Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 575/2014-T
Data da decisão: 2015-03-23   
Valor do pedido: € 32.181,70
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

Requerente: A..., Sociedade Imobiliária, S.A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

       I.           RELATÓRIO

 

1.     Em 29 de Julho de 2014, A..., Sociedade Imobiliária, S.A, contribuinte fiscal n.º …, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária);

 

2.      No referido pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare:

 

a)     A ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2014..., 2014..., 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014… e n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014.., 2014…, 2014… e 2014…, no montante total de € 32.181,70;

 

b)     a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso da quantia indevidamente paga – no montante de € 10.727,23 -  relativa à primeira prestação das liquidações contestadas, acrescida dos juros indemnizatórios;

 

c)     e sendo esse o caso, o reembolso das quantias indevidamente pagas relativamente à segunda e terceira prestações das liquidações contestadas ou dos custos decorrentes da prestação de garantias no âmbito dos processos de execução fiscal que venham a ser instaurados para cobrança do respetivo valor.

 

3.     O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 30 de Julho de 2014 e foi posteriormente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida).

 

4.     A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária, o signatário foi designado para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.     Após serem ouvidas as parte, foi decidido não se realizar a primeira reunião do Tribunal Arbitral, não tendo, igualmente, havido lugar à apresentação de alegações.

 

6.     A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no entendimento de que não está sujeito a Imposto do Selo, nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, um edifício composto por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, cujos valores patrimoniais tributários separadamente determinados são inferiores a € 1.000.000, mas que no total perfaçam ou ultrapassem esse valor.

 

7.     Para a Requerente a referida verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo só é aplicável quando o requisito do valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000, se verifique quanto ao edifício e não quanto a cada uma das divisões que o integram.

 

8.     Não sendo o conceito de "Prédio com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000", definido no Código do Imposto do Selo, a Requerente invoca a necessidade de recorrer ao Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis, para determinar se as divisões em causa integram o conceito de prédio para efeitos deste Diploma, nomeadamente se reúnem os três requisitos entendidos pela Requerente como necessários para que se possa estar perante este conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico.

 

9.     Dando por verificados estes requisitos com referência às frações autónomas, a Requerente sustenta que as divisões suscetíveis de utilização independente de  um prédio  em propriedade total, são realidades materialmente iguais às frações autónomas, uma vez que ambas preenchem os requisitos previstos no artigo 1415.º do Código Civil, a saber, são unidades independentes, distintas e isoladas entre si e com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública e, bem assim, que a constituição em propriedade horizontal implica uma  mera  alteração  jurídica  do  prédio  não impondo sequer uma nova avaliação.

 

10.  Concluindo que quer as frações autónomas, quer as divisões suscetíveis de utilização independente revestem todos os critérios para a sua qualificação como prédio para efeitos fiscais, já que ambas (i) possuem uma ligação permanente ao território -"elemento fisico"; (ii) integram o património· do seu titular "patrimonialidade"; e (iii) permitem o seu aproveitamento separado, seja diretamente pelo seu titular, seja através da cedência da sua utilização a um terceiro, o que lhes confere uma relevância económica autónoma - "valor económico".

 

11.  Mais refere a Requerente que sendo as divisões de um imóvel em propriedade total suscetíveis de utilização independente é inquestionável que - à semelhança do que sucede com as frações autónomas - a sua afetação deve ser aferida divisão a divisão; e, bem assim que se à luz do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis, cada parte autónoma do imóvel dispõe de valor patrimonial próprio, constituindo o valor tributável para efeitos deste imposto, deve ser esse o valor considerado para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

12.  Finalmente, a Requerente sustenta ainda que a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, nos termos da qual foram emitidas as liquidações contestadas, viola o princípio da igualdade, previsto nos artigos 13.º e n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa e da proibição da dupla tributação jurídica, decorrente do princípio da igualdade e do princípio da capacidade contributiva.

 

13.  Para a Requerente a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo viola o princípio da igualdade, não só porque tributa os prédios afetos a habitação (com vantagem para os demais) sem qualquer apoio no princípio da capacidade contributiva, como mesmo dentro daquela categoria de prédios, trata situações que indiciam a mesma capacidade económica de forma diferente, sem se fundar num valor constitucionalmente relevante.

 

14.  A Requerente termina concluindo que a tributação introduzida pela verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre uma riqueza ou capacidade económica que já foi sujeita a tributação em sede de Imposto Municipal sobre os Imóveis, mediante a aplicação de uma taxa à totalidade do valor patrimonial tributário dos prédios.

 

15.  E, sendo que essa duplicação de tributação se dirige única e exclusivamente a uma categoria de sujeitos passivos, sem que tal distinção tenha qualquer apoio no princípio da capacidade contributiva, a Requerente entende que se compromete de forma irremediável o direito à igualdade desses contribuintes.

 

16.  Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, que o valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00 de que depende a aplicação da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo é, como resulta expressamente da sua letra, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que suscetíveis de utilização independente.

 

17.  Entende a Requerida que um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios. Deste modo, e por interpretação a contrario sensu, a Requerida conclui que não constituem prédios urbanos as frações destes últimos que não se encontram sujeitas ao regime da propriedade horizontal.

 

18.  Mais avança a Requerida carece de sustentação legal a tese defendida pela Requerente, pois muito embora a liquidação do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, se processe de acordo com as regras do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o Imposto Municipal sobre os Imóveis seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal.

 

19.  Sustenta, ainda a Requerida que não existe qualquer tratamento desigual, nem identidade de situações pois o tratamento desigual apenas ocorre quando perante realidades substancialmente idênticas se confere um tratamento substancialmente diverso, sem que para tanto exista um fundamento legítimo, sendo que no caso vertente entende estar-se perante realidades distintas uma vez que a propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, enquanto que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.

 

20.  Finalmente a Requerida entende não existir dupla tributação uma vez que o que é tributado em sede de Imposto do Selo, é a especial capacidade contributiva que é revelada pelos detentores destes prédios, o que se justifica constitucionalmente nos termos n.º 1 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, face aos superiores interesses, subjacente à existência de um Estado de Direito Democrático.

 

    II.            SANEADOR

 

21.  O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do número 1 do  artigo 2.º, e dos artigos 5.º e 6.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária.

 

22.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

23.  Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe conhecer do mérito do pedido.

 

  III.          OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

 

24.  Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

 

a)     se o valor patrimonial relevante para efeitos de apuramento da aplicabilidade da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando esteja em causa um prédio não constituído em propriedade horizontal, é o de cada unidade autonomamente considerada ou o somatório do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas unidades;

b)     reconhecimento do direito a juros sobre o valor de imposto pago relativo à primeira prestação e a reembolso desse mesmo valor;

c)     reconhecimento do direito a juros e ao reembolso ou a eventuais custos devidos pela prestação de garantia com referência ao valor de imposto relativo às remanescentes prestações.

 

 

  IV.          MATÉRIA DE FACTO

 

 Factos provados

25.  A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto social a "a) A promoção, gestão e comercialização em qualquer modalidade, designadamente em sistemas de multiproprietário, de empreendimentos urbanísticos, turísticos e hoteleiros e de complexos desportivos e de lazer; b) A elaboração de estudos e projectos urbanísticos, turisticos, de complexos desportivos, de construção civil e de equipamentos e tecnologias conexas; c) Aquisição, construção, promoção e comercialização directa e revenda de imóveis e gestão imobiliária. (cf. Doc. 25, junto com a petição inicial);

 

26.  A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo U-1... e do prédio inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia, sob o artigo U-2… (cf. Docs. 1 a 24 juntos com a petição inicial);

 

27.  O prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo U-1... corresponde a um prédio em propriedade total composto por 14 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cada uma delas com um valor patrimonial tributário determinado separadamente, compreendido entre € 7.410 e € 188.460, perfazendo um total de € 2.082.180 (cf. Doc. 26, junto com a petição inicial);

 

28.  O prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo U-2… corresponde a um prédio em propriedade total composto por 13 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cada uma delas com um valor patrimonial tributário determinado separadamente, compreendido entre € 52.950 e € 99.320, perfazendo um total de € 1.208.930 - (cf. Doc. 27, junto com a petição inicial);

 

29.  A Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2014..., 2014..., 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014.. e 2014… e n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, no montante total de € 32.181,70 (cf. Docs. 1 a 24 juntos com a petição inicial);

 

30.  Em 30 de Abril de 2014, a Requerente promoveu o pagamento das acima indicadas liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 10.727,23 (Docs. 1 a 24 junto com a petição inicial).

 

31.  A matéria de facto dada como provada, assenta na prova documental apresentada, não contestada pelas partes.

 

 Factos não provados

32.   Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

    V.          MATÉRIA DO DIREITO

 

33.  Conforme supra identificado, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente, no essencial, sustenta, quanto à aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo a ilegalidade da consideração de que um prédio composto por “andares ou divisões afetas a habitação” cujos valores patrimoniais separados sejam inferiores a € 1.000.000 sejam considerados em conjunto para efeitos desta tributação.

 

34.   Acrescenta ainda que essa interpretação da regra em causa viola os princípios constitucionais da igualdade e da proibição da dupla tributação jurídica.

 

35.  Pede, então, a anulação das liquidações contestadas.

 

36.  Por sua vez a Requerida sustenta a legalidade da liquidação considerando que a mesma se traduz em elementos objetivos de aplicação direta da norma legal, defendendo que a Requerente pretende, de forma errada, assimilar a propriedade total à propriedade horizontal.

 

37.  Na interpretação que a Requerente faz da determinação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo considera que no caso de prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização autónoma se deve relevar para efeitos de Imposto do Selo o prédio na totalidade.

 

38.  Defende, então, não só a legalidade da liquidação, como a inconstitucionalidade da posição defendida pela Requerente por ofensa aos princípios da legalidade tributária e da igualdade.

 

39.  No que respeita ao mérito da causa, a questão que é objeto do presente processo é a de saber se os atos tributários contestados padecem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito ao considerarem o somatório do valor patrimonial tributário das áreas com afetação habitacional de prédio urbano em propriedade total, em detrimento do valor patrimonial tributário individual de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, com afetação habitacional, para efeitos de incidência de Imposto do Selo (prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo).

 

40.  Cumpre agora tomar em atenção o que está estabelecido na legislação fiscal. Por um lado o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo determina que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”.

 

41.  O n.º 1 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo dispõe que o valor tributável a considerar é o que resulta da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

42.  Nesse sentido deve-se tomar em atenção que a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo tem a seguinte redação:

 

28 “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de Imposto Municipal sobre imóveis:

 

28.1 Por prédio com afetação habitacional: 1%”.

 

43.  O sublinhado feito serve para chamar a atenção para a relevância do que está previsto no Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis quanto à determinação do valor patrimonial tributário.

44.  Ademais, o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo reforça essa relevância quando prevê expressamente que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.

 

45.  Assim convém tomar em atenção a determinação do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis que quanto à determinação do conceito de prédio prescreve no seu n.º1 “Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”.

 

46.  Por sua vez, no artigo 3.º do referido Código está determinado o que se entende por prédios rústicos:

“1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

Estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS);

Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas estejam a ter, de facto, esta afetação.

3 – São ainda prédios rústicos:

Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”.

 

47.  De acordo com o artigo 4.º do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis “Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.“.

 

48.  Já no artigo 5.º do Código determina-se quanto aos prédios urbanos que:

“1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 - Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”.

 

49.  De acordo com o artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis,

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

Habitacionais;

Comerciais, industriais ou para serviços;

Terrenos para construção;

Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”.

 

50.  Para além destas classificações deve tomar-se em atenção as disposições do artigo 7.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis de acordo com o qual:

“1 – O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.

2 – O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se

(...)

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.”.

 

51.  Ainda quanto ao Imposto Municipal sobre os Imóveis o n.º 3 do artigo 12.º estatui que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.”.

 

52.  Para além destes preceitos, deve-se tomar em atenção o artigo 11º da Lei Geral Tributária que quanto à interpretação estabelece que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”.

 

53.  Convém também tomar em atenção que é necessário igualmente recorrer aos princípios gerais da interpretação das leis que são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

 

54.  Vistos os argumentos das partes, a descrição da questão fundamental e o enquadramento legal cumpre sublinhar que o problema que está em causa se cinge em perceber se o valor patrimonial tributário corresponde ao que é atribuído a cada uma das partes ou andares, ou ao seu conjunto.

 

55.  No fundo, perceber se nos casos de propriedade total e para efeitos de determinação do valor relevante para apurar a incidência do Imposto do Selo se deve considerar o prédio, como faz a Autoridade Tributária, como um todo apesar de ser constituído por várias partes autónomas para habitação, com utilização independente.

 

56.  Se assim for são várias as situações em que se pode ultrapassar o limite de um milhão de euros.

 

57.  A resolução da questão que é colocada deve começar por atender ao facto de a inscrição de imóveis em propriedade total na matriz obedece nos termos do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis às mesmas regras da inscrição quando se esteja perante propriedade horizontal (n.º 3 do artigo 12.º).

 

58.  Isso tem como consequência que a liquidação, de acordo com o mesmo Código, também se faz individualmente por cada uma das partes.

 

59.  Se assim é, só por puro critério de oportunidade se pode aceitar a ideia da Requerida de que possa existir para esta situação uma diferença entre a regra de incidência e a de liquidação.

 

60.  Melhor teria de ser a lei, no caso - por remissão da legislação relativa ao Imposto do Selo - o Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis -, a expressamente prever essa diferença.

 

61.  Sucede que a letra da lei não o determina em circunstância alguma.

 

62.  Por essa razão uma tributação à luz da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo de um prédio em propriedade total, cujo valor patrimonial de cada divisão seja inferior a €1.000.000 viola o princípio da legalidade, pois não se verifica o pressuposto legal de incidência.

 

63.  Convém ainda tomar em atenção que o legislador considerou como elemento decisivo e de incidência a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional de elevado valor (luxo) sobre os quais introduziu uma taxa especial.

 

64.  Isso mesmo se retira da discussão da proposta de lei 96/XII, disponível no Diário da Assembleia da República, I série, n.º 9/XII/2 de 11 de outubro de 2012, em que se designa a medida como “uma taxa especial sobre prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor”.

 

65.  Ao regressar à situação em análise não há qualquer espécie de dúvida que nos encontramos juridicamente perante um prédio urbano, com afetação habitacional em regime de propriedade total.

 

66.  Isso não resulta na possibilidade de a Requerida poder determinar a liquidação concreta não aplicando as regras do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (aplicáveis por remissão expressa na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo).

 

67.  Não pode a Requerida distinguir onde o legislador não o fez, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal.

 

68.  Desta forma, a liquidação sub iudice cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo por erro sobre os pressupostos de direito o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

 

69.  Em função da resolução dada por via legal ao caso presente fica prejudicado o conhecimento dos argumentos de ordem constitucional.

 

  VI.          DECISÃO

 

70.   Em face do supra exposto, decide-se:

a)     Julgar procedente o pedido de anulação com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação cuja legalidade foi contestada;

b)     Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto pago, e bem assim o reconhecimento de juros indemnizatórios nos termos previstos nos artigos 43º, da Lei Geral Tributária e 61º, do Código do Procedimento e Processo Tributário.

c)     Não se reconhece o pedido referente ao reembolso das quantias relativas à segunda e terceiras prestações das liquidações contestadas ou os custos decorrentes da prestação de garantias nos processos de execução fiscal que viessem a ser instaurados para cobrança desse valor por não se ter vindo demonstrar nenhuma dessas circunstâncias.

 

71.  Fixa-se o valor do processo em € 32.181,70 (trinta e dois mil e cento e oitenta e um euros e setenta cêntimos), nos termos do artigo 32.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

72.  Custas a cargo da Requerida, no montante de € 1.836, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se as partes,

Lisboa, 23 de Março de 2015

 

O Árbitro,

(Diogo Feio)

 

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro signatário].