Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 95/2016-T
Data da decisão: 2016-10-24   Outros 
Valor do pedido: € 9.833,02
Tema: Taxa municipal de proteção civil; competência do tribunal arbitral
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 19.02.2016, a Requerente, A…, LDA, contribuinte fiscal número …, com sede na rua …, números … e …, em …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação ou declaração de nulidade   da liquidação  da taxa municipal de proteção civil (doravante “TMPC”), efetuada pelo Município de … em 22.10.2015, com o nº…, no valor de 9.833,02 € tendo como data limite de pagamento da primeira prestação o dia  21.11.2015, no valor de 4.916,52 €,  sendo a data limite de pagamento da segunda prestação, no mesmo valor, o dia   31.03.2016.

A Requerente peticiona ainda o reembolso das quantias indevidamente pagas relativamente a esta liquidação, alegando ter pago a primeira prestação, no valor de 4.916,51 €.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 06-05-2016.

 

 

3. A Requerente, em apoio da sua pretensão, invoca, em síntese, o seguinte:

 

a) Emissão ilegal da liquidação de TMPC, por se encontrar pendente impugnação judicial , no Tribunal Tributário de … intentada pela Requerente contra o Município de … com vista à anulação ou declaração de nulidade do Despacho do Exmo. Senhor Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de…, relativamente ao prédio urbano sito na avenida…, nº…, da freguesia de … e Município de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, impondo-se a anulação da liquidação até que seja proferida decisão no processo instaurado pela Requerente.

 

b) Inconstitucionalidade da liquidação de TMPC por falta de indicação expressa da prestação concreta do serviço prestado sobre o qual é cobrada a pretensa taxa municipal de proteção civil, não podendo o  tributo em causa de ser considerado um imposto não só por não se verificar uma contraprestação especifica por parte do Município de …,  como também por se verificar uma clara desproporcionalidade entre o montante a pagar em relação ao benefício  supostamente recebido pela ora demandante, tendo sido violado o nº 2, do art. 266º, da Constituição da República Portuguesa.

 

c) Violação do princípio da legalidade fiscal e os artgs. 103º, nº 2 e 165, nº 1, al. i) da CRP, porquanto os Municípios se encontram proibido constitucionalmente de criar imposto, apenas tendo habilitação legal para criar taxas, tarifas e preços, para o financiamento dos serviços prestados e para a gestão administrativa do património, conforme decorre do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 238º da CRP e Regime Financeiro das Autarquias Locais das Entidades Intermunicipais, sendo a liquidação em causa nula e de nenhum efeito.

 

d)  Falta de fundamentação da liquidação de TMPC uma vez que o ato em causa não indica, e inexiste, qualquer dispositivo legal aplicável que legitime a liquidação em causa, ocorrendo manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou pela menos, a sua insuficiência, pelo que foram frontalmente violados o art. 268º, nº 3, da CRP, os arts. 152º e 153º do CPA e o art. 77º da LGT.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, alegando, em síntese, o seguinte:

 

a) Irregularidade da procuração junta a favor do mandatário da  Requerente, uma vez que, do  teor da procuração forense junto ao pedido de pronúncia arbitral, se verifica que aquele instrumento foi outorgado a favor de uma  Sociedade de Advogados, sendo o que o exercício do mandato judicial ou forense é um mandato pessoal, que não pode ser exercido por uma pessoa coletiva e, por outro lado, acresce que  procuração forense junta à p.i. foi exclusivamente outorgada para o exercício do mandato forense num concreto processo judicial, e não também para todos os eventuais demais processos, como é o presente

 

b)Incompetência material do tribunal arbitral, pois que, estabelecendo o artigo 2.º/1 do RJAT, que  «A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.»  o artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março é bem claro ao estabelecer que a Requerida apenas se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos ao CAAD quando os pedidos de pronúncia arbitral «(…) tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (…)».

 

c) Consequentemente, o Tribunal Arbitral Singular constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir quer qualquer questão relacionada com a (pretensa) falta de contraprestação em torno da TMPC, quer a legalidade da própria liquidação da TMPC, porquanto tais matérias não se subsumem naquilo que prevê o artigo 2.º do RJAT e o artigo 2.º da Portaria de Vinculação o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa [artigo 576.º/1 e 2 e artigo 577.º/1-a) do CPC, ex vi artigo 2.º-e) do RJAT], a qual dá lugar à absolvição da Requerida da instância [artigo 278.º/1 do CPC, ex vi artigo 2.º-e) do RJAT]).

 

d) A Requerente é parte ilegítima no presente processo porquanto sendo o tributo administrado pelo Município de … a Requerida é uma entidade totalmente estranha e alheia à TMPC e  naturalmente que apenas e só o Município de … poderá aquilatar as questões suscitadas no pedido de pronúncia arbitral, apresentado pela Requerente, acrescendo que, nem o RJAT, nem a Portaria 112-A/2011, de 22 de março, conferem ao dirigente máximo da Requerida o papel de representante de outra entidade que não a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

e) Não só em face da relação jurídica que aqui se mostra configurada, mas igualmente por força do interesse pessoal e direto em contradizer do Município de …, é manifesta a ilegitimidade da Requerida para se encontrar em juízo, o que consubstancia uma exceção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa [artigo 576.º/1 e 2 e artigo 577.º/1-e) do CPC, ex vi artigo 2.º-

 

f) Acresce que a Requerente preteriu uma prévia formalidade necessária, qual seja a de ter deduzido Reclamação Graciosa em momento anterior à dedução do pedido de pronúncia arbitral, formalidade que consta do artigo 16.º/5 da Lei 53-E/2006, de 29 de dezembro, pelo que, naturalmente que se encontra vedada a possibilidade de aqui pretender sindicar a legalidade da liquidação da TMPC, porquanto o Tribunal Arbitral Singular carece de competência material para apreciar uma questão que deveria previamente ter sido alvo de pronúncia por parte da entidade administrativa (artigo 16.º/5 da Lei 53-E/2006).

 

g) Ao pedido de pronúncia arbitral atribuiu a Requerente o valor de € 4.916,51, valor este equivalente à primeira prestação da liquidação de TMPC por si colocada em crise.

 

h) Contudo, a Requerente culmina o seu petitório com a declaração de nulidade ou anulação da liquidação sub judice sendo que, tal como resulta da liquidação de TMPC em causa, o seu valor ascende a € 9.833,02 o que significa que o valor da causa não corresponde, afinal, aos indicados € 4.916,51, mas sim aos € 9.833,02 com os quais a Requerente não concorda.

 

i) A Requerida defendeu-se ainda por impugnação, sustentando que a liquidação do tributo em causa pelo Município de …, que considera ser uma taxa municipal, não enferma de nenhum dos vícios invocados pela Requerente.

 

 

5. A Requerente, notificada para por escrito se pronunciar sobre as exceções e outras questões suscitadas pela Requerida, não o fez.

 

6.Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

-II-

 

Apreciação da questão da irregularidade do mandato

 

7. Antes de mais torna-se necessário solucionar a questão de irregularidade do mandato forense, suscitada pela Requerida na sua resposta.

E, diga-se desde já, não lhe assiste razão nesta invocação.

Na verdade, da procuração em causa consta que a Requerente «(…) Constitui seus bastante procuradores a (…) Sociedade de Advogados RL” (…)» representada pelos Exmos. Srs. Drs.(…), encontrando entre os designados o ilustre mandatário da Requerente, fica bem claro que o exercício do mandato forense  poderá ser exercido por qualquer um dos advogados nomeados em representação da sociedade.

Por outro lado, da procuração consta que são conferidos os mais amplos poderes forenses em direito permitidos. A circunstância de, da mesma procuração constar a atribuição de poderes de representação especiais para confessar transigir ou desistir e ratificar o processado num determinado processo, não restringe os poderes gerais conferidos a esse mesmo processo.

Nesta conformidade, julga-se não verificada a suscitada irregularidade do mandato, arguida pela Requerida.

 

Do valor da causa

 

8. A Requerida veio ainda alegar que o valor da causa não corresponde, afinal, aos indicados € 4.916,51, valor este equivalente à primeira prestação da liquidação de TMPC mas sim aos € 9.833,02 valor correspondente ao valor da liquidação ajuizada e relativamente à qual se pede a declaração de nulidade ou anulação da liquidação.

Estabelece o artigo 97.º-A, aplicável ex vi artigo 2.º-e) do RJAT, sob a epigrafe Valor da causa:

1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a)      Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

(…)”

Assim sendo, dúvidas inexistem de que o valor em questão é de € 9.833,02, correspondente ao valor da liquidação cuja declaração de ilegalidade se peticiona, pelo que, em consequência, se fixa o valor da causa em € 9.833,02.

 

III. Saneamento

 

Exceção de incompetência da Jurisdição Arbitral em razão da matéria

 

9.Vem a Requerida alegar que o Tribunal Arbitral Singular constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir qualquer questão relacionada com a legalidade da liquidação da TMPC, porquanto tais matérias não se subsumem naquilo que prevê o artigo 2.º do RJAT e o artigo 2.º da Portaria de Vinculação.

 

Vejamos.

 

Nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das pretensões tendentes “À declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

De acordo com o art. 4º, nº 1, do mesmo diploma “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”

 

Pelo art. 1º da portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março a Requerida vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que, nos termos do art. 2º  “tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração  lhe esteja cometida  referidas no  art. 2º do Decreto_Lei  nº 10/2011, de 20 de Janeiro”.

 

Independentemente da natureza do tributo em questão o certo é que não emerge dos autos que a administração da taxa municipal de proteção civil esteja cometida à Requerida, nem tal administração resulta diretamente de qualquer norma jurídica. Pelo contrário, resulta do documento nº 1 junto com a petição que a liquidação sub judice foi efetuada pelo Município de …, factualidade alegada pela própria Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral.

Assim sendo, à luz das normas supra citadas é manifesta a incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral.

 

A incompetência do tribunal consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa [artigo 576.º/1 e 2 e artigo 577.º/1-a) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º-e) do RJAT], a qual dá lugar à absolvição da Requerida da instância [artigo 278.º/1 do CPC, ex vi artigo 2.º-e) do RJAT]), ficando ainda prejudicado o conhecimento das demais questões suscetíveis de implicar a absolvição da instância.

 

 

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral e, em consequência, absolver a Requerida da instância.

 

 

Valor da ação: € 9.833,02 (nove mil oitocentos e trinta e três euros e dois cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerente no valor de 918.00 € (novecentos e dezoito euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 24 de Outubro de 2016

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro