Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 942/2019-T
Data da decisão: 2021-02-10  IRC  
Valor do pedido: € 460.318,06
Tema: IRC/2004 – Relação de prejudicialidade e correções ao reporte de prejuízos declarado. Competência do Tribunal Arbitral; execução de julgados.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e Maria da Graça Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., S.A. (entidade que incorporou por processo de fusão o B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., no Porto (...), sociedade com sede na Rua ..., n.º..., no Porto (...), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., que se encontra na área de competência geográfica do Serviço de Finanças do Porto-..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à ilegalidade do acto tributário de liquidação consubstanciado na demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2008..., datada de 30 de Julho de 2008 e na demonstração de acerto de contas n.º 2008..., datada de 25 de Agosto de 2008, referente ao exercício de 2004.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 31.12.2019 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 17.02.2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 18.02.2020.

 

                6. O Requerente sustenta a procedência do seu pedido, em síntese, pelos seguintes argumentos:

- Em 4 de Setembro de 2008, o Requerente foi notificado do ato tributário melhor identificado no introito supra, referente ao exercício de 2004, no qual é liquidado adicionalmente o montante de € 460.318,06.

- O Requerente apresentou para o exercício de 2004 a respetiva declaração de rendimentos modelo 22, na qual declarou um lucro tributável no montante de € 17.483.140,64, uma matéria coletável no valor de € 9.772.754,71 (em resultado da consideração do reporte dos prejuízos acumulados dos exercícios anteriores de 1999 e 2003 nos montantes de € 5.037.226,83 e € 2.673.159,10, respetivamente), uma coleta de € 2.443.188,68, uma derrama de € 244.318,87, totalizando o montante de € 2.540.799,94 a pagar.

- O ato tributário resultou da desconsideração de parte dos prejuízos acumulados no exercício de 1999 deduzidos ao lucro tributável do exercício de 2004, sendo entendimento da AT que o Requerente só poderia deduzir ao lucro tributável o prejuízo fiscal de € 2.467.341,75 referente a esse exercício.

- Assim, a AT procedeu à correção à matéria coletável do Requerente no montante de € 2.569.885,08 (diferença entre o montante declarado dos prejuízos acumulados do exercício de 1999 de € 5.037.226,83 e o montante definido pela administração de € 2.467.341,75.

- Pelo que, mediante a liquidação de IRC n.º 2007..., datada de 02.02.2007, veio a AT corrigir a matéria coletável declarada para o montante de € 10.668.755,95.

- Porém, tal liquidação adicional não fixou definitivamente a matéria coletável e o montante de imposto devido pelo Requerente, porque alegadamente terá ocorrido um erro na digitação do prejuízo acumulado.

- Nessa sequência foi emitido o ato tributário, por forma a proceder a nova correção oficiosa da matéria coletável, para o montante de € 12.342.639,79, liquidando-se o imposto adicional correspondente.

- A correção vem concretizar a desconsideração aludida no projeto de indeferimento da reclamação graciosa do montante de € 2.569.885,08 de prejuízos acumulados do exercício de 1999.

- Considera, porém, o Requerente que a correção oficiosa da matéria coletável, para o montante de € 12.342.639,79, e a desconsideração prevista no projeto de indeferimento da reclamação graciosa do montante de € 2.569.885,08 de prejuízos acumulados do exercício de 1999 é manifestamente ilegal e violadora do artigo 47.º do Código do IRC, na redação à data aplicável,  porquanto o valor do reporte dos prejuízos fiscais que a administração tributária apura como dedutível no exercício de 2004 desconsidera o facto de a legalidade de algumas das correções efetuadas à matéria tributável dos exercícios anteriores se encontrar a ser discutida em procedimentos administrativos e processos judiciais e, bem assim, o facto da própria ilegalidade da correção do prejuízo fiscal do exercício de 1997 já ter sido reconhecida judicialmente.

- À data dos factos, dispunha o n.º 1 do artigo 47.º do Código do IRC que “Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores”.

- Por sua vez, determinava o n.º 4 do mesmo preceito que “Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite”.

- Ora, a correção consubstanciada na alteração do reporte do prejuízo fiscal do exercício de 1999 para o exercício de 2004 resulta, de acordo com a AT, das correções anteriormente efetuadas à matéria tributável dos exercícios compreendidos entre 1996 e 2002.

- O Requerente considera pois que o valor do reporte dos prejuízos fiscais apurado pela AT como dedutível no exercício de 2004 não teve em conta o facto de a legalidade de algumas das correções efetuadas à matéria tributável dos exercícios anteriores se encontrar a ser discutida e, bem assim, o facto de a própria ilegalidade da correção do prejuízo fiscal do exercício de 1997 já ter sido reconhecida.

- O Requerente sustenta toda a sua argumentação na existência de procedimentos e processos nos quais se discutiu e discute a legalidade de correções efetuadas à matéria coletável em exercícios anteriores, cuja decisão «influenciará o valor dos prejuízos fiscais disponíveis para utilização no exercício de 2004».

- Invocando o Requerente que se o Tribunal entender «que não ocorre no caso vertente uma ilegalidade imediata da liquidação» existe uma relação de prejudicialidade que deverá determinar a suspensão dos presentes autos, nos termos do artigo 279.º do Código de Processo Civil ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

- Assim, a determinação do quantitativo do prejuízo fiscal dedutível no exercício de 2004 encontra-se na dependência das decisões a proferir em todos e cada um dos identificados processos, pois que a legalidade do presente ato tributário se encontra na direta dependência do juízo de legalidade que vier a ser proferido relativamente aos atos tributários identificados objeto de impugnação.

- A ilegalidade do ato tributário aqui visada  resulta ainda do artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo, na redação à data aplicável, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT, nos termos do qual “São, designadamente, actos nulos: (…) i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”, sendo que essa nulidade “(…) é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal” (cf. n.º 2 do artigo 134.º do mesmo diploma, na redação à data aplicável, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

- Assim, em face do exposto e, pelas razões a seguir aduzidas, não podendo conformar-se com a manutenção da liquidação adicional de IRC sub judice, vem o Requerente deduzir o presente pedido de pronúncia arbitral.

              

                7. Por despacho proferido em 07.07.2020, foram as partes notificadas de que, ao não haver lugar à produção de prova constituenda, por um lado, e ao não ter sido suscitada matéria de excepção, por outro, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

8. Não havendo outras diligências instrutórias a realizar, notificaram-se igualmente as partes para a produção de alegações escritas no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [(artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito a partir da notificação do referido despacho.

 

8.A - Ambas as partes apresentaram alegações em que, no essencial, mantiveram as posições anteriormente assumidas e desenvolvidas nos articulados.

 

II. SANEAMENTO

 

9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram alegadas pelas partes, nem existem, quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

10. Atentos os documentos juntos pelo Requerente e os documentos constantes do processo administrativo, para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

i.             O Requerente é uma instituição de crédito residente em território português.

ii.            Incorporou por processo de fusão o B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., no Porto (...), sociedade com sede na Rua ..., n.º ..., no Porto (...), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ... .

iii.           O Requerente apresentou para o exercício de 2004 a respetiva declaração de rendimentos modelo 22, na qual apurou imposto a pagar, no valor de € 2.540.799,94 (cf. doc. n.º 7 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020);

iv.           Em março de 2007, o Requerente foi notificado do ato tributário consubstanciado na demonstração de liquidação de IRC n.º 2007..., datada de 2 de fevereiro de 2007, e na demonstração de acerto de contas n.º 2007..., datada de 14 de fevereiro de 2007, no qual se liquida adicionalmente o montante de € 246.400,33 (cf. doc. n.º 8 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020);

v.            O Requerente deduziu reclamação graciosa contra o aludido ato tributário em 20.06. 2007 (cf. doc. n.º 9 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020);

vi.           Sobre a reclamação graciosa então deduzida viria a recair, num primeiro momento, o projeto de decisão de indeferimento e, posteriormente, a decisão definitiva, a qual, convolando em definitivo tal projeto de decisão, indeferiu totalmente a reclamação graciosa apresentada (cf. docs. n.º 10 e n.º 11 protestados juntar com o pedido de pronúncia arbitral e juntos com o requerimento de 04.02.2020);

vii.          Em 01.09.2008 o Requerente apresentou, na sequência da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa, impugnação judicial contra o aludido ato tributário, a qual correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º .../08...BEPRT;

viii.         Em 25.01.2012, o Requerente requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que correu termos sob o n.º 30/2012-T;

ix.           Em agosto de 2012, o Requerente foi notificado da decisão arbitral que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral (cf. doc. n.º 12 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020);

x.            Aquela decisão arbitral ainda não transitou em julgado, tendo sido interposto recurso e impugnação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a correr termos sob o n.º 6398/13 no Tribunal Central Administrativo Sul, os quais aguardam decisão;

xi.           A referida (em vii) instância de impugnação judicial foi extinta, por sentença datada de janeiro de 2015, com fundamento no facto de o Requerente ter requerido a constituição de tribunal arbitral (cf. doc. n.º 13 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020);

xii.          No projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada acima referida (em vi) (cf. doc. n.º 10 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020), veio a administração tributária esclarecer que aquela liquidação então contestada resultava de correções ao reporte de prejuízos declarado pelo Requerente em 2004, relativamente ao exercício de 1999;

xiii.         Refere-se ainda naquele projeto de decisão que, em resultado de uma auditoria efetuada pela Inspeção Geral de Finanças à Direção de Serviços de Inspeção Tributária (DSIT), foi detetado “um erro na digitação do prejuízo acumulado do exercício de 1999 constante do campo 304 do quadro 09 da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2004” (cf. doc. n.º 10 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020);

xiv.         Com efeito, relativamente ao apuramento do reporte de prejuízos e, atenta a conta corrente elaborada nos termos do artigo 47.º do Código do IRC, pela DSIT, anexo ao projeto de despacho de indeferimento, conclui a administração tributária que o Requerente “(…) no exercício de 2004, (…) só podia deduzir ao lucro tributável os prejuízos fiscais de € 2.467.341,75 e € 2.673.159,10 referentes aos exercícios de 1999 e 2003, respectivamente”, pelo que deverá proceder-se à elaboração “(…) de novo documento de correcção único (DC-U), para alterar o reporte de prejuízo fiscal do exercício de 1999, constante no campo 309 do quadro 09 da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2004, para o montante de € 2.467.341,75” (cf. doc. n.º 10 protestado juntar com o pedido de pronúncia arbitral e junto com o requerimento de 04.02.2020);

xv.          Em 04.09.2008 o Requerente foi notificado do ato tributário   consubstanciado pela demonstração de liquidação de IRC n.º 2008..., e demonstração de acerto de contas n.º 2008..., referente ao exercício de 2004, no qual é liquidado adicionalmente o montante de € 460.318,06 (cf. doc. n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

xvi.         Assim, em face do exposto e pelas razões a seguir aduzidas, não pode o Requerente manifestamente conformar-se com a manutenção da liquidação adicional de IRC sub judice, razão pela qual deduziu em 01.09.2008 impugnação judicial, a qual correu os seus termos na 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º .../08...BEPRT (cf. doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

xvii.        Em 31.12.2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o Requerente apresentou naqueles autos de impugnação judicial requerimento com vista à extinção da instância judicial (cf. doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

xviii.       Na mesma data o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral;

xix.         Em 17.01.2020 foi proferida sentença de extinção de instância no âmbito do aludido processo de impugnação judicial.

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

11. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que importam à decisão e determinar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

12. Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, bem como às provas documentais por estas apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

13. A requerente veio, nos termos do Artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro  , submeter à arbitragem tributária, o processo interposto no TAF do Porto sob o número …/08.4 BEPRT.

 

A questão de mérito que é colocada ao Tribunal para solucionar é a de saber se, ao contrário do que defende a AT, as decisões relativas a procedimentos e processos nos quais se discutiu e discute a legalidade de correções efetuadas à matéria coletável do Requerente em exercícios anteriores «influenciará o valor dos prejuízos fiscais disponíveis para utilização no exercício de 2004».

Invocando o Requerente que se o Tribunal entender «que não ocorre no caso vertente uma ilegalidade imediata da liquidação» existe uma relação de prejudicialidade que deverá determinar a suspensão dos presentes autos, “nos termos do artigo 279.º o Código de Processo Civil ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT”.

 

14. Compete ainda ao tribunal decidir sobre se, ainda que se entenda que não ocorre no caso vertente uma ilegalidade imediata da liquidação ora impugnada, por força das decisões que foram proferidas e que vierem a ser proferidas nos processos de impugnação judicial aludidos, resultará uma ilegalidade superveniente do presente ato de liquidação.

 

Caso se julgue procedente o pedido de anulação da liquidação em crise, se os juros indemnizatórios em virtude do pagamento indevido devem ser contados desde a data do respectivo pagamento ou desde um ano após a apresentação da Reclamação Graciosa pela Requerente.

 

15. O pedido formulado pelo Requerente assenta na ilegalidade do ato tributário consubstanciado na demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2008..., datada de 30 de Julho de 2008 e na demonstração de acerto de contas n.º 2008..., datada de 25 de Agosto de 2008, referente ao exercício de 2004, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

 

- Argumenta o Requerente que o ato tributário em crise resultou da desconsideração de parte dos prejuízos acumulados do exercício de 1999 deduzidos ao lucro tributável do exercício de 2004, cujo montante dedutível nesse exercício se encontra na dependência das decisões a proferir em todos e cada um dos acima identificados processos.

 

- Refere então: “É, pois, evidente que a produção plena de todos os efeitos do ato tributário de liquidação com a consequente imposição do seu cumprimento ao contribuinte, só se poderá verificar quando a legalidade do mesmo já não for suscetível de ser questionada por aquele, quer através de impugnação judicial, quer de reclamação graciosa, quer de qualquer outra via legalmente prevista.

 

15. O Requerente assenta a sua pretensão nos seguintes fundamentos:

 

“O Requerente apresentou para o exercício de 2004 a respetiva declaração de rendimentos modelo 22, na qual declarou um lucro tributável no montante de € 17.483.140,64, uma matéria coletável no valor de € 9.772.754,71 (em resultado da consideração do reporte dos prejuízos acumulados dos exercícios anteriores de 1999 e 2003 nos montantes de € 5.037.226,83 e € 2.673.159,10, respetivamente), uma coleta de € 2.443.188,68, uma derrama de € 244.318,87, totalizando, como acima se referiu, o montante de € 2.540.799,94 a pagar.

 

Segundo se depreende da decisão da reclamação graciosa aludida no artigo 11.º da p.i., o ato tributário ora em crise resultou da desconsideração de parte dos prejuízos acumulados do exercício de 1999 deduzidos ao lucro tributável do exercício de 2004.

 

Com efeito, de acordo com a “conta corrente” de reporte de prejuízos fiscais elaborada pela administração tributária, no exercício de 2004 o Requerente só podia deduzir ao lucro tributável o prejuízo fiscal de € 2.467.341,75 referente ao exercício de 1999.

 

                Assim sendo, segundo a administração tributária cumpria proceder a uma correção à matéria coletável do sujeito passivo no montante de € 2.569.885,08 (diferença entre o montante declarado dos prejuízos acumulados do exercício de 1999 de € 5.037.226,83 e o montante definido pela administração de € 2.467.341,75).

 

Nesse sentido, mediante a liquidação de IRC n.º 2007..., datada de 2 de Fevereiro de 2007, veio já a administração tributária corrigir a matéria coletável declarada para o montante de € 10.668.755,95 (cf. doc. n.º 8).

 

No entanto, tal liquidação adicional não fixou definitivamente a matéria coletável e o montante de imposto devido pelo ora Requerente porque, alegadamente, terá ocorrido um erro na digitação do prejuízo acumulado, como se aludiu no artigo 15.º da p.i.

 

Por conseguinte, mediante o ato tributário ora em crise, veio a administração tributária proceder a nova correção oficiosa da matéria coletável, para o montante de € 12.342.639,79, liquidando-se o imposto adicional correspondente (cf. doc. n.º 14).

 

Depreende-se, pois, que a presente correção vem concretizar integralmente a desconsideração aludida no projeto de indeferimento da reclamação graciosa do montante de € 2.569.885,08 de prejuízos acumulados do exercício de 1999.

 

Sucede, porém, que esta correção, tal como a anterior, se revela manifestamente ilegal e violadora do artigo 47.º do Código do IRC, na redação à data aplicável, porquanto o valor do reporte dos prejuízos fiscais que a administração tributária apura como dedutível no exercício de 2004 desconsidera o facto de a legalidade de algumas das correções efetuadas à matéria tributável dos exercícios anteriores se encontrar a ser discutida e, bem assim, o facto da própria ilegalidade da correção do prejuízo fiscal do exercício de 1997 já ter sido reconhecida.

 

Na verdade, dispunha o n.º 1 do artigo 47.º do Código do IRC que “Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores”.

 

Por sua vez, determinava o n.º 4 do mesmo preceito que “Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite”.

 

Ora, a correção consubstanciada na alteração do reporte do prejuízo fiscal do exercício de 1999 para o exercício de 2004 resulta, de acordo com a administração tributária, das correções anteriormente efetuadas à matéria tributável dos exercícios compreendidos entre 1996 e 2002 (cf. doc. n.º 10).

 

Com efeito, a “conta corrente” de reporte de prejuízos fiscais nos termos do artigo 47.º do Código do IRC, elaborada pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, resulta de valores declarados pelo Requerente e das alterações a esses valores em resultado de intervenção da referida Direção de Serviços consubstanciada em correções quer ao lucro tributável, quer aos prejuízos fiscais de exercícios anteriores.

 

Porém, atenta a ilegalidade de algumas das correções efetuadas à matéria tributável dos exercícios anteriores, ilegalidade essa que foi já invocada pelo ora Requerente em sede de vários processos administrativos e judiciais, não pode senão concluir-se também pela ilegalidade da presente correção do valor dos prejuízos acumulados e da liquidação em crise.

 

Neste sentido, assume desde logo significativa relevância o facto de já ter sido judicialmente declarada a ilegalidade de determinadas correções que a administração tributária persiste em relevar na referida “conta corrente” de reporte de prejuízos fiscais.

 

Com efeito e desde logo, na aludida “conta corrente” desconsidera-se a anulação judicial da liquidação de IRC n.º 2001..., de 11.01.2001, referente ao exercício de 1997.

 

Efetivamente, mediante a referida liquidação de IRC, a administração tributária havia procedido à correção à matéria coletável desse exercício, alterando o montante declarado de prejuízos fiscais de € 27.259.221,77 para o montante de € 27.023.508,47.

 

Porém, veio esse tribunal, no processo de impugnação judicial que correu os seus termos sob o n.º..., julgar procedente a pretensão do ora Requerente e determinar a anulação parcial da aludida liquidação de IRC.

 

Pese embora a referida decisão judicial transitada em julgado, constata-se da “conta corrente” que constitui fundamento do ato tributário em crise, que não foram extraídas pela administração tributária as devidas consequências legais, uma vez que continua a apurar como prejuízo fiscal do exercício de 1997 o montante de € 27.023.508,47.

 

Assim, uma vez que a emissão do ato tributário sub judice se fundou em parte naquele outro ato tributário cuja ilegalidade já foi judicialmente reconhecida, não pode senão concluir-se pela sua consequente ilegalidade.

 

Por outro lado, no que respeita ao prejuízo fiscal fixado pela administração tributária para o exercício de 1997 a que se aludiu supra, para além da aludida desconformidade com a decisão judicial proferida por esse tribunal, importa evidenciar igualmente que foi proferida pela administração tributária, na sequência de ação administrativa especial deduzida pelo Requerente, decisão que determina a correção da autoliquidação de IRC do exercício de 1997 no sentido de reduzir o lucro tributável no montante de € 192.579,79, conforme cópia da decisão que se protesta juntar como documento n.º 15.

 

A referida ação administrativa especial, sob o n.º .../05...BEPRT, estava pendente de decisão à data da emissão do presente ato tributário.

 

Por último, encontrava-se ainda pendente de decisão a Impugnação Judicial a correr os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º.../05....BEPRT, deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º 2004..., de 07.04.2005, referente ao exercício de 2002, a qual é consequência da correção no sentido do acréscimo ao lucro tributável do montante de € 177.552,81.

 

Naquela impugnação judicial o ora Requerente contestava a referida correção quanto ao montante de € 112.578,35 e, consequentemente, o montante do prejuízo fiscal dedutível no exercício.

 

Em 25 de janeiro de 2012, o Requerente requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 30/2011, no âmbito do qual foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, cuja cópia se protesta juntar como documento n.º 16.

 

Posteriormente, o Requerente foi notificado da sentença que julgou extinta a instância da impugnação judicial, cuja cópia se protesta juntar como documento n.º 17.

 

Aquela impugnação judicial estava pendente de decisão à data da emissão do presente ato tributário.

 

Assim, também com este fundamento, não pode senão concluir-se pela ilegalidade do ato tributário ora impugnado.

 

Acresce que se encontram pendentes outros processos administrativos e judiciais no âmbito dos quais se discute a legalidade de correções a que a administração tributária procedeu em exercícios anteriores, com relevância para a determinação do prejuízo fiscal reportado para o exercício de 2004.

 

Assim, desde logo, encontra-se pendente recurso hierárquico, apresentado em 17 de Dezembro de 1999, das correções à matéria coletável de IRC do exercício de 1996, notificadas através do Ofício n.º ... da Direção de Finanças do Porto, consubstanciadas no acrescimento ao lucro tributável do Requerente do montante de € 4.167.810,96, cujas respetivas cópias se protestam juntar como documentos n.ºs 18 e 19.

 

Encontra-se igualmente pendente no Tribunal Central Administrativo Norte recurso deduzido contra a sentença proferida no processo de Impugnação Judicial que correu seus termos sob o n.º .../05...BEPRT e no âmbito do qual o ora Requerente peticiona a correção da autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 1999, no sentido da dedução do montante de € 143.815,17 e, em consequência, a correção dos prejuízos apurados, conforme cópia das alegações de recurso que se protestam juntar como documento n.º 20.

 

Em face de todo o exposto, é, pois, por demais evidente que a determinação do quantitativo do prejuízo fiscal dedutível no exercício de 2004 se encontra na dependência das decisões a proferir em todos e cada um dos acima identificados processos.

 

Com efeito, a legalidade do presente ato tributário encontra-se na direta dependência do juízo de legalidade que vier a ser proferido relativamente aos atos tributários identificados supra objeto de impugnação.

 

Efetivamente, da ilegalidade de que enfermam os atos tributários referentes aos exercícios anteriores resulta, não só, que ainda não se consolidaram na ordem jurídica,

 

mas também que não se consolidaram todos os atos tributários que constituem sua decorrência, direta ou indireta, como é o caso do ato de liquidação adicional respeitante ao exercício de 2004 objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Tal conclusão, de resto, não colide com a circunstância do ato tributário de liquidação adicional ser, enquanto ato administrativo, um ato definitivo e executório, ou, melhor dizendo, face aos atuais princípios enformadores do regime dos atos administrativos, um ato que produz efeitos imediatos na esfera jurídica do contribuinte e, por consequência, potencial e imediatamente lesivo dos seus direitos ou interesses.

 

Efetivamente, por força, designadamente, da revisão oficiosa, da reclamação graciosa ou da impugnação judicial, aquele ato pode ser modificado ou, até, integralmente anulado.

 

É, pois, evidente que a produção plena de todos os efeitos do ato tributário de liquidação com a consequente imposição do seu cumprimento ao contribuinte, só se poderá verificar quando a legalidade do mesmo já não for suscetível de ser questionada por aquele, quer através de impugnação judicial, quer de reclamação graciosa, quer de qualquer outra via legalmente prevista.

 

Só a partir desse momento é que o ato tributário se encontra consolidado.

 

Pelo que, não se mostrando ainda consolidados os atos tributários respeitantes aos exercícios anteriores e demonstrada que se encontra, a relação de dependência e de prejudicialidade entre aqueles e a liquidação de 2004 ora impugnada, deve esta última ser imediatamente anulada.

 

E nem sequer se invoque a irrelevância ou a inconsequência da sindicância da legalidade da liquidação em crise, por se entender, eventualmente, que aquela só se justificará após o próprio reconhecimento das ilegalidades dos atos tributários dos exercícios anteriores.

 

Com efeito e sem prejuízo da legalidade dos atos tributários emitidos com referência a exercícios anteriores se encontrar a ser discutida em sede judicial, certo é que tal circunstância não obstou à emissão do ato de liquidação relativo ao exercício de 2004 e à consequente instauração de processo de execução tendo em vista a cobrança coerciva da dívida relativa a este exercício de 2004.

 

Ou seja, não é a pendência de impugnação judicial, de reclamação graciosa ou de outra via de reação legalmente prevista através da qual se questione a legalidade do ato tributário e que obsta a que este se consolide como integral e plenamente definitivo, que impede, materialmente, que os atos tributários de liquidação subsequentes, tal como o em apreço, sejam objeto de cobrança coerciva, mediante a instauração de processo de execução fiscal.

 

É consabido que, no que concerne aos processos de execução fiscal, o legislador assegurou, nos termos definidos pelo artigo 169.º do CPPT, que a sua suspensão, mediante a prestação de garantia idónea, apenas se verifica se a legalidade da dívida se encontre a ser sindicada.

 

O verdadeiro propósito deste regime é o de, em qualquer circunstância em que existam bens ou direitos penhoráveis ou suscetíveis de constituir garantia do cumprimento da obrigação tributária e desde que tenha sido deduzida impugnação judicial ou reclamação graciosa, obstar ao andamento da execução até que o ato tributário que lhe subjaz se consolide por força de decisão definitiva que confirme a sua legalidade.

 

Ora, se se entendesse que a ilegalidade da liquidação sub judice só ocorreria e seria suscetível de ser sindicada, após a declaração de ilegalidade dos atos tributários dos exercícios anteriores, o ora Requerente ou qualquer outro contribuinte, não teriam nem nesta, nem em outra situação de correção aos prejuízos cujo reporte tivesse sido utilizado em exercício posterior, qualquer meio ao seu dispor para obstar à executoriedade do ato tributário que viesse desconsiderar a dedução ao lucro tributável daquele exercício dos prejuízos corrigidos em exercício anterior.

 

Isto é, ao contrário do que sucede com as correções ao lucro tributável, com o consequente apuramento de imposto no próprio exercício a que aquelas respeitam, em que a prestação tributária, mediante a verificação dos pressupostos previstos no artigo 169.º do CPPT, não pode ser exigida até à consolidação definitiva do ato tributário, no caso de correções aos prejuízos fiscais, em que a prestação tributária só é exigida com referência ao exercício posterior em que aqueles foram deduzidos, o contribuinte nada poderia fazer para obstar ao cumprimento coercivo desta obrigação tributária não obstante a liquidação que se encontrava a ser executada pudesse vir a ser posteriormente, oficiosamente até, anulada pelos serviços da administração tributária.

 

Ora, tal consequência é manifestamente inadmissível, quer no plano meramente legal, quer no da justiça material.

 

Por último, ainda que se entenda que não ocorre no caso vertente uma ilegalidade imediata da liquidação ora impugnada, o que só a benefício de raciocínio se concede, a verdade é que por força das decisões que foram proferidas e que vierem a ser proferidas nos processos de impugnação judicial aludidos, resultará uma ilegalidade superveniente do presente ato de liquidação.

 

Assim, atenta a enunciada relação de prejudicialidade, deverão os presentes autos, nos termos do artigo 279.º o Código de Processo Civil ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, aguardar pela decisão final que venha a ser proferida naqueles identificados processos cuja procedência, como espera o Requerente, influenciará o valor dos prejuízos fiscais disponíveis para utilização no exercício de 2004. “

 

 

17. Por sua vez, a AT vem contestar quer por excepção, quer por impugnação.

 

18. Por excepção, a Requerida suscita a incompetência material do Tribunal Arbitral (sublinhado nosso) para apreciação de questões respeitantes à execução de julgados:

“E, por maioria de razão, carece o Tribunal arbitral de competência para se pronunciar sobre outros processos administrativos e judiciais que se encontram pendentes «no âmbito dos quais se discute a legalidade de correções a que a administração tributária procedeu em exercícios anteriores, com relevância para a determinação do prejuízo fiscal reportado para o exercício de 2004. (cfr. art. 51.º do ppa).

 Porquanto se trata de atos tributários que não estão consolidados na ordem jurídica e se sobre os mesmos vier a ser proferida decisão judicial de anulação, incumbe à AT promover os atos jurídicos e materiais necessários à execução do julgado e à reconstituição da situação expurgada da ilegalidade, nos termos do artigo 100.º da LGT e do artigo 24.º do RJAT, retirando todas as consequências jurídicas da decisão anulatória.

Diligências de execução que cabem, em primeira linha, à AT e que abrangem os atos tributários respeitantes aos exercícios anteriores que se encontrem numa relação de dependência e de prejudicialidade. “

 

19. Para sustentar a sua tese, a Requerida apoia-se no processo Arbitral 149/2016-T: 

 

“(…) Na verdade, o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT prevê várias possibilidades de execução de julgado, inclusivamente a prática de novos actos em substituição de anteriores, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir quais os efeitos que essa decisão arbitral deve ter, nomeadamente afastar a possibilidade de renovação total ou parcial do acto impugnado nesse outro processo.

Assim, interpretando conjugadamente as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 24.º, n.º 1, do RJAT, conclui-se que nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não se inclui a declaração de ilegalidade de actos com fundamento em ilegalidades conexionadas com a execução de decisões arbitrais, pelo menos enquanto não estiverem assentes os termos da execução.(…)”

 

20. A Requerida apesenta os seguintes fundamentos:

 

“O Requerente, referindo-se à decisão da reclamação graciosa que fundamenta a correção aos prejuízos fiscais com base na “conta corrente” então elaborada, afirma no artigo 31.º do pedido arbitral:

«Sucede, porém, que esta correção, tal como a anterior, se revela manifestamente ilegal e violadora do artigo 47.º do Código do IRC, na redação à data aplicável, porquanto o valor do reporte dos prejuízos fiscais que a administração tributária apura como dedutível no exercício de 2004 desconsidera o facto de a legalidade de algumas das correções efetuadas à matéria tributável dos exercícios anteriores se encontrar a ser discutida e, bem assim, o facto da própria ilegalidade da correção do prejuízo fiscal do exercício de 1997 já ter sido reconhecida.» (negrito nosso).

 

Afirma o Requerente, no artigo 37.º do ppa: «assume desde logo significativa relevância o facto de já ter sido judicialmente declarada a ilegalidade de determinadas correções que a administração tributária persiste em relevar na referida “conta corrente” de reporte de prejuízos fiscais» (negrito nosso).

 

Concretizando que «na aludida “conta corrente” desconsidera-se a anulação judicial da  liquidação de IRC n.º 2001..., de 11.01.2001, referente ao exercício de 1997» que foi decidida no processo de impugnação judicial n.º..., decisão já transitada em julgado mas em relação à qual «não foram extraídas pela administração tributária as devidas consequências legais, uma vez que continua a apurar como prejuízo fiscal do exercício de 1997 o montante de € 27.023.508,47» (cfr. art. 38.º e 41.º do ppa).

 

Assim, pretende o Requerente que o Tribunal arbitral se pronuncie sobre a falta de execução pela AT de uma decisão judicial que determinou a procedência dum pedido de anulação de uma liquidação, mas tal pretensão extravasa a competência do Tribunal arbitral.

 

A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Orçamento de Estado para 2010), contemplou no seu artigo 124.º uma autorização legislativa, relativa à arbitragem em matéria tributária, enquanto forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, prevendo-se que deverá constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagradas no CPPT.

 

A competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Estabelece aquela norma que:

«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)            A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)           A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.» (sublinhados nossos).

 

Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

Em suma, decorrendo a competência dos tribunais arbitrais do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.º do RJAT, temos que, como bem refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: «a competência dos Tribunais Arbitrais compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade:

 

a)            De atos de liquidação de tributos cuja administração seja cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) [...];

b)           De atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [...];

(c)          De atos de fixação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo [...];

(d)          De atos de determinação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos [...];

(e)          De atos de fixação de valores patrimoniais, para efeitos de imposto, cuja administração seja cometida à AT [...];

(f)           De atos de liquidação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre exportação de mercadorias [...];

(g)          As pretensões relativas a imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum (PAC) ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas [...];

(h)          De atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), imposto especiais sobre o consumo (IEC's) e outros impostos indiretos sobre mercadorias que não sejam sujeitas a direitos de importação [...]» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 105-108).

 

Inexiste, portanto, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.

 

Não se inserem, pois, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, as questões relacionadas com a execução de julgados, carecendo o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foram concretizadas as decisões judiciais referentes ao exercício de 1997.

 

Sendo que, a existir qualquer litígio entre a AT e os sujeitos passivos no que se refere à falta de execução ou à forma como a decisão judicial é executada, como invoca a Requerente, a competência para a sua resolução é dos tribunais tributários, no âmbito do processo de execução de julgados previsto nos artigos 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

 

E, por maioria de razão, carece o Tribunal arbitral de competência para se pronunciar sobre outros processos administrativos e judiciais que se encontram pendentes «no âmbito dos quais  se discute a legalidade de correções a que a administração tributária procedeu em exercícios anteriores, com relevância para a determinação do prejuízo fiscal reportado para o exercício de 2004. (cfr. art. 51.º do ppa).

 

Porquanto se trata de atos tributários que não estão consolidados na ordem jurídica e se sobre os mesmos vier a ser proferida decisão judicial de anulação, incumbe à AT promover os atos jurídicos e materiais necessários à execução do julgado e à reconstituição da situação expurgada da ilegalidade, nos termos do artigo 100.º da LGT e do artigo 24.º do RJAT, retirando todas as consequências jurídicas da decisão anulatória.

 

Diligências de execução que cabem, em primeira linha, à AT e que abrangem os atos tributários respeitantes aos exercícios anteriores que se encontrem numa relação de dependência e de prejudicialidade.

 

Neste sentido veja-se o douto Acórdão arbitral proferido no Processo 149/2016-T CAAD:

 

«A Requerente pretende, essencialmente, é que o Tribunal Arbitral considere excessiva a matéria colectável que serviu de base ao cálculo do imposto, por isso ter sido decidido num outro processo arbitral, cuja decisão foi impugnada com fundamentos que não afectam a parte que em que o excesso da matéria colectável foi reconhecido nesse outro processo.

 

(…)

 

No entanto, a determinação dos efeitos da referida decisão arbitral deverá ser efectuada no processo respectivo e subsequente execução a levar a cabo ela Autoridade Tributária e Aduaneira, em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir se os efeitos são ou não os que a Requerente pretende.

 

Na verdade, o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT prevê várias possibilidades de execução de julgado, inclusivamente a prática de novos actos em substituição de anteriores, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir quais os efeitos que essa decisão arbitral deve ter, nomeadamente afastar a possibilidade de renovação total ou parcial do acto impugnado nesse outro processo.

 

Assim, interpretando conjugadamente as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 24.º, n.º 1, do RJAT, conclui-se que nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não se inclui a declaração de ilegalidade de actos com fundamento em ilegalidades conexionadas com a execução de decisões arbitrais, pelo menos enquanto não estiverem assentes os termos da execução.

 

Concluiu a AT sublinhando que a incompetência material do Tribunal consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da entidade requerida da instância, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC e da alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Refere ainda a Requerida que o Requerente se limita a invocar a existência de decisões que não foram executadas, ou a iminência de prolação de decisões em processos pendentes, para concluir, sem mais, pela ilegalidade. Sem que proceda a qualquer quantificação de valores dos prejuízos fiscais, como lhe incumbiria, para assim contraditar a “conta corrente” elaborada pela AT.

 

19. Vejamos:

 

O Requerente defende que não requer ao Tribunal Arbitral que se pronuncie sobre “(…) a falta de execução pela AT de uma decisão judicial que determinou a procedência dum pedido de anulação de uma liquidação (…)” ou qualquer questão relativa a “(…) execução de julgados (…)” (cf. artigos 8.º e 15.º da douta Resposta, respetivamente).

 

Vem antes requerer, segundo ele, a declaração de ilegalidade de um ato tributário com fundamento na circunstância de este, no apuramento do montante dedutível de prejuízos fiscais, por um lado, relevar, na “conta corrente” de reporte de prejuízos fiscais, correções cuja ilegalidade já foi judicialmente declarada e, por outro lado, desconsiderar  que existem correcções efectuadas à matéria tributável de anos anteriores cuja legalidade ainda se encontra a ser discutida (cf. artigo 31º do pedido de pronúncia arbitral).

 

Inexiste, portanto, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.

 

20. Numa primeira abordagem, poder-se-ia considerar estar demonstrada a prejudicialidade no caso vertente pelas mesmas razões, e daí concluir que por essa via está necessariamente em causa a ilegalidade da liquidação com fundamento em ter sido emitida, estando pendentes vários procedimentos e processo em Tribunal quanto a exercícios que antecedem o da liquidação aqui em causa.

 

Caberia então em virtude dessa conexão ao Tribunal pronunciar-se também sobre a legalidade do acto em crise.

 

Sucede que tal como explica a AT, o que o Requerente pretende é que o Tribunal arbitral se pronuncie sobre a falta de execução pela AT de uma decisão judicial que determinou a procedência dum pedido de anulação de uma liquidação.

 

Com efeito, o Requerente requer a anulação do acto tributário com único fundamento numa ilegalidade “indirecta” do acto tributário consubstanciado na demonstração de liquidação para o exercício de 2004, dada a relação de dependência e de prejudicialidade, mas acaba por pedir a suspensão dos autos e não a declaração de ilegalidade do acto.

E apenas com esse fundamento.

 

Ao retirar-se como consequência a suspensão dos autos até prolação de decisão final que venha a ser proferida naqueles identificados processos cuja procedência, que como espera o Requerente, influenciará o valor dos prejuízos fiscais disponíveis para utilização no exercício de 2004, estar-se-á a comprometer o pedido do Requerente no seu todo.

 

Ora, se o Tribunal viesse a apreciar o presente pedido e decidisse suspender a acção até prolação de todas as decisões em processos pendentes (como parece o Requerente peticionar), que objecto restava depois ao Tribunal sobre o qual decidir?

 

21. É um dado inultrapassável que a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

Acompanhando aqui a AT, temos que a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

Estabelece aquela norma que:

«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)            A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)           A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.» (sublinhados nossos).

 

Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

Acompanhando aqui também a referência da AT ao autor abaixo referido “A competência dos Tribunais Arbitrais compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade:

 

a)            De atos de liquidação de tributos cuja administração seja cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) [...];

b)           De atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [...];

c)            De atos de fixação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo [...];

d)           De atos de determinação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos [...];

e)           De atos de fixação de valores patrimoniais, para efeitos de imposto, cuja administração seja cometida à AT [...];

f)            De atos de liquidação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre exportação de mercadorias [...];

g)            As pretensões relativas a imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum (PAC) ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas [...];

h)           De atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), imposto especiais sobre o consumo (IEC's) e outros impostos indiretos sobre mercadorias que não sejam sujeitas a direitos de importação [...]» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 105-108).

 

Há que concluir que, não se inserem no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, as questões relacionadas com a execução de julgados, carecendo o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foram concretizadas as decisões judiciais referentes ao exercício de 1997.

 

Não tem o Tribunal arbitral competência para se pronunciar sobre outros procedimentos administrativos e processos judiciais que se encontram pendentes.

 

Não se vislumbra por este motivo, suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.

 

22. A incompetência material do Tribunal consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da instância da entidade requerida, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC e da alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

23. Fica, deste modo, prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral;

b)           Absolver da instância a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira e

c)            Condenar a entidade Requerente no pagamento das custas.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 460.318,06 (Quatrocentos e sessenta mil., trezentos e dezoito euros e seis cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de €7164,29, a cargo da Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2021

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

Sofia Ricardo Borges

Maria da Graça Martins