Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 574/2015-T
Data da decisão: 2016-03-23  IRS  
Valor do pedido: € 9.089,51
Tema: IRS - Art.º 2.º n.º 1 alínea a) – A declaração de ilegalidade de actos de:
- Liquidação de tributos
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. No dia 01-09-2015, o contribuinte A…, NIF…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS relativa a 2012.

 

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.

 

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são em súmula, as seguintes:

4.1 A liquidação efectuada ao Requerente foi feita oficiosamente por alegadamente não ter sido entregue a respectiva declaração de rendimentos referente ao ano de 2012.

4.2 Tal facto é, contudo, falso, pois tal declaração foi tempestivamente apresentada pelo Requerente, conforme, aliás, oportunamente, o mesmo deu conhecimento à AT.

4.3 Verifica-se, assim, que a liquidação aqui em causa padece de erro nos pressupostos de facto, por falta de fundamentação para a prática oficiosa dos actos de liquidação.

4.4 Carece de fundamento legal a total desconsideração da declaração de rendimentos referente ao ano de 2012, apresentada pelo Requerente e sua mulher.

4.5 Refira-se, aliás, que a obrigação declarativa do contribuinte esgota-se com a submissão da declaração, prevista no art.º 57.º do CIRS, porquanto a validação da mesma apenas e só está dependente dos Serviços da AT.

4.6 Que, caso entendam verificar-se qualquer divergência, apenas podem convidar o contribuinte a regularizar, que, não o fazendo, concede à AT o direito de promover a alteração oficiosa da declaração.

4.7 Isto porque, tal alteração ficou-se a dever à não aceitação, pela AT, do regime que em que o Requerente entende ser-lhe aplicável.

4.8 Mais se verifica que a AT desconsiderou o estado civil de casado e, portanto, não aplicou o coeficiente conjugal, porquanto foi este penalizado pelo facto de não ter entregue a sua declaração de rendimentos, aplicando-se-lhe o coeficiente mais elevado.

4.9 Adiantando que por não ter sido apresentada a declaração – o que é falso – não há lugar à aplicação do coeficiente conjugal – o que é ilegal.

4.10 Contudo, a situação familiar do contribuinte jamais pode deixar de ser tida em consideração no seu enquadramento tributário, sendo, a este respeito, de salientar que o ‘quociente conjugal’ não constitui qualquer «dedução» que seja excluída pelo n.º 3 do art. 76.º do CIRS, invocado na decisão recorrida.

4.11 Sendo certo que o Requerente não precisa de provar, mas apenas de declarar o seu estado civil, o que fez na sua declaração de rendimentos, que a AT entendeu desconsiderar,

4.12 Gozando, tal declaração, de uma presunção de veracidade, nos termos do art. 75.º da LGT, que a AT, em momento algum, abalou – nem podia, pois que não se verifica qualquer das circunstâncias previstas no n.º 2 daquele normativo.

4.13 Por outro lado, tal informação resulta expressamente do seu cadastro de contribuinte e das declarações apresentadas nos anos anteriores, escusando-se o Requerente da sua comprovação, nos termos do art.º 74.º, n.º 2, da LGT.

4.14 Sendo certo que o estado civil do Requerente consta dos registos da própria Administração Pública a que, caso julgue necessário, a AT tem directa e livremente acesso.

4.15 Acresce, ainda, que, veio o Requerente a apurar que a desconsideração da declaração de rendimentos que apresentou, conjuntamente com o seu cônjuge, se deveu a divergências no que respeita aos seus rendimentos, divergências, essas, aliás, ilegais, conforme adiante se demonstrará.

4.16 Ora, nos termos do art.º 69.º do Código de IRS, “Tratando-se de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, as taxas aplicáveis são as correspondentes ao rendimento colectável dividido por 2”.

4.17 Disposição legal a que não obedeceu o acto de liquidação ora recorrido.

4.18 E nem se diga que tal aplicação não foi feita por força do disposto no art.º 76.º n.º 3 do CIRS.

4.19 Para além disso, reitera-se que o «quociente conjugal» não consubstancia qualquer «dedução» mas somente um método de determinação da taxa aplicável.

4.20 Com efeito, o Requerente iniciou a sua actividade em 01/10/2009, não prevendo que o seu volume de vendas fosse superior a € 149.739,37, nos termos previstos da redacção em vigor à data do n.º 2 do art.º 28.º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.

4.21 Tendo, por isso, exercido o seu direito de opção sobre o regime de tributação, tendo optado pelo regime de contabilidade organizada.

4.22 Bem sabendo que a sua opção, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito normativo, obedecia a um período mínimo de permanência de três anos.

4.23 Tendo cumprido todas as suas obrigações tributárias, nomeadamente as declarativas, durante os três anos seguintes, com base no regime de contabilidade organizada que se julgava enquadrado, pelos ditames da lei.

4.24 Sucede, porém, que foram o Requerente e o seu cônjuge surpreendidos com a sua notificação para vir entregar novamente a sua declaração de IRS Modelo 3, referente ao ano de 2012.

4.25 Não entendendo nem concordando com tal informação, veio o Requerente apresentar requerimento à Autoridade Tributária.

4.26 Até à presente data, o Requerente não recebeu qualquer resposta ao seu requerimento, incorrendo a AT em violação do seu dever de decisão.

4.27 É que, de facto, não só a AT estava obrigada a responder ao requerimento apresentado pelo Requerente, como, em face do mesmo deveria ter-se abstido de emitir a liquidação.

4.28 Com efeito, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 28.º do CIRS, a opção pela tributação segundo a contabilidade organizada deve ser exercida na declaração de início de actividade ou até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem passar a ser tributados por este modo, através de uma declaração de alterações.

4.29 A vigência desta opção é de 3 anos, por força do disposto no n.º 5 do mesmo artigo, na redacção da Lei 53-A/2006-29/12 e vigente até à presente data.

4.30 Da letra da lei - que não oferece quaisquer dúvidas - resulta que tendo um contribuinte sido enquadrado num dos dois regimes de tributação previstos no n.º 1 do art. 28.º do CIRS, o período de permanência obrigatório é de três anos, sempre renovável por novo período de 3 anos caso não seja exercida a opção por outro regime.

4.31 Pelo que forçoso é concluir que, no início de actividade, o enquadramento faz-se de acordo com o valor anual dos proveitos estimados.

4.32 No entanto, se o sujeito passivo tiver um enquadramento, ditado pelo valor anual dos proveitos, em Regime Simplificado mas exercer a opção pelo regime de Contabilidade Organizada, é a opção exercida que prevalece para efeitos de enquadramento – nos termos do disposto no nº 10 do art.º 28.º do CIRS - bem sabendo, todavia, que tal opção vale pelos três anos seguintes – n.º 5 do mesmo preceito legal.

4.33. Pelo que o Requerente deveria encontrar-se enquadrado no regime pelo qual optou – regime de contabilidade organizada – devendo ser-lhe permitido voltar a exercer o seu direito de opção por tal regime, esgotado que fosse o período de permanência obrigatório.

4.34 A falta do cumprimento de obrigações não pode ser imputada ao Requerente, mas antes à AT que, entendendo – ainda que mal, como se demonstrou – não estar o mesmo enquadrado no regime que havia optado, impunha-se fosse este notificado para exercer o seu direito de audição, nos termos do art.º 60.º da LGT.

4.35 Ou, mesmo que assim não se entendesse, fosse, pelo menos, informado da alteração oficiosa do seu regime de tributação, uma vez que foi esta da iniciativa da AT, sem que o Requerente tivesse sequer conhecimento.

4.36 Pois que esse conhecimento somente adveio da divergência ocorrida na sua declaração de rendimentos.

4.37 Razão pela qual foi apresentada declaração como estando enquadrado no regime de contabilidade organizada – e bem, pelas razões já expendidas.

4.38 Declaração que a AT decidiu simplesmente desconsiderar, dando como não apresentada.

4.39 Acresce que a liquidação que proviria da declaração apresentada pelo Requerente e sua mulher, e que se impunha fosse efectuada, não geraria qualquer imposto a pagar.

4.40 A liquidação oficiosa de IRS, aqui em causa, não se encontra fundamentada, nos termos do disposto nos artigos 77.º, e seguintes, da LGT, devendo por conseguinte ser anulada nos termos dos artigos 135.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aplicável por remissão da alínea d), do artigo 2.º, do CPPT.

4.41 A liquidação sub judice não remete (sequer) para qualquer parecer ou informação do qual conste a fundamentação de facto e de direito que levou à emissão da mesma de forma oficiosa.

4.42 Na liquidação sub judice, a AT não invoca a norma ou os factos que nos termos da posição por si assumida, legitima que sejam realizadas correcções ao rendimento tributável, sendo que por aplicação do n.º 1, do artigo 74.º, da LGT, que constitui uma transposição do n.º 1, do artigo 342.º, do Código Civil (CC), a AT não cumpre o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito de efectuar correcções, o que além de constituir um vício substancial, constitui igualmente um vício de forma, por falta de fundamentação do acto.

4.43 Neste sentido, o acto de liquidação não pode considerar-se fundamentado nem de facto, nem de direito, uma vez que, estando a AT vinculada ao respeito pelo princípio da legalidade previsto no n.º 1, do artigo 104.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), caberia a esta na fundamentação substancial do acto tributário invocar as normas jurídicas que legitimam a sua actuação, sob pena de a Requerente ficar sem saber com base em que norma a AT actuou.

 

5.Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

5.1 Corre termos na … Unidade orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa o Processo N.º …/14…BELRS que tem como objecto o despacho da Directora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS), de 2014/08/01, exarado na informação nº …/14, notificado ao ora Requerente pelo ofício nº…, de 2014/08/26, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido deste, que pretendia ser enquadrado, em sede de IRS, no regime de contabilidade organizada relativamente ao ano de 2010. 

5.2 Ora, decorrente das regras de permanência nos regime de contabilidade organizada, cf. n.º 5 do art.º 28.º do CIRS, a decisão a ser prolatada naquela decisão terá, obrigatoriamente reflexo nas liquidações a jusante, mormente, naquilo que aqui nos ocupa, na liquidação n.º 2015 … de 2012.

5.3 Face ao que, nos termos e para os efeitos do art. 272.º do CPC, sempre se requer a suspensão desta instância, dada a manifesta relação de prejudicialidade entre ambas as acções,

5.4 A 01-10-2014, foi instaurado no SF Loures … um processo administrativo concernente a contribuintes faltosos de Declaração de Rendimentos de IRS, relativo ao ano de 2012.

5.5 De acordo com o apurado por aquele SF, e conforme é possível constatar por observação ao Processo Administrativo, o ora Requerente submeteu via internet, em 30-05-2013, a Declaração de Rendimentos de IRS de 2012, tendo, porém, a mesma ficado no estado de “Errada”.

5.6 E, decorrido o prazo de 30 dias para sanação do aludido erro, o ora Requerente não o fez, o que motivou tivesse a dita Declaração – submetida no estado de “Errada” – perdido toda a sua força substantiva.      

5.7 Neste seguimento, a 16-01-2015, notificou o SF Loures … o ora Requerente para que, no prazo de 30 dias, contados do 3.º dia posterior ao do registo, rectificasse o erro em que havia incorrido e, assim, apresentasse a Declaração de Rendimentos em falta.

5.8 Mais aí se referindo que, caso não procedesse à entrega da dita declaração ou não fizesse a correspondente prova no prazo de 30 dias, procederiam os Serviços à respectiva liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS,

5.9 Qualificando, nesse caso, o contribuinte «como não casado», isso, «salvo se comunicar, no referido prazo, o Número de Identificação Fiscal (NIF) do seu cônjuge.»

5.10 Em sede de resposta, o ora Requerente alegou ter entregue a sua declaração de rendimentos referente ao ano de 2012 dentro do prazo legal;

5.11 Tendo de igual modo confirmado a recepção do ofício do SF Loures … de 11-06-2013, relativo à existência de erro central com a designação “C70 – incompatibilidade entre o anexo entregue e opção em cadastro”, à qual, segundo o próprio, não deu crédito.

5.12 Ademais, o ora Requerente, para além de não ter regularizado a sua situação tributária, também não logrou fazer prova do seu estado civil.

5.13 Atendendo à conduta omissiva do Requerente, a 26-02-2015, procederam os serviços da AT à recolha oficiosa de Rendimentos (2012), tendo procedido à liquidação nos termos do artigo 76.º, n.º 3 do CIRS.

5.14 Sendo que, para a concretização da dita liquidação, tiveram os Serviços em conta o que constava registado no cadastro fiscal do Requerente, mormente o facto de se encontrar no Regime Simplificado de Tributação;

5.15 Isso porque, não realizou no ano de 2010 a opção em conformidade com o disposto no artigo 28.º, n.º 3, 4, alínea b) e n.º 5 do CIRS.

5.16 Diga-se ainda que (cf. fls 14 do PA) sobressai a primeira das contradições do alegado pelo Requerente.

5.17 Sendo que de acordo com o que resulta da consulta da base de dados da AT, temos que o contribuinte, diametralmente oposto àquilo que alega, iniciou a sua actividade no dia 01-01-2006 e não como refere a 1-01-2009.

5.17 É por assim ser que a 01-01-2009, o contribuinte estava ainda registado no regime de contabilidade organizada para e efeitos de tributação em IRS.

5.18 Isso porque tal opção fê-la o contribuinte, no ano em que iniciou a actividade, ou seja, conforme supra demonstrado, a 1-01-2006, tendo nessa altura, como é de Lei, optado por um dos regimes previstos no art.º 28.º do CIRS, i.e., in casu, a contabilidade organizada.

5.19 Como é bom de ver, na referida fl. 14 do PA, o enquadramento do contribuinte em imposto sobre o rendimento, era para o ano de 2010, o do regime simplificado.

5.20 Tendo sido por essa razão que os Serviços da AT, ao procederem à liquidação em sede de IRS para o ano de 2012, tomaram o regime simplificado como, digamos assim, ponto de partida para a sua concretização e materialização na esfera do contribuinte.

5.21 A que acresce o facto de, ainda de acordo com aquela fl. 14 do PA, o regime simplificado ter tido início a 01-01-2010 e findado a 31-12-2012.

5.22 Isso no estrito cumprimento do que se encontra disposto nos termos do artigo 28.º, n.º 1 do CIRS.

5.23 Acresce que, de acordo com a redação do artigo 28º, nº 2, alíneas a) e b) do CIRS, vigente à data dos factos ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior qualquer dos seguintes limites:

Volume de vendas – 149 739,37 euros

Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria – 99 759,58 euros.

5.24 Ora, no ano de declaração de reinício de atividade, 2009, o Requerente estimou como valor anual ilíquido dos restantes rendimentos da categoria B (IRS) o valor de € 102 000,00,

5.25 Tendo, como decorria da lei (artigo 28.º, n.º 2 do CIRS), ficado abrangido pelo regime de contabilidade organizada.

5.26 O limite fixado no nº 2 do artigo 28º do CIRS, para o enquadramento no regime simplificado foi alterado pela redação dada pela Lei nº 3-B/2010 de 28/4 que determinou ficarem abrangidos por esse regime os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150 000,00 euros.

5.27 Ora, não reunindo os pressupostos de inclusão no regime de contabilidade organizada para o ano seguinte, porquanto o valor declarado no anexo C da declaração de IRS do ano de 2009 foi de € 9,632,01 (documento n.º 2 que se protesta juntar), e não atingindo assim, o limite de € 150 000,00, previsto no artigo 28º, nº 2 do IRS, foi efetuado o enquadramento de acordo com o estabelecido na lei, no regime simplificado, para o triénio 2010/2012.

5.28 Porquanto, se o Requerente ficou enquadrado no regime de contabilidade organizada no ano de reinício de atividade, 2009, pelo facto de o valor estimado dos rendimentos ser superior ao limite estabelecido, mas tendo os rendimentos efetivamente recebidos nesse ano sido inferiores àquele limite legalmente estipulado, fica enquadrado no regime simplificado no ano seguinte, a não ser que, até final do mês de Março, opte pelo regime de contabilidade organizada.

5.29 Caso não exerça a opção prevista, manter-se-á no regime simplificado por um período mínimo de três anos, salvo se no ano seguinte ultrapassar o limite, em valor superior a 25% do respetivo montante, passando neste caso a estar enquadrado no regime de contabilidade organizada a partir do ano seguinte (cf. Artigo 28º, nº 6 CIRS).     

5.30 Pelo que, caso o Requerente pretendesse que os rendimentos empresariais e profissionais, a partir do ano de 2010, fossem determinados com base na contabilidade organizada, deveria ter exercido a opção por esse regime até ao fim do mês de março de 2010, conforme o disposto no nº 3, na alínea b) do nº 4 e no nº 5 do artigo 28º do CIRS.

5.31 Tendo o Requerente auferido no ano de 2009, rendimentos no montante de € 9.632,01, inferiores ao limite previsto no nº 2 do artigo 28º do CIRS, reunindo, por isso, os pressupostos para no ano de 2010 ficar enquadrado no regime simplificado e não tendo exercido a opção de tributação pelo regime de contabilidade organizada, ficou automaticamente enquadrado no regime simplificado no triénio 2010/2012, triénio, esse, que abarca o ano em apreço.

5.32 Nem alegue o Requerente que, no que concerne à prova do seu estado civil, sempre estaria dispensado de a fazer, isso, pois que, nos termos dos disposto no artigo 75.º da LGT, só até prova em contrário se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.

5.33 Sendo, no entanto, que essa presunção não se verifica quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros ou indícios fundados de não reflectirem a matéria tributável real do sujeito passivo.

5.34 Para mais, porque, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 7 do CIRS, a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite.

5.35 O que corrobora o pedido efectuado pelos Serviços ao Requerente de esclarecer o respectivo estado civil no ano de 2012.

5.36 Tratando-se de uma liquidação oficiosa, a mesma encontra-se circunscrita aos limites consagrados no CIRS, designadamente nas normas dos artigos 79°, n° 1 e 97°, n° 3 do CIRS, ex vi n° 1, alínea b), e n° 3, do artigo 76° do CIRS (redação dada pela Lei n° 53-A/2006, vigente à altura dos factos).

5.37 Sendo que, nos termos desta última norma quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.° e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.° 1 do artigo 79.° e no n.° 3 do artigo 97.°.

5.38 O que, como vimos, aconteceu, sendo de realçar não ter o Requerente trazido ao processo qualquer elemento de prova cabal e suficiente desta sua alegação, não havendo, portanto lugar à aplicação do coeficiente conjugal.

5.39 Por fim, quanto ao argumento da Requerente da falta de audiência prévia, resulta da alínea b), do n.º 2 do artigo 60.º da LGT que a mesma é dispensada no caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para a apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

5.40 O Requerente, sem razão, vem ainda alegar falta de fundamentação do acto de liquidação, porquanto, de acordo com o que ficou demonstrado em sede factual, foi o Requerente notificado pelos Serviços para, perante errónea declaração de rendimentos submetida – equivalente à falta de entrega da mesma – em 30 dias regularizar a situação,

5.41 Devendo apresentar para o efeito a declaração de rendimentos para o ano de 2012, e/ou apresentado no referido prazo o NIF do seu cônjuge.

5.42 Ou seja, o Requerente não desconhece o itinerário cognoscitivo que subjaz à liquidação oficiosa do ano de 2012.

5.43 Com efeito, a CRP, no seu art. 268.º, nº 3, garante aos administrados o direito à fundamentação expressa e acessível de todos os atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

5.44 Nesse contexto, em matéria tributária, o dever de fundamentação dos atos decisórios de procedimentos e de atos tributários está materializado no art. 77° da LGT.

5.45 Assim, o n.º 2 do art 77° da LGT estabelece os requisitos da fundamentação dos actos de liquidação de tributos, prescrevendo que os mesmos devem conter uma fundamentação sumária, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

5.46 Ora, na situação em apreço, o sujeito passivo ora Requerente tinha total conhecimento de que não tendo apresentado a liquidação mod. 3 do IRS relativa ao ano de 2012, mesmo depois de notificado para tal, a liquidação oficiosa teria por base os elementos que a AT dispunha, pois para tal foi notificado, nos termos do nº 3 do artigo 76°do CIRS.

5.47 E mesmo assim, se lhe restasse qualquer dúvida relativamente à origem e montante do rendimento constante da liquidação notificada, poderia ter recorrido ao estipulado no nº2 do art 37.º do CPPT, e no prazo de 30 dias, ou dentro do prazo para reclamação, requerendo a notificação dos requisitos que tenham sido, na sua opinião, omitidos, ou a passagem de certidão que as contivesse.

5.48 Assim sendo, a liquidação oficiosa em causa deve considerar-se devidamente fundamentada, uma vez que consistiu na indicação das razões de facto e direito que levaram à sua emissão, e que foram, 1) a falta de entrega de declaração de rendimentos e 2) a norma legal que autoriza a AT a substituir-se-lhe, constando da mesma a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, bem como os prazos e os meios- de reação contra o ato notificado,

5.48 Pelo que não enferma de vício formal atinente à fundamentação, pois os seus termos dão a conhecer as razões de facto e de direito que presidiram à atuação da AT, e todo o caminho por ela percorrido para chegar à definição da situação jurídica do sujeito passivo ora Requerente.

 

6. No dia 02/02/2016, foi proferido despacho arbitral, considerando desnecessária a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, dado não estarem presentes as circunstâncias objecto das diversas alíneas do n.º 1 desta disposição, tendo sido convidadas as partes para, em cinco (5) dias, comunicarem nos autos se, não obstante, pretendiam mesmo assim a realização da reunião a que alude o art. 18.º, fundamentando essa pretensão.

7. As partes não requereram que se promovesse a reunião prevista no art. 18º do RJAT.

 

II. Factos provados

 

8. Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

8.1.O Requerente é casado com B… desde 4 de Maio de 1978.

8.2. O Requerente e o seu cônjuge submeterem via internet, em 30-05-2013, a Declaração de Rendimentos de IRS de 2012.

8.3. A declaração de IRS no sistema informático ficou no estado de “Errada”.

8.4. O Requerente recebeu um ofício do SF Loures … de 11-06-2013, relativo à existência de erro central com a designação “C70 – incompatibilidade entre o anexo entregue e a opção em cadastro”.

8.5. A 01-10-2014, foi instaurado no SF Loures … um processo administrativo concernente a contribuintes faltosos de Declaração de Rendimentos de IRS, relativo ao ano de 2012.

8.6. A 16-01-2015, o Requerente foi notificado para no prazo de 30 dias, contados do 3.º dia posterior ao do registo, rectificar o erro e apresentar Declaração de Rendimentos em falta.

8.7. Nessa notificação afirmava-se que que caso o Requerente não procedesse à entrega da dita declaração ou não fizesse a correspondente prova no prazo de 30 dias, procederiam os Serviços à respectiva liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, qualificando, nesse caso, o contribuinte «como não casado», isso, «salvo se comunicar, no referido prazo, o Número de Identificação Fiscal (NIF) do seu cônjuge.»

8.8. Em 16-2-2015 o Requerente entregou exposição, onde alegou que entregou a Declaração de Rendimentos dentro do prazo legal, tendo juntado documento comprovativo da mesma com o NIF do seu cônjuge e certidão do registo civil comprovativa do seu casamento.

8.9. A 26-02-2015, os serviços da AT procederam à recolha oficiosa de Rendimentos (2012), tendo procedido à liquidação de IRS.

 

 

III. Factos não provados

 

9. A data da entrega pelo Requerente da declaração de início de actividade.

 

 

IV – Do Direito

 

10. São as seguintes as questões a apreciar.

 

- Da existência de causa prejudicial.

 

- Da falta de fundamentação do acto.

 

- Da verificação da entrega da declaração de IRS e aplicação do coeficiente conjugal

 

 

Examinemos assim estas questões:

 

 DA EXISTÊNCIA DE CAUSA PREJUDICIAL

 

 

11. Caso existisse uma questão prejudicial, nos termos do artigo 272º do Código de Processo Civil, o Tribunal Arbitral poderia suspender a instância até ser proferida decisão sobre essa matéria nessa outra matéria. Torna-se, por isso necessário averiguar se efectivamente se estará presente uma causa prejudicial.

 

Conforme resulta da documentação junta, encontra-se a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa uma acção administrativa especial, sob o n.º …/14…BELRS, pendente de decisão.

 

O objecto da acção em causa é a decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido contra decisão de indeferimento do pedido de alteração do regime de tributação, sendo que o aqui Requerente tem como pretensão ser inserido no Regime de Contabilidade Organizada nos anos de 2010 e 2011 e poder voltar a escolher o mesmo regime no triénio de 2012 a 2014.

 

Sendo que estamos perante uma liquidação de IRS respeitante ao ano de 2012, em que o Requerente pretende ser inserido no Regime de Contabilidade Organizada, estamos perante a mesma liquidação em crise nestes autos. Parece assim claro que a decisão da causa, em sede de acção administrativa, a favor do aqui Requerente, resultaria na necessidade de anular esta liquidação de IRS e substituí-la por outra, dado estar num regime de tributação diferente.

 

Só que o principal vício que é invocado no presente processo não tem a ver com o enquadramento no Regime da Contabilidade Organizada, mas sim com a não aplicação do coeficiente conjugal. Esse vício que é apontado à liquidação em nada depende da decisão que vier a ser proferida nos autos da acção administrativa especial, constituindo um fundamento autónomo de anulação, em relação ao qual não se verifica qualquer prejudicialidade.

 

Não se vê por isso qualquer utilidade na suspensão da instância até à decisão da outra causa, pelo que se indefere essa solicitação.  é

 

DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO

 

Ao contrário do que sustenta o Requerente, não parece que se possa considerar ter sido violado o dever de fundamentação por parte da Administração Tributária.

 

Efectivamente, o artigo 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária refere que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

 

 

De acordo com o número 2 do mesmo artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

Da mesma forma, refere o artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo, que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo ato".

 

Ora, o Requerente foi expressamente notificado de que a declaração de rendimentos não tinha sido entregue com sucesso no sistema informático, tendo também tido um prazo para regularizar a situação.

 

A notificação feita ao Requerente apresenta as consequências decorrentes da não regularização da declaração e a legislação aplicável, não se podendo considerar assim existir falta de fundamentação.

 

 

DA VERIFICAÇÃO DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE IRS E APLICAÇÃO DO COEFICIENTE CONJUGAL

 

 

O Requerente submeteu via internet, em 30-05-2013, a Declaração de Rendimentos de IRS de 2012, sendo que a declaração de IRS no sistema informático ficou no estado de “Errada”.

 

Sendo que a documentação apresentada pelo Requerente refere expressamente que esta mesma não serve de comprovativo de entrega da declaração.

 

Pelo que se entende que foi o erro no preenchimento informático que não permitiu a entrega da declaração, sendo que o Requerente não entregou nova declaração em suporte informático ou em papel.

 

De acordo com o artigo 76º, nº 1, al. b) do CIRS, não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha.

 

Sendo que o número 3 do mesmo artigo refere que quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º

 

O Requerente foi notificado para proceder à entrega da declaração e para indicar o número de contribuinte fiscal do seu cônjuge, no prazo de 30 dias, tendo apresentado uma exposição onde da documentação junta resulta claramente o seu estado civil e o número de contribuinte do cônjuge (cfr. doc. nº3, junto com a petição inicial).

 

Sendo que, em qualquer caso, o art. 76º, nº3, do CIRS, não permite que a omissão de entrega da declaração tenha como consequência a não aplicação do coeficiente conjugal, previsto no artigo 69º do CIRS, uma vez que não há qualquer referência naquela norma à não aplicação desta disposição, apenas se referindo que não se atenderá ao disposto no artigo 70.º e só serão efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º. É manifesto, no entanto, que o coeficiente conjugal (splitting) não corresponde a uma dedução, mas antes à consideração da unidade familiar para efeitos fiscais, pelo que terá que ser aplicado. Aliás, não se vê que sentido faria o legislador manter nesse caso a dedução prevista na alínea a) do nº 1 do art. 79º e deixar de tomar em consideração o coeficiente familiar.

 

Procede assim neste âmbito a impugnação da liquidação.

 

O Requerente solicita, porém, não só a anulação da liquidação mas também a substituição por outra que corresponda à declaração de rendimentos que tentou submeter. É manifesto, no entanto, que, sendo o contencioso tributário de anulação, o Tribunal Arbitral só pode anular a liquidação e não substituí-la por outra. Para além disso, o Tribunal Arbitral considera que de facto não foi entregue a declaração, estando apenas em causa a não aplicação do coeficiente conjugal pelos serviços da AT. Em consequência o Tribunal apenas pode anular essa liquidação, cabendo à AT em nova liquidação proceder ao cálculo do imposto com base no coeficiente conjugal.

 

 

V – Decisão

 

Julga-se consequentemente procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS nº 2015…, relativa ao exercício de 2012, que é assim anulada.

Julga-se improcedente o pedido de substituição por outra liquidação com base na declaração apresentada.

 

Fixa-se ao processo o valor de: 9.089,51 euros (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em 918 euros nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Atendendo ao decaimento parcial do Requerente, considera-se adequado repartir as custas por presente processo em 60% a cargo da Autoridade Tributária e 40% a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 23 de Março de 2016

 

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)