Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 573/2015-T
Data da decisão: 2016-05-16  Selo  
Valor do pedido: € 14.065,47
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Propriedade vertical.
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Decisão Arbitral

 

I. RELATÓRIO

 

1.      Em 1 de Setembro de 2015, A…, contribuinte n.º…, residente na…, …, …, …-… Matosinhos, B…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, …-…, …-… Porto, C…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, …, ..., …-… Porto, D…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, …, …-… Porto, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de E…, F…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, …, …-… Porto, G…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, …, …-… Porto, H…, contribuinte n.º…, residente na Rua de…, …, …-…. Porto, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de I…, NIF…, J…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, …., …-… Porto, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de K…, NIF…, L…, contribuinte n.º…, residente no Largo…, … , …, ..., …-… Lisboa e M…, contribuinte n.º…, residente na Rua de…, …-…., …-… Porto, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de N…, NIF…,  doravante designados por Requerentes, solicitaram a constituição de tribunal arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.                   Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. O… e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª P… e Dr.ª Q… .

3.                   O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 21 de Setembro de 2015.

4.                   Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), relativos ao ano de 2014, incidentes sobre as unidade ou divisões com utilização independente que compõem o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da União das freguesias de…, …. e …, do concelho do Porto, no valor global de € 14.065,47 (catorze mil e sessenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), e consequente reembolso das quantia pagas a este título, acrescidas de juros indemnizatórios.

5.                   Os Requerentes, no pedido de constituição que apresentaram, pedem a cumulação de pedidos e a coligação de autores, alegando a existência de identidade de circunstâncias de facto e da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, as quais sendo admissíveis, nos termos do artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 3.º do RJAT, são, desde já, admitidas.

6.                  Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

7.                   O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 17 de Novembro de 2015, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

8.                   A Requerida, notificada, a 18 de Novembro de 2015, para apresentar resposta, juntar o processo administrativo, e querendo, solicitar produção de prova adicional, nos termos e para os efeitos do artigo 17.º do RJAT, veio apresentar, no dia 17 de Dezembro de 2015, a sua resposta, data em que apresentou, igualmente, requerimento no sentido de ser dispensada a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, sugerindo que o Tribunal conhecesse, desde logo, o pedido.

9.                  Ora, atendendo a que não foram invocadas quaisquer excepções na resposta apresentada pela Requerida, não existe necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente consta dos autos e não se vislumbrando a necessidade de as partes corrigirem as suas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para a prolação de decisão, conforme solicitado por aquela, face ao princípio do contraditório e colaboração, no dia 13 de Janeiro de 2016, o Tribunal notificou os Requerentes, através de despacho, para virem aos autos pronunciarem-se sobre a pretensão da Requerida.

10.              Em resposta ao despacho referido imediatamente supra, os Requerentes, no dia 14 de Janeiro de 2016, através de requerimento, manifestaram a sua não oposição à requerida dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e bem como à apresentação de alegações, o que o Tribunal determinou.

11.              No dia 24 de Fevereiro de 2016, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, o Tribunal, através de despacho, por um lado, designou o dia 17 de Maio de 2016, para o efeito de prolação da decisão arbitral, e por outro, advertiu os Requerentes de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

 

II. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

Os Requerentes sustentam o pedido de anulação do acto de liquidação de imposto do selo a que foram sujeitos, relativamente aos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, afectos a habitação, do prédio inscrito sob o artigo … na respectiva matriz, com entrada pelos n.º …/… da Rua … e Rua do…, n.º …/…, sito na União das freguesias de  …, … e…, no concelho do Porto, que se encontra em propriedade vertical, por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:

 

 

 

 

A.    Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS

 

a)    Entendem, os Requerentes, que «O “valor patrimonial do tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)” a que alude o disposto na verba nº 28 da TGIS, não é o valor global do prédio equivalente à soma de todos os VPT’s que o compõem, como erradamente considerou a Autoridade Tributária, mas o valor do VPT atribuído a cada parte susceptível de utilização independente. Pelo que não deveria ter sido liquidado nem cobrado a nenhum dos autores imposto de selo relativamente a nenhuma das partes susceptíveis de utilização independentes do prédio urbano inscrito na matriz sob o art … da … (actualmente art. …) acima identificado, dado que como acima se referiu, nenhuma das partes susceptíveis de utilização independente no prédio em causa tem um VPT superior a € 1.000.000,00.»

b)   Consideram, ainda, os Requerentes em proveito da sua posição que, perante a realidade circunscrita da conjugação do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (CIS), da redacção da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), em vigor,  do disposto nos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 12.º, n.º 3 e 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) « nada do Código do Imposto de Selo, nem no Código de Imposto Municipal sobre Imóveis permite ou autoriza a diferença de tratamento entre partes de prédios susceptíveis de utilização independente, sejam elas referentes a prédios constituídos em propriedade horizontal, ou não. » Mais, referindo que « Revelando para efeitos de tributação a verdade material subjacente à situação do prédio (…) e à sua utilização, (…) é indiferente a sua situação jurídica, tudo em respeito do princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal. »

 

B.    Vício de violação de Lei constitucional, designadamente do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), e da igualdade em sede de tributação do património (artigo 104.º, n.º 3 da CRP)

 

a)        Entendem e motivam, os Requerentes, a arguição deste vício, inculcado no acto de liquidação impugnado, no facto de a « Interpretação do disposto na Verba nº 28.1 da TGIS que considere que o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para efeitos da sujeição a imposto de selo, é a soma dos VPT’s de todas as partes susceptíveis de utilização independente integrantes de prédio não constituído em propriedade horizontal é inconstitucional, por violação do disposto do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), bem como do disposto no art. 104.º, n.º 3, da CRP, dado que tal interpretação permitira tributar de modo diferenciado factos com a mesma relevância fiscal e que demonstrariam a mesma capacidade contributiva.»

b)        Mais referem, quanto a esta matéria que « As liquidações efectuadas pela Autoridade Tributária que se apoiam na interpretação do disposto na Verba nº 28.1 da TGIS que considera que o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para efeitos da sujeição a imposto de selo, é a soma dos VPT’s de todas as partes susceptíveis de utilização independente integrantes de prédio não constituído em propriedade horizontal é ainda inconstitucional, por violação do disposto no art. 103º, nº2 da CRP, atenta a circunstância de ser tributado facto jurídico por imposto que não foi criado por lei.»

c)        Concluindo, assim, que pela ilegalidade das liquidações de imposto do selo impugnadas.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, vem a AT, na sua resposta, defender-se por impugnação, contrariando a posição assumida pelos Requerentes, o que o faz da seguinte forma: 

a)      No que toca ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações em causa, entende a Requerida que: «o Requerente é, pois, proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, pelo que não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio. Decorre da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, de acordo com a qual só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédio- n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI. Assim, o ora Requerente, para efeitos de IMI e de imposto do selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietária de 13 fracções autónomas, mas de um único prédio

b)     Acrescenta, ainda que «a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil (…). Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal», porquanto, por um lado, “estes dois regimes de propriedade são regimes do direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referidos pelo artigo 2.º do CIMI. Ao intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes dois regimes, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou como se refere o artigo 11.º, n.º 2 da LGT (…).”»

c)      …por outro, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis, conforme dispõe o artigo 11.º, n.º 1 da LGT que remete para o Código Civil que, no artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da Lei. Ora, a lei fiscal não comporta qualquer lacuna. Determina o CIMI, para o qual a verba 28.1 da TGIS remete, que, no regime da propriedade horizontal, as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são parte susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.»

d)     Referindo, em consequência que «encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando  individualmente, nos termos do art. 12.º, n.º 3 do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente - considerado separadamente na inscrição matricial, mas integrando a mesma matriz-, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte

e)     Expõe, ainda, que «A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suceptíveis de utilização económica independente

f)       E, acrescenta, a final, que: “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, n.º 1, da Tabela Geral.”

g)      Concluindo no sentido de que «é o que resulta de o facto determinante na aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas. Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1 da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP)

h)     Quanto à matéria da inconstitucionalidade, defende a Requerida que «cabe à lei – Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado – estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos. Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão suscpetível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.»

i)        Mais continuando o seu raciocínio no sentido de que «é, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou divisão a divisão, e não globalmente», uma vez que «a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados. A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação (…). O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária. Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.»

j)       Mais refere, quanto a este aspecto, e em contraposição ao alegado pelos Requerentes que «a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade – veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio. O que se pretende concluir é que estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu, são regimes jurídico-civilísticos diferentes e assim a lei fiscal os considera

k)      E, conclui no sentido de que «o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente», pelo que, «a liquidação impugnada, em termos de substância, não violou qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica..»

 

 

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.    Os Requerentes são co-proprietários, na proporção, cada, de 10/2160 do prédio urbano com entrada pelos n.ºs …/… da Rua … e Rua…, n.ºs …/…, sito na União das freguesias de…, … e…, no concelho do Porto, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo… . (cfr. Doc. n.º 81 junto com a petição inicial);

B.    O prédio compreende um total de 5 (cinco) pavimentos destinados a comércio e habitação, 6 (seis) pisos e 10 (dez) divisões com utilização independente, sendo que apenas 8 (oito) se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 149.398,63 e € 207.257,05. (cfr. Doc. n.º 81 junto com a petição inicial);

C.    O prédio em causa encontra-se em regime de propriedade vertical ou total. (Doc. n.º 81 junto com a petição inicial);

D.    O somatório dos VPT das mencionadas fracções autónomas afectas a habitação ascende a € 1.545.341,75 (um milhão, quinhentos e quarenta e cinco mil, trezentos e quarenta e um euros e setenta e cinco cêntimos), tendo cada uma delas individualmente, um VPT inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (Doc. n.º 81 junto com a petição inicial);

E.    A inscrição matricial n.º …  identifica separadamente cada uma das unidades autónomas de utilização independente, encontrando-se também discriminado o respectivo VPT resultante da avaliação geral (cfr. Doc. N.º 81 junto com a petição inicial);

F.     Os Requerentes foram notificados dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2014, efectuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor global de € 14.065,47 (catorze mil, sessenta e cinco euros quarenta e sete cêntimos) (cfr. Docs. n.º 1 a 80 juntos com a petição inicial);

G.   No dia 28 de Abril de 2015, os Requerentes procederam ao pagamento do acto de liquidação de Imposto do Selo, referente à prestação única, para o qual foram notificados (cfr. Docs. N.º 1 a 80 juntos com a petição inicial).

 

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos analisados e ponderados em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

No presente caso, são duas as questões de direito controvertidas:

 

1) saber se a sujeição a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, relativa ao ano de 2014, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares que o compõem - Incidência da verba 28.1 da TGIS;

2) saber se o disposto na verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, bem como do princípio da igualdade contributiva em sede de tributação do património, previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP.

 

Em consequência, importa saber se os Requerentes, caso procedam as questões anteriores, tem direito ao reembolso do valor pago a título de Imposto do Selo impugnado, e de juros indemnizatórios.

 

Vejamos,

 

I – Da incidência da verba 28.1 da TGIS

 

1.    A Lei nº. 55-A/2012, de 19 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos.

 

2.    A alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redacção:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ---------------------------------------- 1%[1]

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças -------------------------- 7,5%”

 

3.    Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:

a)              “prédios urbanos,

b)              com afectação habitacional,

c)             E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)

 

4.    A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro deste diploma, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.

 

5.    Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.

 

6.    E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço colectivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.

 

7.    Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

8.    Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

 

9.    A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

 

10.         Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa ou fracção autónoma) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

 

11.         Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.

 

12.         Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal, em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

 

13.         Com efeito, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou frações for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.

 

14.         Não parece sensato que se possa enquadrar na previsão normativa, prédios urbanos no seu todo, i.e, constituídos por unidades independentes, com avaliações de VPT separadas.

 

15.         Tal como referido, a introdução da Lei n.º 55-A/2012, de 19 de Outubro, pretendia tributar de facto, a riqueza.

 

16.         Ora, o prédio em questão pertence aos Requerentes, e é composto por 6 (seis) pisos e 10 (dez) divisões com utilização independente, sendo que apenas 8 (oito) se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 149.398,63 e € 207.257,05.

 

17.         É entendimento da AT que o somatório dos VPT relativos a essas 8 divisões com utilização independente que têm afectação habitacional, perfazendo um VPT global de 1.545.341,75 (um milhão, quinhentos e quarenta e cinco mil, trezentos e quarenta e um euros e setenta e cinco cêntimos) no ano de 2014, dá lugar a incidência de imposto do selo, razão pela qual, entendeu proceder à liquidação do Imposto do selo impugnada nos presentes autos.

 

18.         Assim, do ponto de vista da AT, para um prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto do selo, é o VPT global dos andares e divisões mesmo que com utilização independente, destinadas a habitação.

 

Vejamos, se a tese da AT convence,

 

19.         A Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012.

 

20.         No entanto, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.”, que aqui nos interessa.

 

21.         No entanto, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.

 

22.         Assim, temos que, a norma de incidência se refere a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2.º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

 

23.         Consultado o CIMI, verifica-se que o seu artigo 6.º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” 

 

24.         Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico- formal da situação concreta do prédio, mas sim, a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.

 

25.         Mais, aferimos que, para o legislador, a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. Releva, sim, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização. 

 

26.         Com efeito, a sujeição ao imposto do selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS, é determinada pela conjugação de três factores, a saber:

a)             estarmos perante um prédio urbano;

b)            a afectação habitacional e

c)             o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

27.         Ora, tratando-se de um prédio com as características supra descritas, a sujeição a imposto do selo terá de ser determinada, não pelo VPT do prédio “no seu todo”, mas pelo VPT atribuído a cada dos andares ou divisões com utilização independente, afectas a habitação.

 

28.         Posição esta assumida em vários arestos do Tribunal Arbitral, sob o tema “Imposto de Selo – Verba 28, propriedade vertical”, que aqui indicamos, a título de exemplo, como sejam os processos n.º 428/2014-T, n.º 206/2014-T, n.º 30/2014-T, n.º 181/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 50/2013-T, n.º 248/2013-T, n.º 849/2014-T, n.º 179/2015-T do CAAD (entre outros), a cuja motivação de Direito, o presente tribunal adere na íntegra, no que à matéria da incidência da verba 28.1 da TGIS diz respeito,...

 

29.         … bem como, no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que acompanhamos, proferido no processo n.º 047/15, de 09.09.2015, segundo o qual:

« I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.»

 

30.         Deste modo, o entendimento da AT no sentido de que o somatório dos VPTs das várias fracções ou divisões com utilização independente afectas à habitação, resultando num VPT global igual ou superior a € 1.000.000, legitima a incidência do imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, no regime regra, é, manifestamente, ilegal!

 

31.         Assim sendo, não havendo, desta forma, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, nunca poderia a AT sujeitar os Requerentes ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2014, que ora se impugna, por ser o mesmo considerado ilegal pelos Requerentes.

 

32.         No que se refere ao alegado vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, em particular da igualdade em sede de tributação do património, previsto nos artigos 13.º e n.º 3 do artigo 104.º ambos da CRP, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo vertentes, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.  

 

33.         Como refere o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao artigo 95.º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.” 

 

34.         Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos actos de liquidação impugnados.  

 

II. Dos juros indemnizatórios

 

35.         Os Requerentes peticionam, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

36.         Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

37.         Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

38.         Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

39.         No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

40.         Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

41.         Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

42.         Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, têm os Requerentes direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 14. 065,47, e contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

 

IX. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

1.      Anular todos os actos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pelos Requerentes relativos ao ano de 2014;

2.      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar os Requerentes da quantia que pagaram, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso.

 

X. Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 14.065,47 (catorze mil, sessenta e cinco euros quarenta e sete cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

 

XI. Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de maio de 2016

 

***

O Árbitro

 

 

 

 

(Jorge Carita)



[1] Redacção esta que foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sem que, contudo, tenha grande relevância para o caso em apreço, da seguinte forma:

“28.1  Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI----------------------------------------------------------------------------------1%”