Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 95/2015-T
Data da decisão: 2015-06-09  IMT  
Valor do pedido: € 37.053,25
Tema: IMT – Isenção prevista no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE
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Decisão Arbitral

 

I.                   RELATÓRIO

 

A..., LDA., Requerente, com sede no ..., freguesia de ..., concelho de ..., pessoa coletiva n.o ..., veio, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida, com vista a obter a anulação do acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º ..., no montante de €37.053,25 (trinta e sete mil e cinquenta e três euros e vinte e cinco cêntimos), emitido em 17.11.2014 pelo Serviço de Finanças de ... da Aut

 

oridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), e o pagamento de juros indemnizatórios que venham a calcular-se à data do efectivo reembolso.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16 de Fevereiro de 2015.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 28 de Abril de 2015.

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

II.                QUESTÕES-PRÉVIAS: DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA

Alega a AT na sua resposta que a Requerente pretende com o seu pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal profira decisão de reconhecimento do direito à isenção de IMT, sendo para isso o meio processual adequado a acção administrativa especial. Em consequência, entende a AT que o Tribunal deve abster-se de conhecer do pedido.

 

Tendo em conta que a procedência da excepção invocada pela AT, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas, importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se a competência do tribunal abrange, ou não, o acto de liquidação de IMT sub judice.

 

Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) e no artigo 101.º do Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

 

Assim, antes de mais, importa atender ao disposto no n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, segundo o qual o Governo foi autorizado a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária», devendo, segundo o seu n.º 2, “constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

 

Concretizando a referida autorização legislativa, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art. 2.º” fazendo “depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça - (vide a fundamentação do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 76/2012 acima referido).

 

O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).

 

Através da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos.

 

Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

 

Dispõe o artigo 2.º da Portaria de Vinculação:

 

 

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

 

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

A matéria em discussão no presente processo prende-se, como resulta da petição apresentada pela Requerente, com a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT sub judice, que poderia ter sido impugnado judicialmente, nos termos previstos nos artigos 41.º e ss. do Código do IMT (Veja-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 949/11, de 30.05.2012 e no processo n.º 1085/15, de 17 de Dezembro de 2014, donde resulta que os actos em análise foram objecto de impugnação judicial).

 

No fundo, o pedido apresentado pela Requerente respeita à declaração de ilegalidade de um acto de liquidação de imposto, no caso de IMT, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (adiante CIRE).

 

Tendo em conta que o processo arbitral circunscreve-se aos actos de liquidação de tributos, (…) incluindo os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação., entende-se que o pedido deduzido pela Requerente respeitante à declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT com base na violação do artigo 270.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), é susceptível de apreciação pelo Tribunal.

 

Na verdade, conforme resulta de várias decisões já proferidas pelo CAAD (Vide, por exemplo, acórdão proferido no processo arbitral n.º 73/2012), apenas estão fora do âmbito das matérias susceptíveis de apreciação em foro arbitral, as pretensões enquadráveis na impugnação de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação (acto administrativo em matéria tributável), que têm a sua sede própria na acção administrativa especial, de acordo com a alínea p) do n.º 1 e com o n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, como é o caso de um acto de indeferimento de um pedido de isenção de imposto, mas já não de um acto de liquidação de imposto.

 

Como ensina Jorge Lopes de Sousa, Em Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Editora Almedina, 2013, pp. pág. 105, quanto ao âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, bem como dos atos de agravamento à coleta, de apreensão e de adoção de providências cautelares pela Administração Tributária, a que se reportam o mesmo artigo 97.º, n.º 1, na sua alínea e) e os artigos 143.º e 144.º do mesmo Código.

 

Assim, conclui-se pela improcedência da excepção suscitada pela AT relativa à incompetência absoluta deste tribunal arbitral em razão da matéria.

 

Pelo exposto, considera-se que o Tribunal Arbitral se encontra regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

III.             MATÉRIA DE FACTO

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)   No Processo n.º …/09…..TBEPS, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ..., foi declarada a insolvência da sociedade “B..., S.A”, pessoa colectiva com o n.º ...;

 

B)    No âmbito de tal processo e tendo em vista a liquidação da massa insolvente, foram colocados à venda diversos imóveis, de entre os quais os adquiridos pela Requerente, melhor descritos e identificados em Doc. 1 e 3, que infra se enumeram:

 

1.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 43;

2.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 43;

3.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 47;

4.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 49;

5.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 50;

6.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 52;

7.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 65;

8.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 68;

9.      Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 44;

10.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 45;

11.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 48;

12.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 51;

13.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 62;

14.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 63;

15.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 66;

16.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 67;

17.  Prédio: U-...-..., ... - ..., ... Hab. ..., Lote 78, piso 1;

18.  Prédio: U-..., ... - ..., ... Lote 80;

 

C)    A Requerente apresentou proposta para compra de tais imóveis, tendo sido essa proposta a vencedora;

 

D)   Em consequência, o administrador de insolvência elaborou os respectivos autos de adjudicação;

 

E)    Munidos de tais autos e tendo em vista a celebração da respectiva escritura de compra e venda (Doc. 3), a Requerente requereu junto do Serviço de Finanças de ... a emissão da legalmente devida liquidação de IMT, expectantes da sua emissão a “zero”, atenta a isenção prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE.

 

F)     Não obstante, e apesar da interpelação da Requerente perante o Serviço de Finanças de ..., o acto de liquidação foi efectivamente emitido considerando-se ser devido o montante de €37.053,25, a liquidar até 18.11.2014;

 

G)   A Requerente pagou o IMT liquidado em 17.11.2014.

 

H)   A Requerente adquiriu os imóveis já identificados, no âmbito do processo de insolvência da sociedade “B.., S.A”, pessoa colectiva com o n.º ...;

 

Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

IV.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a compra de bens imóveis no âmbito do processo de liquidação da empresa insolvente está (ou não) isenta de IMT, nos termos previstos no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral o seguinte:

 

A)   Dispõe o n.º 2 do art. 270 do CIRE que Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.;

 

B)    A transmissão em causa é, sem margem para dúvidas, uma transmissão efectuada através de venda, praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente, pelo que ao não aplicar a isenção prevista no art. 270.º n.º 2 do CIRE, a AT agiu em manifesta ilegalidade;

 

C)     A este propósito, já em 30.05.2012 entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0949/11 que deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidade de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente;

 

D)   No seguimento da referida jurisprudência, também o Acórdão do STA, no Processo n.º 0765/13, de 03.07.2013, veio reforçar a interpretação do artigo 270.º n.º 2 do CIRE do Acórdão do STA no Processo n.º 0949/11;

 

E)    Sumaria tal Acórdão que O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.;

 

F)     Apesar de conhecedora de tais entendimentos, a verdade é que a AT, cuja actuação se norteia nos termos do art. 3.º do CPA pelo princípio da legalidade, efectuou a liquidação em causa à revelia de tal princípio, fazendo prevalecer o seu sentido de interpretação da lei sobre o entendimento preconizado pelos tribunais, esses sim garantes da legalidade;

 

G)   E se é verdade que as decisões judiciais têm um cariz marcadamente individual e concreto, não menos verdade é que em observância ao texto constitucional também a AT, enquanto integrante da estrutura da administração pública, está, por força do n.º 2 do art. 266.º da Constituição da República Portuguesa, vinculada ao respeito pelo princípio da igualdade e, com particular relevância, ao da boa-fé;

 

H)   Em observância do princípio da igualdade, chamando aqui à colação a situação vertida no Acórdão do STA no Processo n.º 949/11, a actuação administrativa devia, sem margem para interpretações, aplicar a situações iguais soluções iguais;

 

I)      Assim, a liquidação cuja anulação ora se reclama enferma de ilegalidade quanto aos seus pressupostos de facto e de direito, violando expressamente o disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;

 

J)      A reclamada anulação sempre fundará, nos termos do artigo 43.º da LGT, o direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, que desde já se reclamam pelo montante que venha a ser calculado aquando da efectiva devolução da quantia indevidamente cobrada por virtude da liquidação ilegal de IMT.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

A)    A Requerente faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada;

 

B)    Anteriormente ao surgimento do CIRE, o benefício fiscal aqui em causa em matéria falimentar constava do artigo 121.º do CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril;

 

C)    O n.º 2 do mesmo artigo do CPEREF conferia a isenção às transmissões de imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorressem: “c) Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo, previstos, respectivamente, nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 101.º”;

 

D)    Com a Reforma da Tributação do Património ocorrida em 2003 aquela isenção do CPEREF passou a reportar-se ao IMT;

 

E)     A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, introduziu, entre outras, uma ligeira alteração no artigo 270.º/2-c) do CIRE, o qual passou a dispor que:

“Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”;

 

F)     No caso sub judice assume relevância o confronto entre a letra do artigo 121.º do CPEREF e o estabelecido na letra do artigo 270.º/2 do CIRE, de onde se retiram duas normas: por um lado, a isenção de IMT resultante da dação em cumprimento e da cessão de bens aos credores que constava do artigo 121.º-b) do CPREF passou tal qual para o artigo 270.º/1-c) do CIRE; por outro lado, o mesmo já não sucedeu relativamente aos actos de venda, permuta ou cessão, pois que o legislador não se limitou a uma tarefa de reordenação, mas sim a uma alteração de fundo;

 

G)    Com efeito, a isenção de IMT resultante de actos de venda, permuta ou cessão da empresa deixou de fazer referência aos “elementos do activo da empresa” e aos “arrendamentos a longo prazo”, mas apenas e só à “empresa” ou “estabelecimentos desta” última;

 

H)    Resumindo, a isenção de IMT constante do artigo 270.º/2 do CIRE abrange os actos de venda, permuta ou cessão integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos, de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, porém (agora) com uma reserva face àquilo que o (então) artigo 121.º/2-c) do CPEREF dispunha: que o objecto da transmissão seja a empresa ou estabelecimento(s) desta última, e não somente elementos do activo da empresa.

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IMT sub judice é ou não ilegal será necessário verificar:

 

Se a norma prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE isenta de IMT os bens imóveis adquiridos, no âmbito do processo de liquidação da empresa insolvente, independentemente dos bens transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

O artigo 270.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, dispõe como se segue:

 

1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação: 


a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital; 


b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora; 


c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores;

 

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

 

 

Acerca desta matéria e em questão idêntica à dos presentes autos, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo em vários acórdãos, de onde se destaca pela sua clareza o Acórdão n.º 0949/11, de 30 de Maio de 2012, que passamos a reproduzir:

 

Em face da letra da lei, quer uma, quer outra das interpretações são defensáveis, afigurando-se, contudo, gramaticalmente mais correcta a sustentada pela Administração tributária, pois que os verbos “vender”, “permutar” e “ceder” são todos eles verbos transitivos, daí que na frase a referência à “empresa ou estabelecimentos desta” surgisse como complemento directo de todos três.


Esta interpretação, choca, contudo - como bem observado na sentença recorrida –, com aquilo que o legislador consignou no n.º 49 do preâmbulo do CIRE no que respeita aos benefícios fiscais, onde se afirma que: «mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais», sendo certo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF isentava de imposto municipal de sisa as transmissões de bens imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa. E choca, também – como bem observado pelo Ministério Público em 1.ª instância (cfr. o parecer de fls. 66 a 68 dos autos) - , com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º39/2003, de 22 de Agosto, pois que, no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha o n.º 3 do artigo 9.º daquela lei de autorização legislativa que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».


Pode, é certo, defender-se que, na perspectiva do legislador do CIRE, as diferenças quanto ao âmbito da isenção de IMT relativamente à que existia no CPEREF para a SISA não se afiguraram como essenciais, daí que não lhes haja feito qualquer referência particular. É que, designadamente em matéria fiscal, nem sempre o preâmbulo dos diplomas espelha com rigor o respectivo conteúdo, não sendo sequer inédito que incluam menções que o articulado da lei infirma (cfr. no que respeita à SISA/IMT o Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Novembro de 2010, rec. n.º 499/10).
E pode, também, defender-se que na concretização da autorização legislativa para aprovação do CIRE, na matéria que nos ocupa, o Executivo decidiu ser mais parcimonioso que a Assembleia da República quanto à concessão de isenção de IMT, decidindo excluir essa isenção nos casos de venda, permuta ou cessão de elementos dos seus activos, concedendo-a apenas nos casos de venda, permuta ou cessão da empresa ou seu estabelecimento. Se assim foi, contudo, não teria respeitado o sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida, tendo legislado em matéria reservada à Assembleia da República (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição) em desrespeito da credencial parlamentar que lhe foi conferida.


Como é sabido, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade.

 
É por essa razão fundamentalmente que se entende que a decisão recorrida não merece censura, pois que sendo embora duvidoso que o legislador ordinário do CIRE tenha pretendido conferir à isenção de IMT prevista no n.º 2 do seu artigo 270.º o mesmo âmbito que tinha a anterior isenção de SISA prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF, a opção do sentido da sua restrição não lhe era consentida, pois que em matéria de benefícios fiscais legisla em domínio reservado à Assembleia da República, havendo que respeitar os limites que esta lhe fixe, designadamente os respeitantes ao sentido e extensão da autorização (cfr. o n.º 2 do artigo 165.º da Constituição da República). 

 

Assim, tal como foi defendido no referido Acórdão, entende este Tribunal que os actos a que se refere o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrangem, não apenas as transmissões de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente, mas também as transmissões isoladas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

In casu, a Requerente adquiriu vários imóveis à massa falida da sociedade “B..., S.A.”- facto que a Requerida não questiona.

 

Destarte, e perante a interpretação defendida no Acórdão do STA acima identificado, que sufragamos, impõe-se concluir que assiste razão à Requerente quando defende a ilegalidade do acto de liquidação de IMT relativo à aquisição daqueles imóveis.

 

Assim, impõe-se julgar procedente a petição arbitral apresentada contra a liquidação de IMT incidente sobre a aquisição de imóveis em processo de insolvência, anulando-se o acto de liquidação de IMT sub judice, considerando-se que tal aquisição está abrangida pela norma de isenção constante do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

 

A Requerente peticiona, ainda, pela condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

Ora, o artigo 46.º do Código do IMT estabelece o seguinte:

 1. Anulada a liquidação, quer oficiosamente, quer por decisão da entidade ou tribunal competente, com trânsito em julgado, efectua-se o respectivo reembolso.

2. Não há lugar a anulação sempre que o montante de imposto a anular seja inferior a €10.

3. São devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária que são liquidados e pagos nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

Conforme resulta da interpretação dada ao artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, não era devido IMT, pelo que tal imposto foi indevidamente cobrado.

 

Em consequência, assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios, nos termos dos preceitos legais acima enunciados.

 

Em suma: o acto de liquidação de IMT subjacente à presente petição arbitral é ilegal, devendo ser anulado.

 

V.                DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)    Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência declarar ilegal e anular o acto de liquidação de IMT, no valor total de €37.053,25.

 

B)    Julgar procedente, por provado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, mormente condenando a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária em conjugação com o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

C)    Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

VI.             VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária o valor do pedido é fixado em €37.053,25.

 

 

 

 

VII.          CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Junho de 2015

 

 

A Árbitro

Magda Feliciano

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)