reposição do prejuízo fiscal gerado pela “C” em 2009 e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a este pedido.

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.269.926,52.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 29.376,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 15-01-2015

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Paula Rosado Pereira)

 

 

 

(António Martins)

 

 

 

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.



[1] Os factos controvertidos referem-se a 2009. Usaremos aqui indistintamente a terminologia contabilística que constava do POC – proveitos e custos – e a que agora consta do SNC – rendimentos e gastos. Como se sabe, no exercício de 2009, a que se reporta temporalmente o tema aqui analisado, vigorava o POC, tendo o SNC entrado em vigor em 2010. Todavia, as matérias de investimentos financeiros e o método do seu reconhecimento não se alteraram de forma a colocar em causa esta opção terminológica.

[2] Vejam-se, relativamente a estas referências, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 30-05-2012, no Processo 0171/119, bem como outros acórdãos aí referidos. Na doutrina vejam-se, entre outros, RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007 e J. L SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006.

[3] Op. cit. pp. 132-133

[4] Op. Cit. Pp 134

[5] Op. Cit. Pp. 136

[6] Op. Cit. Pp-137

[7] Op. Cit. Pp. 112

[8] Citando VÍTOR FAVEIRO, “O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte no estado social de Direito”, Coimbra, 2002, pp.847-848, o autor destaca o seguinte trecho:” …Só podendo ser os custos objecto de correcção directa, nos termos do artigo 23.º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem como estranhos ao objectos e ao fim económico e gestionário global da empresa”.

[9] Op. Cita pp.113

[10] Op cit, pp. 150

[11] In Direito Tributário, 2000, p. 165

[12] RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007. P 86.

[13] Op. cit . p. 86

[14] Op. cit p. 87

[15] J. L SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 215

 

[16] É o seguinte o dizer do Tribunal: “The plain meaning os section 20 (1)(c )(i) does not support an interpretation of “income” as the equivalent of “profit” or “net income”. Therefore, absent a sham or window dressing or similar vitiating circumstances, courts should not be concerned with the sufficiency of the income expected or received.” Veja-se: http://www.mgca.com/TaxTalk/TaxTalk%20200404-CasesofInterest.pdf

[18] No contexto do POC as contas da classe 4- englobavam, entre outras:

41- Investimentos financeiros

42-Imobilizações corpóreas

43- Imobilizações incorpóreas

44- Imobilizações em curso

[19] Veja-se, entre outros, A. CEBOLA, Elaboração e Análise de Projectos de Investimento, Ed. Sílabo, Lisboa, 2000; A. DAMODARAN, Applied Corporate Finance, Mac Graw Hill, N. York, 2011.

 

 

[20] Op. Cit, pp. 97

[21] A este propósito veja-se, na literatura internacional, entre outros, A. DAMODARAN, Corporate Finance, Wiley, 2001; R. LEASE ET AL, Dividend policy, Harvard University Press, 2000; M. SCHOLES E M. WOLFSON, Taxes and business strategy, Prentice Hall, 1992. Na literatura nacional, veja-se, entre outros, A. MARTINS, A fiscalidade o financiamento das empresas, Vida Económica, 1999, e M. AUGUSTO, Estrutura de financiamento e política de dividendos: respostas e dúvidas do estado da arte, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008.

[22] Veja-se, entre nós, a este respeito, M. DE FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, 2005; F. SOUSA DA CÂMARA, “Limitações à aplicação do método da isenção por virtude de abusos: o n.º 10 do art. 46 do Código do IRC”. p. 33-47, disponível em www.mlgts.pt/artigos .

 

[23] Veja-se ASWATH DAMODARAN, Corporate finance, N York, Wiley, 1997, p.389 e segs.