Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 581/2021-T
Data da decisão: 2022-02-09  Selo  
Valor do pedido: € 23.553,94
Tema: IS - Operações financeiras. Verba 17.1.4., da TGIS.
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SUMÁRIO:

 

I – A forma de regularização do crédito – por encontro de contas –, que mais não é do que uma compensação entre débitos e créditos das entidades intervenientes, remete-nos para o conceito de conta corrente, contrato regulado pelos artigos 344.º e seguintes do Código Comercial.

II – A referência a uma data antes da qual o crédito não poderá ser liquidado, não é indicativa do momento exato em que se verificará o termo da relação creditícia entre as entidades intervenientes, antes tem efeito meramente suspensivo do encerramento da conta e do termo do contrato que, na falta de convenção escrita, fica dependente da vontade das partes, não estando, por esse motivo, determinado, nem se afigurando ser determinável.

III – Admitindo o n.º 1 do artigo 77.º, da LGT, que a fundamentação do ato tributário possa “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e contendo a demonstração da liquidação a data da análise efetuada pela AT, sendo coincidentes os períodos e quantitativos do imposto liquidado e os que constam do RIT com alusão, ainda que sucinta, às normas aplicáveis à situação analisada, incluindo a respeitante a juros compensatórios, deverá o ato ter-se por suficientemente fundamentado.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

Em 14 de setembro de 2021, A..., S.A., com o NIPC ... e sede na ..., ...-... ... NAZARÉ (adiante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

A.           Objeto do pedido:

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação adicional de Imposto do Selo (IS) e juros compensatórios n.º 2021..., referente ao ano 2017, no valor global de € 23 553,94, emitida na sequência de um procedimento de inspeção tributária, e com data limite de pagamento em 16 de junho de 2021.

 

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida no reembolso da referida quantia de € 23 553,94, por si indevidamente paga em 1 de julho de 2021, acrescida de juros indemnizatórios nos termos legais.

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

A Requerente invoca a ilegalidade das liquidações de IS e juros compensatórios emitidas na sequência do procedimento de inspeção de que foi alvo, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

1.            A demonstração da liquidação omite em absoluto as disposições legais aplicáveis, a referência à notificação do RIT e à base e ao período de cálculo dos juros compensatórios que são imputados à Requerente, em frontal violação do disposto no artigo 77.º da LGT e no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT, pelo que se requer a sua anulação por vício de forma, por falta de fundamentação;

2.            A Requerente encontrava-se enquadrada no B..., sendo, em 2017, detida em 22,05% do seu capital social pela C..., à qual concedeu um empréstimo, com o objetivo de a dotar dos meios líquidos necessários para fazer face à sua atividade, e que perfazia um saldo no valor de € 4 219 388,58, conforme registado contabilisticamente àquela data;

3.            Apesar de a Requerente reconhecer que não há título formal – o que, aliás, não contraria o disposto no artigo 396.º do Código Comercial –, esse facto não permite a conclusão de que as partes não definiram um prazo de utilização e reembolso do empréstimo;

4.            Como demonstrou a ora Requerente já em sede do seu Direito de Audição, a Requerente e a C... nunca tiveram a intenção de que o empréstimo concedido não tivesse um prazo (isto é, que o mesmo fosse totalmente indeterminável) ou tivesse um prazo inferior a um ano;

5.            Intenção que se demonstra pelo facto de ambas as partes o tratarem contabilisticamente como “não corrente”: está em causa um empréstimo registado – na contabilidade da mutuante e da mutuária – na conta 26 “Acionistas/Sócios”, de acordo com a nomenclatura do Sistema de Normalização Contabilística, tendo sido criada a subconta #2681001, dentro da conta #2681 que diz respeito a “Empréstimos a Sócios”, e face à redação do Ponto 9. do Anexo às suas Demonstrações Financeiras, conforme se demonstrou pelo Relatório e Contas de 2017 junto como Doc. n.º 6;

6.            Acresce ao exposto, que sem prejuízo da observância do prazo “mínimo” de 31 de dezembro de 2019 que havia sido estabelecido pelas partes, como expressamente resulta do Relatório e Contas de 2017, as partes vieram a reconhecer a necessidade de prolongar o prazo de maturidade do empréstimo em causa, tal como decorre do Relatório e Contas de 2020, o que mais demonstra a conclusão de tal prazo não ser indeterminável;

7.            Também não está em causa um empréstimo sob a forma de conta corrente, o que não corrobora a conclusão da AT de que o montante mutuado deve ser tributado, em sede de IS, à taxa aplicável a empréstimos em conta corrente, sem prejuízo de já terem sido, entretanto, por via de compensação de créditos, feitas algumas amortizações ao capital mutuado em causa;

8.            Parece evidente que a interpretação avançada pela AT excede o alcance que lhe seria legalmente admissível, razão pela qual a correção em apreço deverá ser anulada, para todos os devidos efeitos legais, com a consequente anulação da liquidação.

 

A Requerente juntou 10 documentos e requereu a produção de prova testemunhal, para os efeitos do disposto nos artigos 495.º e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

b. Da Requerida

Notificada por despacho arbitral de 26 de novembro de 2021, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta na qual veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            Entende a Requerente que as liquidações de juros compensatórios não estão devidamente fundamentadas, sem que, contudo, lhe assista razão, dado que nas mesmas constam todos os elementos legalmente exigidos: a natureza e quantificação do ato tributário, o período de tributação, período de cálculo, valor base, taxa e valor de juros apurado, sendo percetível a um destinatário médio conhecer o caminho percorrido pela AT;

2.            A notificação da nota de liquidação surge na sequência de uma ação inspetiva, cujo Relatório, concluído em 09.04.2021, a fundamenta e, a própria nota de liquidação também remete para aquele Relatório, ao referir, no quadro “Data de Análise” a data da sua conclusão;

3.            No que concerne especificamente aos juros compensatórios constata-se que há 4 períodos de imposto que não foram discriminados na tabela (meses de janeiro, outubro, novembro e dezembro). No entanto, para além da fundamentação constante do Relatório, a nota de liquidação contém a seguinte nota preliminar: "NOTA: Para consultar, na totalidade, as demonstrações de liquidação deverá dirigir-se a um Serviço de Finanças";

4.            A fundamentação do ato de liquidação contestada tem-se por suficiente, clara e congruente, porquanto um destinatário normal dotado de conhecimentos normais, ou seja, um “bonus pater família”, que tenha tido acesso ao Relatório não pode desconhecer que os juros compensatórios liquidados em cada um dos períodos de imposto resultam do atraso na liquidação e entrega do imposto devido;

5.            A admitir-se que a notificação não foi acompanhada da fundamentação do ato, tratar-se-ia de uma notificação irregular, irregularidade que não se estende ao ato notificado, e que pode ser sanada nos termos artigo 37.º do CPPT, mecanismo de que a Requerente se não socorreu;

6.            Quanto à correção contestada, remete-se para o expendido no RIT, em que bem se explicitam as razões pelas quais se promoveu a correção aqui em discussão;

7.            A Requerente não logrou demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito à liquidação, limitando-se a AT aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas legais aplicáveis, tendo as correções sido efetuadas com base nas diligências promovidas em sede de ação de inspeção, designadamente, a análise dos elementos contabilísticos apresentados pela Requerente;

8.            Tendo os extratos das Contas permitido observar que na conta SNC 268101 são registados movimentos e saldos desde 30.09.2001 que traduzem a concessão de empréstimos em conta corrente, considerou a Autoridade Tributária que esta operação contabilizada na conta SNC 268101 constitui um empréstimo em conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não é determinado ou determinável, cabendo, por isso, na previsão da verba 17.1.4 da TGIS, sendo, assim, tributado sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, à taxa de 0,04%.

9.            A limitação do reembolso para além de 2019-12-31 não constitui o estabelecimento de uma data efetiva de reembolso, mas sim uma limitação aceite entre as partes de que o pagamento do empréstimo apenas poderá ocorrer após 2019-12-31, continuando por definir a data efetiva do reembolso, não restando outra conclusão que não a de qualificar o prazo de utilização como indeterminado ou indeterminável a 31-12-2017;

10.          Razão pela qual deve manter-se na ordem jurídica a tributação de Imposto de Selo em falta, no que respeita ao período de 2017-01-01 a 2017-12-31.

 

Pelo despacho arbitral de 18 de janeiro de 2022, não tendo sido invocadas exceções, estando em causa matéria essencialmente jurídica e considerando que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova documental junta aos autos, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente. Foram ainda as Partes convidadas à apresentação de alegações escritas, pelo prazo simultâneo de 10 (dez) dias, com indicação de que a decisão arbitral seria proferida dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, devendo a Requerente, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral remanescente.

 

A Requerida apresentou alegações escritas, nas quais remeteu expressamente para quanto havia dito em sede de Resposta e requerendo a sua notificação para se pronunciar sobre eventuais factos, elementos ou questões jurídicas novos, que viessem a ser suscitados nas alegações da Requerente.

 

A Requerente não apresentou alegações.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 26 de novembro de 2021, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as

suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral

tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

 

A – Factos provados:

1.            A Requerente é uma sociedade anónima integrada no B..., cujo capital social, em 2017, era parcialmente detido pelo D... (69,65%), pela sociedade C..., SA, enquadrada no mesmo Grupo empresarial (22,05%) e pela sociedade E..., SA (2,45%), e que exerce as atividades com os CAE Principal, 16212 – Fabricação de painéis de fibras de madeira e Secundário, 16102 – Impregnação de madeira (cfr. pág. 5 do Relatório de Inspeção Tributária, adiante designado por RIT, junto ao PPA como Doc. n.º 2 e Relatório e Contas do Exercício de 2017, junto ao PPA como Doc. n.º 6);

2.            A Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção tributária credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2020..., de 13 de março de 2020, da Direção de Finanças de ..., inicialmente de âmbito parcial (IRC/IVA do exercício de 2017) e posteriormente alargada a retenções na fonte de IRS/IRC e IS do mesmo exercício, conforme a notificação expedida através do ofício ...-...-2021, de 23.02.2021, a coberto do registo dos CTT n.º RH...PT (cfr. pág. 4 do RIT);

3.            No que respeita às correções em sede de Imposto do Selo, consta do RIT, designadamente, o seguinte (págs. 15 a 20 do RIT):

“III.4. Em sede de Imposto do Selo

III.4.1. Crédito Concedido em Conta Corrente ou Qualquer Outra Forma, Utilizado – Ver ponto IX.2.2.4.

Legislação aplicável aos factos tributários

Art.º 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS)

“O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”.

Art.º 2.º, n.º 1, al. b) do CIS

“São sujeitos passivos do imposto:

b) Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações;”.

Art.º 7.º, n.º 1, al. g) do CIS

“São também isentos de imposto:

As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SRC) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo;”. 

Ou seja, não estão isentas de Imposto do Selo, as operações financeiras, por prazo superior a um ano, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.

Quanto ao nascimento da obrigação tributária, tal encontra-se regulado no Art.º 5.º, n.º 1, al. g) do CIS:

“A obrigação tributária considera-se constituída:

Nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado ou determinável, no último dia de cada mês;”.

Nos termos da Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), por remissão do Art.º 1.º, n.º 1 do CIS o “Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30”, encontrando-se sujeito a Imposto do Selo à taxa de 0,04% (…).

Na concessão do crédito o Imposto do Selo constitui encargo do utilizador do crédito (Art.º 3.º, n.º 3, al. f) do CIS), estando legalmente incumbido da sua liquidação e pagamento da A... (Art.º 1.º, n.º 1, al. b), Art.º 23.º, n.º 1 e Art.º 41.º, todos do CIS).

(…)

No período de 2017 A... relevou contabilisticamente na conta SNC 2681001 – C... (Acionistas/Sócios – Outras Operações – Ativo não Corrente) um débito no valor de € 4.219.388,58, traduzindo um empréstimo concedido, valor este que se manteve desde o dia 1 de janeiro até 31 de dezembro inalterável.

No ponto a. do n/e-mail de 2020-09-09 11:09 A... foi solicitada a remeter os contratos outorgados ao abrigo dos quais foram realizadas as operações contabilizadas nas Contas SNC 2681001 e 2783014.

A... informou pelo seu e-mail de 2020.10.19 18:08 que:

1.º - “Os saldos das contas 2681001 e 2783014, no valor de 4.219.388,58 Euros e 319.291,52 Euros dizem respeito ao valor a receber da C... e que resulta das transferências de fundos efetuados em exercícios anteriores, destinados a dotar aquela sociedade dos meios líquidos necessários a fazer face à sua atividade (incluindo pagamento de impostos e contribuições para a segurança social em substituição da C... cujos exemplos enviamos em anexo). As respetivas transferências de fundos não foram alvo de qualquer tipo de contratos outorgados, nem se afigura necessária a existência de contratos formais.

2.º - remeteu extratos das Contas SNC 2681001 e 2783014, tendo-se verificado que a Conta SNC 2681001 (inicialmente Conta 2500300) regista movimentos desde 2001-09-30, encontrando-se devedora desde 2002-01-02, movimentos e saldos que traduzem a concessão de empréstimos em conta corrente.

Da análise da Conta SNC 2681001 construiu-se o quadro seguinte (apenas com dados dos períodos de 2015 a 2017):

 

 O valor do saldo inicial de 2015 da Conta SNC 2681001 bem como a inexistência de contratos formais coincide com os “Ênfases” que constam na Certificação Legal de Contas referente a 2014-12-31, emitida em 2015-04-14, na qual se pode ler “O Balanço evidencia dívidas de terceiros na rubrica “Accionistas” no valor de 4 148 889 euros, que não se encontram suportados por contratos formais;”.

Em termos fiscais as operações contabilizadas na Conta SNC 2681001 constituem empréstimos concedidos em conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, conforme prevê a Verba 17.1.4 da TGIS.

Pelo facto de não existirem contratos outorgados entre as partes, o correspondente prazo de empréstimo não se encontra determinado nem é determinável.

A este propósito importa mencionar o que consta do Ponto 9. do Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais do período de 2017 da A...:

“9. Acionistas

O saldo apresentado na rubrica de “Acionistas”, do ativo não corrente, corresponde ao valor a receber da C... e que resulta das transferências de fundos efetuados e, exercícios anteriores, destinados a dotar aquela Empresa dos meios líquidos necessários para fazer face à sua atividade. Este saldo poderá vir a ser, apenas após 31 de dezembro de 2019, regularizado por encontro de contas com o saldo a pagar pela A..., correspondente à prestação de serviços que a primeira assegura, ao abrigo do contrato de prestação de serviços assinado entre as partes.

O saldo apresentado como corrente diz respeito a gestão de carência de tesouraria de curto prazo entre as entidades.”.

Seguidamente resumem-se os factos verificados que revelam a situação em análise:

» o empréstimo foi efetuado pela A... em benefício da sociedade com a qual se encontra em relação de grupo (C...);

» o empréstimo foi concedido em conta corrente, sendo materializado através de múltiplos lançamentos em conta corrente, acrescendo que o saldo devedor tem mais de uma década (provém de 2002-01-02);

» não existem contratos formais outorgados, pelo que o prazo de concessão e reembolso do valor emprestado não se encontra determinado, nem é determinável:

» o valor do empréstimo apenas poderá vir a ser recebido após 2019-12-31, concluindo-se, também por aqui, que o empréstimo concedido tem prazo de reembolso superior a um ano.

O que equivale a dizer que o empréstimo em causa não beneficia da isenção estabelecida no Art.º 7.º, n.º 1, al. g) do CIS.

Motivos pelos quais este empréstimo concedido em conta corrente está sujeito a Imposto do Selo, nos termos do Art.º 1.º, n.º 1 do CIS e da Verba 17.1.4 da TGIS.

Consequentemente, este empréstimo concedido em conta corrente será tributado sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, à taxa de 0,04%, nos termos da Verba 17.1.4 da TGIS.

Perante os fundamentos expostos e os normativos fiscais invocados, no quadro seguinte detalha-se o Imposto do Selo em falta no período de 2017-01 a 2017-12, tendo por base o apuramento do imposto realizado nas colunas 1 a 6 do Quadro IS2.

 

(…)

VIII.1. Juros compensatórios

Por culpa da A... as liquidações referentes às correções identificadas no Ponto III. e no Ponto IX.2. do Relatório foram retardadas, vindo a ocorrer apenas após a intervenção da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Razão pela qual e nos termos do Art.º 35.ºda LGT acrescem Juros Compensatórios sobre o valor das liquidações decorrentes identificadas no Ponto III. e no Ponto IX.2. do Relatório.

(…);

4.            Tendo a Requerente exercido o Direito de Audição sobre o projeto de RIT que lhe foi notificado, viria o mesmo a ser objeto de apreciação, nos seguintes termos (cfr. págs. 25 a 28 do RIT e Doc. n.º 3 junto ao PPA):

“IX.2.2.4. Ponto III.4.1. Crédito Concedido em Conta Corrente ou Qualquer Outra Forma, Utilizado

Exposição da A...

“…

A Exponente tem um entendimento diferente, trazendo ao exercício do direito de audição uma conclusão diversa da Autoridade Tributária, após consideração dos factos trazidos pela própria Autoridade Tributária, que se encontram espelhados na página 18/20 do Projeto de Relatório e se transcrevem:

A Exponente não disputa a factualidade de que o empréstimo foi concedido por variadas vezes, nem que tem grande antiguidade – encontrando-se registado nas contas como ativo não corrente, em linha com este entendimento – mas não concorda com a conclusão da Autoridade Tributária de que não se encontra definido um prazo de utilização e reembolso pois, citando a Autoridade Tributária, “o valor do empréstimo apenas poderá vir a ser recebido após 2019-12-31 …”.

Efetivamente, em termos genéricos, mesmo que inexistam contratos formais outorgados, tal não invalida ad eternam a definição das condições a posteriori para um contrato de empréstimo, nomeadamente no que toca à sua utilização e ao seu reembolso.

No caso sub judice, a Autoridade Tributária vem alertar que a A... define um prazo de reembolso superior a um ano, reconhecendo que “apenas poderá vir a ser recebido após 2019-12-31”. Esta conclusão é incompatível com a alegação de que não se encontra determinado, nem é determinável, um prazo para o reembolso/utilização, pois sabe-se que a utilização decorrerá, pelo menos até 2019-12-31, data a partir da qual será permitido o reembolso, o que é perfeitamente quantificável, determinado e determinável.

Nestes termos, entende a Exponente que é afastada a possibilidade de aplicação da taxa de 0,04%, nos termos da Verba 17.1.4 da TGIS.

Outrossim, porque se encontra claramente determinado e é perfeitamente determinável o prazo de utilização do crédito, deverá ser aplicada a taxa de 0,5% sobre o valor total do crédito, nos termos da Verba 17.1.2 da TGIS (…).

(…)

» Posição da Inspeção Tributária

Conforme resulta da leitura dos argumentos aduzidos pela A... conclui-se que estra diverge no prazo de utilização do crédito que concedeu à C..., SA.

(…)

Ora, estando o crédito concedido desde 2002-01-02, no período de 2017 o crédito concedido subsiste há catorze anos, pelo que importa apurar o prazo do mesmo (a data do reembolso).

Conforme foi informado pela A... no seu e-mail de 2020-10-19 18:08, …”as respetivas transferências de fundos não foram alvo de qualquer tipo de contratos formais outorgados, nem se afigura necessária a existência de contratos formais.”.

A inexistência de contratos formais volta a ser confirmada pela A... em sede de Direito de Audição quando refere que “… mesmo que inexistam contratos formais outorgados …”.

Ou seja, em 2021-04-05 presume-se que continuam a não existir contratos formais, pois em sede própria (Direito de Audição) os mesmos não foram exibidos, assim como não foram exibidas quaisquer condições estabelecidas entre as partes no que respeita à(s) data(s) efetivas(s) do reembolso do empréstimo concedido.

(…)

A informação que consta do Ponto 9. do Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais do período de 2017 da A... não estabelece objetivamente uma data de reembolso, pelo que essa data é incerta.

(…)

Fundamentos pelos quais não se atende a pretensão da A..., mantendo-se a correção proposta nos termos do Quadro IS2.

(…)”;

5.            O Relatório de Inspeção Tributária referente ao procedimento aberto pela Ordem de Serviço n.º OI2020..., de 13 de março de 2020, da Direção de Finanças de ..., foi notificado à Requerente, nos termos do artigo 62.º, do RCPITA, por ofício da mesma unidade orgânica da AT, datado de 14-04-2021 (Doc. n.º 2 junto ao PPA);

6.            Na sequência da notificação do RIT, foi emitida a liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios, referente ao ano de 2017, com o n.º 2021 ... e com data limite para pagamento em 2021-06-16, pelo valor global de € 23 553,94 (Doc. n.º 1 junto ao PPA);

7.            A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de Imposto do Selo em 01-07-2021 (cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA).

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, face princípio da livre valoração da prova (artigo 110.º, n.º 7, do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

 

III.2 DO DIREITO

1.            As questões a decidir

São essencialmente duas as questões colocadas pela Requerente, que o tribunal arbitral é chamado a apreciar e decidir:

(1) a questão da errónea qualificação dos factos tributários subjacentes às liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios que dele são objeto, recondutível ao vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito e,

(2) a questão do vício formal da falta de fundamentação das mesmas liquidações, em violação do artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e do n.º 2 do artigo 36.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.1 – Ordem de apreciação dos vícios

Impõe o artigo 124.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que, quanto aos vícios geradores de anulabilidade do ato impugnado, o tribunal aprecie prioritariamente os “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”.

 

Justifica-se, assim, a apreciação prioritária do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, uma vez que a anulação fundada em vícios de forma não impede a renovação do ato anulado, com supressão do vício.

 

1.2 – Do erro sobre os pressupostos

O crédito concedido pela Requerente a sociedade detentora de parte do seu capital social e integrada no mesmo Grupo Empresarial, contabilizado na Conta SNC 2681001 – Acionistas, que no final de 2017 ascendia a € 4 219 388,58, vem qualificado pela AT como sendo um empréstimo em conta corrente, cujo prazo, superior a um ano, não se encontra determinado nem é determinável, com enquadramento na previsão da norma de incidência objetiva constante da Verba 17.1.4, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) – “Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30”, tributável à taxa de 0,04% sobre o saldo-valor mensal.

 

Para tanto, invoca a AT o facto de esse empréstimo não se encontrar titulado por qualquer contrato formal e de, no Ponto 9. do Relatório e Contas da Requerente, relativo ao período de 2017, constar expressamente que “O saldo apresentado na rubrica de “Acionistas”, do ativo não corrente, corresponde ao valor a receber da C... e que resulta das transferências de fundos efetuados e, exercícios anteriores, destinados a dotar aquela Empresa dos meios líquidos necessários para fazer face à sua atividade. Este saldo poderá vir a ser, apenas após 31 de dezembro de 2019, regularizado por encontro de contas com o saldo a pagar pela A..., correspondente à prestação de serviços que a primeira assegura, ao abrigo do contrato de prestação de serviços assinado entre as partes.

O saldo apresentado como corrente diz respeito a gestão de carência de tesouraria de curto prazo entre as entidades.”.

 

Discordando da qualificação dada pela AT aos factos, contrapõe a Requerente, designadamente, que (1) a inexistência de título formal, que não contraria o disposto no artigo 396.º do Código Comercial, não permite a conclusão de que as partes não definiram um prazo de utilização e reembolso do empréstimo; que (2) ao registarem o empréstimo no seu ativo não corrente, as partes o fizeram em linha com o entendimento de manutenção do empréstimo por período sempre superior a um ano, reconhecendo a impossibilidade de reembolso antes de 31 de dezembro de 2019, mas não por um período muito mais lato do que esse; que (3) a relação de crédito existente entre as duas entidades não consubstancia uma relação de crédito em conta corrente, “nos termos da qual qualquer das partes pode ser mutuante ou mutuária ou, ainda, nos termos da qual a mutuante colocou um plafond máximo à mutuária para esta última ir utilizando à sua disposição” e que (4) o reconhecimento, por parte da AT, de que o prazo do empréstimo superior a um ano é incompatível com a alegação de que o prazo não se encontra determinado nem é determinável, pois sabe-se que a utilização inicial decorreria, pelo menos, até 1 de janeiro de 2020.

 

No que respeita à inexistência de contratos formais da concessão de crédito como condição da determinabilidade do respetivo prazo de vencimento, e considerando tratar-se de um mútuo gratuito, remete a Requerida para o disposto no n.º 1 do artigo 1148.º, do Código Civil, de acordo com o qual “Na falta de estipulação de prazo, a obrigação do mutuário, tratando-se de mútuo gratuito, só se vence trinta dias após a exigência do seu cumprimento.”, ao que a Requerente contrapõe que, tratando-se de um empréstimo comercial, não carece o mesmo de forma especial, pois, seja qual for o seu valor, é admissível qualquer género de prova, conforme o artigo 396.º, do Código Comercial.

 

Porém, não obstante a remissão efetuada para as normas reguladoras do contrato de mútuo, a AT conclui que a concessão de crédito pela Requerente a outra sociedade com a qual se encontra em relação de grupo consubstancia um empréstimo em conta corrente, sem prazo determinado ou determinável, mas superior a um ano, face à data em que o crédito foi concedido.

 

Em face das posições assumidas pelas Partes, interessa, antes de mais, proceder à qualificação do contrato de concessão de crédito em presença, tendo em conta os elementos interpretativos disponíveis e sem esquecer que ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 405.º, do Código Civil) os contratantes podem fixar livremente o conteúdo dos contratos e  “reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”, para posterior subsunção na norma de incidência objetiva – na Verba 17.1.4 da TGIS, como pretende a Requerida ou na Verba 17.1.3 da TGIS, como defende a Requerente.

 

Como bem se esclarece no RIT, o crédito foi concedido pela Requerente por prazo superior a um ano, asserção que se não afigura incompatível com a conclusão de que o prazo não se encontra determinado, nem é determinável.

 

Efetivamente, de acordo com os registos contabilísticos da Requerente, “a Conta SNC 2681001 (inicialmente Conta 2500300) regista movimentos desde 2001-09-30, encontrando-se devedora desde 2002-01-02, movimentos e saldos que traduzem a concessão de empréstimos em conta corrente”, conta que no final do ano de 2017 perfazia um saldo no valor de € 4 219 388,58, tendo, por isso, uma duração superior a um ano.

 

A Requerente assume o prazo superior a um ano, no entendimento de que a concessão de crédito ficaria sujeita à tributação pela taxa prevista na Verba 17.1.3 da TGIS, aplicável ao “Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos”.

 

 No entanto, a fim de infirmar a indeterminabilidade do prazo do crédito, é a própria Requerente que invoca o Ponto 9. do Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais do período de 2017, segundo o qual aquele saldo “poderá vir a ser, apenas após 31 de dezembro de 2019, regularizado por encontro de contas com o saldo a pagar pela sua acionista, correspondente à prestação de serviços que a primeira assegura, ao abrigo do contrato de prestação de serviços assinado entre as partes”.

 

A forma de regularização do crédito assumida pela Requerente no referido Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais – por encontro de contas –, que mais não é do que uma compensação entre débitos e créditos das entidades intervenientes, remete-nos para o conceito de conta corrente, contrato regulado pelos artigos 344.º e seguintes do Código Comercial, tratando-se, como se trata, de um contrato estabelecido entre sociedades comerciais.

 

A noção de conta corrente mercantil é, nos termos do artigo 344.º, do Código Comercial, a seguinte: “Dá-se contrato de conta corrente toda as vezes que duas pessoas tendo de entregar valores uma a outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de "deve", e "há de haver", de sorte que só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível.”

 

Este contrato tem, entre outros efeitos, o da “compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respetivos crédito e débito ao termo do encerramento da conta corrente”, de modo a que apenas seja exigível o saldo dela resultante (artigo 346.º, do Código Comercial) e “termina no prazo da convenção, e, na falta de prazo estipulado, por vontade de qualquer das partes e pelo decesso ou interdição de uma delas” (artigo 346.º, do Código Comercial).

 

Diferentemente do que acontece na conta corrente bancária, em regra através da abertura de uma conta bancária caucionada, em que é estabelecido um montante máximo de crédito por um prazo determinado, na conta corrente comercial não é necessário o estabelecimento de um plafond de crédito, tendo em conta a compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respetivos crédito e débito ao termo do encerramento da conta corrente, antes do que “nenhum dos interessados será considerado como credor ou devedor do outro, e só o encerramento fixa invariavelmente o estado das relações jurídicas das partes, produz de pleno direito a compensação do débito com o crédito corrente e determina a pessoa do credor e do devedor.” (artigo 350.º, do Código Comercial).

 

Revestindo a concessão de crédito efetuada pela Requerente caraterísticas do contrato de conta corrente, resta averiguar se, na ausência de contrato formal, o prazo da concessão de crédito se encontra determinado ou é determinável.

 

O prazo corresponde ao período temporal que medeia entre a realização de um negócio jurídico e a ocorrência do respetivo termo, podendo este, enquanto cláusula acessória, revestir diversas modalidades – inicial ou final, certo ou incerto.

 

“Se os efeitos do negócio só começam ou só se tornam exercitáveis a partir de certo momento, o termo diz-se suspensivo ou inicial; se começam desde logo, mas cessam a partir de certo momento, o termo diz-se resolutivo ou final”. (…) O termo é certo quando se sabe antecipadamente o momento exato em que se verificará (…) e incerto quando esse momento é desconhecido (…)”. 

 

No caso dos autos, a referência a uma data antes da qual o crédito não poderá ser liquidado, não é indicativa do momento exato em que se verificará o termo da relação creditícia entre as entidades intervenientes, antes tem efeito meramente suspensivo do encerramento da conta e do termo do contrato que, na falta de convenção escrita, fica dependente da vontade das partes, não estando, por esse motivo, determinado, nem se afigurando ser determinável.

 

Conclui-se, deste modo, não assistir razão à Requerente quanto à errónea qualificação dos factos tributários na origem da liquidação de Imposto do Selo contestada, nem quanto à sua subsunção na previsão normativa da Verba 17.1.4, da TGIS, que abrange quer o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, quer “qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável”.

 

1.2 – Da falta de fundamentação formal

A Requerente imputa às liquidações de Imposto do Selo de 2017 e respetivos juros compensatórios o vício formal da falta de fundamentação, em violação do artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e do n.º 2 do artigo 36.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dado que a demonstração da liquidação de que foi notificada “omite em absoluto as disposições legais aplicáveis, a referência à notificação do RIT e à base e ao período de cálculo dos juros compensatórios”.

 

É reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina que a fundamentação formal dos atos tributários cumpre uma dupla função – a de revelar de forma inteligível e transparente o processo de formação da decisão pela autoridade administrativa (função endógena) e a de permitir ao sujeito passivo uma inequívoca compreensão dos motivos determinantes da sua prática e a opção esclarecida entre a conformação e a impugnação administrativa ou contenciosa (função exógena) , permitindo ainda que “o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato” .

 

Recentemente, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo que, “ (…) estando em causa a liquidação baseada em relatório dos SFT o que se impõe para determinar se o ato está ou não fundamentado, é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando dos respetivos elementos de suporte e vertendo para o probatório os elementos probatórios que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, porque certo é que a lei a admite a denominada fundamentação por referência ao estatuir que ela pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que neste caso constituirão parte integrante do respetivo ato.”.

 

Na situação objeto do presente processo arbitral, a Requerente foi notificada do projeto de correções, sobre o mesmo exerceu o direito de audição tendo participado da formação da decisão e foi notificada do Relatório final do procedimento de inspeção tributária, concluído em 9 de abril de 2021, através de ofício datado de 14 de abril de 2021, em que se informava que “A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar”.

 

A demonstração da liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios n.º 2021..., referente ao ano 2017, emitida em 29 de abril de 2021, contém referência à data da conclusão do RIT (data de análise: 2021-04-09), no qual se indicam os períodos a que respeita o imposto em falta e respetivos quantitativos, bem como as normas de incidência subjetiva e objetiva e da responsabilidade pela liquidação e pagamento, concluindo-se que as liquidações foram retardadas por culpa da Requerente, razão pela qual são devidos juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

Admitindo o n.º 1 do artigo 77.º, da LGT, que a fundamentação do ato tributário possa “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e contendo a demonstração da liquidação a data da análise efetuada pela AT, sendo coincidentes os períodos e quantitativos do imposto liquidado e os que constam do RIT com alusão, ainda que sucinta, às normas aplicáveis à situação analisada, incluindo a respeitante a juros compensatórios, deverá o ato ter-se por suficientemente fundamentado.

 

Nem a tal conclusão obsta o facto de a demonstração da liquidação ser omissa relativamente a parte dos juros compensatórios nela incluídos, face ao dever de colaboração recíproca entre a administração tributária e os contribuintes, a que aquela se não furtou, como decorre da nota inserta na referida demonstração, de que “Para consultar, na totalidade, as demonstrações de liquidação deverá dirigir-se a um Serviço de Finanças”.

 

Em face de quanto antecede, a conclusão de que a liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios n.º 2021..., referente ao ano 2017, não padece de vícios que a invalidem, justificativos da sua anulação, deverá a mesma ser mantida na ordem jurídica.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

 

a)            Manter a liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios n.º 2021..., referente ao ano 2017, absolvendo a Requerida do pedido;

b)           Condenar a Requerente em custas.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 23 553,94 (vinte e três mil, quinhentos e cinquenta e três euros e noventa e quatro cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de fevereiro de 2022.

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.