Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 576/2015-T
Data da decisão: 2016-03-14  Selo  
Valor do pedido: € 16.930,00
Tema: IS – Partes de prédio suscetíveis de utilização independente; Verba nº 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo.
Versão em PDF

 

                                                        DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Relatório               

 

1. No dia 1.09.2015, A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., com o número pessoa coletiva … e sede na Avenida…, nº…, … andar, Lisboa, na qualidade de Sociedade Gestora do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado –B…, com o número de identificação fiscal … e sede na Avenida…, nº…, … andar, Lisboa  requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação de doze atos de liquidação de imposto do selo respeitantes de 2014 (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), efetuadas pela Requerida em 20.03.2015, no valor total de  € 16.930,00 referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo…, da freguesia de…, Concelho de Lisboa.

 

A Requerente pede, ainda, a condenação da  Requerida a pagar-lhes os impostos pagos respeitantes às liquidações em causa, que considera indevidos, bem como juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 23.11.2015.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

a.       A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento do Imposto de Selo, por referência às várias divisões do prédio a que se referem as liquidações objeto do presente processo, composto por um total de treze andares ou divisões com utilização independente.

b.      Do ponto de vista da AT, por referência aos prédios constituídos em propriedade vertical, o critério para determinação da incidência da verba 28.1 do TGIS é o VPT “agrupado” das várias divisões destinadas à habitação que integram o prédio.

c.       Este entendimento é ilegal, na medida em que a sujeição das várias divisões de um prédio com as características daquele que está em questão no presente procedimento deve ser determinado pelo VPT atribuído a cada uma das divisões independentes do prédio e não pelo VPT “total” do mesmo.

d.      Isto porque o Código do IMI –para o qual o art. 67º, nº 2 do Código do Imposto de Selo remete expressamente no que concerne às matérias relativas à verba 28 da TGIS não reguladas- estipula que cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial que discrimina o respetivo VPT (art. 12º do CIMI).

e.       Conclui-se, assim, que o Código do IMI prevê expressamente a regra de que o imposto é liquidado por referência ao VPT de cada divisão pelo que a verba 28 da TGIS só pode, legitimamente, incidir sobre divisões que integrem prédios constituídos em propriedade vertical  quando esta parte/divisão apresente um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

f.       Também à luz do princípio constitucional da igualdade as  liquidações de imposto de selo em causa devem ser feitas individualmente  para as diversas partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos termos do que sucede para os prédios constituídos em propriedade horizontal,  sob pena de ilegalidade e consequente anulação.

g.      Acresce que, com a norma da verba 28 da TGIS pretendeu o legislador impor um esforço acrescido aos contribuintes proprietários de prédios com afetação habitacional  de “luxo” (VPT superior a um milhão de euros), o que não acontece com as diversas divisões que fazem parte do prédio urbano em causa pelo que, também sob esta perspetiva, deverá concluir-se pela ilegalidade das liquidações sub judice.

h.      Em consequência da anulação das liquidações impende sobre a Requerida o dever de proceder à devolução das quantias indevidamente pagas, bem como o ressarcimento de todos os prejuízos causados pelo tempo em que a Requerente ficou privada da utilização do capital indevidamente pago.

i.        O pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º, nº  1, da LGT é um efeito jurídico que se constitui pelo facto de ato tributário ser anulado administrativa ou judicialmente, sendo a concretização de um direito de indemnização que tem assento constitucional no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por  impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

a.       Com referência ao ano de 2014, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efetuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, afetação habilitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança para o pagamento da 1.ª prestação das liquidações em causa.

  1. Ora, o que está aqui em causa são notas de cobrança que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.

c.       O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.

d.      Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios.

e.       Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VPT que serve de base ao seu cálculo será indiscutivelmente o VPT global do prédio.

f.       Em cumprimento do disposto no artigo 119º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.

g.      Estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.

  1. Carece de sustentação legal a tese defendida pelo Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.
  2. O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere.
  3. A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.
  4. Na verdade, consta da caderneta predial que o prédio se encontra em regime de propriedade total, composto por várias partes suscetíveis de utilização independente.
  5. Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo frações autónomas às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI.
  6. Do exposto, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos.
  7. Tudo o que está agora a ser defendido nesta sede arbitral já foi objeto de informação vinculativa por parte da AT, com despacho de concordância de 11.2.2013 do Substituto Legal do Diretor-Geral da Autoridade Tributária.
  8. Pelo que, temos necessariamente de concluir que as notificações efetuadas do pagamento de prestação do imposto não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo assim ser mantidas.

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e ainda nos princípios da celeridade, da simplificação e informalidade processuais.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Se são ilegais e em consequência devem ser anuladas as liquidações objeto do presente processo.

b) Se deve a  Requerida ser condenada a restituir à Requerente  as quantias pagas, correspondentes às liquidações objeto do presente processo.

c) Se deve a Requerida ser condenada a pagar à Requerente juros indemnizatórios.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8.Consideram-se provados os seguintes factos:

 

8.1. O Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado –B…, com o número de identificação fiscal…, de que é gestora  a sociedade A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A., é  titular inscrito na matriz do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo…, da freguesia de…, Concelho de Lisboa, composto de um total de treze andares ou divisões com utilização independente.

8.2. À data dos factos tributários doze das treze partes independentes do prédio tinham afetação habitacional e cada  uma destas partes havia sido objeto de avaliação autónoma por parte da Administração Fiscal, que fixou os respetivos valores patrimoniais tributários entre € 96.190,00 e € 161.690,00 e perfaz, no total, € 1.693.000,00.

8.3 A Requerida efetuou, em 20.03.2015, doze atos de liquidação de imposto do selo respeitante ao ano de 2014 (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), no valor total de € 16.930,00 referente ao identificado prédio urbano, nos termos constantes dos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronuncia arbitral e que se dão por reproduzidos.

 8.4 Os impostos foram liquidados individualmente sobre os valores patrimoniais tributários  de cada andar ou parte suscetível de utilização independente.

8.5 A Requerente pagou  as 1ª, 2ª e  a 3ª prestações das liquidações em causa em 30.04.2015, 30.07.2015 e 30.11.2015, respetivamente, o que corresponde à totalidade do imposto liquidado.

 

Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

10.Estabelece a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo que fica sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI: 1%.

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%”.

 

11. O artigo 67º, nº 2 do CIS determina que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

Dispõe o artigo 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Estabelece, ainda, o artigo 92º do mesmo código:

“1-A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.

2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar  em regime de propriedade horizontal.

3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”

 

Por sua vez, estabelece o artigo 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]

Escrevendo sobre esta norma, dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas:  “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).

Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]

O artigo 12º, nº 3, do CIMI, é, assim,  aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no artigo 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo da mesma.

 

12. Relativamente a  estes prédios urbanos em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em substância, a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal. Na perspetiva da tributação destas realidades, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.

 

Efetivamente, no regime dos  arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos artigos 43º, nº2 do código.

 

13. A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente, mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se serão consideradas individualmente as suas partes independentes.

No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência, deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

No segundo caso, o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente mas, apenas e tão só, relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.

A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não se harmoniza com a sua própria tese de que, nestes casos, a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e não cada uma das suas partes autónomas.

 

14. A questão já foi apreciada em diversas decisões arbitrais[4], que foram no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.

Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédios urbanos”, em conjugação com o artigo 2º, nº 4 do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente, parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.

Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode ser determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.

Assim, o legislador ao referir “prédio habitacional”, no que respeita a prédios com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, só poderá ter tido em mente cada uma destas frações e não o prédio na sua globalidade.

 

15.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado nas várias decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.

Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:

a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma  jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

 

16. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.

 

17. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor, as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei, não podendo, em consequência, deixar de ser anuladas.

 

18. Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os  respetivos juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira  do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao estabelecer  que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações  objeto do presente processo imputável à Requerente não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

Pelo que, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente às liquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à   taxa legal.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando totalmente  procedente o pedido de pronuncia arbitral:

a)         Decretar  a anulação das liquidações objeto do presente processo.

b)         Condenar a Requerida a   restituir à Requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento até à do processamento das notas de créditos.

 

 

 

Valor da ação: € 16.930,00 (dezasseis mil novecentos e trinta euros) nos termos do disposto no art.º 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de  € 1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 14.03.2016

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o artigo 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".

Apontando também no mesmo sentido, o artigo 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI  para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “ prédio ou parte de prédio  urbano objeto da avaliação geral”.

[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, págs. 159-160.

[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola  e ao  Código da Contribuição Autárquica.

Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO  MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592 e  na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo  ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique  alguma variação do valor tributável  a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.

 

[4] Entre outras, as proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 18 1/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, 177/2014-T, 396/2024-T, 461/2015-T e 474/2015-T, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.

[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.

[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária,  in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).